Acórdão do Tribunal da Relação do Porto | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JTRP000 | ||
Relator: | JOÃO RAMOS LOPES | ||
Descritores: | RECURSO DA DECISÃO DE FACTO COAÇÃO MORAL ANULABILIDADE DO NEGÓCIO CAUSALIDADE | ||
Nº do Documento: | RP202306131169/21.6T8PVZ.P1 | ||
Data do Acordão: | 06/13/2023 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | RECURSO IMPROCEDENTE; DECISÃO CONFIRMADA | ||
Indicações Eventuais: | 2. ª SECÇÃO | ||
Área Temática: | . | ||
Sumário: | I - Sob pena de estar a levar a cabo actividade inútil, infrutífera, vã e estéril, deve a Relação abster-se de apreciar da impugnação da decisão da primeira instância sobre a matéria de facto relativamente a factualidade que não interfere de modo algum na solução do caso, sendo alheia à sorte da acção. II - O nosso ordenamento jurídico afastou-se da matriz assente na clássica distinção entre matéria de facto/matéria conclusiva (e/ou de direito), não rejeitando o recurso a expressões de conteúdo mais genérico ou até conclusivo (sem prejuízo de se buscar uma descrição factual e não juízos conclusivos), desde que as mesmas permitam percepcionar a realidade invocada e acompanhem os demais factos, ainda que constituam mero acrescento descritivo, qualitativo, quantitativo ou valorativo dos mesmos mas concretizem a realidade subjacente ao litígio. III - Assim que a proficiente impugnação da decisão de facto deve dirigir-se aos factos que (incluídos ou a incluir na fundamentação de facto) permitam afirmar (ou afastar, consoante o interesse do recorrente) tal ‘factualidade conclusiva’ – a ‘factualidade conclusiva’ a utilizar no segmento reservado à descrição/concretização da realidade a valorizar tem o seu âmbito circunscrito à adjectivação, qualificação ou valorização da realidade a que se reporta e acompanha, não tendo por função substituir a enunciação concretizadora do material objectivo que constitui a causa do litígio, e por isso que só a impugnação desta permite proficiente impugnação que pode levar à eliminação (a realizar no âmbito da apreciação da matéria jurídica) daquele juízo conclusivo. IV - A coacção moral consiste numa pressão psicológica (vis compulsiva) determinante da declaração – a vítima da ameaça pode optar entre expor-se ao mal de que é ameaçada ou formular a declaração que se lhe exige, sendo que a declaração que assim decida fazer se apoia numa vontade formada por condições anormais (é uma vontade gravemente cerceada na sua livre determinação). V - Condições de relevância da coacção moral como motivo de anulabilidade do negócio (esse o efeito da coacção – art. 256º do CC), quando exercida pelo declaratário, são a ameaça dum mal, a ilicitude da ameaça e o carácter intencional ou cominatório. VI - A relevância anulatória da coacção só pode afirmar-se verificando-se a causalidade entre a ameaça e o medo, por um lado, e entre este e a declaração, por outro – causalidade que opera num duplo plano e que, por isso, se perfila como uma dupla causalidade (‘necessidade da ameaça ser causa do medo e de este ser a causa da declaração negocial’). VII - Não provindo a coacção de terceiro, não é necessário demonstrar a gravidade do mal ou o justificado receio da sua consumação, bastando que a ameaça seja de molde a determinar a vontade do declarante. | ||
Reclamações: | |||
Decisão Texto Integral: | Apelação nº 1169/21.6T8PVZ.P1 Relator: João Ramos Lopes Adjuntos: Rui Moreira João Diogo Rodrigues * Acordam no Tribunal da Relação do Porto RELATÓRIO Apelante (co-réu): AA. Apelada (autora): BB. Juízo central cível da Póvoa de Varzim (lugar de provimento de Juiz 4) - T. J. da Comarca do Porto. * Na presente acção comum que BB intentou contra AA e CC (seus ex-marido e ex-sogra, respectivamente) pedindo a anulação do acordo de partilha que celebrou com o réu, devido à existência de um vício da vontade (coacção moral) e, ainda, a anulação do contrato de compra e venda outorgado entre os réus (por simulação), tramitada a causa e realizado julgamento, foi proferida sentença que decretou a anulação (por existência de vício de vontade - coacção moral) do acordo de partilha celebrado no dia 10/03/2021 entre autora e réu, julgando no mais improcedente a acção, com a consequente absolvição dos réus do demais pedido.Inconformado, apelou o réu, pretendendo a revogação da decisão e substituição por outra que julgue a acção inteiramente improcedente, terminando as suas alegações com as seguintes conclusões: A. Vem o presente recurso interposto da sentença final, proferida nos autos de ação de processo comum acima referenciados, que o ora recorrente AA, interpôs contra a ora recorrida BB, na parte em que se julgou a ação parcialmente procedente, condenando o Réu num dos pedidos contra ele formulados, sendo que, sempre com o devido respeito, na sentença recorrida não foi feita correta apreciação da matéria de facto, como como não foram corretamente interpretados e aplicados os preceitos legais atinentes. B. A recorrida intentou contra o recorrente a presente ação na qual, e em suma, pede a anulação da partilha conjugal alegando para tanto coação moral como vício da vontade, uma vez que afirma ter sido coagida a assinar tal documento pelo ex-marido, sob ameaça de este lhe “tirar as filhas”, alegando para tanto, e em suma, que todos os documentos relativos ao divórcio, inclusivamente o Acordo de Responsabilidades Parentais relativamente às duas filhas menores, foram por si assinados mediante coação do réu, e que após o divórcio apenas permaneceu a residir com o Réu, na casa de morada de família, “uma vez que dependia financeiramente deste e porque sabia ser essa a única forma de continuar a morar com as duas filhas”. C. Na sua contestação, o recorrente invocou a inadmissibilidade da coação para invocar a nulidade da partilha dado que da análise do termo de autenticação do Acordo de Partilha resulta que os requisitos de validade formal previstos na lei foram verificados, e que a Autora declarou atuar de forma livre e consciente e que o conteúdo do referido contrato de partilha por divórcio correspondia inteiramente à verdade e exprimia a sua vontade. Mais acrescentou, em suma, que, aquando da celebração da Partilha, a Recorrida não estava sob qualquer coação moral, uma vez que conhecia as cláusulas do Acordo sobre o Exercício das Responsabilidades Parentais homologado; sabia que qualquer acordo sobre esta matéria teria de ser homologado pelo Ministério Público; sabia da impossibilidade de essas cláusulas serem alteradas unilateralmente; sabia da possibilidade de o referido Acordo poder ser alterado a requerimento de qualquer dos progenitores; esteve acompanhada por advogado no âmbito do processo de divórcio; esteve perante Conservadora no dia da celebração do divórcio; mediaram 4 meses entre divórcio e a Partilha; esteve perante uma entidade autenticadora aquando da celebração da Partilha, perante a qual declarou exprimir a sua vontade; é licenciada, viajada e tem acesso a meios tecnológicos que permitem a consulta a informação disponível online, nomeadamente em plataformas do Estado; e tinha meios para se aconselhar juridicamente, como efetivamente o fez, reiterando que jamais ameaçou a recorrida que a privaria do contacto com as filhas de ambos e que “lhe tiraria as suas filhas”, e que mesmo que o tivesse feito, o que não se concebe nem concede e por mero raciocínio se formula, tal conduta jamais configuraria coação moral, mas apenas um mero temor reverencial. D. O tribunal a quo, após a produção de prova proferiu sentença na qual e, em suma, sustenta que a recorrida foi moralmente coagida pelo recorrente, tendo, considerado como provado que “o Réu disse várias vezes à Autora que se esta saísse de casa, nunca mais veria as suas filhas” e que “se saísse de casa tirava-lhe as filhas”, tendo dado como assente que a recorrida sentia um grande medo com a possibilidade de nunca mais ver as suas filhas e, por isso, assentiu em permanecer na residência, bem como em assinar toda a documentação que o recorrente lhe apresentava. E. Sempre com o devido respeito, na sentença recorrida, não se fez correto julgamento da matéria de facto, como igualmente não se fez de direito, desde logo, dado que se verifica que a factualidade dada como provada pelo Tribunal a quo assentou numa base composta por quatro de vetores: a censura do modo como o divórcio foi celebrado, ainda que não fundamente quais as circunstâncias e de que forma é que as mesmas foram censuráveis; o regime de responsabilidades parentais e o acordo de partilha terem alegadamente sido desfavoráveis à recorrida, todavia, não se explicitou em que sentido é que cada um desses acordos foi desfavorável à recorrida; e o alegado estado de subjugação psicológica da recorrida pelo recorrente, ainda que a recorrida não tenha logrado provar que o recorrente a tenha ameaçado nem que tenha exercido sobre si violência física ou psicológica. F. Na verdade, tal factualidade é suportada na sentença recorrida por juízos conclusivos que, como tal, nos termos da lei, se devem dar por não escritos, bem como nas declarações de parte da recorrida, que levou o tribunal a quo a acreditar na veracidade do que relatou em audiência relativamente ao ambiente de maus tratos psicológicos vividos pela recorrida, ainda que este tenha considerado que “É complicado conseguir valorar um depoimento como o da autora” e que esta não apresentou “prova credível e sólida” de nenhuma das “realidades esdrúxulas” que alegou. G. Com o devido respeito, o tribunal a quo não procedeu adequadamente à valoração da prova documental junta aos autos, que evidencia a veracidade dos factos invocados pelo recorrente, nomeadamente: o documento particular autenticado do acordo de partilha; a sentença pela qual foi julgada improcedente a providência cautelar de alimentos provisórios (Doc. 12 da Contestação); a carta enviada pelo recorrente à sua entidade patronal, em 24/03/2021, a informar que não aceitava ir para o Canadá; os documentos 13, 14 e 15 juntos com a Contestação, em que se comprova que o recorrente já se encontrava a procurar casa e tinha financiamento bancário aprovado, ainda antes de a recorrida sair de casa; bem como, não foi tido em linha de conta o facto de que, à data em que foi celebrado o acordo de partilha, a recorrida já se encontrava aconselhada por outro advogado, bem como já tinha um visto de residência e trabalho para o Canadá. H. Conforme resulta da sentença recorrida, entre a factualidade dada como assente, o tribunal a quo considerou como factos provados, particularmente, os seguintes: 6. O Réu disse várias vezes à Autora que se esta saísse de casa, nunca mais veria as suas filhas. 7. Com medo, a Autora permaneceu a residir com o Réu, mesmo após o divórcio. 11. A autora dependia financeiramente do réu. 12. O réu disse à autora várias vezes que se saísse de casa tirava-lhe as filhas. 13. A Autora sentia um grande medo com a possibilidade de nunca mais ver as suas filhas e, por isso, assentiu em permanecer na residência, bem como em assinar toda a documentação que o Réu lhe apresentava. 14. O Réu sempre “exigiu” que a Autora continuasse a viver com ele, naquela que fora a casa de morada de família, uma vez que não tinha comunicado a ninguém o divórcio, e pretendia manter a “imagem familiar” e ter alguém que cuidasse das suas filhas. 16. O Réu estava em processo de se mudar para o Canadá, em trabalho, tendo inclusive os vistos (para ele e para as filhas menores) já aprovados. 17. A autora sentiu um profundo sentimento de medo que a levou a assinar os documentos apresentados pelo réu, sempre com o objectivo de proteger a sua relação com as filhas. 19. No dia 4 de Abril de 2021 a autora fugiu de casa com as suas filhas menores. 32. Em 04.04.2021 a autora fugiu de casa com as menores. I. A sentença deu como factos não provados, entre outros, os seguintes: 23. O Réu decidiu não emigrar para o Canadá. (é contraditório com alguma parte da sentença, documentos e foi expressamente repetido na audiência quer pelo Réu quer pelo seu irmão) 24. O réu disse à autora que não ia para o Canadá antes de esta fazer cessar a coabitação. 25. Antes da realização da partilha, a Autora já tinha conhecimento que o Réu ponderava não ir para o Canadá, face ao diagnóstico de doença oncológica em fase terminal do seu pai – DD. 26. Em nenhum momento o Réu manifestou a vontade de privar as suas filhas do contacto com a mãe. 27. Face à factualidade supra evidenciada, inexiste razão à Autora para alegar, como alega, ter sido coagida com base na ameaça de lhe serem “tiradas as filhas”, porquanto em momento algum tal esteve na iminência de acontecer. 28. Contudo, em momento algum o Réu ameaçou a Autora que a privaria do contacto com as filhas de ambos. J. Ora, a apreciação de tal matéria impunha decisão diversa, quer quanto à matéria de facto assente e que não deveria ter sido, quer relativamente à matéria de facto que não foi considerada provada e que deveria ter sido. K. No que respeita à matéria de facto que foi considerada provada e que não deveria ter sido, total ou parcialmente, importa referir o seguinte: K.1. Em relação ao vertido no ponto 6. dos “Factos Provados”, consta o seguinte: “O Réu disse várias vezes à Autora que se esta saísse de casa, nunca mais veria as suas filhas.” Ora, este ponto contém uma formulação conclusiva, pelo que deverá considerar-se como não escrito e ser expurgado da matéria de facto dada como assente. Sem conceder, o que não se concebe nem concede e por mero raciocínio se formula, nenhuma testemunha foi capaz de indicar ou descrever um momento em que tal tenha ocorrido, pelo contrário decorre da prova testemunhal e documental existente e produzida nos autos, que o recorrente sempre atuou por forma a que as filhas menores tivessem uma relação próxima com a recorrida: existia uma relação cordial, como decorre do depoimento do recorrente (ata da audiência de julgamento, 00:13:49), bem como dos depoimentos das testemunhas EE, FF, GG e HH; do doc. 2 junto com a petição inicial, decorre que o superior interesse das menores, nomeadamente a sua relação com a recorrida foi salvaguardada. A própria recorrida admitiu que o recorrente lhe afirmou que queria que as filhas mantivessem uma relação de proximidade com a mãe (ata de audiência, BB, 01:14:12, “(…) aquilo que ele dizia muitas vezes era “Elas só são felizes se estiverem ao pé de ti e eu não as vou causar, não lhes vou destruir essa felicidade (…)”). O tribunal a quo deu como provado o ponto 6. em análise, tendo para tanto valorado essencialmente as declarações de parte da recorrida e o depoimento da testemunha EE, os quais não foram credíveis, não tendo valorado o depoimento do recorrente, o qual nada teve de censurável, nem o depoimento da testemunha HH, ainda que se referia na sentença que “a testemunha depôs de uma forma isenta, objetiva e pormenorizada (…)”, pelo que deve ser eliminada da matéria dada como provada a factualidade vertida no ponto 6. K.2. Quanto ao vertido no ponto 12. dos “Factos Provados”, consta que “O réu disse à autora várias vezes que se saísse de casa tirava-lhe as filhas.”, o que, na linha do ponto 6. não se pode aceitar, dado que este ponto contém uma formulação conclusiva, e deverá considerar-se como não escrito e ser expurgado da matéria de facto dada como assente. Sem conceder, o que não se concebe nem concede e por mero raciocínio se formula, nenhuma testemunha foi capaz de indicar ou descrever um momento em que tal tenha ocorrido, pelo contrário decorre da prova testemunhal e documental existente e produzida nos autos, que o recorrente sempre atuou por forma a que as filhas menores tivessem uma relação próxima com a recorrida: existia uma relação cordial, como decorre do depoimento do recorrente (ata da audiência de julgamento, 00:13:49), bem como dos depoimentos das testemunhas EE, FF, GG e HH; do doc. 2 junto com a petição inicial, decorre que o superior interesse das menores, nomeadamente a sua relação com a recorrida foi salvaguardada, e posteriormente, confirmado pela sentença ora junta como doc. 2. A própria recorrida admitiu que o recorrente lhe afirmou que queria que as filhas mantivessem uma relação de proximidade com a mãe (ata de audiência, BB, 01:14:12, “(…) aquilo que ele dizia muitas vezes era “Elas só são felizes se estiverem ao pé de ti e eu não as vou causar, não lhes vou destruir essa felicidade (…)”). O tribunal a quo deu como provado o ponto 6. em análise, tendo para tanto valorado essencialmente as declarações de parte da recorrida e o depoimento da testemunha EE, os quais não foram credíveis, não tendo valorado o depoimento do recorrente, o qual nada teve de censurável, nem o depoimento da testemunha HH, ainda que se referia na sentença que “a testemunha depôs de uma forma isenta, objetiva e pormenorizada (…)”, pelo que deve ser eliminada da matéria dada como provada a factualidade vertida no ponto 12. K.3. Em relação ao vertido no ponto 16. dos “Factos Provados”, consta o seguinte: “O Réu estava em processo de se mudar para o Canadá, em trabalho, tendo inclusive os vistos (para ele e para as filhas menores) já aprovados”. A factualidade assente no ponto 16. é colocada de forma incompleta e não se pode aceitar como provada nos termos e sentido em que é apresentada, uma vez que existia um plano familiar de pelo qual não só o recorrente e as filhas menores iriam emigrar para o Canadá, mas também a recorrida, tal como era sua vontade, como decorre do depoimento do recorrente, das declarações de parte da recorrida e do depoimento testemunhal de EE, pelo que deve a factualidade vertida no ponto 16. ser completada na matéria dada como assente, passando a ter a seguinte redação: O Recorrente estava em processo de se mudar para o Canadá, por razões profissionais, e estava planeado a recorrida também emigrar em simultâneo, tendo inclusive os vistos para ambos e para as filhas menores já aprovados. K.4. Em relação ao vertido no ponto 7. dos “Factos Provados”, consta o seguinte: “Com medo, a Autora permaneceu a residir com o Réu, mesmo após o divórcio.” A presente factualidade assente é parcialmente falsa, pelo que deveria ter sido parcialmente dada como não provada, na medida em que a recorrida ficou a residir com o recorrente porque essa foi uma decisão de ambos, como decorre do depoimento do recorrente, além de que, dos depoimentos do recorrente e da testemunha HH, decorre que à data a relação de recorrente e recorrida era cordial. A verdade é que, entre setembro de 2020 e abril de 2021, a recorrida teve enumeras oportunidades em que poderia facilmente ter denunciado qualquer facto às autoridades ou mesmo ter saído de casa, como decorre, nomeadamente, do depoimento da testemunha EE (ata da audiência, 00:11:56), sendo inverosímil que a recorrida, sentindo tanto medo como alega, nunca tenha feito qualquer denúncia ou pedido ajuda. Assim, dado que nenhuma testemunha presenciou qualquer ameaça do recorrente à recorrida, a recorrida também não foi capaz de justificar coerentemente a razão pela qual não atuou mais cedo, se vivia num contexto tão grave como o que descreveu, a factualidade vertida no ponto 7. Deve ser alterada, passando a ter o seguinte teor: A Autora permaneceu a residir com o Réu, mesmo após o divórcio, pois ambos entenderam que essa seria a melhor solução para a estabilidade das filhas menores e face à dificuldade em conseguir habitação em função das restrições provocadas pela pandemia COVID-19. K.5. Em relação ao vertido no ponto 13. dos “Factos Provados”, consta que “A Autora sentia um grande medo com a possibilidade de nunca mais ver as suas filhas e, por isso, assentiu em permanecer na residência, bem como em assinar toda a documentação que o Réu lhe apresentava”, todavia, o tribunal a quo, com o devido respeito, limitou-se a aderir à versão dos factos tal como alegados pela recorrida no seu articulado, não tendo sido feita prova cabal em audiência de julgamento. Na verdade, decorre da prova por depoimento de parte, declarações de parte e testemunhal que a recorrida ficou a residir na antiga casa de morada de família por uma decisão tomada em conjunto com o recorrente. Acresce que, da análise do Doc. 2 – acordo sobre o exercício das responsabilidades parentais – junto com a petição inicial, decorre que o as menores manteriam uma relação próxima com a recorrida, quer no regime previsto para Portugal, quer no regime previsto para o Canadá; por outro lado, da análise do Doc. 3 – acordo de partilha – decorre que a recorrida teria de dar tornas ao recorrente no valor de €15.500,00 mais os €20.000,00 do recorrente, num montante global de €35.500,00, pelo que, não poderá considerar-se que os dois acordos foram desfavoráveis à recorrida. Ademais, da análise da prova no seu conjunto, é possível concluir que a recorrida nunca esteve na iminência de “nunca mais ver as suas filhas”, e do depoimento do recorrente ficou evidenciado que na data em que o acordo de partilha foi assinado, em 10/03/2021, a recorrida já tinha conhecimento de que o recorrente queria ficar em Portugal (ata da audiência, AA, 00:18:09), pelo que, sem conceder, ainda que o recorrente tivesse proferido alguma ameaça à recorrida quanto à convivência desta com as filhas, o que não se concebe nem concede e por mero raciocínio se formula, é inverosímil que a recorrida tivesse verdadeiramente acreditado que essa ameaça se poderia concretizar. Assim, e uma vez que a prova por declarações de parte e por depoimento de EE foi pouco credível, deve ser eliminada da matéria dada como provada a factualidade vertida no ponto 13. K.6. Em relação ao vertido no ponto 17. dos “Factos Provados”, consta que “A autora sentiu um profundo sentimento de medo que a levou a assinar os documentos apresentados pelo réu, sempre com o objectivo de proteger a sua relação com as filhas.”, e, tal como para o ponto 13., o tribunal a quo, com o devido respeito, limitou-se a aderir à versão dos factos tal como alegados pela recorrida no seu articulado, não tendo sido feita prova cabal em audiência de julgamento. Na verdade, decorre da prova por depoimento de parte, declarações de parte e testemunhal que a recorrida ficou a residir na antiga casa de morada de família por uma decisão tomada em conjunto com o recorrente, sendo que, da análise do teor do Doc. 2 – acordo sobre o exercício das responsabilidades parentais – e do Doc. 3 – acordo de partilha –, ambos juntos com a petição inicial, não poderá considerar-se que os dois acordos seriam foram desfavoráveis à recorrida. Uma vez que não é legalmente possível alterar as responsabilidades parentais unilateralmente, da prova produzida decorre que existia uma relação cordial entre recorrente e recorrida, que os acordos assinados pela recorrida não podem considerar-se desfavoráveis e que a recorrida jamais esteve na iminência de “nunca mais ver as suas filhas", além de que a prova por declarações de parte da recorrida e por depoimento de EE foi pouco credível, e que a razão de ciência desta testemunha, bem como da testemunha FF foi adquirida com base no que a recorrida lhes transmitiu em março de 2021, deve ser eliminada da matéria dada como provada a factualidade vertida no ponto 17. K.7. Em relação ao vertido no ponto 14. dos “Factos Provados”, consta que “O Réu sempre “exigiu” que a Autora continuasse a viver com ele, naquela que fora a casa de morada de família, uma vez que não tinha comunicado a ninguém o divórcio, e pretendia manter a “imagem familiar” e ter alguém que cuidasse das suas filhas”, todavia, além de decorrer do depoimento do recorrente que a opção da recorrida e do recorrente de manterem a coabitação após o divórcio foi uma decisão conjunta e que entre ambos existia uma relação cordial, tal como reforçou a testemunha HH, é inverosímil o que alega a recorrida, desde logo porque a testemunha HH confirmou que teve conhecimento do divórcio em setembro de 2020 (cfr. ata da audiência, HH, 00:01:15). Pelo contrário, decorre da prova produzida que foi a recorrida quem quis esconder dos familiares que o casal se havida divorciado, como decorre do depoimento das testemunhas EE (ata da audiência, 00:04:05) e FF (ata da audiência, 00:01:29). Pelo que, uma vez que as declarações de parte da recorrida foram prestadas de forma pouco credível e, pelo contrário, não houve nada de censurável na maneira como o recorrente depôs e que justifique que o tribunal a quo não tenha valorado o seu depoimento, deve ser eliminada da matéria dada como provada a factualidade vertida no ponto 14. K.8. Quanto ao vertido no ponto 11. dos “Factos Provados”, consta que “A autora dependia financeiramente do réu”, o que é manifestamente conclusivo e deve considerar-se como não escrito e ser expurgado da matéria de facto dada como assente. Sem conceder, a actualidade assente no presente ponto é colocada de forma incompleta, pelo que não se pode aceitar como provada nos termos e com o sentido em que é apresentada. Na verdade, da prova testemunhal e do depoimento do Réu, não foi produzida qualquer prova que evidenciasse que o recorrente alguma vez proibiu a recorrida de trabalhar, ao invés, como decorre do Doc. 12 da contestação do recorrente, na sentença relativa ao procedimento cautelar por alimentos intentado pela Recorrida, foi evidenciado, em suma, que “a requerente não logrou demonstrar que se encontra incapaz de prover à sua subsistência, (…)”. Sendo que, ao contrário do que alega a recorrida, o tribunal a quo deu como não provado que o facto “11. (…) nunca o Réu lhe permitindo que trabalhasse ou tivesse, de certa forma, algum tipo de independência”, bem como ocorreu facto 13 “(…) não lhe sendo permitido estudar nem trabalhar, vivendo constantemente num ambiente de medo (…)”. Pelo que deve a factualidade vertida no ponto 11. ser expurgada da matéria assente, por conclusiva; sem conceder, caso assim não se entenda, deverá ser alterada para a seguinte formulação: A autora dependia financeiramente do réu, porquanto optava por não trabalhar. K.9. Quanto ao vertido no ponto 19. dos “Factos Provados”, consta que “No dia 4 de Abril de 2021 a autora fugiu de casa com as suas filhas menores.”, o que é manifestamente conclusivo e deve considerar-se como não escrito e ser expurgado da matéria de facto dada como assente. Sem conceder, sempre se dirá que, na verdade, a recorrida não “fugiu” de casa, ao invés, a recorrida saiu de casa, o que é totalmente diferente, exercendo sobre o recorrente precisamente o que o acusa de ter ameaçado a Recorrida que faria: privá-lo do contacto com as filhas menores durante meses. Da prova produzida nos autos no seu conjunto, decorre que que a relação entre recorrida e recorrente, após o divórcio, era normal e cordial, além de que a recorrida não logrou fazer prova de nenhum dos comportamentos violentos que imputa ao recorrente, quer físicos quer psicológicos. Acresce que, decorre das declarações de parte da recorrida e do depoimento da testemunha FF no seu conjunto que, ainda antes de ter saído de casa no dia 04 abril de 2021, a recorrida já tinha consultado o advogado que a acabaria por patrocinar em todos as ações e demais meios processuais que intentou contra o recorrente. Inclusivamente, face ao depoimento da testemunha FF, que afirma que a primeira consulta terá foi em “Foi princípio de março, não posso precisar 5, 6, 7, por aí, não posso precisar o dia exato” (ata da audiência, FF, 00:28:23), será possível afirmar cabalmente que o planeamento estratégico da recorrida terá começado, portanto, ainda antes de a recorrida assinar o Acordo de Partilha, a qual foi celebrada a 10/03/2021! Acresce que decorre dos Docs. 1 e 2 ora juntos que a relação do recorrente com as suas filhas é saudável e adequada, dado que se refere foram “indicadores positivos o facto de o progenitor se revelar acolhedor e afetuoso para com as filhas”, bem como que “O pai revela capacidade de escuta e fácil comunicação empática com as filhas”, pelo que, ao contrario do que alega a recorrida, a segurança das filhas face a comportamentos do pai não esteve em causa em nenhum momento, nem terá sido o motivo para a recorrida sair de casa. Além de que, decorre do depoimento do recorrente que, no momento em que a recorrida atuou, em 04/04/2021, esta já sabia que o recorrente iria permanecer em Portugal, para onde estava em vigor um regime de responsabilidades parentais de residência alternada; ainda que assim não fosse, o que não se concede, em nenhum dos cenários a recorrida estava em risco de perder contacto com as suas filhas. Pelo que, face à prova produzida no seu conjunto, não tendo as declarações de parte sido prestadas de forma credível, nem decorrendo da prova produzida que existisse um verdadeiro mal e um verdadeiro medo, com o devido respeito, não se pode concordar com a presunção feita pelo tribunal a quo, segundo a qual “se a autora fugiu da forma dada como provada é evidente que existiam coisas graves a ocorrer”, pelo que deverá a factualidade vertida no ponto 19. ser expurgada da matéria assente; sem conceder, caso assim não se entenda, deverá ser alterada para a seguinte redação: No dia 4 de Abril de 2021 a Autora saiu de casa e levou consigo as suas filhas menores. K.10. Na sequência do referido para o ponto 19., diga-se que quanto ao vertido no ponto 32. dos “Factos Provados”, consta que “Em 04.04.2021 a autora fugiu de casa com as menores”, o que é manifestamente conclusivo e deve considerar-se como não escrito e ser expurgado da matéria de facto dada como assente. Sem conceder, sempre se dirá que, na verdade, a recorrida não “fugiu” de casa, ao invés, a recorrida saiu de casa, o que é totalmente diferente, exercendo sobre o recorrente precisamente o que o acusa de ter ameaçado a Recorrida que faria: privá-lo do contacto com as filhas menores durante meses. Da prova produzida nos autos no seu conjunto, decorre que que a relação entre recorrida e recorrente, após o divórcio, era normal e cordial, além de que a recorrida não logrou fazer prova de nenhum dos comportamentos violentos que imputa ao recorrente, quer físicos quer psicológicos. Acresce que, decorre das declarações de parte da recorrida e do depoimento da testemunha FF no seu conjunto que, ainda antes de ter saído de casa no dia 04 abril de 2021, a recorrida já tinha consultado o advogado que a acabaria por patrocinar em todos as ações e demais meios processuais que intentou contra o recorrente. Inclusivamente, face ao depoimento da testemunha FF, que afirma que a primeira consulta terá foi em “Foi princípio de março, não posso precisar 5, 6, 7, por aí, não posso precisar o dia exato” (ata da audiência, FF, 00:28:23), será possível afirmar cabalmente que o planeamento estratégico da recorrida terá começado, portanto, ainda antes de a recorrida assinar o Acordo de Partilha, a qual foi celebrada a 10/03/2021! Acresce que decorre dos Docs. 1 e 2 ora juntos que a relação do recorrente com as suas filhas é saudável e adequada, dado que se refere foram “indicadores positivos o facto de o progenitor se revelar acolhedor e afetuoso para com as filhas”, bem como que “O pai revela capacidade de escuta e fácil comunicação empática com as filhas”, pelo que, ao contrario do que alega a recorrida, a segurança das filhas face a comportamentos do pai não esteve em causa em nenhum momento, nem terá sido o motivo para a recorrida sair de casa. Além de que, decorre do depoimento do recorrente que, no momento em que a recorrida atuou, em 04/04/2021, esta já sabia que o recorrente iria permanecer em Portugal, para onde estava em vigor um regime de responsabilidades parentais de residência alternada; ainda que assim não fosse, o que não se concede, em nenhum dos cenários a recorrida estava em risco de perder contacto com as suas filhas. Pelo que, face à prova produzida no seu conjunto, não tendo as declarações de parte sido prestadas de forma credível, nem decorrendo da prova produzida que existisse um verdadeiro mal e um verdadeiro medo, com o devido respeito, não se pode concordar com a presunção feita pelo tribunal a quo, segundo a qual “se a autora fugiu da forma dada como provada é evidente que existiam coisas graves a ocorrer”, pelo que deverá a factualidade vertida no ponto 19. ser expurgada da matéria assente; sem conceder, caso assim não se entenda, deverá ser alterada para a seguinte redação: No dia 4 de Abril de 2021 a Autora saiu de casa e levou consigo as suas filhas menores. L. Quanto à matéria de facto que não foi considerada provada e que deveria ter sido, total ou parcialmente, importa referir o seguinte: L.1. Quanto ao vertido no ponto 23. dos “Factos não provados”, consta que “O Réu decidiu não emigrar para o Canadá”, mais especificamente quando foi diagnosticada uma doença oncológica ao seu pai, que previa que aquele teria poucos meses de vida, o que decorre do depoimento do recorrente, da testemunha HH, bem como da prova documental junta na audiência de julgamento, na qual a entidade empregadora do recorrente atesta que este “(…) informou no dia 24 de Março de 2021, que não poderia assumir o cargo de gestor de integração e residir no Canada (…)”, bem como dos Docs. 13, 14 e 15 junto com a contestação, que provam que o recorrente já estava a tratar do processo de compra de uma nova casa no final de março de 2021. Pelo que, atendendo a toda a prova produzida nos autos no seu conjunto, sempre deve a factualidade dos pontos 23. ser dada como provada! L.2. Quanto ao vertido no ponto 24. dos “Factos não provados”, consta que “O réu disse à autora que não ia para o Canadá antes de esta fazer cessar a coabitação”, logo após ter sido diagnosticada uma doença oncológica ao seu pai, em meados de fevereiro de 2021, quando o recorrente tomou conhecimento de que se previa que aquele teria poucos meses de vida, conforme decorre do depoimento do recorrente (Ata da audiência, AA, 00:18:09). Posteriormente, em 24 de março de 2021, comunicou formalmente à sua entidade patronal que não aceitava a sua movimentação para o Canadá, como se verifica ao dia de hoje, e decorre da prova documental junta na audiência de julgamento. Face à prova produzida nos autos, documental, testemunhal (Ata da audiência, HH, 00:06:10) e por depoimento de parte do recorrente, deve a factualidade dos pontos 24. ser dada como provada! L.3. Quanto ao vertido no ponto 25. dos “Factos não provados”, consta que “Antes da realização da partilha, a Autora já tinha conhecimento que o Réu ponderava não ir para o Canadá, face ao diagnóstico de doença oncológica em fase terminal do seu pai – DD”, ponto este que, atendendo à prova produzida por depoimento de parte do recorrente (ata da audiência, AA, 00:18:09), à prova testemunhal pelo depoimento de HH (ata da audiência, HH, 00:06:10), bem como ao documento junto na audiência de julgamento, e Docs. 6, 13, 14 e 15 da Contestação, sempre sempre deverá ser dado como provado. Acresce que, como a recorrida bem sabia em abril de 2021 e ficou demonstrado nos autos, a coabitação ia cessar muito em breve, dado que o recorrente já se encontrava à procura de uma nova casa para onde ir residir sem a recorrida, precisava de vender a sua casa para poder pagar o passivo bancário, precisava de liquidar o referido passivo para contrair um novo, já tinha financiamento bancário aprovado e a sua mãe já estava inclusivamente a preparar a mudança para sua casa (como, aliás, foi dado como provado no pontos 24., 25. e 26.). Pelo que, face à prova produzida nos autos, deve a factualidade dos pontos 25. ser dada como provada! L.4. Quanto ao vertido no ponto 26. dos “Factos não provados”, consta que “Em nenhum momento o Réu manifestou a vontade de privar as suas filhas do contacto com a mãe”, o que corresponde à verdade e decorre da análise do conjunto da prova constante nos autos. Na verdade, como supra se expôs, o recorrente jamais ameaçou a Recorrida que lhe “tiraria as filhas”, nenhuma testemunha foi capaz de indicar e descrever um concreto momento em que tal tivesse ocorrido, além de que o recorrente sempre atuou por forma a que as filhas menores tivessem uma relação próxima com a recorrida: existia uma relação cordial, como decorre do depoimento do recorrente (ata da audiência de julgamento, 00:13:49), bem como dos depoimentos das testemunhas EE, FF, GG e HH; do doc. 2 junto com a petição inicial, decorre que o superior interesse das menores, nomeadamente a sua relação com a recorrida foi salvaguardada. A própria recorrida admitiu que o recorrente lhe afirmou que queria que as filhas mantivessem uma relação de proximidade com a mãe (ata de audiência, BB, 01:14:12, “(…) aquilo que ele dizia muitas vezes era “Elas só são felizes se estiverem ao pé de ti e eu não as vou causar, não lhes vou destruir essa felicidade (…)”). Na linha do supra exposto, o tribunal a quo valorou as declarações de parte da recorrida, bem como o depoimento testemunhal de EE que, conforme se expôs relativamente ao ponto 6. não foram prestados de forma credível, ao contrário do depoimento do recorrente e da testemunha HH, ambos desvalorados pelo tribunal a quo para prova deste ponto. A verdade é que o recorrente nunca expressou qualquer ameaça à recorrida, não foi produzida prova cabal nesse sentido, o recorrente nunca teve qualquer comportamento que visasse proibir a recorrida do contacto com as suas filhas, nem era previsível quanto aos planos futuros do dissolvido casal que a recorrida viesse a ser privada de uma relação próxima com as suas filhas, pelo que deverá a factualidade vertida no ponto 26. ser dada como provada. L.5. Quanto ao vertido no ponto 27. dos “Factos não provados”, consta que “Face à factualidade supra evidenciada, inexiste razão à Autora para alegar, como alega, ter sido coagida com base na ameaça de lhe serem “tiradas as filhas”, porquanto em momento algum tal esteve na iminência de acontecer”, o que, na linha do referido relativamente ao ponto 26., corresponde à verdade e decorre da análise do conjunto da prova constante nos autos. Na verdade, como supra se expôs, o recorrente jamais ameaçou a Recorrida que lhe “tiraria as filhas”, nenhuma testemunha foi capaz de indicar e descrever um concreto momento em que tal tivesse ocorrido, além de que o recorrente sempre atuou por forma a que as filhas menores tivessem uma relação próxima com a recorrida: existia uma relação cordial, como decorre do depoimento do recorrente (ata da audiência de julgamento, 00:13:49), bem como dos depoimentos das testemunhas EE, FF, GG e HH; do doc. 2 junto com a petição inicial, decorre que o superior interesse das menores, nomeadamente a sua relação com a recorrida foi salvaguardada. A própria recorrida admitiu que o recorrente lhe afirmou que queria que as filhas mantivessem uma relação de proximidade com a mãe (ata de audiência, BB, 01:14:12, “(…) aquilo que ele dizia muitas vezes era “Elas só são felizes se estiverem ao pé de ti e eu não as vou causar, não lhes vou destruir essa felicidade (…)”). Na linha do supra exposto, o tribunal a quo valorou as declarações de parte da recorrida, bem como o depoimento testemunhal de EE que, conforme se expôs relativamente ao ponto 6. não foram prestados de forma credível, ao contrário do depoimento do recorrente e da testemunha HH, ambos desvalorados pelo tribunal a quo para prova deste ponto. A verdade é que o recorrente nunca expressou qualquer ameaça à recorrida, não foi produzida prova cabal nesse sentido, o recorrente nunca teve qualquer comportamento que visasse proibir a recorrida do contacto com as suas filhas, nem era previsível quanto aos planos futuros do dissolvido casal que a recorrida viesse a ser privada de uma relação próxima com as suas filhas, pelo que deverá a factualidade vertida no ponto 27. ser dada como provada. L.6. Quanto ao vertido no ponto 28. dos “Factos não provados”, consta que “Contudo, em momento algum o Réu ameaçou a Autora que a privaria do contacto com as filhas de ambos”, o que, na linha do referido relativamente aos pontos 26. e 27., corresponde à verdade e decorre da análise do conjunto da prova constante nos autos. Na verdade, como supra se expôs, o recorrente jamais ameaçou a Recorrida que lhe “tiraria as filhas”, nenhuma testemunha foi capaz de indicar e descrever um concreto momento em que tal tivesse ocorrido, além de que o recorrente sempre atuou por forma a que as filhas menores tivessem uma relação próxima com a recorrida: existia uma relação cordial, como decorre do depoimento do recorrente (ata da audiência de julgamento, 00:13:49), bem como dos depoimentos das testemunhas EE, FF, GG e HH; do doc. 2 junto com a petição inicial, decorre que o superior interesse das menores, nomeadamente a sua relação com a recorrida foi salvaguardada. A própria recorrida admitiu que o recorrente lhe afirmou que queria que as filhas mantivessem uma relação de proximidade com a mãe (ata de audiência, BB, 01:14:12, “(…) aquilo que ele dizia muitas vezes era “Elas só são felizes se estiverem ao pé de ti e eu não as vou causar, não lhes vou destruir essa felicidade (…)”). Na linha do supra exposto, o tribunal a quo valorou as declarações de parte da recorrida, bem como o depoimento testemunhal de EE que, conforme se expôs relativamente ao ponto 6. não foram prestados de forma credível, ao contrário do depoimento do recorrente e da testemunha HH, ambos desvalorados pelo tribunal a quo para prova deste ponto. A verdade é que o recorrente nunca expressou qualquer ameaça à recorrida, não foi produzida prova cabal nesse sentido, o recorrente nunca teve qualquer comportamento que visasse proibir a recorrida do contacto com as suas filhas, nem era previsível quanto aos planos futuros do dissolvido casal que a recorrida viesse a ser privada de uma relação próxima com as suas filhas, pelo que deverá a factualidade vertida no ponto 28. ser dada como provada. M. Na sequência da reapreciação da prova e das alterações â decisão da matéria de facto assente, deve a mesma ficar da seguinte forma[1]: (Omissis) 7. A Autora permaneceu a residir com o Réu, mesmo após o divórcio, pois ambos entenderam que essa seria a melhor solução para a estabilidade das filhas menores e face à dificuldade em conseguir habitação em função das restrições provocadas pela pandemia COVID-19. 11. A autora dependia financeiramente do réu, porquanto optava por não trabalhar. 16. O Recorrente estava em processo de se mudar para o Canadá, por razões profissionais, e estava planeado a recorrida também emigrar em simultâneo, tendo inclusive os vistos para ambos e para as filhas menores já aprovados. 16.1. O Réu decidiu não emigrar para o Canadá. 16.2. O réu disse à autora que não ia para o Canadá antes de esta fazer cessar a coabitação. 16.3. Antes da realização da partilha, a Autora já tinha conhecimento que o Réu ponderava não ir para o Canadá, face ao diagnóstico de doença oncológica em fase terminal do seu pai – DD. 17. Eliminado 19. No dia 4 de Abril de 2021 a Autora saiu de casa e levou consigo as suas filhas menores. 32. No dia 4 de abril de 2021 a Autora saiu de casa e levou consigo as suas filhas menores. 35. Face à factualidade supra evidenciada, inexiste razão à Autora para alegar, como alega, ter sido coagida com base na ameaça de lhe serem “tiradas as filhas”, porquanto em momento algum tal esteve na iminência de acontecer. 36. Contudo, em momento algum o Réu ameaçou a Autora que a privaria do contacto com as filhas de ambos. N. Na aplicação da matéria de direito, impunha-se decisão diversa da proferida pelo tribunal a quo, por duas ordens de razões, dado que, primeiramente, não se encontram verificados os pressupostos da coação moral como vício da vontade, e, por outro lado, ainda que assim não fosse, o que não se concebe nem concede e por mero raciocínio se formula, não pode consubstanciar coação moral, mas um mero temor reverencial. O. Para aferição dos requisitos da coação moral, previstos no art.º 255.º CC, face à sua subjetividade a lei previu no art.º 236.º, n.º 1 C.C. que o critério aferidor da existência de coação é a teoria da impressão do destinatário, pelo que para ajuizar se a recorrida em algum momento se terá sentido coagida, o que não se concebe nem concede e por mero raciocínio se formula, devem considerar-se as concretas condições em que esta se encontrava, tomando-se em conta os elementos que a Autora efetivamente conhecia, mais os que um declaratário razoável – uma pessoa razoável, normalmente esclarecida, zelosa e sagaz – teria conhecido. P. Ora, como decorre da prova produzida, nunca houve nenhuma ameaça do recorrente à recorrida, todavia, sem conceder, tão-pouco existiu um mal suscetível de poder ser utilizado como ameaça, dado que a recorrida, mesmo que se viesse a aplicar o regime de responsabilidades parentais previsto para a residência no Canadá, sempre teria uma relação próxima com as filhas, sendo certo que, à data da assinatura do Acordo de Partilha, a recorrida já tinha conhecimento que o recorrente não pretendia viajar para o Canadá. Por outro lado, pela prova constante nos autos, conclui-se que a recorrida nunca sentiu um verdadeiro receio, pelo que também não se verifica o pressuposto da dupla causalidade. Q. Por tudo quanto se expôs, na verdade, é totalmente inverosímil que um destinatário normal, quando colocado na posição real da recorrida, se pudesse sentir verdadeiramente ameaçado pelo seu ex-cônjuge, se este lhe diz que o iria impedir de ter contacto com as filhas caso não assine um documento de partilha – o que não se concebe nem concede e por mero raciocínio se formula. R. Sem conceder, ainda que assim não se entendesse, o que não se concebe nem concede e por mero raciocínio se formula, tal afirmação apenas poderia consubstanciar um mero temor reverencial, o qual, por força do previsto pelo art.º 255.º, n.º 3 CC, não constitui ameaça para efeitos de coação moral. S. Toda a prova testemunhal e documental produzida nos presentes autos e na audiência de julgamento prova à saciedade que não existe qualquer fundamento legal na alegação da recorrida, e que não estão reunidos os requisitos necessários para a coação moral. T. Ao decidir, como decidiu, julgando parcialmente procedente a ação instaurada pela recorrida, considerando nulo o negócio jurídico do acordo de partilha, com o devido respeito, que é muito, o tribunal a quo não apreciou corretamente a prova produzida, nem interpretou e aplicou corretamente as normas legais atinentes, nomeadamente os art.º 255.º e 256.º, ambos do Código Civil. U. Nesta medida, a sentença recorrida deverá ser revogada por outra decisão que julgue a ação totalmente improcedente, considere válido o negócio jurídico de Acordo de Partilha, mantenha todas as inscrições registrais posteriores à data da assinatura do Acordo de Partilha e absolva o recorrente dos pedidos contra si formulados. Contra-alegou a autora, pugnando pela improcedência da apelação e integral manutenção da decisão recorrida. * Colhidos os vistos, cumpre decidir.* Delimitação do objecto do recurso.Linear a identificação e delimitação das questões a decidir: - a censura dirigida à decisão sobre a matéria de facto, e - a verificação (não verificação, sustenta o apelante) dos requisitos para concluir que a vontade negocial da autora (manifestada na declaração negocial que enforma o acordo de partilha celebrado com o réu) foi viciada por coacção moral. * Da requerida junção de documentos. Requer o apelante, nos termos do art. 651º, nº 1 do CPC, a junção aos autos de dois documentos (despacho de 14/10/2021 e sentença de 28/04/2002, proferidos nos autos de alteração da regulação das responsabilidades parentais que, no Juízo de família e menores da Maia, a aqui autora intentou contra si, réu apelante), alegando que à data em que apresentou contestação nos presentes autos (7/10/2021) tais documentos ainda não existiam (as referidas decisões foram proferidas posteriormente), não se revelando determinante para a sua defesa a junção dos mesmos no período que decorreu entre a data da apresentação da contestação e a da realização da audiência de julgamento, ao contrário do que agora sucede, pois a junção mostra-se necessária e adequada por na sentença se ter julgado provada matéria (comportamentos agressivos para com as suas filhas) que tais documentos desmentem – o despacho de 14/01/2021 reproduziu relatório que demonstra que a relação entre o recorrente e as filhas menores era então (como é agora ), saudável e adequada e a sentença de 28/04/2022 permite concluir que foi em decorrência de tal relação saudável entre o recorrente e suas filhas que foi definido judicialmente um regime (de regulação das responsabilidades parentais) definitivo de residência alternada. Apreende-se que a junção dos documentos é feita pelo recorrente no âmbito da censura que dirige ao julgamento dos factos vazados nos números 6, 12, 17 e 19 da matéria provada e facto 32 da matéria não provada. A apelada pronunciou-se pela inadmissibilidade da junção dos documentos. Apreciando. A apresentação de documentos com as alegações, à luz da parte final do nº 1 do art. 651º do CPC – a primeira parte do preceito não tem, no caso, aplicação, pois que não se alega (nem se constata) a impossibilidade da sua apresentação em momento anterior ao recurso (não se mostram os mesmos supervenientes, objectiva e subjectivamente, ao encerramento da discussão da causa, pelo que de acordo com o disposto no nº 1 do art. 425º do CPC, teriam de ser juntos até esse momento) –, é justificada (e admissível) quando se tenha revelado necessária por virtude do julgamento proferido na 1ª instância, ‘maxime quando este seja de todo surpreendente relativamente ao que seria expectável em face dos elementos já constantes do processo’, não podendo justificar-se a junção de documentos para prova de ‘factos que já antes da sentença a parte sabia estarem sujeitos a prova, não podendo servir de pretexto a mera surpresa quanto ao resultado.’[2] As situações justificativas da necessidade da junção por virtude da decisão proferida na primeira instância relacionam-se com a novidade ou imprevisibilidade da decisão – a segunda parte do nº 1 do art. 651º do CPC tem o seu âmbito de aplicação circunscrito às situações em que a decisão da 1ª instância cria, pela primeira vez, a necessidade de junção de determinado documento. Não é admissível, pois, a junção de documentos quanto a mesma se revelava ‘pertinente ab initio, por tais documentos se relacionarem de forma directa e ostensiva com a questão ou as questões suscitadas nos autos desde o primeiro momento.’[3] Os documentos cuja junção o apelante agora requer na apelação relacionam-se, de forma directa, com a matéria que estava em discussão e era objecto de apreciação (e julgamento) na decisão proferida – trata-se de factualidade alegada pela autora (factos provados 6, 12, 17 e 19, alegados pela autora), que o réu impugnou (até alegou a versão negativa, que, com a impugnação, pretende demonstrar facto 32 da matéria não provada), que o apelante não podia deixar de saber estar em apreciação e sujeita a discussão probatória. Relacionando-se os documentos cuja junção é pretendida com matéria que se tem de considerar como a questão de facto controvertida que foi sujeita a discussão probatória e que mereceu das partes a proposição dos elementos probatórios que tiveram por pertinentes (ou seja, respeitam, ostensivamente, a questão de facto que se mostrava suscitada nos autos e era objecto de discussão), fica arredada a possibilidade de admitir a sua junção com fundamento no julgamento proferido na 1ª instância. Atento o exposto, não se admite a junção dos documentos que acompanham as alegações de recurso. * FUNDAMENTAÇÃO* Fundamentação de factoFactos provados 1. A autora foi casada com o réu AA, em regime de comunhão de adquiridos, até 12/11/2020, data em que ambos assinaram o divórcio por mútuo consentimento. 2. Da união nasceram duas filhas: II, nascida a .../.../2013 e JJ, nascida a .../.../2015. 3. Com a assinatura do divórcio, as partes assinaram também o acordo de responsabilidades parentais relativamente às duas filhas nos termos do qual as menores ficaram entregues ‘à guarda e cuidados do pai’ cabendo a este decidir os ‘actos da vida corrente das menores’. 4. Ficou ainda previsto que o réu poderia levar as menores para o Canadá o que deveria ocorrer até finais de 2020. 5. Enquanto o réu não fosse para o Canadá a autora poderia ver as filhas às terças e quintas e passar o fim de semana com as mesmas de 15 em 15 dias. 6. O réu disse várias vezes à autora que se esta saísse de casa, nunca mais veria as suas filhas. 7. Com medo, a autora permaneceu a residir com o réu, mesmo após o divórcio. 8. A autora fez um pedido de alteração das responsabilidades parentais, que corre termos no Tribunal Judicial da Comarca do Porto, no Juízo de Família e Menores de Matosinhos – Juiz 2, sob o n.º de processo 1461/21.0T8MTS. 9. Foi feita a partilha dos bens comuns do casal, tendo as partes assinado um documento com o seguinte teor: ‘Activo: Verba um – Prédio Urbano (…) descrito na respectiva Constituição da República Portuguesa com o número ..., (…) e ao qual atribuem o valor de € 79. 274,54 (…) e ao qual atribuem o valor de €79.274.54 11[4]. A autora dependia financeiramente do réu. 12. O réu disse à autora várias vezes que se saísse de casa tirava-lhe as filhas. 13. A autora sentia um grande medo com a possibilidade de nunca mais ver as suas filhas e, por isso, assentiu em permanecer na residência, bem como em assinar toda a documentação que o réu lhe apresentava. 14. O réu sempre “exigiu” que a autora continuasse a viver com ele, naquela que fora a casa de morada de família, uma vez que não tinha comunicado a ninguém o divórcio, e pretendia manter a “imagem familiar” e ter alguém que cuidasse das suas filhas. 15. Durante esta “estadia” pós-divórcio naquela que foi a casa de morada de família, o réu “convidava” frequentemente a sua mãe, CC, aqui ré para ficar, também, lá em casa, passando lá o dia – quando o réu se ausentava para trabalhar – e chegando mesmo a passar lá algumas noites. 16. O réu estava em processo de se mudar para o Canadá, em trabalho, tendo inclusive os vistos (para ele e para as filhas menores) já aprovados. 17. A autora sentiu um profundo sentimento de medo que a levou a assinar os documentos apresentados pelo réu, sempre com o objectivo de proteger a sua relação com as filhas. 18. A autora apresentou queixa crime contra o réu, correndo um inquérito pelo crime de violência doméstica na 4.ª Secção do Departamento de Ação e Investigação Penal de Matosinhos, sob o n.º de processo 195/21.0KRMTS. 19. No dia 4/04/2021 a autora fugiu de casa com as suas filhas menores. 20. No dia 9/04/2021 foi celebrada escritura de compra e venda de um imóvel, constando desse documento o seguinte: 21. A ré conhecia muito bem as características do imóvel e o seu estado de conservação, pois aí residiu no período compreendido entre 2009 a 2012, encontrando-se ao tempo a autora e o réu emigrados na Namíbia. 22. A proximidade do imóvel ao local de trabalho da ré, uma vez que se encontra localizado na Rua ..., ... ... e a ré trabalha no Agrupamento de Escolas ..., na Escola ... 2/3 de ..., sito na Avenida ..., ... ..., Maia, uma distância de apenas 10 km ente os dois locais e um percurso de 20 minutos num único autocarro – ora a sua residência anterior, na Rua ..., ..., ... Valongo, ficava a 18 km do seu local de trabalho e implicava uma viagem de 1h30, em três autocarros diferentes. 23. Em meados de Fevereiro de 2021, o pai do réu foi diagnosticado com doença oncológica em fase terminal e a casa onde habitava não reunia as condições ideais, uma vez que tinha escadas quer no acesso ao exterior como no interior, e era fria no inverno, pelo que necessitavam de uma habitação com condições melhores, nomeadamente de um piso único e em termos de isolamento, características que o novo imóvel dispunha. 24. O réu precisava de dinheiro para liquidar o passivo bancário, do qual ficou único responsável com a partilha conjugal. 25. O réu precisava de liquidar o referido passivo para poder contrair um novo financiamento. 26. Em 01/04/2021, a ré mudou-se para casa do réu, com o intuito de começar a preparar as mudanças. 27. Os acordos celebrados entre autora e réu foram entregues na Conservatória do Registo Civil da Maia, em 02/10/2020. 28. A primeira versão do acordo sobre o exercício das responsabilidades parentais apresentada por autora e réu não foi aceite pela Digníssima Magistrada do Ministério Público, por despacho de 09/10/2020, uma vez que não previa o pagamento por parte da autora de qualquer quantia para as menores a título de alimentos. 29. Neste sentido, autora e réu apresentaram nova versão do acordo sobre o exercício das responsabilidades parentais, onde ficou estipulada uma prestação mensal (mínima) de 100,00€ para cada menor, a pagar pela autora, o qual mereceu despacho do Ministério Público, em 27/10/2020, com parecer positivo à homologação do acordo. 30. Em 12/11/2020, celebrou-se a conferência de divórcio, na qual as partes declararam perante a Sr.ª Conservadora Dra. KK que mantinham o propósito de se divorciarem e que renunciavam ao prazo de recurso e reclamação, tendo, naquela data, a decisão transitado em julgado. 31. No momento da partilha, em 10/03/2021, os acordos sobre o exercício das responsabilidades parentais já tinham transitado em julgado, tendo sido homologados com o divórcio, em 12/11/2020. 32. Em 04/04/2021 a autora fugiu de casa com as menores. 33. O réu só voltou a ter contacto com as filhas na sequência da conferência de pais, em sede do processo de incumprimento do exercício das responsabilidades parentais, em 16/06/2021, na qual foi definido um regime provisório. 34. O réu apresentou contra a autora queixa-crime por violência doméstica, difamação, denúncia caluniosa, entre outros crimes, a qual foi apensada aos autos de inquérito n.º 195/21.0KRMTS. Factos não provados 1. O valor patrimonial do imóvel supra referido não espelha o valor real do mesmo, que é superior, tendo sido atribuído tal valor no acordo de partilha de forma a privar a autora de receber qualquer valor a título de tornas. 2. Tudo para que pudessem controlar a autora, e para que a mãe do réu – aqui também ré – pudesse comunicar ao réu todos os passos que a autora dava ao longo do dia, estando esta constantemente vigiada e sem qualquer liberdade de movimentos. 3. Sempre se refira que o réu é um indivíduo com bastantes recursos monetários, possuidor de vastos conhecimentos pessoais nos mais diversos ramos e, igualmente, de grande influência, pelo que quando alguém com este tipo de ascendente diz a uma pessoa, neste caso a autora, que lhe vai “tirar as filhas”, esta acreditou que o réu o fosse fazer, por saber que o conseguiria fazer caso tentasse. 4. Desde o início do seu casamento, em 2007, que o réu controlava a autora, inicialmente de uma forma subtil e tornando-se cada vez mais óbvio e controlando agressivamente todos os movimentos desta, nomeadamente deixando o seu computador portátil aberto, num lugar estratégico, e com a webcam ligada, de forma a filmar todos os passos da autora; colocando um telemóvel com sinal de GPS escondido na mala da autora para controlar todos os sítios onde esta ia (chegando mesmo o réu a aparecer de “surpresa” em alguns locais onde a autora se deslocava); escondendo um telemóvel dentro do carro da autora, com o modo de gravação ligada, para ouvir quaisquer conversas que esta tivesse no carro; retirando-lhe todos os cartões multibanco das contas conjuntas e dando-lhe apenas pequenas somas de dinheiro, de forma a controlar todas as compras que esta pudesse fazer. 5. Igualmente, ao logo de todo o casamento, o réu constantemente fazia comentários depreciativos à autora, dizendo-lhe “Não vales nada, és feia”; “Odeio pessoas fracas (dirigindo-se à Autora, que estava a chorar devido a uma doença da mãe), quem não é forte devia desaparecer e matar-se”; “Então, é agora que te vais matar?”; “Tu agora fazes o que eu mando, tu não tens querer”; “Só me apetece abrir-te a cabeça em duas, tenho um machado na mala do carro”; “Devia matar-te. Apetece-me rebentar-te a cabeça a murro, porque não te matas? Porque não fazes um favor a todos e matas-te?”. 6. Estas são apenas uma pequena parte de todas as atrocidades ditas pelo réu à autora, ao longo do casamento, vivendo esta num constante estado de medo profundo, sem nunca saber o que fazer nem como reagir, com medo das consequências que pudessem resultar de qualquer resposta ou actuação da sua parte. 7. De referir, que nunca o réu se inibiu de fazer este tipo de comentários em frente às duas filhas, menores, tendo inclusive agredido fisicamente a autora em frente de uma das filhas, arrastando-a pelos cabelos pela casa fora, deixando a filha menor a chorar por presenciar tal violência. 8. O réu chegou mesmo a entregar à autora um bisturi, dizendo-lhe que tinha duas escolhas: ou entrar em casa e manter relações sexuais com ele, ou ir para a praia e matar-se (indicando-lhe inclusive como deveria ser feito o corte com o bisturi). 9. Também admitiu o réu à autora que a havia traído e chegou mesmo a mostrar-lhe todas as mensagens que tocava com a amante, de forma a humilhar e menosprezar a autora, tendo as várias traições perdurado ao longo do casamento, sem qualquer pudor do réu nem qualquer vontade em esconder as mesmas da autora. 10. Já no final do casamento, o réu contratou uma empresa – tendo, posteriormente, admitido à autora ter, efectivamente, contratado essa empresa – especializada em espionagem informática, tendo “duplicado” o telemóvel da autora, para ter acesso, antes dela, a todas as chamadas telefónicas, mensagens, e-mails, passwords de redes sociais, entre outros, usurpando assim a identidade da autora e controlando todos os movimentos desta, de forma obsessiva – tendo os pagamento a tal empresa sido feitos com recurso à conta conjunta. 11. Depois do nascimento da primeira filha, a autora quis voltar aos estudos, para poder ter um emprego no futuro, sendo que o réu não lhe permitiu, dizendo-lhe que já que quis ter filhos, agora tinha que tomar conta deles, nunca o réu lhe permitindo que trabalhasse ou tivesse, de certa forma, algum tipo de independência, conseguindo assim “prendê-la” junto de si. 12. Por fim, e uma vez que seria impossível descrever aqui todas as atrocidades pelas quais a autora passou, parece-nos relevante referir que, após a assinatura do divórcio, a autora foi constantemente violada sexualmente pelo marido. 13. Ao longo de todo o casamento, resultado dos constantes episódios de violência sofrida, a autora nunca experienciou qualquer independência ou liberdade, não lhe sendo permitido estudar nem trabalhar, vivendo constantemente num ambiente de medo daquilo que poderia acontecer caso desobedecesse ao seu marido (pois mesmo obedecendo, acontecia o impensável), vivendo apenas para as suas duas filhas e pensado somente em lhes dar o melhor que conseguia, ainda que isso implicasse viver com o réu. 14. Aquando da apresentação, para assinatura, do divórcio à autora, bem como do acordo de regulação de responsabilidades parentais (que, como já vimos, conferia a custódia das menores ao pai, aqui réu), o réu disse-lhe “Lê, e depois diz se queres assinar ou não. Se assinares, não te tiro as tuas filhas.” 15. Aquando da iniciativa de apresentação de queixa contra o ex-marido, a autora ganhou, finalmente, a coragem necessária para abandonar a casa de morada de família, vendo-se obrigada a fugir da residência quando o réu se ausentou – bem como a sua mãe que também lá se encontrava, para controlar os movimentos da autora –, para evitar agressões por parte deste, levando consigo as duas filhas menores, sendo que o réu havia já agredido uma das menores o que, para a autora, foi a “gota de água” que a fez abandonar a casa. 16. Apesar de a queixa-crime, bem como as declarações prestadas pela autora em sede de inquérito, serem bastante explícitas quanto aos abusos sofridos, a verdade é que, mesmo assim, as mesmas não revelam tudo o que a autora sofreu nas mãos do réu, nomeadamente, e não só, episódios de constante agressão verbal, insultos, agressão física, violação sexual, usurpação de identidade, entre muitos outros. 17. Certamente por não ter conseguido arranjar um comprador em tão curto espaço de tempo, o réu decidiu vender o imóvel à sua mãe, aqui ré. 18. Tal negócio foi celebrado de forma apressada, apenas para alterar a propriedade do imóvel com o objectivo de privar a autora da meação a que tem direito, tendo sido “vendido” por valor bastante inferior ao valor real do imóvel. 19. O negócio jurídico foi celebrado sem recurso a empréstimo bancário, pelo que o imóvel não foi alvo de qualquer avaliação antes da “venda”, razão pela qual o réu pode atribuir ao mesmo o valor que melhor lhe aprouver, bem sabendo que não é esse o valor real do imóvel. 20. A mãe do réu – aqui também ré – sempre esteve em conluio com o réu, de forma a que este conseguisse deixar a autora sem quaisquer bens, sempre o “ajudando” a vigiar a autora e a comunicar ao réu todos os passos que esta dada, ajudando o réu a privar a autora da sua liberdade, razão pela qual nem sequer se poderá equacionar que a mesma estivesse de boa-fé quando assentiu em “comprar” o imóvel ao réu, uma vez que tal negócio apenas teve como objectivo retirar o mesmo da esfera jurídica do réu para que a autora não mais o pudesse recuperar. 21. Precisava de pagar os montantes que lhe haviam sido mutuados pelos pais. 22. A saída da autora de casa com as suas netas, em 04//04/2021, foi recebida pela ré com sentida estupefação. 23. O réu decidiu não emigrar para o Canadá. 24. O réu disse à autora que não ia para o Canadá antes de esta fazer cessar a coabitação. 25. Antes da realização da partilha, a autora já tinha conhecimento que o réu ponderava não ir para o Canadá, face ao diagnóstico de doença oncológica em fase terminal do seu pai – DD. 26. Em nenhum momento o réu manifestou a vontade de privar as suas filhas do contacto com a mãe. 27. Face à factualidade supra evidenciada, inexiste razão à autora para alegar, como alega, ter sido coagida com base na ameaça de lhe serem “tiradas as filhas”, porquanto em momento algum tal esteve na iminência de acontecer. 28. Contudo, em momento algum o réu ameaçou a autora que a privaria do contacto com as filhas de ambos. 29. O réu sempre incentivou a autora a reingressar no mercado de trabalho, custeou diversas formações, do interesse da autora, e nunca criou nesta qualquer situação de dependência económica. 30. Também, o modo como o pagamento foi feito – a partir de contas diferentes e para contas diferentes – em vários trechos e recorrendo à amortização de uma suposta dívida, deixa muito a desejar no que toca à existência deste negócio. * Fundamentação de direito A. Da censura dirigida pelo apelante à decisão da primeira instância sobre a matéria de facto. Censura o réu apelante a decisão sobre a matéria de facto sustentando, por um lado, ter sido incluída na fundamentação de facto matéria conclusiva que, assim, se deve ter por não escrita (conclusões F, K.1, K.2, K.8, K.9 e K.10) e que a valorização da prova produzida nos autos (declarações de parte, prova testemunhal e prova documental desprovida de força probatória plena quanto à matéria em questão) impõe julgamento diverso dos factos provados 6, 7, 11, 12, 13, 14, 16, 17, 19 e 32 (conclusões K.1 a K.10) e factos não provados com os números 23, 24, 25, 26, 27 e 28 (conclusões L.1 a L.6). Observa o réu apelante todos os ónus impostos no art. 640º do CPC ao recorrente que impugna a decisão relativa à matéria de facto: i) indica, nas conclusões, os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados (art. 640, nº 1, a) do CPC), tomando clara posição sobre o resultado pretendido relativamente a cada um deles (art. 640º, nº 1, c) do CPC), e ii) indica os concretos meios probatórios que em seu entender sustentam decisão diversa (art. 640, nº 1, b) do CPC), aludindo (até nas conclusões – sendo certo que bastaria que o fizesse na motivação[5]) aos elementos probatórios que entende sustentarem a sua posição, indicando, relativamente aos depoimentos testemunhais, as passagens da gravação em que funda o recurso (transcrevendo mesmo os excertos dos depoimentos que considera relevantes (art. 640º, nº 2, a) do CPC). A.1. Da censura dirigida à decisão sobre a matéria de facto – da abstenção de conhecimento da impugnação dirigida a matéria indiferente e irrelevante à decisão. Patente a desnecessidade de apreciar da impugnação em toda a extensão (quanto a todos os factos) pretendida pelo apelante – melhor e com mais rigor: impõe-se à Relação o dever de rejeitar a apreciação quanto a parte da impugnação, abstendo-se de a conhecer (o segmento em que são impugnados os factos não provados e ainda os factos provados 16, 19 e 32). A apreciação da modificabilidade da decisão de facto é actividade reservada a matéria relevante à solução do caso, devendo a Relação abster-se de conhecer da impugnação cujo objecto incida sobre factualidade que não interfira de modo algum na solução do caso, designadamente por não se visionar qualquer solução plausível da questão de direito que esteja dependente da modificação que o recorrente pretende operar no leque de factos provados ou não provados[6]. O propósito precípuo da impugnação da decisão de facto é o de possibilitar à parte vencida a obtenção de decisão diversa (total ou parcialmente) da proferida pelo tribunal recorrido quanto ao mérito da causa, o que faz circunscrever a sua justificação às situações em que a matéria impugnada possa ter interferência na solução do caso, ou seja, aos casos em que a solução do pleito em favor do recorrente esteja dependente da modificação que o mesmo pretende ver introduzida nos factos a considerar na decisão a proferir. Sendo a matéria dela objecto indiferente e alheia à sorte da acção, não interferindo de modo algum na solução do caso, de acordo com o direito (considerando as soluções plausíveis da questão de direito[7]), não deverá a Relação conhecer da impugnação (da pretendida alteração), sob pena de estar a levar a cabo actividade inútil, infrutífera, vã e estéril – se os factos impugnados não forem relevantes, considerando as soluções plausíveis de direito da causa, é de todo inútil a reponderação da correspondente decisão da 1ª instância, como sucederá nas situações em que a substituição pretendida pelo impugnante seja indiferente à solução da causa e irrelevante ao enquadramento jurídico do objecto da lide[8]. Inutilidade e irrelevância que tem de se afirmar relativamente a factos que, alegados pelo demandado, não integrem factualidade essencial ou concretizadora de excepção invocada (ou factualidade instrumental que permita a indução daquela factualidade de cuja prova depende o reconhecimento do direito ou da excepção), antes consubstanciando simples negação de factos nucleares essenciais e/ou concretizadores constitutivos do direito alegado. Sendo pacífico caber a quem pretende a anulabilidade de negócio jurídico o ónus de prova dos factos constitutivos do invocado vício (no caso, dos requisitos da coacção moral)[9] – apurar se o facto é constitutivo ou antes impeditivo depende da sua conexão com o direito invocado ou pretensão formulada, e por isso se o erro, o dolo e a coacção revestem, em regra, a natureza de factos impeditivos, já funcionarão como constitutivos se alegados para fundar o pedido de declaração judicial de anulação do negócio[10] (se o vício do negócio constitui facto impeditivo quando alegado pelo réu para obstar à procedência de acção de cumprimento do contrato, já constituirá facto constitutivo do direito invocado pelo autor em acção de anulação[11]) –, fácil é concluir que não interessa à decisão da causa a demonstração, positiva, de que o vício se não verifica. Assim, os factos alegados pelo réu que constituam negação motivada (uma justificação para demonstrar a consistência da impugnação deduzida) e, bem assim, os que constituam a alegação da versão negativa do facto constitutivo, são irrelevantes à decisão da causa – e por isso que, na situação em apreciação, mostra-se irrelevante e indiferente à decisão da causa (e da apelação) a matéria vazada nos factos não provado sob os números 26, 27 e 28: não interessa demonstrar que o réu não ameaçou a autora que a privaria do contacto com as filhas de ambos (a demonstração positiva de que a ameaça não existiu), antes e só interessa apurar, positivamente, se a declaração de vontade da autora foi emitida por o réu ter observado os comportamentos que lhe são imputados (a não prova dos factos para tanto necessários, alegados pela autora apelada, determinará se não possa concluir pela verificação do invocado vício). Acrescente-se – a propósito da matéria vazada no ponto 27 –, que sendo coactor o declaratário, de pouco valerá a este (como resulta do art. 256º do CC), para impedir a procedência da invocação do vício, evidenciar a ‘insignificância do mal, a inverosimilhança da ameaça ou a pusilanimidade do declarante’, pois a excepcional relevância de tais circunstâncias só é consentida quando o coactor for um terceiro (a irrelevância do mal ou da ameaça e a probabilidade remota da sua concretização só podem ser ponderados para se concluir pela relevância/irrelevância anulatória da coacção na apreciação da dupla causalidade)[12] – e por isso que é indiferente e irrelevante, no caso, ponderando que a coação é imputada ao declaratário, apurar se o mal em ‘momento algum’ ‘esteve na iminência de acontecer’ (parte final do facto 27 da matéria não provada). Irrelevantes e indiferentes à decisão da causa são também os factos vazados nos pontos 23, 24 e 25 dos factos não provados (e ponto 16 dos factos provados) – a alteração pretendida é insusceptível de permitir modificar a decisão da causa no sentido propugnado pelo apelante, pois não permite afastar qualquer dos requisitos da coacção moral: ter o réu decidido não emigrar para o Canadá, ter o réu dado a conhecer à autora que não emigraria para o Canadá, ter a autora sabido antes da realização da partilha de tal propósito do réu de não emigrar e bem assim abranger o plano de emigração para o Canadá também a autora, tendo também sido providenciado visto para ela, é factualidade neutra e indiferente à apreciação dos requisitos do instituto que importa aplicar nos autos, não permitindo a demonstração de tal factualidade (nos termos pretendidos pelo apelante) afastar (por si e/ou conjugadamente com quaisquer outros factos) a verificação do invocado vício do negócio de partilha (sem prejuízo do que a matéria em causa possa relevar e significar no âmbito da valorização dos elementos probatórios em vista de se apurar do julgamento a proferir quanto aos demais factos impugnados – mormente dos factos provados 6, 7, 11, 12, 13, 14 e 17). Igual conclusão – ser matéria neutra e alheia à sorte da acção (e logo da apelação) – se observa relativamente aos factos provados número 19 e 32, ponderando que se trata de matéria posterior à outorga do negócio impugnado (por isso posterior ao controvertido vício da vontade), insusceptível de permitir concluir pela viciação da vontade negocial da autora e, assim, a sua eliminação da matéria de facto não tem qualquer reflexo na decisão da causa (tal qual a sua inclusão não releva para se afirmar a verificação do vício). Mostra-se, pois, a matéria em causa (elencada nos factos não provados, que o apelante pretende ver provada, e a vazada nos factos provados 16, 19 e 32 que o apelante pretende alterar) insusceptível de permitir (por si só ou em conjugação com a demais) alterar o sentido da decisão, sendo-lhe irrelevante e indiferente, em razão do que esta Relação se abstém de apreciar da impugnação a ela dirigida pelo apelante. A.2. Da censura dirigida à decisão sobre a matéria de facto – matéria conclusiva. Além de impugnar o sentido da decisão proferida quanto aos mesmos, sustenta o apelante ter sido incluída nos factos provados 6, 11 e 12 matéria conclusiva que pretende ver eliminada (também aos factos 19 e 32 dirige tal crítica, mas como acaba de referir-se, o que em tais dois factos se mostra vazado não releva à apreciação da causa, sendo irrelevante apreciar da sua eliminação e/ou alteração – sendo por isso também irrelevante apurar se neles foi vazada factualidade conclusiva). Pretensão que não procede. Importa ponderar, preliminarmente, não se dever rejeitar o entendimento de que o nosso ordenamento jurídico se afastou da matriz assente na clássica distinção entre matéria de facto/matéria conclusiva (e/ou de direito), não podendo por isso rejeitar-se o recurso a expressões de conteúdo mais genérico ou até conclusivo (sem prejuízo de se buscar uma descrição factual e não juízos conclusivos[13]), desde que as mesmas permitam percepcionar a realidade invocada e acompanhem os demais factos, ainda que constituam mero acrescento descritivo, qualitativo, quantitativo ou valorativo dos mesmos, concretizando a realidade subjacente ao litígio[14] (acautelado o exercício do contraditório e circunscrita a realidade a apreciar jurisdicionalmente para efeitos de delimitação do caso julgado material) – estando a realidade a retratar exposta na factualidade a valorizar, limitando-se os ‘factos conclusivos’ a adjectivá-la, qualificá-la e valorizá-la, sem a substituir ou sem prescindir da sua enunciação que, assim, conclusivamente, concretizam (não resolvendo, atento o objecto do litígio, a questão jurídica - a sorte da acção - senão com a consideração da realidade que se limitam a caracterizar/adjectivar/valorizar), permitindo-se o integral e efectivo cumprimento do contraditório (respeitando-se, pois, os limites materiais da acção e da defesa) e alcançando-se a circunscrição/delimitação da realidade a apreciar jurisdicionalmente para efeitos de delimitação do caso julgado material, não poderá censurar-se o uso de juízos conclusivos/valorativos no estrito âmbito da matéria de facto (aliás, não se entenderia que a Relação, por mais aversão que demonstrasse em relação ao uso de factos conclusivos censurasse o seu uso se demonstrada compatibilidade deles com o julgamento da matéria de direito – dificilmente se aceitaria que se tivesse de eliminar o alegado ‘juízo conclusivo’ incluído na fundamentação de facto para o afirmar na mesma peça, ainda que no segmento da fundamentação jurídica, donde resulta que o controlo dos juízos conclusivos fica ‘limitado às situações em que os mesmos sejam incompatíveis com a decisão em matéria de direito’[15]: a discussão, apreciação e tratamento de tal questão terá o seu lugar próprio no segmento da apreciação da matéria jurídica da causa). Assim que a proficiente impugnação da decisão de facto deve dirigir-se aos factos que (incluídos ou a incluir na fundamentação de facto) permitam afirmar (ou afastar, consoante o interesse do recorrente) tal ‘factualidade conclusiva’ – a ‘factualidade conclusiva’ a utilizar no segmento reservado à descrição/concretização da realidade a valorizar tem o seu âmbito circunscrito à adjectivação, qualificação ou valorização da realidade a que se reporta e acompanha, não tendo por função substituir a enunciação concretizadora do material objectivo que constitui a causa do litígio, e por isso que só a impugnação desta permite proficiente impugnação que pode levar à eliminação (a realizar no âmbito da apreciação da matéria jurídica) daquele juízo conclusivo. Ademais (e independentemente) da consideração que se deixa exposta, não pode considerar-se que a matéria vazada nos referidos factos (pontos 6, 11 e 12 dos factos provados) se traduza em juízos de valor conclusivos – muito menos que se trate de juízos conclusivos sem directa conexão com a demais materialidade exposta na fundamentação de facto, isto é, que não se trate da caraterização/adjectivação ou valoração de ocorrências concretas da vida real, acontecimentos directamente captáveis pela percepção humanas (a realidade empírico-sensível, directamente captável pelas percepções do homem)[16]. A matéria dos factos 6 (o ‘réu disse várias vezes à autora que se esta saísse de casa nunca mais veria as suas filhas’) e 12 (o ‘réu disse várias vezes à autora que se saísse de casa tirava-lhe as filhas’) não contém juízo conclusivo, pois traduz-se na imputação ao réu apelante de conduta por ele observada perante a autora (e por isso um acontecimento do mundo exterior, directamente apreensível pelas percepções humanas) – a afirmações emitidas, perante a autora, de que a impediria de ter contacto com as filhas caso esta objectivasse a separação de facto do casal, saindo da casa de morada de família. A não concretização do número de vezes em que tal conduta terá sido observada (uma tal declaração terá sido emitida) é despicienda e irrelevante, insusceptível de impedir a correcta e fiel apreensão da realidade julgada demonstrada, essencial ao estabelecimento de plataforma sólida para a integração jurídica do caso – o relevante, considerando os termos do litígio, é que se considera provado que o réu observou tal comportamento (emitiu tal declaração) mais que uma vez (pelo menos). Também o facto 11 (a dependência financeira da autora para com o réu) traduz uma realidade concreta – o facto de a autora não ter, por si só, meios de prover as suas necessidades financeiras, dependendo para tanto do réu (ex-marido). Não cremos que a proposição usada contenha qualquer conclusão valorativa (qualquer juízo moral, ético ou normativo), antes consubstanciando a afirmação da situação económico-financeira da autora. Improcede, pois, a pretensão do apelante de ver eliminada a matéria que invocava conclusiva incluída nos factos provados 6, 11 e 12 matéria provada. A.3. Da censura dirigida à decisão sobre a matéria de facto – a impugnação dos pontos 6, 7, 11, 12, 13, 14 e 17 dos factos provados. Em vista de apreciar e decidir deste segmento impugnatório, impõe-se a este tribunal proceder à reponderação dos elementos probatórios produzidos nos autos, averiguando se dos mesmos pode concluir-se, com estribo racional, pela demonstração da matéria em causa, julgada provada pela decisão apelada, ou se tal julgamento não encontra suporte em tais elementos probatórios (como sustenta o apelante). Cumpre, pois, actuar os poderes que à Relação são atribuídos enquanto tribunal de segunda instância que garante um duplo grau de jurisdição em matéria de facto, procedendo a uma autónoma apreciação crítica das provas produzidas (em vista de, a partir delas, expressar a sua convicção com total autonomia[17], formar uma convicção autónoma), alterando a decisão se em face dessa autónoma apreciação dos elementos probatórios a que há-de proceder adquirir uma diversa convicção[18]. Apreciação crítica que se consubstancia na análise de todos os elementos probatórios, valorizando-os lógica e racionalmente – a decisão da matéria de facto não se reconduz ao resultado duma acrítica certificação do declarado por depoentes ou testemunhas, antes assentando numa convicação objectivável e motivável, a que a se acede por via da razão, alicerçada em elementos de lógica e racionalidade (à luz das regras do bom senso, das regras da normalidade, da experiência da vida). As provas (art. 342º do CC) têm por função a demonstração da realidade dos factos, buscando-se através delas não a certeza absoluta da realidade – ‘se a prova em juízo de um facto reclamasse a certeza absoluta da verificação do facto, a actividade jurisdicional saldar-se-ia por uma constante e intolerável denegação de justiça’[19] –, mas antes produzir o que para a justiça é imprescindível e suficiente – um grau de probabilidade bastante, face às circunstâncias do caso e às regras da experiência da vida. A prova como demonstração efectiva (segundo a convicção do juiz) da realidade de um facto ‘não é certeza lógica mas tão-só um alto grau de probabilidade suficiente para as necessidades práticas da vida (certeza histórico-empírica)’[20]. Considerandos que conduzirão o tribunal na reapreciação da matéria impugnada. Encontram-se, ponderado provas documentais com força probatória plena e matérias que as partes aceitam como verdadeiras (e que resultam pacíficas da prova produzida em audiência), elementos objectivos, que servem de ponto seguro para a análise e valoração dos depoimentos prestados em audiência (depoimento de parte da autora apelada, declarações de parte do réu apelante e depoimentos das testemunhas inquiridas)[21]. Elementos objectivos que retratam a realidade que enquadrava o relacionamento de autora e réu, no âmbito da qual estes produziram as declarações negociais enformadoras da partilha: - a ruptura do casamento no final de Agosto/princípio de Setembro de 2020 (autora e réu referiram-no nos seus respetivos depoimentos), na sequência do réu tomar conhecimento de infidelidade da autora (facto por ambos referido nos respectivos depoimentos), e o divórcio (por mútuo consentimento) em Novembro de 2020 (documento junto com a petição inicial), tendo a autora e o réu (como pelas partes aceite e por todos os inquiridos em audiência de julgamento foi referido) permanecido a viver na casa de morada de família até Abril de 2021, - logo no início de Outubro de 2020 foram entregues na Conservatória do Registo Civil os acordos estabelecidos por autora e réu em vista da decretação do divórcio – o acordo relativo às responsabilidades parentais mereceu um primeiro parecer negativo do Ministério Público, em 9/10/2020, que entendeu não estarem acautelados os interesses das crianças quanto a alimentos, por não prever qualquer obrigação da mãe a tal propósito, sendo o acordo corrigido nesse parte, estabelecendo contribuição mensal da mãe a esse título, - o acordo de regulação das responsabilidades parentais celebrado pelas partes em Novembro de 2020 e concernente à suas filhas (então com sete e cinco anos) – documento junto com a petição inicial sob o número 2 –, estabelecia caber a ambos o exercício das responsabilidades parentais, ficando as filhas a residir com o pai (à ‘guarda e cuidados do pai’, na expressão utilizada pelas partes), cabendo ao progenitor (ao réu) a responsabilidade pelos actos da vida corrente das crianças (a ambos e em comum ficaram atribuídas as responsabilidades relativas às questões de particular importância), sendo estabelecido regime de visitas que, tendo por pressuposto que as menores acompanhariam o pai para o Canadá (tal possibilidade era aí acordada pelas partes – foi expressamente mencionado que autora e réu acordavam em que as crianças deveriam acompanhar o réu e habitar com ele no Canadá), estabelecia previsão para o período em que as crianças permanecessem em Portugal antes de emigrar e o regime a vigorar depois de se objectivar a sua ida para o Canadá (a previsão de contactos telefónicos e de contributo monetário anual do progenitor para que a progenitora pudesse ir visitar as crianças no Canadá), - os termos do impugnado acordo de partilha – é relacionado um único bem (o imóvel que constituía a casa de morada e família – no valor de 79.274,54€) e uma verba de passivo (empréstimo relativo à aquisição daquele imóvel – no montante de 74.858,01€), cuja satisfação consome quase integralmente o valor que se considerou para aquele activo (para o imóvel), ficando o imóvel adjudicado ao réu, que ficou responsável pela satisfação integral do passivo, - a autora saiu de casa em 4 de Abril de 2021, levando as crianças consigo. A coabitação que autora e réu mantiveram após a ruptura do casamento e a decretação do divórcio justificou-a a autora pela coacção a que foi submetida – se inicialmente, descoberta pelo réu a infidelidade (que já tinha terminado tempos antes), mantiveram conversa em que acordaram que o tempo de casamento e as filhas justificavam tentativa de resolver as coisas, certo é que o comportamento do réu mudou, tornando-se agressivo e controlador, instável (exemplificou-o no seu depoimento); o réu impôs o divórcio mas exigiu que a autora permanecesse a coabitar consigo (logo no dia do divórcio, ‘disse-lhe para me deixar ir’, mas ele disse-me que daquela casa eu não sairia nunca): exigiu que assinasse ‘uns papéis’ (‘Lê e assina, porque de hoje em diante as coisas são assim, sou eu que mando e que vou dizer como as coisas vão funcionar’; ‘sou bom e com dinheiro faço de ti e de toda a ente que se meter no meu caminho terra queimada’), retorquindo à objecção que a autora levantou, de que precisaria de consultar um advogado, que pensasse no que se iria meter e que iria assinar tais ‘papéis’ a bem ou a mal (o ‘acordo de divórcio’ que consignava que a casa ficava para ele – não havia referência a qualquer outro bem –, que ficava ‘com a guarda das meninas’, que ‘ia para o Canadá e as levava e que eu ficava com direito de visitas’, de ‘telefonemas para elas’); assinou os papéis contra vontade (mantendo-se a situação de coabitação, apesar de a considerar ‘sem sentido’ e ‘insana’), por o réu o exigir, sempre esgrimindo que se assim não fosse a privaria das suas filhas (assina ‘porque é assim que vai ser daqui em diante e eu não te tiro as tuas filhas’; se te portares bem ‘permito que vás comigo para o Canadá e vejas as tuas filhas crescer’). Por contraponto, o réu refere que, mesmo após o divórcio, viviam (ele e a autora) sem qualquer atrito (estavam tranquilos, não havendo ‘atritos nem coisa que se parecesse’ – o principal era preservar as crianças, era o bem estar delas, evitar que a situação tivesse qualquer impacto nelas) – ‘não havia motivo para não vivermos juntos’, era ainda um período pós-pandemia e havia a noção de que o bem estar das crianças era essencial e que era necessário que a ‘transição fosse o mais tranquila possível’; por outro lado, perspetivando ainda então poderem ir para o Canadá (todos – estava disposto a ajudar a autora a aí também se estabelecer, pois era uma forma de as crianças manterem estreito contacto com a mãe), não fazia sentido outra solução; depois de decidir que não ia para o Canadá (em razão da doença do pai), comunicou-o à autora, e ela não teve reacção, apenas disse que precisava de pensar. Ambos (autora e réu) referiram que a autora não vinha exercendo actividade profissional, sendo o réu quem providenciava pelas necessidades económicas e financeiras do agregado e seus respectivos membros. As testemunhas arroladas pelo réu (seu irmão e companheira deste), de relevo para a questão em apreciação, referiram tão só que autora e réu mantiveram a coabitação, não sedo perceptível qualquer conflito entre ambos (apesar de os saberem divorciados – o réu disso informou o seu irmão, que por sua vez o confidenciou à companheira), referindo também que ambos mantinham relação afectuosa e carinhosa com as crianças. Por sua vez, as testemunhas arroladas pela autora (seus irmãos) corroboraram as declarações por ela prestadas – o irmão referiu ter sido abordado em Março de 2021 por empregadas de limpeza da casa de autora e réu informando-o de que a irmã estava divorciada e a precisar de ajuda, tendo logo contactado advogado que conhecia para que se aconselhassem, sendo depois informado pela autora do que acontecera (nomeadamente, que assinara vários papéis, com medo de ficar sem as filhas); por sua vez, a irmã da autora afirmou que em Março de 2021 foi informada pelo seu irmão do que vinha acontecendo, passando então a acompanhar diariamente a autora (veio de Lisboa, onde reside, para a casa dos seus pais, podendo assim dar assistência à irmã – veio já depois da assinatura do acordo de partilhas), tendo-lhe ela revelado, aos poucos, o que acontecera. Ponderando conjugadamente que a ruptura do casamento ocorreu no final de Agosto/início de Setembro de 2020 e que logo no início de Outubro autora e réu já entregavam na Conservatória os documentos e acordos tendentes à homologação do divórcio por mútuo consentimento, designadamente um acordo de regulação das responsabilidades parentais que continha cláusula que previa que as crianças (com sete e cinco anos de idade) ficariam a residir com o pai, a versão do réu não se afigura conforme às regras da lógica e da experiência da vida – a urgência empregue para pôr termo à comunhão conjugal não se mostra compatível com a vivência ‘normal’ e sem atritos referida pelo réu; não é conforme à lógica e à racionalidade que tal continuação da coabitação se apresentasse como a solução adoptada por casal que tanta urgência empregara na dissolução da comunhão conjugal. Não é também conforme às regras da lógica e da racionalidade que a mãe, que não vinha exercendo qualquer profissão, acorde que as filhas, com cinco e sete anos de idade, fiquem a residir com o pai – aceitando que ambos os progenitores mantinham um saudável e afectivo relacionamento com as crianças, a experiência da vida ensina que a mãe, muito mais quando não exerce actividade profissional (como era o caso da autora), sempre pretenderá manter as filhas a residir consigo (ou, no mínimo, pretenderá uma residência alternada). Ademais, se a solução de manter a coabitação (pelo menos até que se efectivasse a emigração para o Canadá) era livremente querida por ambos, menos racional se mostra o acordo de responsabilidades parentais na cláusula relativa à residência das crianças. Tal afirmada normalidade, ausência de atritos e clima de harmonia é também desconforme à abrupta saída da autora da casa conjugal, levando consigo as filhas – não se tratou de saída acordada e negociada, como certamente aconteceria se a coabitação fosse presidida por um livre e sadio acordo entre eles (por uma livre conjugação de interesses – ainda que o único interesse fosse preservar as filhas da separação), antes se tratou (como a autora referiu no seu depoimento), duma verdadeira fuga, em ocasião em que já estava a ser apoiada pela família (acompanhamento diário da irmã, que para o pé dela se deslocara pouco depois de assinado o acordo de partilha e aconselhamento de advogado). Dados objectivos que confortam a versão da autora, quer para a manutenção da coabitação com o réu, quer para a outorga dos acordos que com ele celebrou – a coabitação que manteve com o réu não se deveu a uma gestão livre dos seus interesses, a uma manifestação livre da sua vontade, mas antes a imposição do réu (mesmo depois de decretado o divórcio este disse-lhe que nunca permitira a sua saída de casa, sempre referindo que só assim permitira que a autora mantivesse o contacto com as suas filhas, que se acedesse à sua pretensão sempre teria a possibilidade de manter contacto com elas e até de ir para o Canadá, vendo-as crescer), o mesmo acontecendo com o acordo de partilha (também este foi por si subscrito no mesmo enquadramento – assinou todos os acordos por o réu lhe dizer para o fazer por essa ser a única forma de manter contacto com as suas filhas). Enquadrada pelas concretas circunstâncias do caso, a valorização conjugada destes elementos probatórios à luz das regras da normalidade e da experiência da vida, da lógica (à luz da razão e das das regras do bom senso), permite afirmar, com o grau de probabilidade bastante para as necessidades práticas da vida, estar demonstrada a matéria alegada pela autora e impugnada pelo réu e, assim, corroborar a decisão da primeira instância. Improcede, pois, a censura dirigida pelo apelante à decisão da matéria de facto. B. Da verificação dos requisitos para concluir que a vontade negocial da autora (manifestada na declaração negocial que enforma o acordo de partilha celebrado com o réu) foi viciada por coacção moral. Os vícios da vontade (vontade negocial) consubstanciam perturbações do processo formativo da vontade, operando de tal modo que esta, embora conforme à declaração, é determinada por motivos anómalos e valorados, pelo direito, como ilegítimos – a vontade não se formou de um modo julgado normal e são.[22] Na coacção moral (art. 255º do CC), a vontade negocial está viciada – tendo o declarante sido ilicitamente ameaçado com um mal a fim de dele ser obtida a declaração, constata-se a perturbação da sua vontade, traduzida no medo resultante de ameaça ilícita de um dano (um mal), cominada com o intuito de extorquir a declaração negocial; o vício (a coacção moral) pressupõe que a liberdade do coacto não foi totalmente excluída, sendo-lhe deixada possibilidade escolha, embora submissão à ameaça fosse a única escolha normal[23]. O ‘processo formativo da vontade é perturbado pela ocorrência de uma ameaça, a qual gera um medo’ (‘tomado, neste contexto, muito latamente, como a «previsão» do mal a que aquela se refere e/ou, do/s dano/s dele decorrentes, e não como mera «emoção psicológica’) que ‘vai determinar, de forma mais ou menos intensa, a decisão negocial do coagido’ – a ‘vontade do coagido é viciada por não ser livre, mas condicionada por tal medo, que o faz «querer algo que, de outro modo, não quereria»’, seja a própria declaração, sejam os seus específicos termos[24] Trata-se duma pressão psicológica (vis compulsiva) determinante da declaração – a vítima da ameaça pode optar entre expor-se ao mal de que é ameaçada ou formular a declaração que se lhe exige e decidindo por fazer a declaração, é evidente que esta se apoia numa vontade formada por condições anormais[25] (a vontade mostra-se, nestas situações, ‘gravemente cerceada na sua livre determinação’[26]). Condições de relevância da coacção moral como motivo de anulabilidade do negócio (esse o efeito da coacção – art. 256º do CC), quando exercida pelo outro contraente (como no caso dos autos), são a ameaça dum mal, a ilicitude da ameaça e o carácter intencional ou cominatório. Não se exige que o mal seja grave – é necessário que seja um mal que o ameaçado, com conhecimento do autor da intimidação, sinta como tal e que o coloque numa «situação de violência»; o que interesse é forçar a vontade do ameaçado e porque se trata de um vício da vontade deste, a relevância tem de ser apreciada considerando a sua particular situação[27]. Necessário também que se trate de ameaça ilícita – ilicitude que tanto pode resultar dos meios empregues (o recurso a meios ilegítimos - agressão, difamação, dano, etc.) quanto do fim visado (ilegitimidade da prossecução daquele fim com aquele meio); importa é que se não trate de confrontar a contraparte com a ameaça do exercício normal dum direito (art. 255º, nº 3 do CC)[28], em que se verifica uma ‘relação directa entre o direito que o autor da ameaça anuncia exercer e a declaração que obtém em virtude dela’[29] (a ameaça de exercício anormal do direito, que já constitui coacção, traduzir-se-á numa falta de adequação entre o fim e meio, que determina a ilegitimidade da prossecução daquele fim com aquele meio, ainda que um e outro sejam em si mesmos lícitos)[30]. A ‘ameaça é intencional ou cominatória quando se visa obter do coagido a declaração negocial’[31] (art. 255º) – quando o declarante tenha sido induzido antijuridicamente a emiti-la, sob intimidação: não só a emissão da declaração foi originada pela intimidação, como também a sua obtenção foi perseguida como um fim pela ameaça[32]. A ameaça deve ser determinante da declaração (da vontade de emitir a declaração) e do sentido desta. A relevância anulatória da coacção só pode afirmar-se verificando-se a causalidade entre a ameaça e o medo, por um lado, e entre este e a declaração, por outro – causalidade que opera num duplo plano e que, por isso, se perfila como uma dupla causalidade (‘necessidade da ameaça ser causa do medo e de este ser a causa da declaração negocial’)[33]. Requisitos que se verificam na situação trazida em apelação – a autora viu-se confrontada com a escolha entre emitir a declaração negocial (outorgar o acordo de partilha) ou vir a perder o contacto com as suas filhas, sendo que o propósito (intenção) do coactor ao fazer a ameaça foi, precisamente, o de obter a declaração negocial em causa. Constata-se, pois, a ameaça do mal – a perda de contacto com as filhas menores é um mal, em abstracto (e em geral) susceptível de forçar a vontade do ameaçado (e como se disse, provindo a coacção da contraparte, não é necessário sequer apreciar se se trata de um mal grave e se se seria justificado o receio da sua consumação, bastando que a ameaça seja de molde a determinar a vontade do declarante[34], pois que tais exigências são legalmente circunscritas à coacção provinda de terceiro[35]- fora dos casos previstos na parte final do art. 256º do CC, porque a ‘procedência da coacção moral não depende da alegação e prova pelo declarante de quaisquer outros requisitos’ além da ameaça dum mal, da sua ilicitude e do carácter intencional ou cominatório da mesma, de ‘pouco valerá também ao declaratário-coactor tentar evitar o desfecho a esta associado, evidenciando a insignificância do mal, a inverosimilhança da ameaça ou a pusilanimidade do declarante’, pois a ‘excepcional relevância que a tais circunstâncias é consentida visa a sua protecção, se e quando inocente, o que patentemente não sucede nestas hipóteses’[36]; em tais situações, a contraparte, sendo autora da coacção não merece qualquer protecção[37]) –, a ilicitude – não se tratou simplesmente de ameaçar a autora de que, por meios lícitos, seria impedida de manter o contacto com as filhas, antes de a privar, porque meio fosse, de tal contacto – e o carácter intencional da ameaça –foi propósito do réu, ao ameaçar que a privaria do contacto com as filhas, obter da autora a declaração de vontade que enforma o acordo de partilha. A emissão da declaração negocial, por parte da autora apelada, foi determinada pela intimidação praticada pelo autor apelante – e por isso se pode afirmar a dupla causalidade característica do instituto da coacção moral: a declaração negocial emitida pela autora apelada (coagida) que enformou o celebrado acordo de partilha tem a sua causa no medo (privação de contactos com as filhas) e este foi originado (causado) pela intimidação praticada pelo réu apelante (coactor). De recusar que se trate de ameaça dum mal irrisório ou cuja probabilidade de concretização se afigure remota (pondo em causa a dupla causalidade) – nem o mal é irrisório (pelo contrário) nem se mostra que fosse remota a possibilidade de se vir a concretizar (a prática judiciária evidencia que tais casos existem, por mais pontuais que sejam). Também se não se trata, a situação dos autos, de simples temor reverencial (como sugere o apelante) – temor reverencial que vem a traduzir-se no medo de incorrer no desagrado ou desafecto de outrem, a quem se deve respeito ou gratidão[38] ou a quem se esteja subordinado, quer na ordem familiar, quer no vida social[39] ou, mais genericamente, de quem se é psicológica, social ou economicamente dependente[40]. Independentemente de qualquer dependência que pudesse ser de conceder no caso dos autos da autora apelada relativamente ao réu apelante, tem de concluir-se, de modo seguro, que a emissão da declaração por parte da apelada não foi determinada pelo propósito de poupar o apelante a um qualquer desagrado, contrariedade ou consternação, antes teve a sua causa, tão adequada quanto decisiva, na intimidação que este lhe dirigiu em vista de, precisamente, obter dela uma tal declaração de vontade. Do exposto resulta a improcedência da apelação, pois que a declaração negocial emitida pela autora apelada (a declaração de vontade que enforma o acordo de partilha) foi extorquida por coacção (moral) e é, por isso, anulável (arts. 255º e 256º o CC). C. Síntese conclusiva. Improcede, pois, a apelação, podendo sintetizar-se a argumentação decisória (nº 7 do art. 663º do CPC) nas seguintes proposições (omitindo, nesta tarefa, os argumentos decisórios circunscritos à reapreciação da decisão da primeira instância sobre a matéria de facto): ……………………………….. ……………………………….. ……………………………….. * DECISÃO* Pelo exposto, acordam os Juízes desta secção cível em julgar improcedente a apelação e, em consequência, em confirmar a sentença apelada. Custas da apelação pelo apelante. Suportará também o apelante as custas do incidente do desentranhamento dos documentos – que se ordena –, fixando-se a taxa de justiça em uma UC (art. 7º, nº 4 do Regulamento das Custas Processuais e Tabela II a tal regulamento anexa). * Porto, 13/06/2023 (por opção exclusiva do relator, o presente texto não obedece às regras do novo acordo ortográfico, salvo quanto às transcrições/citações, que mantêm a ortografia de origem) João Ramos Lopes Rui Moreira João Diogo Rodrigues ______________ [1] Omite-se a transcrição que a apelante faz relativamente à matéria julgada provada, elencando-se tão só as alterações por ele pretendidas em resultada da impugnação deduzida. [2] Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, 5ª Edição, pp. 242/243. No mesmo sentido, Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, Código de Processo Civil Anotado, Vol. I, Parte Geral e Processo de Declaração, 2018, p. 786. [3] Acórdão do STJ de 30/04/2019, processo nº 22946/11.0T2SNT-A.L1.S2 (Catarina Serra), no sítio www.dgsi.pt. [4] Faz-se constar que se segue a numeração observada na sentença, que desconsiderou, por lapso, o número 10. [5] A especificação dos meios probatórios que, no entender do recorrente, determinam decisão diversa quanto aos factos impugnados e, bem assim, a indicação, relativamente aos meios de prova gravada que constituam fundamento da impugnação, das passagens da gravação relevantes, deve ser feita na motivação (não sendo necessário constarem das conclusões) – p. ex., Abrantes Geraldes, Recursos (…), pp. 165/166 e 168/169. [6] Assim, Abrantes Geraldes, Recursos em Processo Civil, Novo Regime (Decreto Lei nº 303/07, de 24/08) – 2ª edição revista e actualizada, p. 298. [7] As soluções aventadas na doutrina e/ou na jurisprudência, ou que, em todo o caso, o juiz tenha como dignas de ser consideradas (como admissíveis a uma discussão séria) – Manuel de Andrade, Noções Elementares de Processo Civil, 1979, p. 188, nota 1 –, isto é, as soluções que a doutrina e a jurisprudência adoptem para a questão (designadamente nos casos em que em torno dela se tenham formado duas ou mais correntes) e também aquelas que sejam compreensivelmente defensáveis, considerando a lei e o direito aplicáveis – Antunes Varela, J. Miguel Bezerra e Sampaio e Nora, Manual de Processo Civil, 2ª edição revista e actualizada, pp. 417 e 418 –, os (todos os) ‘possíveis enquadramentos jurídicos do objecto da acção’, as ‘possíveis soluções de direito da causa’, as soluções jurídicas (entendimentos e posições) propostas pela doutrina e/ou jurisprudência para resolver a questão suscitada no litígio – Miguel Teixeira de Sousa, Estudos Sobre o Novo Processo Civil, Lisboa, Lex, 1997, p. 311 –, as vias de solução possível do litígio, ponderando as correntes doutrinárias e jurisprudenciais formadas em torno dos tipos de questão levantadas pela pretensão deduzida em juízo e excepções invocadas – Lebre de Freitas, Montalvão Machado e Rui Pinto, Código de Processo Civil Anotado, Volume 2º, 2001, p. 381. [8] Acórdão da Relação de Coimbra de 14/01/2014 (Henrique Antunes), no sítio www.dgsi.pt. No mesmo sentido, v. g., os acórdãos do STJ de 19/05/2021 (Júlio Gomes) e de 14/07/2021 (Fernando Baptista), no sítio www.dgsi.pt. [9] V. g., Joana Vasconcelos, in Comentário ao Código Civil, Parte Geral, Universidade Católica Editora (coordenação de Luís Carvalho Fernandes e José Brandão Proença), nota 6 ao artigo 255º do CC, p. 615 e nota 8 ao artigo 256º do CC, p. 618; também, p. ex., o acórdão do STJ de 19/04/2012 (Maria dos Prazeres Pizarro Beleza). [10] Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, Volume I, 3ª edição revista e actualizada (com a colaboração de Henrique Mesquita), nota 4 ao art. 342º do CC, p. 304. [11] Rita Lynce de Faria, in Comentário ao Código Civil, Parte Geral, Universidade Católica Editora (…), nota V ao artigo 342º do CC, p. 812. [12] Joana Vasconcelos, in Comentário ao Código Civil (…), nota 9 ao artigo 256º do CC, p. 618.´Também, no mesmo sentido, Mota Pinto, Teoria Geral do Direito Civil, 2ª edição actualizada, 1982, p. 528, Jacinto Fernandes Rodrigues Basto, Notas ao Código Civil, Volume I, 1987, p. 348 e Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado (…), nota 2 ao art. 256º, p. 238. [13] Paulo Ramos de Faria e Ana Luísa Loureiro, Primeiras Notas ao Novo Código de Processo Civil, Volume I, 2014, 2ª edição, p. 587. [14] Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, Código de Processo Civil Anotado (…), , pp. 26 e 21 e 721 a 723, Abrantes Geraldes, Recursos (…), pp. 567 e ss e Miguel Teixeira de Sousa, em comentário publicado no blog do IPPC (https://blogippc.blogspot.com) em 5/02/2018 a acórdão do STJ de 28/09/2017. [15] Miguel Teixeira de Sousa, em comentário de 28/06/2022 a acórdão da Relação de Lisboa de 2/12/2021, no blog do IPPC (https://blogippc.blogspot.com). [16] A. Varela, J. Miguel Bezerra e Sampaio e Nora, Manual de Processo Civil (…), pp. 406 e 407. [17] Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil (…), p. 290. [18] Defendiam-no a propósito do regime processual anterior ao introduzido pela Lei 41/2013, de 26/07, ao nível da doutrina, Abrantes Geraldes, Recursos em Processo Civil, Novo Regime, 2ª edição revista e actualizada, pp. 283 a 286 e Amâncio Ferreira, Manual dos Recursos em Processo Civil, 9ª edição, p. 227 (referindo que, por se encontrar na posse dos mesmos elementos de prova que a 1ª instância, a Relação, se entender, dentro do princípio da livre apreciação da prova, que aqueles elementos impõem uma decisão diferente sobre o ponto impugnado da matéria de facto, alterará a decisão que sobre ele incidiu – a reapreciação da prova pela Relação coincide em amplitude com a da 1ª instância); ao nível da jurisprudência (tirada no âmbito da vigência do anterior regime processual), p. ex., os Acórdãos do STJ de 01/07/2008, de 25/11/2008, de 12/03/2009, de 28/05/2009 e de 01/06/2010, no sítio www.dgsi.pt. Posição que a doutrina e a jurisprudência vêm mantendo (e veementemente reforçando) quanto ao regime processual vigente – p. ex., na doutrina Abrantes Geraldes, Recursos (…), pp. 286/287, 298 a 303 (maxime 302 e 303) e na jurisprudência os acórdãos do STJ de 8/01/2019 (Ana Paula Boularot), de 25/09/2019 (Ribeiro Cardoso), de 16/12/2020 (Tomé Gomes), de 1/07/2021 (Rosa Tching) e de 29/03/2022 (Pedro de Lima Gonçalves), no sítio www.dgsi.pt. [19] A. Varela, RLJ, Ano 116, p. 339. [20] Manuel de Andrade, Noções (…), pp. 191/192. [21] Consigna-se ter-se procedido à audição integral da audiência de discussão e julgamento. [22] Mota Pinto, Teoria Geral de Direito Civil (…), pp. 498/499. [23] Mota Pinto, Teoria Geral de Direito Civil (…), p. 523. [24] Joana Vasconcelos, in Comentário ao Código Civil (…), nota 4 ao artigo 255º do CC, p. 614. [25] Jacinto Fernandes Rodrigues Basto, Notas ao Código Civil (…), p. 348. [26] Joana Vasconcelos, in Comentário ao Código Civil (…), nota 5 ao artigo 255º do CC, p. 614. [27] Jacinto Fernandes Rodrigues Basto, Notas ao Código Civil (…), p. 348. [28] Joana Vasconcelos, in Comentário ao Código Civil (…), nota 10 ao artigo 255º do CC, p. 615, Mota Pinto, Teoria Geral do Direito Civil (…), pp. 526/527 e Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado (…), nota 2 ao art. 255º, p. 238. [29] Jacinto Fernandes Rodrigues Basto, Notas ao Código Civil (…), p. 348. [30] Joana Vasconcelos, in Comentário ao Código Civil (…), nota 12 ao artigo 255º do CC, p. 616. [31] Joana Vasconcelos, in Comentário ao Código Civil (…), nota 9 ao artigo 255º do CC, p. 615. [32] Karl Larenz, Derecho Civil, Parte General, (tradução e notas de Miguel Izquierdo y Macías-Picavea), Editorial Revista de Derecho Privado, pp. 548 e 549 (tradução do castelhano feita pelo relator). [33] Joana Vasconcelos, in Comentário ao Código Civil (…), nota 5 ao artigo 256º do CC, pp. 617/618. [34] Jacinto Fernandes Rodrigues Basto, Notas ao Código Civil (…), p. 350. [35] Trata-se de requisitos adicionais, a apreciar objectivamente – solução excepcional (a da segunda parte do art. 256º do CC) que, num contexto em que prevalecem a «viciação da vontade do coagido», a gravidade a coacção e a sua forte reprovação pelo ordenamento, tutela a «confiança da contraparte» do negócio, à qual confere um direito de esperar um mínimo de «resistência do coagido às ameaças de terceiro» - Joana Vasconcelos, in Comentário ao Código Civil (…), nota 11 ao artigo 256º do CC, p. 618. Do normativo em questão se ‘depreende que nem a gravidade do mal cominado nem a justificação do receio de que a ameaça seja consumada constituem requisitos essenciais de relevância da coacção exercido pelo declaratório’ - Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado (…), nota 2 ao art. 256º, p. 238. [36] Joana Vasconcelos, in Comentário ao Código Civil (…), nota 9 ao artigo 256º do CC, p. 618. [37] Mota Pinto, Teoria Geral do Direito Civil (…), p. 528. [38] Mota Pinto, Teoria Geral do Direito Civil (…), p. 528. [39] Jacinto Fernandes Rodrigues Basto, Notas ao Código Civil (…), p. 349. [40] Joana Vasconcelos, in Comentário ao Código Civil (…), nota 13 ao artigo 255º do CC, p. 616. |