Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
1441/19.5T9MAI.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: MOREIRA RAMOS
Descritores: CRIME DE OFENSA À INTEGRIDADE FÍSICA
LEGÍTIMA DEFESA
REQUISITOS
RETORSÃO
DISPENSA DE PENA
PRESSUPOSTOS
Nº do Documento: RP202211161441/19.5T9MAI.P1
Data do Acordão: 11/16/2022
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO PENAL (CONFERÊNCIA)
Decisão: NEGADO PROVIMENTO AO RECURSO INTERPOSTO PELO
ARGUIDO
Indicações Eventuais: 4. ª SECÇÃO (CRIMINAL)
Área Temática: .
Sumário: I – A legítima defesa pressupõe a existência de uma agressão actual e ilícita a interesses juridicamente protegidos do agente ou de terceiro, e que a defesa deve ater-se exclusivamente aos meios necessários para fazer cessar a agressão.
II – Se alguém simplesmente riposta a uma agressão antes sofrida, não se verifica o requisito actualidade da agressão e, por via disso, a necessidade de defesa ou “animus defendendi”.
III – A retorsão respeita a situações nas quais o agente se limita a responder a uma conduta ilícita ou repreensível do ofendido, e ao mesmo tempo agressor, mas a dispensa de pena só poderá ter lugar se estiverem também presentes os requisitos contidos no artigo 74º do Código Penal.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: PROC.º 1441/19.5T9MAI.P1


Acordam, em conferência, na 2ª Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto:
I – RELATÓRIO:
Neste processo, por sentença datada de 27/01/2022 – e não 26/01/2022 como dela consta - (refª. 432707307), e no que ora importa salientar, decidiu-se julgar a acusação pública procedente, e o pedido cível procedente, por provados e, em consequência:

· condenar o arguido AA, pela prática de um crime de ofensa à integridade física p. e p. pelo artigo 143º, nº 1, do Código Penal, na pena de cem dias de multa, à taxa diária de oito euros, num total global de oitocentos euros;
· condenar o arguido BB, pela prática de um crime de ofensa à integridade física p. e p. pelo artigo 143º, nº 1, do Código Penal, na pena de seis meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de dois anos, com regime de prova.
· condenar o arguido AA a pagar ao demandante Centro Hospitalar ..., EPE, a quantia de duzentos e vinte euros e cinquenta e um cêntimos, acrescida dos juros vencidos e vincendos, à taxa legal, desde a sua notificação e até efetivo e integral pagamento

Inconformado com a sobredita decisão, veio o arguido AA interpor recurso da mesma nos termos constantes dos autos e aqui tidos como especificados (refª. 31489903), tendo formulado, a final, as seguintes conclusões (transcrição):

i. Tendo o tribunal a quo dado como provado que:

a) No dia 06.02.2019, pelas 11h30, quando os arguidos que trabalham como motoristas a prestar serviço para a S..., S.A., se encontravam nas instalações da empresa, sitas na Rua ..., na Maia, começaram a discutir e quando o arguido AA virou costas ao arguido BB, o arguido BB desferiu um pontapé na parte de trás do joelho do arguido AA.
b) Foi então que o arguido AA se voltou de frente para o arguido BB e desferiu-lhe um murro na face do lado direito, fazendo com que o arguido BB caísse no chão.

ii. Concluindo assim que há uma agressão inicial levada a cabo pelo arguido BB e uma reacção imediata a essa agressão por parte do arguido AA.
iii. Não poderia ter condenado o recorrente pela prática de um crime de ofensa à integridade física simples p. e p. no art. 143º, nº1, do Código Penal.
iv. Uma vez que, atenta a dinâmica dos factos e das agressões em causa, necessariamente se teria que se concluir por uma causa de exclusão da ilicitude, no caso, o facto do recorrente ter agido em legitima defesa, nos termos do art.º 32.º CP.
v. Isto porque, conforme resultou provado, foi o arguido BB quem inicialmente agrediu o recorrente, a que se junta ainda o também por este admitido que ainda dentro do camião “chamou à razão” o recorrente, que “se exaltou dentro do camião, dizendo que aquilo não eram atitudes para um colega de trabalho (tudo por causa das guias!!), que o arguido AA refutava e que ele deu murros no tablier (…). Diz ainda que o arguido AA não lhe ligava e continuou à volta com os seus papéis”.
vi. Tendo sido este quem se dirigiu ao recorrente, que estava no lado contrário do camião, para o agredir com um pontapé (com botas de biqueira de aço).
vii. E, nessa sequência, Foi então que o arguido AA se voltou de frente para o arguido BB e desferiu-lhe um murro na face do lado direito, fazendo com que o arguido BB caísse no chão.
viii. Agindo assim em legítima defesa.
ix. Na verdade, o recorrente só reagiu quando agredido, em resposta à agressão e com o intuito de suster a agressão.
x. Não agindo assim o recorrente com a intenção de agredir o arguido BB, mas sim com o único propósito de se defender do arguido BB, reacção essa que foi imediata à agressão sofrida por este e que, diga-se, só desse modo permitiu pôr fim à mesma.
xi. Verificada que está a existência de uma causa de exclusão da ilicitude, deveria o recorrente ter sido absolvido da prática do crime de ofensa à integridade física simples.
Sem prescindir e,

xii. Mesmo que assim não se entendesse, sempre se teria que se concluir pela dispensa de pena, nos termos do art.º 143.º n.º 3 al. b) CP, verificada que estaria a retorsão.
xiii. Já que, no limite, se teria que se concluir que o recorrente unicamente teria exercido retorsão sobre o agressor.

Sem prescindir ainda,

xiv. Condenou o tribunal a quo o recorrente na pena de 100 (cem) dias de multa à taxa diária de 8,00€ (oito euro), num total de 800,00€ (oitocentos euros).
xv. Pena essa que sempre se revelaria excessiva, atento uma vez mais tudo quanto o já exposto.
xvi. Pelo que se imporia assim, uma redução substancial de tal pena, cujo montante diário não deverá ultrapassar os 3,00€.

Também não se conformando com tal decisão, dela veio recorrer o arguido BB nos termos que constantes dos autos e aqui se consideram como reproduzidos (refª. 31515238), tendo formulado, a final, as seguintes conclusões (transcrição, excepto quanto às referenciadas transcrições da prova gravada):

1 - Vem o recurso interposto da sentença lida no dia 26 de janeiro de 2022, depositada no dia 28 do mesmo mês e ano, na qual o M.º Juiz “a quo” condenou o arguido BB pela prática de um crime de ofensa á integridade física p. e p. no art. 143.º, n.º 1, do C.P., na pena de 6 (seis) meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de 2 (dois) anos, com regime de prova;
2 – A sentença enferma dos vícios do art. 410.º, n.º 2 do C.P.P., nomeadamente, contradições insanáveis na fundamentação e entre esta e a decisão e erro notório na apreciação de prova, levando a uma errada qualificação jurídica dos factos;
3 - Verifica-se, na leitura da sentença, que são dados como provados um conjunto de factos que nada têm a ver com a prova produzida;
4 - In casu, a sentença determina como factos provados, na al. a) e b), que não são compatíveis com a prova produzida, nomeadamente, com os diversos depoimentos ocorridos em sede de julgamento;
5 - Dessas declarações resulta, claramente, que o aqui Recorrente não agrediu com um pontapé o arguido AA, sendo este facto puramente inventado para dar guarida à estratégia de desistência de queixa prosseguida por este;
6 - De facto, para a formação da sua convicção o tribunal a quo relevou toda a prova constante dos autos e conjugou-a com a análise critica dos depoimentos das testemunhas ouvidas e das declarações dos arguidos;
7 - Ora, foi exatamente nesta análise crítica que o tribunal falhou rotundamente;
8 - O Tribunal a quo, apesar de ter em seu favor, por exemplo, o princípio da imediação em sede penal, não pode afastar-se da realidade fáctica que resulta dos depoimentos suprarreferidos.
9 - Não pode esquecer que, ouvidas as testemunhas e os arguidos, resulta, quanto aos factos de que o aqui Recorrente vem acusado, 4 (quatro) versões distintas, tantas quantas as pessoas ouvidas, e que, dos 4 depoimentos, três resultam, claramente, de versões apresentadas (montadas/ficcionadas) em favor do arguido AA;
10 - Sumariamente, vinha o aqui Recorrente acusado de, no dia 6 de fevereiro 2019, pelas 11h 30m, quando se encontrava nas instalações da S..., S.A., quando o arguido AA virou as costas, ter desferido um pontapé na parte de trás do joelho deste;
11 - Com efeito, depois de serem ouvidas as testemunhas e os arguidos é claro que isso não aconteceu, apesar do Tribunal a Quo ter entendido o contrário;
12 - Relativamente á análise critica realizada pelo Tribunal a quo dos depoimentos das testemunhas ouvidas resulta o seguinte:
- Da análise realizada ao depoimento da testemunha CC cabe em sede do presente recurso concordar com a análise realizada pela sentença recorrida;
13 - De facto, esta testemunha mostrou ter uma visão seletiva dos factos, claramente, em favor do arguido AA. Contudo, o Tribunal a quo não fez uma análise cuidada do depoimento desta testemunha, pois, ela referiu alguns aspetos que pela sua importância decisiva para a determinação da veracidade das versões levadas a julgamento devem ser valorados;
14 - Assim, se atendermos ao teor das declarações prestadas por esta testemunha podemos concluir que, sem nenhum favor, ou esforço interpretativo, esta declara claramente que, viu o aqui Recorrente a pontapear o arguido AA, na parte da frente da perna deste arguido (claramente em contradição com o que foi referido por este);
15 - Na verdade, quando presta declarações, nomeadamente, aos 8m48s, refere o seguinte (…);
16 - Este excerto das declarações da testemunha embora tenha passado despercebido relata precisamente o alegado chuto, sendo, manifestamente mais uma forma fantasiosa de criação de um facto inexistente;
17 - Já o depoimento da testemunha DD, cuja decisão do Tribunal a quo, classifica de sereno, isento e objetivo, inteiramente merecedor da credibilidade do tribunal, refere um conjunto de factos que foram totalmente esquecidos na análise critica feita pelo Tribunal, nomeadamente, quando este refere o detalhe do alegado pontapé que o aqui recorrente deu ao arguido AA;
18 - É este detalhe que vai determinar a veracidade ou não dos factos relatados, sobretudo, quando conjugados com os outros depoimentos e a demais prova produzida;
19 - O aqui recorrente não compreende como o Tribunal a Quo não referiu todo o circunstancialismo referido (…).
20 - Atentemos, de seguida, ás legitimas e compreensíveis dúvidas da Sra. Procuradora, nomeadamente, quando pergunta o seguinte (…);
21 - Note-se que, a Sra. Procuradora, tal como o recorrente e qualquer pessoa, entendeu que dificilmente a história narrada pela testemunha faria sentido, pois jamais o arguido, ou qualquer pessoa normal, seria agredido com um pontapé com umas botas de biqueira de aço e não apresentava qualquer mazela de relevo, nem se queixava de dores, nem caia ao chão, pura e simplesmente, nada.;
22 - Depois é de realçar o teor das palavras usadas pela testemunha durante o seu depoimento que, no nosso entender, de isento e credível, não tem nada. Desde logo, começa por tratar o arguido AA por AA e o aqui recorrente por SR. BB, denotando uma clara proximidade e amizade com o primeiro. Refere aos 5m e 10s do seu depoimento o seguinte (…);
23 - Esta frase denuncia, desde logo, a relação de amizade existente entre o arguido AA e a testemunha que terá originado que a mesma tenha vindo a tribunal contar a fantasia do alegado chuto e, curiosamente, a levantar a questão da existência de uma legitima defesa, posição, aliás, defendida pelo arguido AA em sede de alegações finais;
24 - Com efeito, para que se entenda, de forma cabal, a razão de ser do presente recurso falta, como é óbvio, ouvir o que disseram os arguidos;
25 - Á partida, face á decisão em escrutínio, tudo leva a crer que o arguido AA contou uma história parecida, pelo menos, à testemunha DD. Mas não, de facto isso não aconteceu;
26 - Ao descrever a dinâmica dos factos, como está puramente a inventar, conta uma versão dos factos completamente diferente. Curiosamente, o Tribunal a quo também classificou esta versão como coerente e verosímil, merecendo a credibilidade do tribunal;
27 - Relembremos que as duas testemunhas referiram, claramente, que o arguido AA foi agredido pelo Recorrente com um chuto na parte da frente da perna, na zona da canela, quando os dois se encontravam frente a frente. Vejamos agora o que diz o Sr. AA, nas declarações realizadas aos 9m e 35s (…);
28 - Ora, em sentido inverso ao das testemunhas o SR. AA afirma inequivocamente que foi agredido pelas costas e o pontapé atingiu a parte de trás do joelho. Contudo, não consegue explicar o facto de ninguém ter visto qualquer tipo de dano que o alegado pontapé lhe provocou, nem podia, aliás, pois não existiu a dita agressão;
29 - As contradições existentes entre as declarações do SR. AA e as testemunhas supramencionadas são várias, pois para além do que se relaciona diretamente com o pontapé, o SR. AA afirmou ter sido o primeiro a sair do camião, afirmou ter agredido o aqui recorrente quando este se enquadrava de frente para ele, utilizando para o efeito a sua mão direita, o que, pelas regras da experiência comum, não é de crer, pois não podemos esquecer que por via do relatório médico legal junto aos autos, o aqui recorrente apresentou sequelas da dita agressão na face direita, o que pressupõe que as declarações do recorrente são mais credíveis e razoáveis, pois refere que quando foi agredido estava de costas para o arguido AA;
30 - Nesse enfoque, faz todo o sentido que quando foi agredido se encontrava no mesmo sentido de marcha do arguido AA e que o mesmo o surpreendeu com um murro na face direita da sua cara;
31 - Por fim, surgem as declarações do aqui recorrente que, salvo melhor e fundamentada decisão, são mais credíveis e verdadeiras. Desde logo, o aqui Recorrente não tem dúvidas em afirmar que a fantasia contada pelo arguido AA foi uma “história montada”;
32 - Nunca o Recorrente agrediu o arguido AA. Refere o aqui Recorrente no início das suas declarações o seguinte (…);
33 - Não se entende que a sentença refira que as declarações do arguido AA se revelaram congruentes com as declarações referidas pela testemunha DD e que por esse facto merecem a credibilidade do tribunal;
34 - Ao contrário do que refere a sentença recorrida, os seus depoimentos não têm algumas discrepâncias, mas sim discrepâncias decisivas e objetivas sobre o modo como foi dado o pontapé, a localização relativa dos intervenientes no momento da agressão (testemunhas – frente a frente/ arguido AA – estava de costas para o recorrente), o local do impacto do pontapé (testemunhas – na canela, frente da perna/ arguido AA – parte de trás do joelho);
35 - Tudo isto demonstra que, de facto, a história contada pelos diversos intervenientes não faz qualquer sentido e afasta, pelas suas diferenças insanáveis, qualquer demonstração ou qualificação de compatibilidade e congruência entre as mesmas;
36 - Como dispõe o art. 127.º do C.P.P., a prova é apreciada “segundo as regras da experiência e a livre convicção da entidade competente”, o que significa que o julgador tem a liberdade de formar a sua convicção sobre os factos submetidos a julgamento com base no juízo que se fundamenta no mérito objetivamente concreto do caso, na sua individualidade histórica, tal como ele foi exposto e adquirido representativamente no processo;
37 - Contudo, com o devido respeito, a decisão recorrida não preenche a exigência da norma;
38 - Sendo de todo esperado que o presente recurso tenha provimento e seja o arguido absolvido pelo que vinha acusado.

Os recursos foram regularmente admitidos (refª. 433945802).
O Ministério Público respondeu separadamente a cada um dos recursos nos termos vertidos nos autos, cujos fundamentos aqui temos como reproduzidos (refªs. 31933108 e 31933180, referentes aos arguidos AA e BB, respectivamente”, concluindo no sentido de que deverá negar-se provimento a ambos os recursos, mantendo-se, na íntegra, a sentença recorrida.

Não há outras respostas a qualquer dos recursos.

Neste tribunal, a Ex.ma PGA emitiu o parecer junto aos autos e que aqui se tem como repetido (refª. 15707757), através do qual sustentou que ambos os recursos deverão ser julgados improcedentes.

No cumprimento do artigo 417º, nº 2, do Código de Processo Penal, nada mais foi aduzido.

Após exame preliminar, colhidos os vistos e realizada a conferência, cumpre decidir, nada obstando a tal.
*
II – FUNDAMENTAÇÃO:

a) a decisão recorrida:

No que aqui importa reter, a sentença recorrida é do teor seguinte (transcrição):

FACTOS PROVADOS

Com relevância para a decisão da causa, da audiência de julgamento resultaram provados os seguintes factos:

a) No dia 06.02.2019, pelas 11h30, quando os arguidos que trabalham como motoristas a prestar serviço para a S..., S.A., se encontravam nas instalações da empresa, sitas na Rua ..., na Maia, começaram a discutir e quando o arguido AA virou costas ao arguido BB, o arguido BB desferiu um pontapé na parte de trás do joelho do arguido AA.
b) Foi então que o arguido AA se voltou de frente para o arguido BB e desferiu-lhe um murro na face do lado direito, fazendo com que o arguido BB caísse no chão.
c) Em consequência da actuação do arguido AA, o arguido BB teve de receber tratamento hospitalar no Centro Hospitalar ... e sofreu dores na mandíbula direita e fratura de placa dentária que lhe determinaram 14 dias para cura, com afetação ligeira da capacidade de trabalho.
d) Os arguidos sabiam que ao atuar da forma supra descrita, molestavam o corpo e a saúde do um do outro, o que concretizaram.
e) Os arguidos agiram de forma livre, deliberada e consciente.
f) Sabiam ainda que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei penal.

Mais se provou que:

g) O centro Hospitalar ..., EPE prestou assistência médica ao ofendido/arguido BB no seu hospital, em virtude das lesões referidas em c).
h) Sendo que os encargos resultantes de tal assistência importam a quantia de €220,51.
i) Não existem registos de condenações do arguido AA no seu mais recente Certificado do Registo Criminal.
j) Por sentença proferida em 26.10.2000, devidamente transitada em julgado, no âmbito do processo nº1600/00.4TBVFR do 1º Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Santa Maria da Feira, o arguido BB foi condenado pela prática, em 26.10.2000, de um crime de ameaça p. e p. no art. 153º, nº1, do Código Penal, na pena de 100 dias de multa à taxa diária de 300$00, que posteriormente foi convertida em 66 dias de prisão subsidiária, cuja execução foi suspensa, e que já se encontra extinta pelo cumprimento.
k) Por sentença proferida em 03.04.2003, devidamente transitada em julgado, no âmbito do processo nº725/01.3GAVFR do 1º Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Santa Maria da Feira, o arguido BB foi condenado pela prática, em 09.10.2001, de um crime de ofensa á integridade física simples p. e p. no art. 143º, nº1, do Código Penal e de um crime de injúria p. e p. no art. 181º, nº1, do Código Penal, na pena única de 120 dias de multa à taxa diária de €3,00, que posteriormente foi convertida em 45 dias de prisão subsidiária, e que já se encontra extinta pelo cumprimento.
l) Por sentença proferida em 22.06.2005, devidamente transitada em julgado, no âmbito do processo nº 463/03.2GBVNG do 4º Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Vila Nova de Gaia, o arguido BB foi condenado pela prática, em 11.04.2003, de um crime de injúria p. e p. no art. 181º, nº1, do Código Penal, na pena de 2 meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de 2 anos, sendo que tal pena já se encontra extinta nos termos do art. 57º do Código Penal.
m) Por sentença proferida em 28.10.2009, no âmbito do processo com a referência nº1166/2009, do Tribunale in Composizione Collegiali di Savona, da Itália, o arguido BB foi condenado pela prática, de um crime de “Violenza Sessuale”, na pena de “1 anni e 3 mesi reclusione”, com “suspensione condizionale dela pena.
n) Por acórdão proferido em 25.11.2009, devidamente transitado em julgado em 07.01.2020, no âmbito do processo nº22/18.5GAVFR do J3 do Juízo Central Criminal de Santa Maria da Feira do Tribunal Judicial da Comarca de Aveiro, o arguido BB foi condenado pela prática, em 13.01.2018, de um crime de injúria p. e p. no art. 181º, nº1, do Código Penal e de um crime de ofensa à integridade física simples p. e p. no art. 143º, nº1, do Código Penal, na pena única de 6 meses e 10 dias de prisão, suspensa na sua execução pelo período de 1 ano, com condição de pagamento no prazo de 6 meses da indemnização devida ao lesado, a qual já se encontra extinta nos termos do art. 57º do Código Penal.
o) O arguido AA é casado, concluiu o 6º ano de escolaridade, e trabalha como motorista auferindo um vencimento mensal líquido de €1350,00. A mulher trabalha como operadora de loja e tem um vencimento mensal líquido de €700,00, mas de momento está de baixa a auferir €450,00 mensais. Têm dois filhos de 20 e 18 anos de idade, estudantes,que vivem com os pais. A casa onde vivem é própria e encontram-se a pagar ao banco uma prestação mensal pela sua aquisição de cerca de €500,00. O arguido tem carro próprio, um ... de 2016, que se encontra a pagar em prestações mensais de €102,00.
p) O arguido BB é solteiro, concluiu o 11º ano de escolaridade, e trabalha como motorista auferindo um vencimento mensal líquido de €700,00. Vive sozinho numa casa qe era de seus avós, não pagando qualquer montante pelo alojamento. O arguido tem carro próprio, um ... de 1998, que se encontra pago.

FACTOS NÃO PROVADOS

Não resultou provado que:

No momento referido em a) o arguido AA virou costas ao arguido BB para se ir embora.

No momento referido em b), o arguido AA desferiu-lhe vários pontapés ao arguido BB, atingindo-o na orelha direita e em várias partes do corpo.

As agressões do arguido AA ao arguido BB só cessaram porque os colegas de trabalho que se encontravam no local o afastaram.

CONVICÇÃO DO TRIBUNAL

Para a formação da sua convicção, o tribunal relevou toda a prova constante dos autos: a documental - designadamente auto de notícia de fls. 2, datado 09.06.2019 referente a factos ocorridos em 06.02.2019 (onde consta como ofendido o arguido BB, que no momento relata apenas que teria sido agredido e sofrido um impacto forte da cabeça); a cópia do auto de denúncia de fls. 5, cujo original se encontra a fls. 2 do apenso A, onde é denunciante o arguido BB; os registos clínicos de fls. 25 a 33, 144 e 25 a 30, 54 a 56 do apenso A; o registo do episódio de urgência de fls. 5 do apenso A, datado de 06.02.2019; a fatura de fls. 143 verso; e o CRC dos arguidos de fls. 156 (AA) e 157 a 160 (BB) e denúncia de fls. 2 e 3, e o CRC de fls. 54 e 117, e as informações clínicas sobre o estado de saúde do arguido de fls. 120 a 123, 139 a 145161e 162 e 167, a pericial – o relatório do INML de avaliação do dano corporal do ofendido/arguido BB de fls. 14 a 16, efetuado no dia 20.02.2019, o relatório do INML de avaliação do dano corporal do ofendido/arguido BB de fls. 14 a 16, efetuado no dia 05.06.2019; conjugou-a com a análise crítica dos depoimentos das testemunhas ouvidas:

CC, casado reformado, ex-trabalhador da empresa onde ocorreram os factos, que muito embora se tenha revelado comprometido, ao não querer, de forma evidente, relatar factos que possam fazer o arguido AA incorrer em responsabilidade criminal, dizendo que ele é pessoa que não arranja problemas, que não o viu agredir e dando logo o “recado” que ouviu discussão dentro do camião, que o arguido BB saiu do camião todo alterado de lá de dentro e que caiu sozinho, enquanto insultava o arguido AA, teve a virtualidade de apenas corroborar a existência de discussão no momento em causa nos autos e de que houve confronto físico em que os dois arguidos estão envolvidos. Referiu que estava a manobrar a empilhadora, que ouviu a discussão e por isso ficou a ver o que se passava, sendo certo que demonstra ter uma visão “seletiva” pois que diz ter visto “o outro senhor a dar biqueiro na perna esquerda” do arguido AA, mas já não vê o murro que o próprio arguido AA admite ter desferido logo de seguida ao arguido BB fazendo-o cair no chão. Atentas as suas discrepâncias foi lido o seu depoimento prestado em inquérito e que consta de fls. 45, sendo que ali referiu a dinâmica do sucedido com a existência do murro após o desferir do pontapé. Esclareceu, com relevância, que os motoristas são obrigados a usar botas com biqueira se aço.

- DD, casado, operador de armazém na S..., onde trabalha há já 15 anos, com a função de conferente, o qual apesar de conhecer o arguido AA há já algum tempo, depôs de forma serena, isenta e objetiva inteiramente merecedora da credibilidade do tribunal. Explicou que se encontrava no armazém no momento em que ocorreram os factos. Referiu que viu o camião a chegar ao armazém conduzido pelo arguido AA, o qual parou no cais. Esclareceu que de onde estava via a lateral do camião e que a determinada altura começou a ouvir muito barulho que vinha de dentro do camião, que parecia estar a bater alguma coisa, o que focou a sua atenção para o camião e para o que ali se passava. Disse que viu o senhor do lado do pendura a sair e a ir em direcção ao outro lado e continua a ouvir desacatos, por isso foi ver e refere que viu, sem qualquer dúvida o arguido BB a dar um chuto ao arguido e que este lhe deu um murro e que o senhor caiu, recordando-se especificamente de ver os óculos deste também a cair. Frisa que apenas viu um murro a ser desferido pelo arguido AA e que não viu quaisquer pontapés a ser desferidos. Afirma que logo apareceu uma pessoa para junto dos dois e que foi logo ligar para a segurança, deixando de ver o que se passava. Refere que efetivamente o arguido BB se desequilibrou a sair do camião, mas que não pode afirmar se ele nesse momento caiu ou não. Explicou que o arguido BB estava muito nervoso; que o barulho que vinha do camião antes e saírem era imenso, barulho a bater e ameaças de vais ver…, com voz alta e forte. Referiu a dinâmica da agressão ocorrida em que o arguido BB se desloca para o lado do camião onde se encontra o arguido AA (explicando que para sair do armazém não por aquele lado, mas sim o oposto) e como o arguido BB desfere o pontapé (em que vê a perna a ir e bater) e depois o arguido AA dá-lhe o murro. Esclareceu que têm de usar calcado especial com biqueira se aço.

- e das declarações do arguidos:

Ambos situam espácio-temporalmente a contenda, que admitem ter ocorrido.

O arguido BB, muito embora negue ter agredido o ofendido/arguido AA, dizendo que agora é tudo uma história montada por parte do outro arguido e que há câmaras de vigilância e não aparecem as imagens, sendo certo quem inicialmente as pediu foi o arguido AA, admite que estava à espera do arguido AA para o substituir, dizendo logo que ele vinha com atraso, e com as suas luvas no ar a provocar e insinuar que ele lhe tinha roubado as luvas. Diz que discutiram por causa de umas guias, que ele próprio se tinha esquecido no dia anterior, e admitiu que telefonou mais do que uma vez ao arguido AA por causa das mesmas. Se por um lado diz que nunca foi mal educado, e que “nunca o tratou mal”, por outro refere que na altura o “chamou à razão”, por aquele ter sido mal educado consigo. Depois refere, de forma incompreensível e inusitada, que o arguido AA lhe teria proposto que “violasse uma miúda em ...”. Admite que se exaltou dentro do camião, dizendo que aquilo não eram atitudes para um colega de trabalho (tudo por causa das guias!!), que o arguido AA refutava e que ele deu murros no tablier e que foi o primeiro a sair do camião e que se ia embora do armazém e que largava o serviço. Diz ainda que o arguido AA não lhe ligava e continuou à volta com os seus papéis. Admite que saiu do camião, do lugar do pendura (como referem as testemunhas e o outro arguido), sendo certo que a sua dinâmica do sucedido além de ser incongruente com as suas próprias declarações se revela inverosímil. Quer fazer crer o tribunal, não o logrando de todo, que não agrediu o arguido AA com o pontapé, quando admite que aquele ainda ficou sossegado no camião quando ele (BB) ali saiu, e quando se o quisesse agredir o teria feito lá dentro do camião, com maior facilidade por estar mais perto dele, e enquanto estava a ter “ataque de fúria” a bater no tablier do camião. Ademais diz que se estava a vir embora e é então que é agredido, mas à frente do camião quando a sua suposta trajetória para sair do armazém era para o lado direito, o que é claramente demonstrativo que foi ele, que exaltado foi ter com o arguido AA, como aquele e as testemunhas o referem. Efetivamente tais declarações são de todo compatíveis com as declarações do arguido AA que se revelaram consistentes e congruentes com o referido pela testemunha DD que merecem a inteira credibilidade do tribunal, isto muito embora os seus depoimentos possam ter algumas pequenas discrepâncias o que é mais do que natural atenta a diferente perceção da mesma realidade por sujeitos diferente.
O arguido AA admite que a determinada a altura na contenda com o arguido BB, em que sempre tentou apaziguar os seus ânimos porque não pode haver problemas no local de trabalho, quando aquele lhe desferiu o pontapé, perdeu a cabeça e lhe desferiu um murro que o fez cair no chão e que de imediato o quis ajudar a levantar, negando ter feito qualquer outra agressão. Explicou a dinâmica de toda a agressão e não se colocou confortavelmente no papel de vítima, sendo a sua versão dos factos coerente e verosímil, como se disse supra, merecendo a credibilidade do tribunal.
Como dispõe o art. 127º do C.P.P., a prova é apreciada “segundo as regras da experiência e a livre convicção da entidade competente”, o que significa que o julgador tem a liberdade de formar a sua convicção sobre os factos submetidos a julgamento com base no juízo que se fundamenta no mérito objectivamente concreto do caso, na sua individualidade histórica, tal como ele foi exposto e adquirido representativamente no processo.
No que concerne aos antecedentes criminais dos arguidos considerou-se o teor dos CRCs junto aos autos e no que toca as suas condições pessoais e económicas atentou-se às declarações dos próprios arguidos, não existindo razões objetivas para não se ter as mesmas por verdadeiras, e bem ainda do relatório social.
A formação da convicção do tribunal quanto aos factos não provados resultou da circunstância de nenhuma prova se ter produzido em audiência de julgamento com relevância para a convicção do tribunal.
Quantos muitos e muitos pontapés que o arguido BB diz ter levado do arguido AA, além deste os negar (sendo certo que admite o murro e este por si só é suficiente para o fazer incorrer em responsabilidade criminal) não foi feita qualquer prova que confirme esta versão completamente exacerbada dos factos. A testemunha que viu a agressão não os viu e por outro lado o arguido BB também não apresenta quaisquer lesões físicas que corroborem esta sua versão dos factos (sendo difícil que pontapés com botas de biqueira de aço na cabeça e no ouvido não deixassem marcas visíveis) e por fim a própria dinâmica das agressões relatada pelo arguido AA, que como disse se revelou credível.

FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO
DA QUALIFICAÇÃO JURÍDICA DOS FACTOS

Os arguidos encontram-se acusados pela prática, cada um na pessoa do outro, de um crime de ofensa à integridade física simples, previstos e punidos pelo normativo do artigo 143º, nº1, do Código Penal, que dispõe: Quem ofender o corpo ou saúde de outra pessoa é punido com pena de prisão até três anos ou com pena de multa.
O bem jurídico protegido é a integridade física que pode ser atingida por uma ofensa no corpo ou na saúde independentemente da dor ou do sofrimento causados, da gravidade dos efeitos ou da sua duração e é eminentemente pessoal cometendo um crime de ofensa à integridade física por cada pessoa que seja ofendida.
A saúde encontra-se definida pela OMS como um complexo de bem estar físico, psíquico e moral, e, por ofensa no corpo deve entender-se toda a perturbação ilícita da integridade corporal morfológica ou do funcionamento normal do organismo ou das suas funções psíquicas, todo o mau trato através do qual a vítima é prejudicada no seu bem estar físico de forma não insignificante.
O preenchimento do tipo objetivo do crime em questão basta-se com qualquer forma de ação voluntariamente dirigida à ofensa da integridade física de outrem, ainda que não tenham sido determinados dias de doença ou incapacidade para o trabalho (neste sentido veja-se, entre outros, o Ac. R.L. de 26.06.90, CJ.,III, p. 171, e Ac. R.E. de 10.10.89, BMJ 390-486), acrescendo que, não é necessária a demonstração de danos, podendo verificar-se a realização deste tipo de crime mesmo que o ofendido não sofra, por via da agressão, qualquer lesão corporal visível (cfr. acórdão de fixação de jurisprudência de 18 de Dezembro de 1991, D.R., Série I-A).
Para o preenchimento deste crime exige-se ainda a verificação de um dolo de dano ou de resultado, enquanto conhecimento e vontade de realização de determinado resultado reportado ao tipo objetivo, em qualquer das suas modalidades previstas no artigo 14° do Código Penal.
Face à matéria de facto dada como provada não restam dúvidas que os arguidos BB e AA com as supra descritas condutas agredindo-se mutuamente desferindo o arguido BB um pontapé no arguido AA e este um murro no arguido BB, atentaram contra a integridade física um do outro e preencheram os elementos objetivos do crime pelo qual vêm acusados, pois o preenchimento do seu tipo legal basta-se com qualquer forma de ação voluntariamente dirigida à ofensa da integridade física de outrem.
Os elementos subjetivos do tipo de crime, encontram-se igualmente preenchidos pois que agindo livre, voluntária e conscientemente, com intenção de molestar fisicamente, o outro, qualquer um dos arguidos quis os resultados desvaliosos efetivamente produzidos.
Face ao exposto e atenta a simplicidade do tipo legal de crime em causa e a clareza com que dos factos resulta a subsunção das condutas dos arguidos ao ilícito típico por que vêm acusados, conclui-se, sem necessidade de mais considerações, que os arguidos BB e AA deverão ser condenados pela prática, cada um, de um crime de ofensa à integridade física simples p. e p. no art. 143º, nº1, do Código Penal.

DAS CONSEQUÊNCIAS JURÍDICAS DO CRIME

De acordo com o disposto no art. 143º, nº1 do Código Penal, pela prática de um crime de ofensa à integridade física é abstratamente aplicável aos arguidos uma pena de prisão até 3 anos ou pena de multa.
Assim, e não sendo definido o limite mínimo da pena de prisão nem os limites mínimo e máximo da pena de multa, nos termos do art. 41º e 47º do C. Penal, é abstratamente aplicável aos arguidos uma pena de prisão de 1 mês a 3 anos ou uma pena de multa de 10 a 360 dias.
O art. 70º do Código Penal estipula que se ao crime forem aplicáveis, em alternativa, pena privativa e pena não privativa da liberdade, o tribunal deverá dar preferência à segunda sempre que esta realizar de forma adequada e suficiente as finalidades da punição previstas no artigo 40º do diploma supra referido.
Desta forma, o critério de determinação da pena concreta aplicável encontra-se condicionado pelo momento prévio da necessária escolha da pena, atendendo aos requisitos impostos pelo art. 70º. Dado que o preceito incriminador da conduta dos arguidos prevê a possibilidade de aplicação de uma pena alternativa de multa, será esta aplicável se com tal se compatibilizarem as exigências de prevenção.
No caso em apreço as exigências de prevenção geral, fazem-se sentir de forma moderada, sendo que, no entanto, este tipo de criminalidade, com situações de discussões que culminam em agressões, tem vindo a aumentar e dessa forma provoca um clima de insegurança e instabilidade na sociedade, pelo que esta espera que o sistema judicial puna, de forma o mais eficaz possível, os agentes destes crimes.

Quanto às exigências de prevenção especial:

- no que respeita ao arguido AA considero que com a aplicação de uma pena de multa se satisfazem com suficiência tais exigências de prevenção especial pois que, além de não constarem do seu (recente) certificado do registo criminal quaisquer antecedentes criminais, está socialmente inserido e teve uma postura de colaboração com o tribunal, admitindo desde logo o murro que desferiu ao arguido BB, confessando o crime que lhe é imputado, e da forma como resultou provado. De facto, a circunstância da escolha da pena se dever associar mais estritamente a critérios de prevenção especial e a uma consideração da capacidade de ressocialização, impõe a escolha de uma pena de multa para este arguido como a mais adequada ao caso concreto.

- quanto ao arguido BB as necessidades de prevenção especial do caso são elevadas. O arguido conforme consta do seu registo criminal à data da prática dos factos aqui em questão tinha já 1 condenação pela prática de um crime de ameaça (em 2000 – pena de multa, que foi convertida em prisão subsidiária, que ficou suspensa e já está extinta), 1 condenação pela prática de um crime de ofensa à integridade física e de um crime de injúria (em 2003 - pena de multa, que foi convertida em prisão subsidiária, que já está extinta), 1 condenação pela prática de um crime de injúria (em 2003 - pena de 2 meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de 2 anos) e 1 condenação pela prática de um crime de violência sexual em Itália (em 2009 – pena de 1 ano e 3 meses de prisão, suspensa na sua execução). Posteriormente ainda foi condenado, em novembro de 2019 pela prática, em 2018, de um crime de injúria e de um crime de ofensa à integridade física, numa pena única de 6 meses e 10 dias de prisão, suspensa na sua execução pelo período de 1 ano. Tudo isto demonstra que, além de o arguido revelar uma personalidade não conforme ao Direito, propensa à prática de crimes e designadamente de crimes com violência (ameaça, ofensa à integridade física e violência sexual), que as condenações operadas e os juízos de prognose realizados para as decisões de aplicar ao arguido penas quer de multa, quer de prisão suspensa na sua execução antes da prática dos factos aqui em questão não se revelaram suficientes para o afastar do cometimento de factos ilícitos, e concretamente de cometer um crime de agressão – violência –assim atentando de novo contra o mesmo bem jurídico, pelo que se entende que no caso concreto a aplicação de uma pena de multa não se mostra suficiente para satisfazer as aludidas exigências de prevenção. Por tudo isto o arguido vai condenado em pena de prisão.

Dentro da moldura abstrata acima definida para os crimes praticados pelos arguidos cabe agora encontrar as penas concretamente aplicáveis considerando as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, deponha, contra ou a favor dos arguidos.
Os critérios de determinação da medida concreta da pena encontram-se exemplificativamente enumerados no art. 71º do Código Penal (aplicável ex vi do art. 47º, nº1 CP). A pena será delimitada pela inultrapassável medida da culpa do arguido, determinando-se o seu quantitativo tendo em atenção essa mesma culpa e as exigências de prevenção.
A prevenção geral, no seu entendimento mais atual, como prevenção geral positiva ou de integração, é um momento irrenunciável que não pode deixar de relevar decisivamente para a medida da pena – a ideia de que só razões ligadas à inarredável necessidade de reafirmar as expectativas comunitárias na validade e vigência da norma jurídica violada, abaladas pela prática do crime, podem justificar as reações mais gravosas por parte do direito penal.

Como circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime e se associam diretamente à sua prática ou à motivação que lhe deu origem, haverá a considerar que:

- qualquer dos arguidos agiu com a modalidade mais forte de culpa, atuando com dolo direto, representando e querendo o resultado obtido relativamente às agressões voluntárias que perpetrou no corpo do outro, com pontapé e murro;
- as lesões sofridas pelo ofendido/arguido BB em virtude das agressões perpetradas pelo arguido AA causaram dor e demandaram 14 dias com afetação ligeira da capacidade de trabalho;
- as lesões sofridas pelo ofendido/arguido AA em virtude da agressão perpetrada pelo arguido BB causaram-lhe dor;
- os arguidos envolveram-se em agressões mútuas, as quais ocorreram depois do arguido BB desferir um pontapé no arguido AA;
- o arguido AA não tem registo de condenações no seu recente certificado de registo criminal;
- o arguido AA admitiu, espontaneamente a agressão a murro ao arguido BB, confessando o crime que lhe é imputado, colaborando com o tribunal na administração da justiça e revelando uma postura de efetivo arrependimento;
- o arguido BB tem antecedentes criminais: foi condenado antes destes factos pela prática de crimes de ameaça (1), ofensa à integridade física (1), injúria (2) e violência sexual em Itália (1);
- posteriormente a estes factos foi ainda condenado pela prática do crime de ofensa à integridade física concomitantemente com o crime de injúria;
- o arguido praticou os factos dos presentes depois de já ter sido condenado em pena de prisão suspensa na sua execução;
- praticou os factos aqui em causa cerca de dois meses depois de lhe ter sido aplicada uma pena de prisão de 9 meses suspensa na sua execução com regime de prova, pela prática de um crime de furto qualificado, precisamente no período da suspensão daquela pena;
- nunca sentiu verdadeiramente a gravidade do seu comportamento, apesar de já ter sido condenado várias vezes por crimes contra as pessoas;
- nem sentiu a solenidade das sucessivas censuras que lhe foram sendo dirigidas, como demonstra o facto de ter continuado a agir da mesma forma, o que exaspera a censurabilidade da sua conduta e a indiferença às penas que sofreu;
- o arguido BB não teve qualquer comportamento revelador de arrependimento pelos factos cometidos, apresentou ao tribunal uma versão dos factos em que se coloca como vítima e refuta, de forma inverosímil, que não logra convencer o tribunal, que tenha agredido voluntariamente o arguido AA, sendo certo que foi ele quem iniciou a discussão e abandonou de forma intempestiva o seu posto de trabalho, cujo serviço estava a iniciar.
Consideradas em conjunto as circunstâncias descritas tem-se por adequadas e proporcionais:

- uma pena concreta que se fixa em 100 (cem) dias de multa para o arguido AA;
- uma pena concreta que se fixa em 6 (seis) meses de prisão para o arguido BB.

No que respeita ao quantitativo diário para a pena de multa do arguido AA, atentas as suas condições socioeconómicas que resultaram provadas, em conformidade com o art. 47º, nº2, do Código Penal, fixo o mesmo €8,00 (oito euros).
*
b) apreciação do mérito:

Começaremos por recordar que, conforme jurisprudência pacífica[1], de resto, na melhor interpretação do artigo 412º, nº 1, do Código de Processo Penal, o objeto do recurso deve ater-se às conclusões apresentadas pelos recorrentes, sem prejuízo, obviamente, e apenas relativamente às sentenças/acórdãos, da eventual necessidade de conhecer oficiosamente da ocorrência de qualquer dos vícios a que alude o artigo 410º, do Código de Processo Penal[2], devendo sublinhar-se que importa apreciar apenas as questões concretas que resultem das conclusões trazidas à discussão, o que não significa que cada destacada conclusão encerre uma individualizada questão a tratar, tal como sucede notoriamente no caso vertente relativamente a ambos os recorrentes.
Por outro lado, as questões a apreciar hão-de respeitar as regras da precedência lógica a que estão submetidas as decisões judiciais, consoante as diversificadas implicações (cfr. artigo 608º, nº 1, do Código de Processo Civil, aplicável “ex vi” artigo 4º do Código de Processo Penal), o que significa que, no caso vertente, é imperioso começar por apreciar o recurso do arguido BB.
*
Neste contexto, e em face daquilo que se apreende das efetivas conclusões trazidas à discussão por cada um dos recorrentes, importa saber:

1 – se a sentença enferma dos vícios do artigo 410º, nº 2 do Código de Processo Penal, nomeadamente, contradições insanáveis na fundamentação e entre esta e a decisão, e erro notório na apreciação de prova, levando a uma errada qualificação jurídica dos factos (arguido BB);
2 – se agiu em legítima defesa ou, caso assim não se entenda, sempre teria que concluir-se pela dispensa de pena, verificada que estaria a retorsão (arguido AA);
3 – se a pena aplicada sempre se revelaria excessiva, pelo que impor-se-ia a sua redução substancial (arguido AA).

Vejamos, pois.

1 – dos invocados vícios e errónea qualificação jurídica (arguido BB).

Alega o sobredito recorrente que da sentença enferma dos vícios do artigo 410º, nº 2 do Código de Processo Penal, nomeadamente, contradições insanáveis na fundamentação e entre esta e a decisão e erro notório na apreciação de prova, levando a uma errada qualificação jurídica dos factos, verificando da sua leitura que são dados como provados um conjunto de factos que nada têm a ver com a prova produzida, determinando-se como factos provados nas alíneas a) e b) que não são compatíveis com a prova produzida, nomeadamente, com os diversos depoimentos ocorridos em sede de julgamento, resultando dessas declarações, claramente, que ele não agrediu com um pontapé o arguido AA, sendo este facto puramente inventado para dar guarida à estratégia de desistência de queixa prosseguida por este, conforme depois procurou demonstrar, argumentação que, no essencial vem vertida nas correspondentes conclusões supra transcritas[3] e que, por economia, aqui se considera renovada, concluindo por tudo isso que a decisão recorrida não preenche a exigência do artigo 127º do Código de Processo Penal e que, no provimento do recurso, deverá ser absolvido.

Na resposta, o Ministério Público veio destacar, em síntese, que pela leitura atenta da sentença proferida e que aqui foi posta em crise pode aferir-se do quadro circunstancial em que os factos ocorreram e da atuação de ambos os arguidos na prática dos factos, que permitiram que ambos fossem condenados pela prática do crime de que vinham acusados, o que determinou a pena concreta que a cada um foi aplicada, sendo que a actuação do recorrente está bem concretizada e fundamentada na referida sentença, quer a nível da fundamentação de facto, quer a nível da fundamentação de direito, atentos os factos dados como provados, mais anotando que o mesmo impugna a decisão proferida sobre a matéria de facto mormente o constante nas alíneas a) e b), por entender que tais factos não são compatíveis com a prova produzida, alegando que não agrediu com um pontapé o arguido AA, tendo este facto sido puramente inventado para dar guarida à estratégia de desistência de queixa prosseguida pelo mesmo, só se entendendo o alegado como sendo uma tentativa desesperada para não ser condenado na pena que lhe foi imposta pela sentença, conforme depois explicita em moldes aqui tidos como renovados, por economia, concluindo seguidamente que não vislumbrava que tal arguido possa ser absolvido.

Já neste tribunal, a Ex.ma PGA emitiu parecer para sublinhar, em suma, que, analisada a motivação, parecia-lhe que o recorrente não logra a demonstração da existência de qualquer vício dos previstos no artigo 410º do Código de Processo Penal, mas ainda assim, e porque tais vícios também são de conhecimento oficioso, acrescenta que, analisado o texto da decisão recorrida, não se vislumbra que o tribunal tenha omitido qualquer facto relevante para a decisão, que haja contradições entre os factos ou entre estes e a fundamentação ou que tenha considerado como provado, ou como não provado algum facto que contrarie com toda a evidência a lógica mais elementar e as regras da experiência comum, mais destacando, agora no tocante à impugnação da matéria de facto, nos termos do artigo 412º do Código de Processo Penal, ou seja com fundamento em erro de julgamento, esta demanda do recorrente a especificação dos concretos pontos de facto incorretamente julgados e a indicação das concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida ou a demonstração da inexistência de prova que sustente aqueles concretos pontos de facto impugnados, o que o mesmo não fez, pois nem concretiza adequadamente os factos que considera incorretamente julgados, nem especifica as concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida, por referência ao consignado na acta e com concreta indicação das passagens em que se funda a impugnação, pelo que entendia que o tribunal de recurso não está habilitado a conhecer da impugnada matéria de facto, já que o recorrente quedou-se pela mera alegação da sua pessoal apreciação da prova, o que é manifestamente insuficiente ao cumprimento dos comandos legais que regem o recurso sobre matéria de facto, pelo que sustentava não estarem reunidas as necessárias condições para que o tribunal superior possa sindicar a factualidade assente.

Apreciando.

Este recorrente alega a existência de contradições insanáveis na fundamentação e entre esta e a decisão e erro notório na apreciação de prova, o que terá levado a uma errada qualificação jurídica dos factos, mais se verificando da leitura da sentença que são dados como provados um conjunto de factos que nada têm a ver com a prova produzida, além de se terem determinado como factos provados nas alíneas a) e b) que não são compatíveis com a prova produzida, nomeadamente, com os diversos depoimentos ocorridos em sede de julgamento.
Ora, a singela leitura da sua motivação leva a três claras ilações.
Em primeiro lugar, a de que a sua alegação no tocante aos invocados vícios constitui um claro vazio, pois não concretiza um único, uma vez que afirmar que mais se verifica da leitura da sentença que são dados como provados um conjunto de factos que nada têm a ver com a prova produzida, é dizer coisa nenhuma, além de que tal alegação propenderia a situar-se no âmbito do erro de julgamento, que não na dos alegados vícios, pelo que, e sendo ontologicamente apreciar aquilo que pura e simplesmente não existe, nada se impõe apreciar em concreto.
Depois, a de que convoca para a discussão, no seio dos tais meramente anunciados vícios, a análise da prova gravada, do que se depreende, apenas a referente aos factos tidos como provados nas alíneas a) e b), o que logicamente nos afastaria sempre dos aludidos vícios, já que é consabido, e pacífico, que os vícios a que aludem as várias alíneas do nº 2, do artigo 410º, do Código de Processo Penal, e tal como resulta do próprio teor daquele preceito, terão de resultar apenas do texto da decisão, ainda que no seu cotejo com as regras da experiência comum[4].
Em terceiro lugar, e tal como assertivamente se referia no supra aludido parecer, a de que, relativamente à impugnação da matéria de facto, que também nós denominamos de erro de julgamento, não cumpre, com o necessário rigor, os requisitos exigidos pelos nºs 3 e 4 do artigo 412º do Código de Processo Penal, que aqui imperam, uma vez que, dando-se de barato que a indicação das sobreditas alíneas a) e b) dos factos provados corresponde à especificação dos concretos pontos de facto incorretamente julgados, não indica depois quais são, afinal, as concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida ou, como se anotava naquele parecer, a demonstração da inexistência de prova que sustente aqueles concretos pontos de facto impugnados[5], limitando-se, a dissertar sobre alguma da prova declarativa e testemunhal, analisando-a de acordo com a sua própria leitura crítica que da mesma fazia, pretendendo com isso simplesmente substituir a convicção adquirida pelo tribunal recorrido pela sua própria, o que é consabido não satisfaz as exigências contidas naquele normativo, o que, só por si, implicaria a rejeição do recurso nessa parte.
De qualquer modo, e ainda que “a laterae”, sempre se dirá que, na prática, o recorrente pretendia e apenas validar a sua própria tese, em detrimento de tudo o mais, escudando-se em desgarrados excertos da prova gravada, notoriamente selecionada a preceito, conforme também se anotava na resposta, ali se adiantando até a sua descontextualização, procurando demonstrar incoerências entre declarações e depoimentos, esquecendo, além do mais, o tempo já decorrido e a inerente diluição da memória do sucedido, mormente por parte das testemunhas, bem como o próprio posicionamento desta no terreno, ou seja, a distância a que se encontravam e os diferentes ângulos do visionado, o que, muito naturalmente, pode levar a pequenos desfasamentos de pormenor, mas sem comprometer o essencial do que foi declarado.
Em suma, e em bom rigor, fica-nos, pois e apenas, um discurso de assumida discordância da leitura crítica da prova encetada pelo tribunal recorrido, que não um verdadeiro “ataque” ao próprio processo cognitivo que gerou o decidido, o que nos reconduz a uma inviável pretensão de sindicar a livre apreciação da prova, tal como vem consagrada no artigo 127º, do Código de Processo Penal, princípio que não foi aqui minimamente beliscado, e implica concluir que, e afora a possibilidade de, em bom rigor, ser de rejeitar o recurso nesta parte, não poderia afirmar-se que a análise encetada pelo tribunal recorrido, na parte aqui questionada, e devidamente explicitada, foi efetuada à revelia da lei, mormente por preterição das regras da experiência comum ou por ter colidido com quaisquer princípios, mormente o supra referido, e que, por isso, impunha uma decisão diversa, tal como o exige o artigo 412º, nº 3, al. b), do Código de Processo Penal, de tudo derivando, logicamente, a impossibilidade de alterar a matéria de facto que vinha fixada.

Adiante.

Posto que, conforme antes se assinalou e o parecer nos recordava, os genericamente alegados vícios são de conhecimento oficioso, e para nos situarmos em termos legais e interpretativos, convirá começar por relembrar que “o vício da contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão … verifica-se quando, de acordo com um raciocínio lógico na base do texto da decisão, por si ou conjugado com as regras da experiência comum, seja de concluir que a fundamentação justifica decisão oposta, ou não justifica a decisão, ou torna-a fundamentalmente insuficiente, por contradição insanável entre os factos provados, entre factos provados ou não provados, entre uns e outros e a indicação e a análise dos meios de prova fundamentos da convicção do tribunal”[6], e que erro notório na apreciação da prova “… existirá … sempre que se revelem distorções de ordem entre os factos provados e não provados, ou que estes traduzam uma apreciação manifestamente ilógica, arbitrária, fora de qualquer contexto racional, e por isso incorreta, e que, em si mesma, não passe despercebida imediatamente à observação e verificação comum do homem médio”[7].
Já antes vimos que tais vícios terão de resultar apenas do texto da decisão, ainda que no seu cotejo com as regras da experiência comum.
De tudo isso cientes, dir-se-á que não se descortina do texto daquela decisão que a mesma padeça de tais vícios, pois que a mesma contém um acervo de factos perfeitamente suficiente, percetível, sem distorções entre si, e suportado por uma motivação que os explicita de uma forma racional e coerente, logo, perfeitamente plausível e, por isso, não arbitrária, o que, obviamente, impede que, por esta específica via, possa considerar-se como errada a encontrada qualificação jurídica dos factos, também esta, de resto, nada explicitada, depreendendo-se apenas que o recorrente pretenderia simplesmente que, mercê da almejada alteração factual, igualmente pouco ou nada perceptível, se decidisse pela sua absolvição.
Naufraga, pois, este recurso, manifestamente.

2 – da legítima defesa ou da dispensa de pena (arguido AA).

Este recorrente vem alegar que, tendo o tribunal dado como provado que começaram ambos a discutir e quando ele virou costas ao arguido BB, este desferiu-lhe um pontapé na parte de trás do joelho, e que foi então que ele se voltou de frente para aquele e lhe desferiu um murro na face do lado direito, fazendo com que o mesmo caísse no chão, existe uma agressão inicial levada a cabo pelo arguido BB e uma reacção imediata a essa agressão da sua parte, isto é, não agiu com a intenção de agredir, mas com o único propósito de se defender daquele, reacção essa que foi imediata à agressão sofrida por este e que, diga-se, só desse modo permitiu pôr fim à mesma, pelo que não o poderia ter condenado pela prática de um crime de ofensa à integridade física simples, uma vez que, atenta a dinâmica dos factos e das agressões em causa, necessariamente ter-se-ia que se concluir por uma causa de exclusão da ilicitude, no caso, o facto de ele ter agido em legitima defesa, nos termos do artigo 32º do Código Penal, com a sua consequente absolvição.
Mais alegou que, mesmo que assim não se entendesse, sempre teria que concluir-se pela dispensa de pena, nos termos do artigo 143º, nº 3, al. b), do Código Penal, já que, no limite, ter-se-ia que concluir que ele unicamente teria exercido retorsão sobre o agressor.

Respondendo, o Ministério Público veio sublinhar, em suma, que só se verifica uma situação de legítima defesa quando a agressão seja ilegal e actual, em execução ou iminente, não provocada pelo defendente, ocorra a impossibilidade de recurso à força pública e a racionalidade do meio utilizado, estando o elemento subjetivo, preenchido com o “animus defendendi”, pelo que, tendo sido dado como provado que o arguido BB desferiu um pontapé na parte detrás do joelho do aqui recorrente, tendo sido depois agredido por este, e não podendo esquecer-se que, de acordo com a matéria de facto dada como provada, em consequência da agressão perpetrada pelo aqui recorrente, que se consubstanciou num murro na face do lado direito do arguido BB, este caiu no chão, e tal agressão determinou que o arguido BB tivesse de receber tratamento hospitalar, tendo sofrido dores na mandíbula direita e fratura de placa dentária que lhe determinaram 14 dias para cura, com afetação ligeira da capacidade de trabalho, este entendimento do recorrente de que atuou numa situação de legitima defesa traduz apenas a sua opinião de discordância com o decidido, pois que deveria ter comprovado factualmente o alegado para comprovar a legitima defesa, e não o fez, contexto em que entendia que os planos em que ambos os arguidos actuaram não são comparáveis para legitimarem o enquadramento de legitima defesa por parte do recorrente.
Anotou ainda, no que respeita à almejada dispensa de pena, que o conceito de retorsão corresponde a situações nas quais o agente se limita a responder a uma conduta ilícita ou repreensível do ofendido, ao mesmo tempo agressor, empregando a força física, sublinhou depois que, no caso, não entendia que o recorrente exerceu unicamente retorsão sobre o agressor, atento todo o quadro circunstancial em que os factos ocorreram e até porque a alegada resposta do aqui recorrente com o murro que desferiu em BB foi manifestamente mais violenta que a agressão física que sofrera, bem sabendo que a sua condição e compleição física era muito superior e que lhe permitiria só com um murro derrubar facilmente o outro arguido, o que fez, e causar-lhe as lesões supra descritas e que foram dadas como provadas.

Por seu turno, a Ex-ma PGA emitiu parecer para, a coberto de jurisprudência que cita, destacar, em síntese, que, analisada a factualidade assente na decisão recorrida, não se alcança que dela possa concluir-se pela existência de conduta subsumível ao disposto no artigo 32º do Código Penal, constituindo, segundo a doutrina, como requisitos da justificação do facto por legítima defesa, a existência de uma agressão ilícita e atual a interesses juridicamente protegidos e a defesa deve circunscrever-se aos meios necessários para fazer cessar a agressão, paralisando a atuação do agressor, e, destinando-se a legítima defesa apenas a impedir ou repelir a agressão, exige-se que o defendente só utilize o meio considerado, no momento e segundo as circunstâncias concretas, suficiente para suster a agressão, sublinhando depois que, no caso concreto, e perante a factualidade apurada, parecia-lhe manifesto que os pressupostos da legítima defesa não podem ter-se como verificados, pois que, como evola da matéria de facto, depois de o co-arguido BB ter desferido um pontapé na parte de trás do joelho do recorrente AA, este voltou-se e, de frente para o BB, desferiu-lhe um murro na face do lado direito, provocando-lhe fractura da placa dentária e fazendo-o cair no chão, sendo que a agressão do BB já tinha terminado, pois que não há qualquer elemento que indicie que a agressão ia prosseguir, pelo que lhe parecia estarmos perante uma situação de desforço, de vingança e não de defesa perante agressão em curso ou iminente, o que para além de assim decorrer dos factos, assim decorre também da fundamentação da decisão que o recorrente não impugna, nem contesta, conforme excerto que cita.
Mais anotou, agora quanto ao invocado exercício de retorsão, que está demonstrada a existência de agressão recíproca, mas não de lesões recíprocas, e que mais se demonstrou que o arguido recorrente AA reagiu à agressão do arguido BB, “perdeu a cabeça”, tal como se afirma na decisão recorrida, e mais se demonstra que a agressão perpetrada pelo arguido AA foi notoriamente mais grave, ao nível das consequências para a saúde, do que aquela de que ele foi vítima, e para haver retorsão não basta que o comportamento do agente surja como resposta à atuação do outro agressor, antes traduz-se na resposta imediata com ofensa directa e semelhante, o que não implicando, necessariamente, uma identidade dos atos típicos ofensivos, implica similitude e reciprocidade ofensiva, sendo que tal se não verifica “in casu”, mais anotando que a tanto acresce que, para a dispensa de pena prevista nas duas alíneas do artigo 143º nº 3, não basta a verificação de uma qualquer daquelas situações, sendo ainda necessário que, cumulativamente, se verifiquem os requisitos estabelecidos no nº 1 do artigo 74º, ambos os preceitos do Código Penal, conforme impõe o nº 3 deste mesmo artigo, ou seja, e em suma, é necessário que esteja demonstrado que se não justifica a aplicação de reação penal por se não imporem finalidades previstas no artigo 40º do Código Penal e no caso em apreço não se demonstra nem que a ilicitude do facto e a culpa do agente sejam diminutas, nem que o dano haja sido reparado.

Apreciando.

Começando pelo texto da lei, como se impõe, e no que aqui importa, estipula o artigo 143º do Código Penal, que:

1 - Quem ofender o corpo ou a saúde de outra pessoa é punido com pena de prisão até 3 anos ou com pena de multa.
(…)
3 - O tribunal pode dispensar de pena quando:
a) Tiver havido lesões recíprocas e se não tiver provado qual dos contendores agrediu primeiro; ou
b) O agente tiver unicamente exercido retorsão sobre o agressor.

Por seu turno, prevê o artigo 32º do Código Penal que “Constitui legítima defesa o facto praticado como meio necessário para repelir a agressão actual e ilícita de interesses juridicamente protegidos do agente ou de terceiro.

Parece haver sintonia nos autos, e é pacífico, que a legítima defesa pressupõe a existência de uma agressão actual e ilícita a interesses juridicamente protegidos do agente ou de terceiro, e que a defesa deve ater-se exclusivamente aos meios necessários para fazer cessar a agressão.
A título meramente exemplificativo, pode ler-se no sumário do acórdão deste TRP datado de 11/12/2013[8], que “A exclusão da ilicitude da condu­ta por legítima defesa [art. 32º do CPenal] exige a presença de cinco requisitos objetivos e um elemento subjetivo, a saber, (i) a agressão de interesses juridicamente prote­gidos do agente ou de terceiro, (ii) a atualidade da agressão, (iii) a ilicitude da agressão, (iv) a necessidade da defesa, (v) a necessidade do meio e (vi) o conhecimento da situação de legí­tima defesa - os três primeiros requisitos objetivos referem-se á situação em que o agente atua e os dois últimos á ação de defesa”.
Disso cientes, e tal como se anotava na resposta e no parecer, a análise da matéria de facto tida como assente permite reter apenas que após o arguido BB ter desferido um pontapé na parte de trás do joelho do arguido AA, ora recorrente, este voltou-se e, de frente para o BB, desferiu-lhe um murro na face do lado direito, provocando-lhe fractura da placa dentária e fazendo-o cair no chão, isto é, esta última agressão ocorre já depois de a primeira estar terminada, pois que tal factualidade não permite reter que a agressão por parte do arguido BB fosse prosseguir, bem ao invés, pois o tribunal deu como não provado que “As agressões do arguido AA ao arguido BB só cessaram porque os colegas de trabalho que se encontravam no local o afastaram”, o que só reforça aquela ilação[9], logo, não se verifica o requisito actualidade da agressão e, por via disso, a necessidade de defesa ou “animus defendendi”.
Neste contexto, não se verificam os requisitos enformadores da legítima defesa, o que sendo para nós linear nos dispensa outros considerandos.

Avançando.

O recorrente alegava também que, caso não se entendesse ter existido legítima defesa, sempre teria que concluir-se pela dispensa de pena, nos termos do artigo 143º, nº 3, al. b), do Código Penal, já que, no limite, ter-se-ia que concluir que ele unicamente teria exercido retorsão sobre o agressor.
Já vimos também aqui a tese adversa do Ministério Público em ambas as instâncias.
Ora a retorsão respeita a «situações nas quais o agente se limita a “responder” a uma conduta ilícita ou repreensível do ofendido (e ao mesmo tempo agressor) empregando a força física», sendo que “poder-se-á discutir aqui se a dispensa de pena encontra o seu fundamento numa atenuação da ilicitude da conduta do agente, já que esta se deixa justificar em atenção a um princípio similar ao da legítima defesa, ou se o que está em causa é uma desculpação em virtude da especial situação emocional desencadeada pela provocação que a primeira ofensa corporal traduz (ou ainda se se deixam verificar simultaneamente justificação e desculpação. De acordo com esta última hipótese, para que opera a dispensa de pena é em primeiro lugar necessário (…) que a ofensa à qual se responde seja típica e ilícita”, mas a dispensa de pena com base no mecanismo da retorsão, nos casos em que inexiste legitima defesa e com excesso, apenas terá cabimento “caso (o agente) responda a uma agressão não actual no sentido previsto pelo art. 32º, uma vez que aí voltará a poder falar-se de ilicitude em relação à sua conduta (ou que se não possa afirmar outra causa de justificação como a defesa de interesses legítimos) …”[10].
A título meramente exemplificativo, pode ler-se no sumário do acórdão deste TRP datado de 10/10/2018[11], que “I - A retorsão a que alude a alínea b) do art.º 143º do C. penal, assenta num princípio de resposta, reconduzindo-se as situações nas quais o agente se limita a 'responder' a uma conduta ilícita ou repreensível do ofendido, tendo em via de regra lugar entre as mesmas pessoas, e terá que visar sempre o primeiro agressor, nunca podendo dirigir-se a um terceiro não envolvido. II - A dispensa de pena, à luz do preceito citado, quer à do art.º 74º do Código Penal, tem presente a ideia de inexistência de razões preventivas que imponham a punição.
Existe ainda quem entenda, tal como se anotava no parecer, e o próprio recorrente aceitava, que terão que estar aqui também presentes os requisitos contidos no artigo 74º do Código Penal, ou seja, que “A dispensa facultativa de pena, prevista no n.º 3 do art. 143.º do Código Penal, para além do requisito ali previsto, depende da verificação dos requisitos gerais do n.º 3 do art. 74.º, com excepção do atinente aos limites da pena aplicável ao crime. E, os requisitos cumulativos previstos nas alíneas a), b) e c) do n.º 1 do artigo 74.º são: que a ilicitude do facto e a culpa do agente sejam diminutas, o dano tenha sido reparado e à dispensa da pena se não oponham razões de prevenção”[12].
Cremos que esta tese tem o necessário suporte legal, pois que, além dos requisitos supra apontados e que constam das três alíneas do seu nº 1, decorre do nº 3 do citado artigo 74º do Código Penal que “Quando uma outra norma admitir, com carácter facultativo, a dispensa de pena, esta só tem lugar se no caso se verificarem os requisitos contidos nas alíneas do n.º 1”.
Ora é bom de ver que, tal como sublinhava no aludido parecer, não se demonstra que a ilicitude do facto e a culpa do agente sejam diminutas, atenta a apurada actuação do aqui recorrente e os inerentes danos causados na pessoa do ofendido, bastante graves, nem que o dano haja sido reparado, o que nos remete para a inverificação dos sobreditos requisitos aqui exigíveis, devendo anotar-se ainda que, independentemente disso, mesmo que se entendesse não ser aqui aplicável o regime contido no mencionado artigo 74º do Código Penal, o que não patrocinamos, o tipo de actuação do recorrente, notoriamente exagerada face as circunstâncias do sucedido, implicaria concluir que as existentes razões preventivas, de ordem especial, atenta a denotada personalidade do recorrente, impunham sempre a sua punição.
Não procede, pois, este duplo capítulo do recurso.

3 – da pena aplicada (arguido AA).

O recorrente alega ainda que o tribunal o condenou numa pena excessiva, atento uma vez mais tudo quanto antes já expusera, entendendo que se imporia uma redução substancial de tal pena, cujo montante diário não deveria ultrapassar os três euros.

Na resposta, o Ministério Público veio sustentar, em suma, que também nesta matéria não poderá ser dada razão ao recorrente, até porque o limite mínimo legal é de cinco euros, e tendo em conta o disposto no artigo 47º, nº 2, do Código Penal, entendia que, manifestamente, o quantitativo fixado está dentro dos limites a aplicar, atentas as apuradas condições socio-económicas do arguido, que transcreve, anotando ainda que o quantitativo equivalente ao mínimo legal só é aplicável a pessoas indigentes, e um quantitativo até à quantia de sete euros só será de aplicar a pessoas que vivem no limiar da pobreza, o que não é o caso do arguido, que aufere líquido mensalmente cerca do dobro do salário mínimo nacional, pelo que, num intervalo que vai de cinco a quinhentos euros, não vislumbrava que o quantitativo diário de oito euros não seja adequado e justo.

No exarado parecer, a Ex.ma PGA veio anotar que, quanto à pugnada redução da taxa diária da pena de multa para três euros, como bem referiu o Ministério Público na primeira instância, não tem suporte legal e que, vista a apurada situação económica do arguido, e os seus apurados encargos pessoais, a taxa fixada não é excessiva, pois que não lhe impõe sacrifício incomportável ou incompatível com a satisfação das suas necessidades pessoais e da sua família, pelo que entendia que, na fixação do montante diário da multa, fez-se criteriosa ponderação da situação económica do recorrente e dos seus encargos.

Apreciando.

Para nos situarmos em termos jurídicos e interpretativos, convirá começar por relembrar que “As finalidades da aplicação de uma pena residem primordialmente na tutela dos bens jurídicos e, na medida do possível, na reinserção do agente na comunidade”, e que “Por outro lado, a pena não pode ultrapassar, em caso algum, a medida da culpa”[13]. De resto, a culpa e a prevenção são os dois parâmetros que norteiam a indagação da medida da pena, conforme resulta claro da previsão do artigo 71º, nº 1, do Código Penal.
Claro está que uma tal tarefa há de partir, logicamente, da análise dos factos, no seu cotejo com a também apurada personalidade do seu agente, o que equivale por dizer que “… o substrato da culpa, e portanto também o da medida da pena, não reside apenas nas qualidades do caráter do agente, ético-juridicamente relevantes, que se exprimem no facto, na sua totalidade todavia cindível…” mas reside, isso sim, “…na totalidade da personalidade do agente, ético-juridicamente relevante, que fundamenta o facto, e portanto também na liberdade pessoal e no uso que dela se fez, exteriorizada naquilo que chamamos a atitude da pessoa perante as exigências do dever-ser.”[14]

Ora bem.

Também aqui a motivação do recorrente fica circunscrita à mera afirmação de que o tribunal o condenou numa pena excessiva, atento uma vez mais tudo quanto antes já expusera, ou seja, as naufragadas alegações de existência de legítima defesa ou de, pelo menos, existência de retorsão, nos moldes antes tratados, entendendo que se imporia uma redução substancial de tal pena e cujo montante diário não deveria ultrapassar os três euros, pedido este, o único que concretiza, já que não adianta qual seria o “quantum” que tinha como ajustado para o número de dias da pena de multa, não tem o mínimo cabimento legal, já que a taxa diária mínima prevista no nº 2 do artigo 47º do Código Penal, situa-se nos cinco euros.
Uma tal abordagem ao nível do número de dias de pena de multa implicaria, em bom rigor, que se considerasse que existia de novo um mero vazio, ontologicamente impossibilitante da apreciação de uma tal questionada pena.
Porém, e por uma questão de justiça material, iremos encetar uma tal tarefa.
Para tanto, deverá revisitar-se este peculiar aspecto do decidido para indagar se lhe assistirá alguma razão.
E, revisitando-o, constata-se que o tribunal recorrido, adentro de prévio e assertivo enquadramento legal e interpretativo, sublinhou que as exigências de prevenção geral faziam-se sentir de forma moderada, embora anotando que este tipo de criminalidade, com situações de discussões que culminam em agressões, tem vindo a aumentar e dessa forma provoca um clima de insegurança e instabilidade na sociedade, pelo que esta espera que o sistema judicial puna, de forma o mais eficaz possível, os agentes destes crimes, após o que, depois de por via disso ter justificado a opção pela aplicação de uma pena de multa, opção aqui não questionada, salientou que, como circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime e se associavam directamente à sua prática ou à motivação que lhe deu origem, havia a considerar que qualquer dos arguidos agiu com a modalidade mais forte de culpa, atuando com dolo directo, representando e querendo o resultado obtido relativamente às agressões voluntárias que perpetraram no corpo do outro, com pontapé e murro, que as lesões sofridas pelo ofendido/arguido BB em virtude das agressões perpetradas pelo arguido AA causaram dor e demandaram 14 dias com afetação ligeira da capacidade de trabalho, que os arguidos envolveram-se em agressões mútuas, as quais ocorreram depois do arguido BB desferir um pontapé no arguido AA, e que este não tem registo de condenações no seu recente certificado de registo criminal e admitiu, espontaneamente, a agressão a murro ao arguido BB, confessando o crime que lhe é imputado, colaborando com o tribunal na administração da justiça e revelando uma postura de efetivo arrependimento.
Ora de tudo isto resulta que o tribunal recorrido valorou todos e cada um dos parâmetros que aqui se impunha apreciar, não se vislumbrando qualquer exagero na encetada valoração, que temos como assertiva, contexto em que, tendo presente a moldura abstracta aqui em apreço (multa de 10 a 360 dias – cfr. artigo 47º, nº 1, do Código Penal), respeitados que foram os sobreditos critérios que norteiam a aplicação das penas, sem esquecer o caráter de penosidade que as condenações haverão de conter, sob pena de se tornar inerte e, por isso, socialmente incompreendida a própria sanção aplicada, e ainda que nesta matéria existe sempre alguma margem de subjetividade do julgador, pelo que as penas só poderão ser alteradas nos casos em que, apesar de respeitados os subjacentes critérios legais, é ostensivo o seu exagero ou desproporção, tal como decorre do elucidativo acórdão deste Tribunal da Relação do Porto, datado de 02/6/2010[15], e ao qual, modestamente, se adere, desrespeito que aqui não sucedeu, não se vislumbra que a pena de cem dias de multa aplicada, no espectro possível, seja excessiva, desproporcionada e/ou injusta, pelo que deverá manter-se.

Adiante.

Resta a questão da taxa diária.
Já antes se sublinhou que o mínimo da taxa diária é de cinco euros, o que impossibilitaria fixá-la nos peticionados três euros, sendo o máximo de quinhentos euros, conforme resulta do consignado no nº 2 do artigo 47º do Código Penal, o qual prevê também que “…o tribunal fixa em função da situação económica e financeira do condenado e dos seus encargos pessoais”.
O tribunal fixou a taxa diária em oito euros atentas as condições sócio-económicas que resultaram provadas quanto ao aqui recorrente.
E sem reparo, adiante-se.
Na verdade, ficou provado que o mesmo é casado, trabalha como motorista auferindo um vencimento mensal líquido de mil trezentos e cinquenta euros, a mulher trabalha como operadora de loja e tem um vencimento mensal líquido de setecentos euros, mas de momento está de baixa a auferir quatrocentos e cinquenta euros mensais, têm dois filhos de 20 e 18 anos de idade, estudantes, que vivem com os pais, a casa onde vivem é própria e encontram-se a pagar ao banco uma prestação mensal pela sua aquisição de cerca de quinhentos euros, e aquele tem carro próprio, um ... de 2016, que se encontra a pagar em prestações mensais de cento e dois euros.
Daqui resulta que a sua situação sócio-económica está bem longe da indigência ou do limiar da pobreza, estes, sim, os patamares consabidamente merecedores da taxa diária mínima, o que sendo pacífico, nos dispensa outros considerandos, pelo que, relembrando que também aqui existe alguma margem de subjectividade, entende-se que a taxa diária fixada deverá manter-se, já que justa e equilibrada, mostrando-se salvaguardada a dignidade pessoal mínima a que cada pessoa tem natural e constitucional direito (cfr. artigo 13º da Constituição da República Portuguesa), devendo recordar-se, neste particular, que o mecanismo prestacional previsto no artigo 47º, nº 3, do Código Penal visa precisamente acautelar a proteção da referida dignidade pessoal, sem comprometer o também referido grau de penosidade, ao que acresce a possibilidade de requerer a prestação de trabalho comunitário.
Não procede, pois, também este capítulo do recurso, manifestamente.
*
Naufragam, pois, ambos os recursos, o que, logicamente, implica a inerente tributação dos recorrentes em sede de custas, considerando-se adequado, atento o trabalho processual desenvolvido e a sua similar complexidade, fixar em quatro UC a taxa de justiça devida por cada um, nos termos dos artigos 513º, nºs 1 a 3 e 514º, ambos do Código de Processo Penal e 8º, nº 9 e tabela III, do Regulamento das Custas Processuais.
*
III – DISPOSITIVO:

Nos termos e pelos fundamentos expostos, os juízes nesta Relação acordam em negar provimento aos recursos interpostos pelos arguidos BB e AA, em consequência do que, na parte aqui questionada por cada um deles, decidem confirmar a sentença recorrida.

Custas pelos recorrentes, fixando-se em quatro UC a taxa de justiça devida por cada um.

Notifique.
*
16/11/2022[16].
Moreira Ramos
Maria Deolinda Dionísio
Jorge Langweg
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[1] Vide, entre outros no mesmo e pacífico sentido, o Ac. do STJ, datado de 15/04/2010, in http://www.dgsi.pt, no qual se sustenta que “Como decorre do art. 412.º do CPP, é pelas conclusões extraídas pelo recorrente na motivação apresentada, em que resume as razões do pedido que se define o âmbito do recurso. É à luz das conclusões da motivação do recurso que este terá de apreciar-se, donde resulta que o essencial e o limite de todas as questões a apreciar e a decidir no recurso, estão contidos nas conclusões, excetuadas as questões de conhecimento oficioso”.
[2] Conhecimento oficioso que resulta da jurisprudência fixada no Acórdão nº 7/95, do STJ, in DR, I série-A, de 28/12/95.
[3] As quais foram transcritas precisamente porque reproduzem o essencial da motivação ou argumentação recursiva e, por isso, permitimos dispensar-nos de a repetir neste lugar.
[4] A título meramente ilustrativo, veja-se o do Ac. do STJ datado de 23/09/2010, relatado por Souto Moura, a consultar in http://www.dgsi.pt, no qual se refere que é pacífica a jurisprudência do STJ no tocante aos vícios em questão terem de resultar do texto da decisão, ainda que no seu cotejo com as sobreditas regras da experiência comum.
[5] E aqui convirá relembrar que o tribunal de recurso não realiza um segundo julgamento da matéria de facto, incumbindo-lhe apenas emitir juízos de censura crítica a propósito dos pontos concretos que as partes especifiquem e indiquem como não corretamente julgados ou se as provas sindicadas impunham decisão diversa, e daí a razão do estatuído formalismo – neste sentido, vide, entre muitos outros, o Ac. do STJ, datado de 26/01/00, a consultar in http://www.dgsi.pt.
[6] Vide Ac. do STJ, de 03/07/02, relatado por Armando Leandro, apud Vinício Ribeiro, Código de Processo Penal, Notas e Comentários, Coimbra Editora, 2008, pág. 914.
[7] Citação do Ac. do STJ, datado de 18/10/06, relatado por Santos Cabral, apud Vinício Ribeiro, Ob. Cit., pág. 917.
[8] Aresto extraído do sumário inserto nas anotações ao artigo 32º do CP anotado pela PGD Lisboa e que consta do respectivo site.
[9] Ilação que sai ainda mais reforçada pelo que consta como provado nas alíneas d) e e) e que vai de encontro ao que consta do sumário do aresto mencionado na precedente nota 8, onde se anota que “III - Tendo-se como definitivamente assente que «o arguido agiu livre, voluntária e conscientemente, com o propósito concretizado de molestar fisica­mente o ofendido» fica desse modo excluído o intuito defensivo, demonstrando-se, ao invés, o agressivo, pelo que em tal caso, já não se pode falar em legítima defesa nem em legítima defesa putativa (que se traduz na errónea suposição de que se verificam, no caso concreto, os pressupostos da defesa: a existência de uma agressão atual e ilícita).
[10] Citações das anotações ao artigo 143º do Comentário Conimbricense do Código Penal, Parte Especial, Tomo I, Coimbra Editora, 1999, págs. 220 e 221, da autoria de Paula Ribeiro de Faria.
[11] Aresto extraído do sumário inserto nas anotações ao artigo 1438º do CP anotado pela PGD Lisboa e que consta do respectivo site.
[12] Citação extraída do sumário do acórdão do TRE, datado de 28/02/2012, inserto nas anotações ao artigo 74º do CP anotado pela PGDLisboa e que consta do respectivo site.
[13] Vide, Jorge de Figueiredo Dias, Ob. Cit., pág. 227.
[14] Vide, Figueiredo Dias, in “Liberdade, Culpa, Direito Penal”, Biblioteca Jurídica Coimbra Editora, 1983, págs. 183 e 184.
[15] Aresto proferido no âmbito do processo nº 60/09.9 GNPRT.P1, reIatado por Joaquim Gomes, a consultar in www.dgsi.pt, onde se sustentou que “Observados que se mostrem os critérios de dosimetria concreta da pena, sobra uma margem de atuação do julgador dificilmente sindicável”.
[16] Texto composto e revisto pelo relator (artigo 94º, nº2, do Código de Processo Penal).