Acórdão do Tribunal da Relação do Porto | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JTRP000 | ||
Relator: | JERÓNIMO FREITAS | ||
Descritores: | PERÍODO EXPERIMENTAL PACTO DE PERMANÊNCIA CLÁUSULA PENAL REDUÇÃO EQUITATIVA PACTO DE NÃO CONCORRÊNCIA | ||
Nº do Documento: | RP202305083444/20.9T8VFR.P1 | ||
Data do Acordão: | 05/08/2023 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | RECURSO PRINCIPAL IMPROCEDENTE; RECURSO SUBORDINADO PARCIALMENTE PROCEDENTE; ALTERADA A SENTENÇA | ||
Indicações Eventuais: | 4ª SECÇÃO (SOCIAL) | ||
Área Temática: | . | ||
Sumário: | I - Tendo as partes acordado no contrato de trabalho um período experimental de 6 meses e concomitantemente um pacto de permanência de dois anos, as cláusulas são compatíveis por não contradizerem os fins nela visados, na medida em que estes são distintos e conciliáveis. II - 2. Pela fixação do período experimental as partes quiseram salvaguardar a possibilidade de durante os seis meses fixados, não estarem sujeitas a “limitações à liberdade de desvinculação”. III - Através da cláusula de permanência e da previsão de uma indemnização a ser devida pela Ré em caso de incumprimento daquele, visou-se assegurar o legítimo interesse da autora pelas despesas suportadas com a formação que lhe proporcionou, na expectativa do retorno através da prestação da actividade contratada, pelo menos, durante o período de dois anos. IV - 4. Em termos práticos, tal significa que a A. ou a R. podiam, como o fez esta última, denunciar o contrato sem aviso prévio e invocação de justa causa, nem direito a indemnização, entendendo-se por esta a prevista para o trabalhador em caso de despedimento ilícito [art.º 389.º/1, do CT], ou a devida pelo trabalhador ao empregador em caso de denúncia sem aviso prévio, “sem prejuízo de danos causados pela inobservância do prazo de aviso prévio ou de obrigação assumida em pacto de permanência” [art.º 401.º do CT]. Mas paralelamente, se assim tivesse procedido a Autora, esta perderia o investimento que fez com a formação da Ré, tendo em vista que esta ficasse qualificada para exercer a actividade contratada, não podendo exigir-lhe qualquer indemnização ou compensação pelas despesas realizadas com a formação que lhe proporcionou; fazendo-o esta, como é o caso, sujeita-se ao acordado relativamente à obrigação de permanência e dever de indemnização pelo incumprimento. V - O uso da redução equitativa da cláusula penal, nos termos do art.º 812.º, não é oficioso, antes dependendo do pedido do devedor, mas admitindo-se que possa ser entendido como deduzido de forma implícita face à posição processual assumida, ou seja, desde que resulte claro o seu desacordo com o valor que lhe é exigido com base na cláusula penal e o propósito de o ver reduzido. VI - Afirmar determinadas competências curriculares não é o mesmo que as exercer profissionalmente, nem o pacto de não concorrência o impedia, nem podia impedir, não havendo qualquer violação deste. | ||
Reclamações: | |||
Decisão Texto Integral: | APELAÇÃO n.º 3444/20.8T8VFR.P1 SECÇÃO SOCIAL ACORDAM NA SECÇÃO SOCIAL DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DO PORTO I.RELATÓRIO I.1 No Tribunal Judicial da Comarca de Aveiro – Juízo do Trabalho de Santa Maria da Feira – A..., Unipessoal, Ldª, intentou a presente a acção declarativa com processo comum, emergente de contrato individual de trabalho, contra AA, a qual veio a ser distribuída ao Juiz 2, pedindo a condenação desta a pagar-lhe a quantia global de €39.840,00, acrescida dos juros vencidos, desde a citação e até integral pagamento, correspondente à indemnização fixada no nº2 da cláusula 10ª do contrato de trabalho celebrado em 18.10.2019 com a A., à devolução das compensações mensais recebidas na vigência do contrato, em virtude do pacto de não concorrência pós contratual convencionado e à cláusula penal fixada no nº4 da cláusula 12ª desse contrato. Invoca para fundar a sua pretensão, em síntese, que A. e R. celebraram um contrato de prestação de serviços, em 16.08.2014, mediante o qual, esta obrigou-se a prestar-lhe, na qualidade de médica, serviços de direção técnica e supervisão médica dos tratamentos capilares efetuados aos clientes do centro A..., sito no Porto. Em julho de 2019, a Ré manifestou interesse em receber formação profissional em cirurgia capilar ministrada pela A., de modo a também poder realizar intervenções cirúrgicas de microcirurgia capilar aos seus clientes, bem como o acompanhamento dos mesmos, mediante o seguimento em consultas pré e pós operatórias. Essa formação implicava grande investimento de tempo e dinheiro por parte da A., tendo um custo de €15.000, acrescido de despesas e, nesse pressupostos, A. e R. celebraram um contrato promessa de contrato de trabalho, em 19.07.2019, junto como documento nº5, que revogou o contrato de prestação de serviços. Na sequência da celebração desse contrato promessa, no dia 29.07.2019, a Ré começou o seu curso, no qual recebeu formação, tendo-se deslocado para esse efeito sete vezes a Madrid, sendo que todas as despesas com as deslocações foram suportadas pela A. Apesar do esforço da A., as interrupções na marcação das sessões de formação não permitiram que a formação terminasse no dia 31.10.2019, como estava previsto no contrato promessa. Por insistência da Ré, no dia 18.10.2019, as partes celebraram o contrato prometido. Uma vez que a formação não estava concluída, com a celebração do contrato definitivo, marcaram umas sessões de formação para o final desse mês, que se realizaram, tendo ficado acordado que a Ré voltaria a ter sessões de formação em Madrid em Dezembro e Janeiro e Fevereiro de 2020. Chegada essa altura, a ré não mostrou disponibilidade para fazer essa viagem, tendo pedido à A. que o formador viesse até ao Porto e que em Janeiro e Fevereiro ela se deslocaria a Madrid. A A. acedeu a esse pedido, tendo suportado o custo da deslocação de um médico de Madrid ao Porto para acompanhar a Ré numa série de cirurgias. Em Janeiro e Fevereiro, a Ré devia ter ido a Madrid, mas nunca se mostrou disponível para o fazer. No dia 2 de Março de 2020, a Ré dirigiu à A. uma carta a comunicar a denúncia, no período experimental, do contrato de trabalho, com efeitos a partir do dia 15.03.2020. No dia 05.03.2020, apercebendo-se que o período experimental fixado só terminava a 15 de abril, a Ré dirigiu à A. nova denúncia do contrato de trabalho, com efeitos a partir de 30.03.2020. A decisão unilateral da ré de denunciar o contrato, que durou menos de cinco meses, constitui-a no dever de pagar à A. uma indemnização no valor de €18.500, correspondente aos danos causados pela inobservância da obrigação assumida no pacto de permanência acordado entre as partes. Além disso, a R. começou a trabalhar numa clínica, sendo referenciada no site da mesma como “especialista em tratamentos e microtransplantes capilares”, em concorrência direta com a atividade da A., o que consubstancia uma violação do pacto de não concorrência acordado e obriga a Ré a devolver à A. as compensações mensais auferidas em virtude dessa limitação, num total de €1.340 e a pagar-lhe a quantia de €20.000, a título de cláusula penal. Procedeu-se à realização de audiência de partes, mas não se logrou alcançar a resolução do litígio por acordo. Notificada para o efeito, a Ré veio apresentar contestação e, conjuntamente, deduziu pedido reconvencional. Alega desde logo que, em Junho de 2019, face à cessação de funções do Dr. BB (que até então realizava as cirurgias de implantes capilares na clínica da A., em Lisboa), a A. convidou a Ré, face à confiança existente entre as partes, a assumir tais funções dali em diante, tendo ainda referido que os custos e despesas com a formação seriam por si assumidos, na íntegra, com o pressuposto de uma redução substancial de salário mensal, tendo a ré anuído. Mais refere que o contrato de trabalho foi celebrado por decisão de ambas as partes e uma vez concluída a formação, toda ela prática, com aproveitamento, a Ré estava pronta a iniciar as intervenções capilares na clínica da A., no Porto, sem prejuízo de algumas marcações terem sido adiadas por clara indisponibilidade de agenda da A. e do facto de não lhe ter sido entregue, em momento algum um diploma que comprove a formação obtida, nem tendo a Ré um programa formativo ou sequer uma componente teórica. Refere que alertou a A para o facto de as cirurgias terem de ser realizadas com enfermeiros capazes e inscritos na Ordem dos Enfermeiros Portugueses, o que fez em 06.11.2019, tendo apresentado sugestões para ultrapassar o problema, sendo que a A., tendo em atenção os elevados custos de contratação e formação, não se mostrou disponível a arcar com os mesmos, antes pretendendo contratar enfermeiros freelancers que tivessem já conhecimento com a implantação por pinças, o que não resultou. A Ré vendo esta situação a arrastar-se e prolongar-se no tempo, não arranjando a A. soluções para este problema, o que acarretava que a Ré recebesse um salário mensal medíocre, face à ausência de operações a realizar, optou por denunciar o contrato, dentro do período experimental. Após a denúncia, a Ré foi interpelada pelo diretor geral da A., que lhe solicitou que assegurasse as cirurgias já agendadas, tendo anuído a tal, sendo o email datado de 05.03.2020, uma resposta ao pedido de apoio por parte da A. Após a denúncia, as partes mantiveram a amizade e cordialidade, tendo permanecido à espera do contacto da A., de modo a reatarem a relação laboral, conforme lhe foi prometido por diversas vezes. Considera que não tem qualquer obrigação de indemnizar a A., pois o período referido na cláusula 10ª do contrato só se iniciaria após o decurso do período experimental. Além disso, a denúncia só ocorreu porque a A. não contratou enfermeiros capazes e que cumprissem a legislação nacional. Mais afirma que, desde que cessou funções na sociedade A., não mais realizou implantes capilares, pelo que não violou qualquer pacto de não concorrência. Em reconvenção, pede que a A. lhe pague valores emergentes do trabalho por si prestado, que discrimina no artigo 61º da contestação. A Autora apresentou resposta, alegando que a interpretação que a ré faz das cláusulas contratuais se traduz num abuso de direito, requerendo uma redução do pedido, face ao valor que aceita dever à Ré a título de créditos salariais pela cessação do contrato, a quantia ilíquida de € 823,16, no mais concluindo como na p.i. Findos os articulados foi proferido despacho saneador, que afirmou a validade e regularidade da instância, pronunciou-se quanto à requerida redução do pedido, absteve-se de fixar o objeto do litígio e enunciar os temas de prova e designou data para julgamento, após pronúncia sobre os requerimentos probatórios. Realizou-se a audiência de julgamento. I.2 Subsequentemente o Tribunal a quo proferiu sentença, fixando a matéria de facto e aplicando-lhe o direito, concluída com o dispositivo seguinte: -«Pelo exposto, o Tribunal decide: A)1-Julgar parcialmente procedente a presente ação, e consequentemente, condenar a Ré a pagar à A. a quantia de €14.000 (catorze mil euros), a título de indemnização, pela violação do pacto de permanência contratualmente acordado, acrescida de juros de mora, contados desde a data da citação e até integral e efetivo pagamento, à taxa legal de 4%. 2- No mais, absolver a Ré do pedido. B)- Julgar a reconvenção parcialmente procedente por provada e, em consequência, decide-se condenar a A/reconvinda a pagar à Ré/reconvinte, a quantia global de €1.247,29 (mil, duzentos e quarenta e sete euros e vinte e nove cêntimos), (sendo € 285,71 a título de vencimento de Março, €11,50 de subsídio de alimentação, €300 de prémio de não concorrência, €100,00 de comissão, €283,07 de férias e € 263,91 de subsídio de Natal). Sobre tal quantia são devidos juros de mora, contados desde a data da citação e até integral e efetivo pagamento, à taxa legal de 4%. ** Custas da ação e da reconvenção por A e R., na proporção do respetivo decaímento,nos termos do artigo 527º, nºs 1 e 2, do CPC.[..]». I.3 Inconformada com essa decisão, a Ré apresentou recurso de apelação, o qual foi admitido com o modo de subida e efeito adequados. As alegações foram encerradas com as conclusões seguintes: ……………………………… ……………………………… ……………………………… II. Em face do exposto, não poderá manter-se a Decisão recorrida, nesta parte, uma vez que a Autora não concretizou, como lhe competia, o custo efetivo da formação, nem quais os critérios utilizados para fixar a quantia de 18.500,00€ a título de indemnização pela violação do pacto de permanência, devendo, em consequência, ser reduzido, substancialmente, o valor da cláusula penal, na hipótese, remota, de a Ré vir a ser condenada. I.4 A Recorrida A. apresentou contra-alegações, mas não as condensou em conclusões. No essencial, contrapõe o seguinte: ……………………………… ……………………………… ……………………………… I.4.1 Discordando igualmente da sentença na parte que lhe foi desfavorável, a autora apresentou recurso subordinado, apresentando alegações, que sintetizou nas conclusões seguintes: ……………………………… ……………………………… ……………………………… Termos em que, revogando a Douta Sentença recorrida na parte em que foi desfavorável à ora Apelante, substituindo-a por Douto Acórdão que julgue totalmente procedente a presente acção, condenando a ora Apelada ao pagamento da quantia peticionada de € 39.840,00 (trinta e nove mil, oitocentos e quarenta euros), acrescida dos juros calculados como se indica na douta sentença recorrida, e absolva a Apelante do pagamento do prémio de não concorrência peticionado na reconvenção, no valor de € 300,00, bem como do pagamento dos juros que a sentença a quo contabilizou sobre os créditos salariais devidos à Apelada, mas que não foram peticionados. I.4.2 Não foram apresentadas contra-alegações ao recurso subordinado. I.5 Os autos foram apresentados ao Ministério Público nos termos e para os efeitos do art.º 87.º n.º 3 do CT, tendo sido emitido parecer. Referindo, no essencial, o seguinte: «[..] 2. Refere a Autora/Recorrente que não está correctamente calculada a redução da cláusula penal, que devia ser, antes, de 4.181,51 €, devendo a Ré ser condenada a pagar-lhe 14.318,49€. Levando em conta o tempo de execução do contrato de trabalho entende-se, também, que deverão ser estes os valores encontrados, assistindo-lhe, salvo melhor opinião, razão neste particular. Quanto ao mais, entende-se que a douta sentença em recurso não merece censura, atentas as razões de facto e de direito tidas em conta e que determinaram a procedência parcial da acção. 3. Pelo que, ressalvando sempre diferente e melhor opinião, se emite parecer no sentido de que, com excepção do valor da cláusula penal como referido, deverá confirmar-se a douta sentença em recurso. [..]». I.6 Procedeu-se ao envio do projecto de acórdão aos excelentíssimos adjuntos, determinando-se que o processo fosse inscrito em tabela para ser submetido a julgamento em conferência. I.7 Delimitação do objecto do recurso Sendo o objecto do recurso delimitado pelas conclusões das alegações apresentadas, salvo questões do conhecimento oficioso [artigos 87.º do Código do Processo do Trabalho e artigos 639.º, 635.º n.º 4 e 608.º n.º2, do NCPC, aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26 de Junho] as questões para apreciação consistem em saber se o Tribunal a quo errou o julgamento quanto ao seguinte: i) Recurso principal - Na apreciação da prova e fixação da matéria de facto, ao ter considerado provados 12º, 26º, 27º, 28º, 29 e 39º [conclusão P a S] e quanto aos factos não provados que indica [conclusões T a AA]; -Na aplicação do direito aos factos quanto à interpretação do regime jurídico aplicável à cláusula 7ª, relativa ao período experimental [conclusões A a N]; - Quanto ao valor fixado para a cláusula penal [conclusões CC a ll]. ii) Recurso subordinado - Nulidade da sentença, por excesso de pronúncia e violação do princípio do pedido nos termos do art.º 615.º, n.º 1, alíneas d), e), do C.P.C. [conclusões 11 a 17]; - Na apreciação da prova e fixação da matéria de facto, quanto ao facto provado 68 [conclusões 18 a 20]; - Na aplicação do direito aos factos, por ser inadmissível a redução equitativa da cláusula penal por violação do pacto de permanência [conclusões 21 a 32 e 33 a34]; por não ter considerado haver violação do pacto de não concorrência pós-laboral [conclusões 35 a 41]; e, por ter incluído o prémio de não concorrência nos créditos salariais devidos à Recorrida pela cessação do contrato [conclusões 42 e 43]. II. FUNDAMENTAÇÃO II.1 MOTIVAÇÃO DE FACTO O Tribunal a quo fixou o elenco factual seguinte: Factos Provados: Realizada a audiência de julgamento, resultou provado dos autos que: Ação de Processo Comum (Da petição inicial) 1º- A Autora é uma sociedade por quotas unipessoal, detida pela “B..., SL”, sociedade comercial sediada em Madrid, Espanha, e dedica-se à venda e colocação de próteses de cabelo humano de acordo com distintos procedimentos especiais; à prestação de serviços e cuidados posteriores tendentes, tanto à conservação dos ditos postiços, como o relativo à estética geral do cabelo; à realização dos tratamentos médicos capilares, faciais e a contratação da cirurgia estética, particularmente enxertos, micro-enxertos, transplantes, implantes e similares e, em especial, as doenças do couro cabeludo mediante cirurgia, microcirurgia ou qualquer outro método, assim como a comercialização de produtos adequados aos fins indicados; à comercialização de produtos de beleza, cosmética, massagem, quiromassagem e aromaterapia, assim como a prestação de serviços capilares e tratamentos com os ditos produtos; aos serviços e tratamentos relacionados com a dietética e desequilíbrios nutricionais; à prática de atividades médicas de clínica geral, nomeadamente consultas e cuidados de saúde prestados por médicos de clínica geral. 2º- A Autora é a filial em Portugal do grupo B..., líder na Europa na investigação de todos os problemas que afetam o cabelo e o couro cabeludo, com mais de 60 centros próprios, especializados em saúde capilar, cosmética capilar e na oferta de soluções contra a queda do cabelo. 3º- A Ré é licenciada em medicina e cirurgia pela Faculdade de Medicina da Universidade ..., em Espanha, e exerce a profissão de médica. 4º- Por contrato denominado de prestação de serviços celebrado em 16 de Agosto de 2014, a Ré obrigou-se prestar à Autora, na qualidade de médica, a serviços de direção técnica e supervisão médica dos tratamentos capilares efetuados aos clientes do centro A..., sito no Porto. 5º- Esse contrato vigorou até Julho de 2019, altura em que as partes viram interesse em que a Ré recebesse formação profissional em cirurgia capilar ministrada pela Autora, de modo a poder realizar, além dos serviços referidos no artigo anterior, intervenções cirúrgicas de microcirurgia capilar (micro enxertos) aos clientes da Autora, bem como o acompanhamento das mesmas, mediante o seguimento em consultas pré e pós operatórias. 6º- A Ré não tinha qualquer especialidade ou formação em cirurgia capilar de modo a poder exercer as funções de médica-cirurgiã capilar. 7º- Essa formação tinha uma duração de 16 semanas, era ministrada maioritariamente na B..., clínica do grupo B... de microenxerto (transplante de cabelo) situada em Madrid, Espanha, e tinha uma componente iminentemente prática. 8º- A formação ministrada pela Autora é presencial, com possibilidade de assistência e realização de consultas, bem como realização de cirurgias completas, acompanhadas e avaliadas por uma médico cirurgião especialista. 9º- A realização dessas intervenções cirúrgicas capilares implica, além da presença de um médico formador especializado, a utilização de inúmeros equipamentos e materiais médicos, como batas, luvas, máscaras, óculos de proteção, cateteres venosos, seringas e agulhas, compressas, soro fisiológico, máquina FUE, etc.. 10º- A formação profissional em causa é individualizada e direcionada exclusivamente para o formando, que tem sessões de formação sozinho, ajustadas à medida dos seus conhecimentos e da sua evolução na aprendizagem. 11º- Todo o material da formação é reunido e disponibilizado na plataforma on-line da Autora - conteúdos formativos, bibliografia, estudos, podendo ser a todo o tempo acedido e consultado pelo formando. 12º- No mercado espanhol há cursos de transplantes capilares, ministrados via online e com apenas uma semana de aulas práticas, que têm o custo de € 8.150,00. 13º- As partes acordaram que a formação ministrada pela Autora, pelas suas características, tinha um custo de € 15.000,00 (quinze mil euros), acrescido de despesas, e nesse pressuposto, Autora e Ré celebraram um denominado Contrato-Promessa de Contrato de Trabalho em 19 de Julho de 2019, em que a A. figura como Primeira Contraente e a Ré como Segunda Contraente, que revogou o contrato de prestação de serviços, junto como documento nº5 com a p.i., a fls.28 a 32, cujo teor se dá aqui por reproduzido. 14º- Resulta do considerando F) e da cláusula 3ª, nºs 1 e 4, desse contrato-promessa de Contrato de Trabalho, a obrigação da Ré a ser assídua e concluir com aproveitamento o período de formação profissional inicial, como condição para a celebração do contrato de trabalho definitivo. 15º- No ponto 6, da cláusula 3ª do Contrato-Promessa consta que “Concluída com aproveitamento a formação aqui acordada e na sequência da celebração do contrato prometido, a Segunda Contraente obriga-se a exercer a atividade profissional resultante da formação ministrada, durante um período mínimo de 2 anos após o início de vigência do contrato de trabalho, como compensação pelas despesas extraordinárias realizadas pela Primeira Contraente, assumindo, como tal o compromisso de não fazer cessar unilateralmente o contrato de trabalho durante o referido período, mais prometendo confirmar e reiterar no contrato de trabalho prometido a celebração de um pacto de permanência com este conteúdo, nos termos e ao abrigo no disposto no artigo 137.º do Código do Trabalho.” 16º- No ponto 7, da cláusula 3.ª do Contrato-Promessa consta que “Em caso de recusa ou impossibilidade, por parte da Segunda Contraente, da celebração do contrato de trabalho que lhe seja proposto pela Primeira Contraente, de não celebração ou violação do pacto de permanência, a Segunda Contraente incorre no dever de indemnizá-la pelos encargos decorrentes da formação, bem como dos valores recebidos a título de despesas, fixando-se desde já o montante total de indemnização em Euros 15.000,00 (quinze mil euros), acrescido de € 35,00 (trinta e cinco euros), a título de despesas estimadas, por dia efetivo de formação”. 17º- Na Cláusula 8ª, ponto 1, do contrato promessa consta que “Considerando que a área de negócio da Primeira Contraente é extremamente sensível no que respeita a questões de concorrência e considerando que a Segunda Contraente tem acesso a informação sensível da Primeira Contraente, as Partes acordam que, após a cessação do contrato a celebrar, por qualquer meio, a Segunda Contraente compromete-se a não competir, direta ou indiretamente, por si ou por interposta pessoa, com a Primeira Contraente e com as sociedades e entidades do Grupo no âmbito da respetiva atividade, nomeadamente não lhe sendo permitido colaborar com qualquer outra empresa em concorrência direta com a Primeira Contraente e/ou desenvolver por sua conta quaisquer atividades que possam concorrer com a atividade da Primeira Contraente ou com a atividade das sociedades e entidades do Grupo, durante um período de 24 meses”. 18º- Acordaram as partes, nos pontos 2. e 3. da cláusula 8ª do contrato promessa que a Ré, em virtude desse dever de não concorrência pós-contratual, teria direito a receber da Autora uma compensação mensal no valor de € 300,00 (trezentos euros), a ser paga durante os dois primeiros anos de vigência do contrato de trabalho a celebrar, montante que a Ré reconheceu como justo, tendo em conta o valor da retribuição fixado no contrato e as avultadas despesas com a sua formação profissional, suportadas pela Autora. 19º- Acordaram as partes, no ponto 4. da cláusula 8ª do contrato promessa que a violação do pacto de não concorrência pela Ré implicaria a devolução à Autora de todos os montantes recebidos a título de compensação, bem como o pagamento, a título de cláusula penal, de uma indemnização no montante de € 20.000,00 (vinte mil euros), sem prejuízo da responsabilidade civil por eventuais danos, caso excedessem o referido montante. 20º- Na sequência da celebração do aludido contrato-promessa e como acordado, no dia 29/07/2019 a Ré começou o seu curso, no qual recebeu formação, nomeadamente, em anatomia e fisiologia do cabelo, técnicas de micro-enxerto, implantação de folículos e técnica FUE. 21º- Para frequentar a formação em causa a Ré deslocou-se 7 vezes a Madrid, Espanha: uma de avião, em 10/07/2019, e as restantes de automóvel, entre 29/07/2019 e 02/08/2019; 05/08/2019 e 09/08/2019; entre 11/08/2019 e 16/08/2019; entre 18/08/2019 e 23/08/2019; entre 25/08/2019 e 28/08/2019; entre 22/09/2020 e 27/09/2019 e entre 21/10/2019 e 31/10/2019. 22º- A A. suportou um total de € 2.887,43 (dois mil, oitocentos e oitenta e sete euros e quarenta e três cêntimos) com as despesas relacionadas com as deslocações da Ré, e incluíram uma viagem de avião, pagamento de ajudas de custo diárias (€ 35,00/dia), de km´s (€ 0,19/km), de parques de estacionamento e de portagens. 23º- As sessões de formação em causa foram sendo marcadas e alteradas de acordo com a disponibilidade da Ré, e com o acordo da Autora, que foi criando as condições para a realização das mesmas. 24º- As interrupções na marcação das sessões de formação não permitiram que a formação terminasse no dia 31 de Outubro de 2019, como estava previsto na cláusula 3ª, nº1, do Contrato-Promessa celebrado entre as partes. 25º- Foi por insistência da Ré que no dia 18 de Outubro de 2019 Autora e Ré celebraram o prometido contrato de trabalho, junto como documento nº10 com a p.i., junto a fls. 49 verso a 55, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido. 26º- Uma vez que a formação não estava concluída, com a celebração do contrato de trabalho definitivo as partes marcaram umas sessões de formação para o final desse mês, entre 21/10/2019 e 31/10/2019, que se realizaram, tendo ficado também acordado que a Ré voltaria a ter sessões de formação em Madrid em Dezembro, e Janeiro e Fevereiro de 2020. 27º- Chegada a altura de se deslocar novamente a Madrid em Dezembro, a Ré não mostrou disponibilidade para fazer essa viagem, tendo pedido à Autora que o formador viesse até ao Porto, sendo que em Janeiro e Fevereiro de 2020 ela se deslocaria a Madrid, como habitual. 28º- A Autora acedeu ao pedido da Ré, e entre 05/12/2020 e 06/12/2020, suportou a deslocação do Dr. CC, de Madrid para o Porto, para acompanhar a Ré numa série de cirurgias, num total de despesas com viagem de avião, deslocações, estadia e ajudas de custo diárias de € 918,29 (novecentos e dezoito euros e vinte e nove cêntimos). 29º- A Ré devia ter ido a Madrid em Janeiro e em Fevereiro de 2020, viagens que nunca se mostrou disponível para fazer. 30º- Tal como previsto na Cláusula 3.ª do contrato-promessa, o contrato de trabalho foi celebrado com pacto de permanência, nos termos do artigo 137.º do Código do Trabalho, como resulta da cláusula 10ª, nº1, tendo a Ré assumido o compromisso de não o fazer cessar unilateralmente durante o período mínimo de 2 anos, como compensação pelas despesas extraordinárias suportadas pela Autora com a sua formação profissional, suportados pela Autora. 31º- Mais ficou estipulado na cláusula 10ª, n.º 2, do contrato de trabalho que, em caso de incumprimento do pacto de permanência, a Ré incorre no dever de indemnizar a Autora pelos encargos e despesas resultantes da formação ministrada, tendo sido fixado o montante total de indemnização de € 18.500 (dezoito mil e quinhentos euros). 32º- E como fixado na Cláusula 8.ª do contrato-promessa, o contrato de trabalho estabelece na cláusula 12ª, nº1, um pacto de não concorrência pós-contratual, nos termos do artigo 136.º do Código do Trabalho, tendo a Ré se obrigado a não competir direta ou indiretamente com a atividade da Autora após a cessação do contrato de trabalho, durante um período de 24 meses. 33º- Em virtude dessa limitação, as partes acordaram na cláusula 12.ª, n.ºs 2 e 3 do contrato, que a Ré teria direito a receber da Autora uma compensação mensal no valor de € 300,00 (trezentos euros), durante os dois primeiros anos de vigência do contrato, valor que a Ré reconheceu ter sido fixado em termos equitativos, tendo em conta a sua retribuição e as avultadas despesas com a sua formação profissional pagas pela Autora. 34º- Em caso de violação do pacto de concorrência pós-contratual convencionado, nos termos da cláusula 12ª, nº4 do contrato, a Ré obrigou-se a devolver à Autora as compensações mensais auferidas em virtude desse pacto, bem como a pagar-lhe, a título de cláusula penal, o montante de € 20.000,00 (vinte mil euros). 35º- No dia 2 de Março de 2020, a Ré dirigiu à Autora uma carta a comunicar a denúncia no período experimental do contrato de trabalho, com efeitos a partir do dia 15 de Março de 2020, aí constando que “comunica a denúncia, no período experimental, do contrato de trabalho celebrado (…) no passado dia 18 de Outubro de 2019 e com um período experimental de 180 (cento e oitenta dias), com efeitos a partir do próximo dia 15 de Março de 2020.”.- carta junta como doc. n.º 14 com a p.i., a fls. 60 verso, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido, para todos os efeitos legais. 36º- No dia 5 de Março de 2020, a Ré dirigiu à Autora nova denúncia do contrato de trabalho, através de email enviado pela Ré a DD, onde refere o seguinte: “…de acordo com a conversa havida, uma vez que o período experimental termina a 15 de abril, faz nova denúncia do contrato, com novo termo, de forma a poder fazer as cirurgias confirmadas para Portugal no mês de março.” – Cfr Correio eletrónico de 05/03/2020, com o assunto “Denúncia de Contrato”, e um anexo contendo carta de denúncia, que se junta como Doc. n.º 15 e se dá por integralmente reproduzido, para todos os efeitos legais. 37º- A Autora teve conhecimento de que a Ré começou a trabalhar na Clínica ..., sita em ..., Aveiro, sendo referenciada no site da referida Clínica como médica de medicina estética “Especialista em Tratamentos e Microtransplantes Capilares”. 38º- A Ré recebeu da A. compensações mensais em virtude do pacto de não concorrência convencionado, num total de €1.340. 39º- A formação profissional em causa, por todas as suas características referidas, permitiu que a Ré ficasse qualificada para exercer as funções de médica-cirurgiã capilar, competência profissional que não teria não fora as despesas em formação especializada incorridas pela Autora. 40º- A Ré apresenta-se na sua página oficial do LinkedIn, como “Medical DoctorMicrotransplante Capilar B...”. 41º- E também nas suas páginas de Facebook e Instagram a Ré divulgou a sua especialidade em “Microtransplante Capilar” e “Tratamentos Capilares”. 42º- A área dos transplantes capilares tem tido uma elevadíssima taxa de aceitação no mercado e, naturalmente, uma grande procura de médicos formados nessa área. 43º- Entre Julho de 2019 e Março de 2020, ao serviço da Autora, a Ré adquiriu knowhow muito específico, nomeadamente em tratamentos médico-estéticos, análise capilar e diagnóstico, e em técnicas de micro-enxerto capilares, como a técnica FUE. 44º- A Ré teve conhecimento e contacto com a carteira de clientes da Autora, tendo feito não só cirurgias, mas também tratamentos e consultas, como médica do centro da Autora sito no Porto. (Da contestação) 45º- Em Junho de 2019, face à cessação de funções do Sr. Dr. BB (o médico que até então realizada as cirurgias de implantes capilares na clínica da Autora, em Lisboa), a Autora convidou a Ré, face à confiança existente entre as partes, para vir a assumir tais funções. 46º- A Autora referiu à Ré que os custos e despesas com a formação seriam assumidos por si. 47º- Nas deslocações que efetuou a Madrid, a Ré custeou a estadia respeitante ao mês de agosto no valor de €1000. 48º- A Autora custeou a estadia de Outubro em diante, tendo recebido uma ajuda de €35,00 por dia de trabalho. 49º- A Ré recebia em média mensal 971,40 € brutos. 50º- Uma vez concluída a formação com aproveitamento, a Ré estava pronta a iniciar as intervenções capilares na clínica na Autora, no Porto. 51º-Não foi entregue à Ré, em momento algum, um diploma que comprove a formação obtida. 52º- A Ré alertou a A. por escrito, em 06.11.2019, para a necessidade de realização das operações exclusivamente com médicos e enfermeiros capazes e habilitados para cirurgias capilares e, em particular, registados na Ordem dos Enfermeiros Portugueses e apresentou sugestões para ultrapassar o problema. 53º- Esta obrigação de os enfermeiros terem de estar inscritos na Ordem dos Enfermeiros Portugueses foi confirmada pela Ordem dos Enfermeiros. 54º- A Autora, para operar em Portugal, na área dos implantes capilares e com o método pretendido pela própria, carece de contratar enfermeiros habilitados e inscritos na Ordem, em Portugal. 55º- Tendo em consideração os custos de contratação e formação e o tempo que demora, a Autora optou por contratar enfermeiros freelancers que tivessem já conhecimento com a “implantação por pinças”. 56º- E solicitou ajuda à Ré na busca e contratação de tais profissionais, ajuda essa à qual a Ré respondeu, encetando diligências pró-ativas no sentido de encontrar profissionais capazes. 57º- Foi realizada uma intervenção pela Ré, com profissionais de enfermagem indicados pela Ré, em 29/02/2020, os quais revelaram falta de preparação, tendo a operação não corrido conforme expectável. 58º- Após, foi sugerido à Ré por parte da Autora que começasse a deslocar-se a Espanha para realizar as operações, o que a R. não aceitou, o que foi transmitido à Autora. 59º- Após a comunicação da denúncia do contrato com efeitos a 15.03.2020, a Ré foi interpelada pelo diretor geral, DD, que lhe solicitou que assegurasse as cirurgias já agendadas até ao fim de março, tendo a Ré anuído. 60º- Tais cirurgias não se realizaram. 61º- O email datado de 05/03/2020 foi uma resposta a esse pedido de apoio por parte da Autora. 62º- Após a denúncia, as partes mantiveram a amizade e cordialidade entre ambas, tendo inclusive a Ré permanecido à espera de contacto por parte da Autora, de modo a reatarem a relação profissional, conforme lhe prometido. 63º- A Ré recebeu uma proposta da Autora, em 05.06.2020, no sentido de retomar o regime de prestação de serviços, conforme anteriormente faziam. 64º- A Autora pretendia que a Ré arranjasse enfermeiros, tentativas que já se tinham malogrado no passado e que também não tinham sido ultrapassadas por atuação da Autora. 65º- A Cláusula 7.ª, n.º 1 do contrato de trabalho celebrado entre as partes prevê que “Os primeiros 180 dias da execução do presente contrato deverão ser considerados período experimental, podendo qualquer das Partes denunciá-lo, sem aviso prévio e sem necessidade de invocação de justa causa, não havendo direito a qualquer indemnização ou compensação.” 66º- A Ré, tendo Mestrado em Medicina Estética e Antienvelhecimento, contactou um Colega e iniciou uma parceria profissional na clínica deste, designada Clínica ... na qual fez os seguintes procedimentos: Tratamentos de Emagrecimento, e também tratamentos médico-estéticos como aplicação de Ácido Hialurónico; de Toxina Botulínica; Peelings e Mesoterapia Facial. 67º- Nessa mesma clínica ou em qualquer outra, a Ré nunca realizou um implante ou tratamento capilar pois desde o princípio foram excluídos os tratamentos capilares da oferta terapêutica. 68º- A Ré, neste momento, está exclusivamente a exercer funções na UCSP ..., no combate à covid 19. 69º- O primo do marido da Ré realizou um implante na clínica da Autora, por recomendação da própria Ré. 70º- A A. não liquidou à Ré os seguintes créditos laborais: Salário de Março de 2020; Subsídio de Alimentação de Março de 2020; o valor da Cláusula de não concorrência mensal respeitante ao mês de março; comissão; Férias desde o início do contrato (não gozadas), e Subsídio de Natal de 2019. (Da Resposta) 71º- Nas duas comunicações enviadas pela Ré à Autora, juntas à P.I. como Doc. n.ºs 14 e 15, a Ré comunicou a denúncia do contrato de trabalho dentro do período experimental, não tendo em nenhuma dessas comunicações imputado qualquer incumprimento ou comportamento culposo à Autora. 72º- As cirurgias acabaram por não ser realizadas porque a Ré esteve em isolamento profilático, entre os dias 11/03/2020 e 25/03/2020. 73º- A Ré nesse mês tinha trabalhado 2 dias – 5 e 7 de Março de 2020. 74º- Até à contratação da Ré, a Autora recorria a um prestador de serviços – o Dr. BB -para realizar as cirurgias. 75º- A Autora investiu na contratação e formação da Ré com vista à construção de um projeto novo de cirurgias capilares (micro enxertos) em Portugal. 76º- A Autora tinha programadas cirurgias a executar pela Ré que não chegaram a ser realizadas e cujos valores a Autora teve de devolver aos clientes, com prejuízos para a sua imagem comercial, além dos custos. 77º- Desde a cessação de funções Ré, a Autora não voltou a realizar cirurgias capilares em Portugal. 78º- A Ré esteve assim em formação em Madrid num total de 44 dias, com cerca de 8 a 9 horas diárias de formação, acompanhada e avaliada por uma médica cirurgiã especialista – Dr.ª EE -, que faz também parte da direção médica do Grupo B.... 79º- Entre 05/12/2020 e 06/12/2020, a Ré foi também acompanhada em cirurgias pelo médico cirurgião Dr. CC, que se deslocou propositadamente ao Porto para esse efeito, num total de cerca de 8 horas. 80º- A médica cirurgiã que acompanhou a Ré na formação em Madrid recebe um vencimento da Autora de aproximadamente 90€ / hora, sendo que o cirurgião que acompanhou a Ré nas cirurgias que realizou no Porto tem uma retribuição de cerca de 60/hora, paga pela Autora. 81ª- A A. gastou com a estadia da Ré em Madrid a quantia de €865,15. 82º- A A. não entregou o diploma à Ré porque esta não foi a Madrid, em Janeiro de 2020, para fazer a avaliação final da formação. * Não se provaram quaisquer outros factos com interesse para a boa decisão da causa, designadamente não se provou que:- Em julho de 2019, foi apenas a Ré que manifestou interesse em receber formação profissional em cirurgia capilar; - Todas as despesas relacionadas com as deslocações da Ré foram suportadas pela Autora; -As sessões de formação foram sendo marcadas e alteradas com grande esforço por parte da Autora; - A A. interpelou a Ré para lhe pagar uma indemnização por violação do pacto de permanência, fixada no n.º 2 da cláusula 10.ª do contrato de trabalho celebrado, e a cláusula penal fixada no n.º 4 da cláusula 12.ª do mesmo contrato, por violação do pacto de não concorrência pós-contratual convencionado, e para proceder à devolução das compensações mensais recebidas na vigência do mesmo, em virtude dessa limitação; * - A Ré, com um filho bebé à data, fez inúmeros sacrifícios pessoais, de modo a conseguir deslocar-se a Madrid todas as vezes necessárias;A A. assumiu os custos e despesas com a formação da A. com o pressuposto de uma redução substancial de salário mensal, tendo a Ré anuído; - A Ré recebia bem menos do que um colega de profissão recebe; - A Ré aceitou-o ainda na condição de ter um contrato de trabalho e não uma prestação de serviços, de modo a ser menos penalizada em termos fiscais; - A Ré desconfiou que a Autora estaria na iminência de realizar operações sem cumprimento das normais legais, por os enfermeiros não estarem inscritos na Ordem dos Enfermeiros; - A Ré, vendo que toda esta situação se arrastava e prolongava no tempo, não arranjando a Autora soluções para este problema, o que acarretava como consequência que a Ré recebesse um salário mensal medíocre face à ausência de operações a realizar, optou por denunciar o contrato, dentro do período experimental; - A Ré anuiu a realizar cirurgias após a comunicação da denúncia, face ao bom relacionamento com a Autora, a par do facto de não pretender causar qualquer dano à Autora; - O contrato foi assinado pela Ré com o pressuposto expresso de se poder desvincular, caso assim o entendesse, nos primeiros 6 meses, sem cominação ou lugar ao pagamento de indemnização, caso contrário a ré não o teria assinado. - Tal denúncia jamais teria ocorrido caso a Autora tivesse desde a primeira operação assegurado à Ré que as operações seriam realizadas de acordo com a lei; - A Autora pretendia realizar os implantes (cirurgias morosas e de avultado valor) com o menor custo/investimento possível; - A Ré nunca teve nenhum programa formativo, nenhuma componente teórica; - A formação foi toda ela prática, sendo as cirurgias eram realizadas pela Ré, enquanto os responsáveis pela supervisão tinham outras cirurgias ao mesmo tempo, pelo que o desemprenho da Ré era avaliado em simultâneo com a realização dessas mesmas cirurgias e com esta “formação”, a Autora faturava a dobrar; - A Autora não mais realizou as preditas cirurgias, no Porto, ou em Portugal, por falta de enfermeiros habilitados; * - O Dr. BB tinha a sua própria equipa para realizar as cirurgias.II.3 RECURSO PRINCIPAL II.3.1 Impugnação da matéria de facto A recorrente Ré impugna os provados constantes dos pontos n.ºs 12.º, 26.º, 27.º, 28.º, 29.º e 39.º da matéria provada e 39º [conclusão P a S] e os factos não provados que indica nas conclusões T a AA. Opõe a recorrida Autora, desde logo, que a Recorrente não indica nas suas alegações os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de gravação, que impunham decisão diversa sobre os pontos n.ºs 26.º, 27.º, 29.º e 39.º, como impõe o artigo 640.º, n.º 1, alínea b), do C.P.C. Como sabido, pretendendo a parte impugnar a decisão sobre a matéria de facto, deve observar os ónus de impugnação indicados no art.º 640.º do CPC, ou seja, é-lhe exigível a especificação obrigatória, sob pena de rejeição, dos pontos mencionados no n.º1 e n.º2, enunciando-os na motivação de recurso, nomeadamente os seguintes: - Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados; - Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida; - A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas. - Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, a indicação com exactidão das passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes. A propósito do que se deve exigir nas conclusões de recurso quando está em causa a impugnação da matéria de facto, sendo estas não apenas a súmula dos fundamentos aduzidos nas alegações, mas atendendo sobretudo à sua função definidora do objeto do recurso e balizadora do âmbito do conhecimento do tribunal, é entendimento pacífico que as mesmas devem conter, sob pena de rejeição do recurso, pelo menos uma síntese do que consta nas alegações da qual conste necessariamente a indicação dos concretos pontos de facto cuja alteração se pretende e o sentido e termos dessa alteração [cfr. Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça: de 23-02-2010, Proc.º 1718/07.2TVLSB.L1.S1, Conselheiro FONSECA RAMOS; de 04/03/2015, Proc.º 2180/09.0TTLSB.L1.S2, Conselheiro ANTÓNIO LEONES DANTAS; de 19/02/2015, Proc.º 299/05.6TBMGD.P2.S1, Conselheiro TOMÉ GOMES; de 12-05-2016, Proc.º 324/10.9TTALM.L1.S1, Conselheira ANA LUÍSA GERALDES; de 27/10/2016, Proc.º 110/08.6TTGDM.P2.S1, Conselheiro RIBEIRO CARDOSO; e, de 03/11/2016, Proc.º 342/14.8TTLSB.L1.S1, Conselheiro GONÇALVES ROCHA (todos eles disponíveis em www.dgsi.pt)]. Para além disso, exige-se também que o recorrente fundamente “em termos concludentes, as razões da sua discordância, concretizando e apreciando criticamente os meios probatórios constantes dos autos ou da gravação que, no seu entender, impliquem uma decisão diversa” [cfr. Ac. STJ de 01-10-2015, Proc.º n.º 824/11.3TTLRS.L1.S1, Conselheira Ana Luísa Geraldes, disponível em www.dgsi.pt]. Atentos estes princípios, importa começar por verificar se algo obsta à reapreciação da matéria de facto, desde logo, quanto aos pontos relativamente aos quais a recorrida defende dever ser rejeitada. No que concerne às conclusões, decorre qual o objecto da impugnação e a resposta que se pretende seja considerada provada. Quanto ao mais, consta das alegações a indicação dos testemunhos invocados para sustentar a impugnação e os tempos de gravação dos extractos invocados, bem como o juízo crítico para evidenciar o alegado erro do tribunal a quo. Melhor precisando, contrariamente ao que alega a recorrida, no caso respeitante aos facto provados 26, 27, 28 e 29, a recorrente R indica os testemunhos de EE e CC, transcreve os exctratos em que se apoia e indica com precisão os tempos da gravação em que se encontram. Conclui-se, pois, nada obstar à reapreciação da decisão sobre a matéria de facto pretendida pela recorrente Ré. II.3.1.1 Passando à apreciação dos fatos provados impugnados, deles consta o seguinte: 12.º - No mercado espanhol há cursos de transplantes capilares, ministrados via online e com apenas uma semana de aulas práticas, que têm o custo de € 8.150,00. 26º- Uma vez que a formação não estava concluída, com a celebração do contrato de trabalho definitivo as partes marcaram umas sessões de formação para o final desse mês, entre 21/10/2019 e 31/10/2019, que se realizaram, tendo ficado também acordado que a Ré voltaria a ter sessões de formação em Madrid em Dezembro, e Janeiro e Fevereiro de 2020. 27º- Chegada a altura de se deslocar novamente a Madrid em Dezembro, a Ré não mostrou disponibilidade para fazer essa viagem, tendo pedido à Autora que o formador viesse até ao Porto, sendo que em Janeiro e Fevereiro de 2020 ela se deslocaria a Madrid, como habitual. 28º- A Autora acedeu ao pedido da Ré, e entre 05/12/2020 e 06/12/2020, suportou a deslocação do Dr. CC, de Madrid para o Porto, para acompanhar a Ré numa série de cirurgias, num total de despesas com viagem de avião, deslocações, estadia e ajudas de custo diárias de € 918,29 (novecentos e dezoito euros e vinte e nove cêntimos). 29º- A Ré devia ter ido a Madrid em Janeiro e em Fevereiro de 2020, viagens que nunca se mostrou disponível para fazer. 39º- A formação profissional em causa, por todas as suas características referidas, permitiu que a Ré ficasse qualificada para exercer as funções de médica-cirurgiã capilar, competência profissional que não teria não fora as despesas em formação especializada incorridas pela Autora. Na fundamentação da decisão sobre a matéria de facto, abrangendo esta matéria lê-se o seguinte [destaque do número do facto a negrito introduzido por nós]: -«A decisão da matéria de facto no que concerne aos factos dados como provados e não provados, assentou nos documentos juntos aos autos conjugados com os depoimentos prestados pelas testemunhas e declarações de parte em sede de audiência de discussão e julgamento. [..] Quanto à restante matéria controvertida foi valorada a prova documental junta, a que se fará referência, conjugada com a prova testemunhal e por declarações, que o tribunal valorou de acordo com a sua convicção e fazendo apelo às regras da experiência comum e da normalidade. [..] Quanto ao facto referido em 12º, foi valorado o documento junto a fls. 23 verso a 27, referente ao custo de um curso de transplantes capilares na Universidade .... [..] Quanto à formação efetivamente ministrada pela A. e R., início da mesma, datas, conteúdos formativos e avaliação efetuada pela própria R. e qualificações que trouxe à R. em termos profissionais, a que se referem os artigos 7º a 11º, 20º, 21º, 23º, 24º, 26º, 27º, 39º a 41º, 42º a 44º, 50, 75º, 78º, 79º, foram desde logo valorados os documentos juntos a fls. 33, 33 verso/34 e 34 verso a 38 (avaliação efetuada pela orientadora EE, médica, que vai anotando em cada momento da formação, quais as tarefas realizadas pela Ré na formação e o seu nível de aprendizagem, anotando o que a Ré, em cada momento, ainda precisa de melhorar e o que já realiza adequadamente). [..] Quanto às despesas pagas pela A. ao Dr. CC, decorrentes da viagem do Dr. CC ao Porto e alojamento do mesmo e ajudas de custo diárias, para acompanhar cirurgias realizadas pela R., em 5/6 de dezembro de 2019, referidas em 28º e 79º foram valorados os documentos juntos a fls. 56 a 58, 58 verso e 59, e comprovativo de pagamento efetuado pela A. ao Dr. CC, junto a fls. 60. [..] Assim e quanto aos contratos celebrados e processo de negociação entre as partes, foi valorado o depoimento da testemunha FF, diretora de recursos humanos do Grupo B..., em Espanha, desde junho de 2007, que acompanhou esse processo. [..] Quanto à formação ministrada, sabe apenas que a formação ministrada pela B... era muito prática e que tinha um tutor que estava sempre com a Ré, sendo que a formação decorria em Madrid. A formação era só para a Ré, era personalizada. E apesar de não estar presente nas sessões de formação, do seu depoimento decorre de forma que mereceu credibilidade, que acompanhava de perto a formação, cuidando de saber como estava a correr, tendo tido 3 reuniões com a Ré e falado com a mesma telefonicamente várias vezes nesse período, sendo que a mesma em momento algum apontou qualquer falha na formação, designadamente o facto de não estar a ser devidamente acompanhada. Esclareceu ainda que, de acordo com o acordado, a Ré tinha de ir a Madrid, em dezembro de 2019 e não veio, por essa razão o Dr. CC deslocou-se ao Porto, para acompanhar a Ré nas suas cirurgias. Igualmente, a Ré tinha de ir a Madrid em janeiro e em fevereiro de 2020 e não foi e era aí que lhe iam entregar o diploma, presencialmente, o que não sucedeu, pelo simples facto de a Ré não ter ido a Madrid. Confirmou que a A. suportou os gastos das viagens. [..] Quanto à formação ministrada à R, foi valorado o depoimento da testemunha EE, médica na B..., que acompanhou a formação da Ré, tendo a seu cargo coordenação da formação, embora não seja a formadora de todos os médicos. Depôs revelando ter conhecimento direto dos factos e logrando convencer. Depôs revelando ter conhecimento direto dos factos e logrando convencer. A formação tinha uma componente teórica (a primeira semana, 40h), onde eram disponibilizados numa plataforma on line com conceitos básicos sobre o pelo, tratamentos médicos (aqui contrariando a versão da Ré que a formação era só prática) e as diferentes técnicas de cirurgia e uma componente prática (600h), que era extremamente relevante, em que assistia às cirurgias. Essa formação tinha fases, começando pelos instrumentos e anestesia, máquinas para extração do cabelo, observação da cirurgia e depois fazer parte da cirurgia. Refere que a Ré passou por todos esses processos de formação, sempre supervisionada ou por ela ou pela Dr. CC, sendo que a formação era só para ela, afirmando que só se pode formar uma pessoa de cada vez, sendo que a ideia é que o formando vá ganhando a sua autonomia. A formação era dada enquanto faziam as suas cirurgias, de acordo com o normal desenvolvimento da atividade da empresa, mas tal não significa que não gastassem tempo na formação da Ré e em explicar-lhe procedimentos. Esclareceu ainda que dependendo do calibre da cirurgia, a mesma pode demorar 5/6 horas e há momentos em que o médico não tem de estar presente, estão enfermeiras a assistir e acompanhar, sendo que a Ré estava sempre com supervisão, embora pudesse, em certos momentos, ausentar-se da sala, mas sempre a ver a Ré, já que existia essa visibilidade. [..] Sabe também que a Ré devia ter ido a Madrid em Dezembro, janeiro e fevereiro de 2020, de acordo com o plano de formação, mas acabou por não ir, alegando não ter disponibilidade para tal, confirmando que o Dr. CC chegou a vir ao Porto, mas não sabe datas, para a acompanhar em cirurgias, a realizar pela mesma, mas supervisionadas. [..] Foi igualmente valorado o depoimento da testemunha CC, médico cirurgião na B..., que depôs de forma clara e coerente, logrando convencer e revelando ter conhecimento direto dos factos. [..] Em dezembro de 2019, esteve no Porto, como supervisor da A., para a acompanhar, mas a ideia era ser ela a fazer a cirurgia sózinha, com ele a supervisionar. Esteve dois dias no Porto, tendo sido realizadas duas cirurgias, uma em cada dia. Essas viagens e estadia foramlhe pagas pela B.... [..]». Quanto ao facto 12, a recorrente Ré alega que impugnou o documento no art.º 2.º da contestação e que o mesmo não foi suportado com qualquer outro meio de prova adicional. Refere, ainda, que “o curso a que alude o documento perduraria entre 9 a 12 meses, com um quadro de formadores graduados na área e atribuição de 60 créditos ECTS e do Título de Master ao contrário da formação dada pela Recorrida, que apresentava uma duração de 12 a 16 semanas, com quadro de dois formadores internos, em contexto de trabalho”, para defender que “atentas as valências proporcionadas pelo curso ministrado pela Universidade ..., o valor fixado para a formação ministrada pela Recorrido é manifestamente incompreensível, injustificável e desproporcional”, não podendo manter-se o facto como provado. Diga-se, desde já, que como assinala a recorrida, não é verdade que a recorrida tenha impugnado o documento junto pela R. na PI, quando alegou o facto provado em causa. O que recorrente diz no art.º 2.º do seu articulado, é antes o seguinte: “O Artigo 12.º vai também impugnado, nos termos do preceituado no n.º 3º do Artigo 574º do Código de Processo Civil (doravante abreviadamente C.P.C.)”, significando isso que declarou não saber se o facto é real. Acresce, que o facto da recorrente ter feito aquela declaração não significa que o Tribunal a quo não pudesse valorar livremente o documento que foi junto pela autora, segundo a sua prudente convicção [art.º 607.º n.º 5, do CPC]. Por outro lado, a recorrente incorre num erro. O facto 12 não fixa o valor da formação que lhe foi proporcionada pela recorrida, como sugere a sua alegação, ao dizer que “o valor fixado para a formação ministrada pela Recorrido é manifestamente incompreensível, injustificável e desproporcional”, antes constando dele coisa diferente, como resulta bem claro do seu texto, nomeadamente: “No mercado espanhol há cursos de transplantes capilares, ministrados via online e com apenas uma semana de aulas práticas, que têm o custo de € 8.150,00”.De resto, a recorrente parece esquecer estar provado que [13º] ”As partes acordaram que a formação ministrada pela Autora, pelas suas características, tinha um custo de € 15.000,00 (quinze mil euros), acrescido de despesas [..]». Refira-se, ainda, resultar da fundamentação da decisão sobre a matéria de facto, que as testemunhas mencionadas na transcrição acima efectuada, ou seja, FF - diretora de recursos humanos do Grupo B..., em Espanha -, EE - médica na B..., que acompanhou a formação da Ré - e CC, médico cirurgião na B..., depuseram sobre a formação proporcionada à autora, nomeadamente, sobre as componentes que a caracterizavam. E, Por isso mesmo, sobre essa matéria está provado o que consta nos factos 7 a 11. Com o devido respeito, não se percebe, pois, qual o raciocínio da recorrente. Seja como for, não traz a recorrente qualquer meio de prova adequado a pôr em causa o que consta no facto provado, pelo que improcede a impugnação quanto a esse ponto. Avançando para os factos provados 26, 27, 28 ,29 e 39, dia a recorrente que “foram dados como provados pelo depoimento da testemunha FF, diretora dos recursos humanos do Grupo B..., em Espanha, o qual, diga-se, em alguns segmentos, “foi parcial e evasivo”, e que “Não entende [..] como foi, nesta parte, valorado o depoimento da testemunha, uma vez que se encontra em absoluta contradição com o que foi afirmado pelas testemunhas EE e CC”. Invoca extractos desses testemunhos, dos quais se retira, no que respeita à matéria abarcada por aqueles factos, terem declarado o seguinte: - EE: [Que o Dr. CC veio ao Porto] “Para dar apoio e supervisionar a Dra.”; “Apoio no sentido de alguma dificuldade na cirurgia, para poder ajudá-la. Ela tinha dificuldades no processo, como comentei antes. Alguma complicação, ela não tinha confiança par assumir essa situação, por isso o suporte ser preciso”; - CC: [Quanto à estadia no Porto, em Dezembro de 2019] “O motivo da minha viagem ao Porto foi de tutor, muito importante, nós em Portugal, como cirurgiões, só podemos fazer de tutor, só estar de uma maneira presencial para que a Dr.ª executasse toda a cirurgia do princípio ao fim, porque nós assumimos que estava perfeitamente formada para realizar a cirurgia”; “nas primeiras cirurgias [realizadas pela autora] …durante a formação ela era a formanda, e eu era o responsável da cirurgia. No Porto era ela a responsável pela cirurgia”; “Dadas as circunstâncias, que era a sua primeira cirurgia, que estava a começar, consideramos que seria interessante, para uma pessoa, para que sinta esse respaldo”; “Eu não decido se vou ou não vou a algum sítio, decidem por mim e eu fui para o Porto, porque como já tinha estado com a AA na sua formação, eu seria a pessoa ideal para acompanhar aí a sua primeira cirurgia, mas mais do que isso não posso dizer”; [Estava prevista que a sua primeira cirurgia seria acompanhada com o formador, é isso?] “Sim”; “Exatamente, era a primeira cirurgia que estava a fazer como cirurgiã titular”. Conclui a recorrente, dizendo que “das declarações transcritas retira-se que, nas cirurgias realizadas no Porto: A presença/intervenção da testemunha CC foi na qualidade de tutor (“para dar confiança”) e não de formador; Que o médico responsável por estas cirurgias foi a Recorrente e não o apenas tutor Dr. CC, que, de resto, legalmente, não pode exercer medicina em Portugal; Que, enquanto formanda, a Recorrente não poderia ser titular das cirurgias. Ter-se-á que concluir, assim, que, aquando da realização destas cirurgias, a Recorrente já teria concluído, com sucesso, o seu processo formativo. E, por assim ser, não poderão estas despesas ser contabilizadas nos custos da formação da Ré, o que implica, necessariamente, o reexame dos pontos 26º, 27º, 28º, 29º e 39º, dando-se os mesmos como não provados”. Diga-se, desde já, que também quanto a estes pontos improcede a impugnação. Em primeiro lugar, para repor o rigor das coisas, resulta bem claro da transcrição acima feita que estes factos não foram dados como provados apenas tendo em conta o depoimento da testemunha FF, diretora dos recursos humanos do Grupo B..., em Espanha. Pelo contrário, foram atendidos também os testemunhos que ela aqui vem invocar e, ainda, documentos. Para além disso, no que a esta matéria respeita, o Tribunal a quo não considerou o testemunho de FF “foi parcial e evasivo”. Mais precisamente, na fundamentação afirma-se que “O seu depoimento só em parte logrou convencer, pois que, pese embora o conhecimento direto que revelou ter dos factos, segmentos houve do seu depoimento em que o mesmo foi parcial e evasivo”, mas retira-se sem qualquer dúvida que quanto a esta e às outras matérias referidas na fundamentação, as referências são feitas no pressuposto de lhes reconhecer credibilidade. Por conseguinte, a recorrente não leu com a devida atenção ou não soube interpretar a fundamentação. Em segundo lugar, estamos mais uma vez perante um erro de raciocínio, dado que a recorrente parte da formulação de uma conclusão - que, aquando da realização destas cirurgias, a Recorrente já teria concluído, com sucesso, o seu processo formativo -, para pôr em causa um conjunto de factos, nos quais nem sequer está em causa saber “se já teria concluído, com sucesso, o seu processo formativo”. Certo é, também, retirar-se com segurança que os testemunhos invocados nem sequer põem em causa qualquer dos factos em causa. Mais, nem sequer deles se retirando que o acompanhamento feito pelo Dr. CC não integrasse ainda a sua formação, já que a testemunha EE referiu que “Ela tinha dificuldades no processo, [..]. Alguma complicação, ela não tinha confiança par assumir essa situação, por isso o suporte ser preciso”, e aquele testemunhou estar previsto que interviria como tutor/formador, acompanhando-a na primeira cirurgia que fizesse como cirurgiã titular. Assim, como se disse, também quanto a estes factos improcede a impugnação. Segue-se a impugnação dirigida aos factos não provados seguintes: - A A. assumiu os custos e despesas com a formação da Ré, com o pressuposto de uma redução substancial de salário mensal, tendo a Ré anuído. - A Ré recebia bem menos do que um colega de profissão recebe. Na fundamentação da decisão sobre a matéria de facto, a este propósito lê-se o seguinte: -«Quanto aos factos dados como não provados, não foi produzida prova que lograsse convencer o tribunal, com o grau de certeza que se exige ou apurou-se realidade diversa, nos termos já supra expostos. Desde logo, quanto ao facto de a Ré receber na A bem menos que um colega de profissão recebe, não foi feita a mínima prova nesse sentido, pois que, além da R. que referiu esse facto, nenhum outra prova foi produzida que permita dar como provado tal facto, sendo certo que as declarações da R., só por si, neste particular, não lograram convencer, tanto mais que a Ré recebia €971,40 brutos mensalmente, por 40 horas de trabalho mensal, a que acrescia uma retribuição variável que a Ré desconsiderou quando fez a sua afirmação. [..]». Defende a recorrente Ré que os factos em causa devem considerar-se provados, no essencial, alegando o que segue: - «Tal facto resulta, cristalinamente, dos recibos de vencimento da Ré, juntos à Petição Inicial como Doc. 17, quando comparados com os daquelas testemunhas. Ora, relativamente à retribuição das testemunhas, conforme foi dado como provado, no ponto 80, “a médica cirurgiã que acompanhou a Ré na formação em Madrid recebe um vencimento da Autora de aproximadamente 90€ / hora, sendo que o cirurgião que acompanhou a Ré nas cirurgias que realizou no Porto tem uma retribuição de cerca de 60/hora, paga pela Autora.”. Na motivação da Sentença, extrai-se que “quanto às retribuições pagas pela A. aos Dr. EE e Dr. CC, referidas em 80º foram valorados os documentos juntos a fls. 109 a 115 e 116 a 122.”. Por sua vez, de acordo com os recibos de vencimento da Recorrente, em conjugação com o artigo 28.º da Resposta apresentada pela Autora, em 23.03.2021, com Referência 38353052, a retribuição por hora daquela era de apenas 14,26€ (catorze euros e vinte e seis cêntimos). O que, contas feitas, corresponde a menos de 1/4 do vencimento por hora auferido da testemunha CC e a cerca de 16% do auferido pela testemunha EE!! Impunha-se, pois, quanto a este facto, que o Tribunal recorrido confrontasse e analisasse criticamente os recibos de vencimento de uns e outros para chegar à conclusão, óbvia, de que a recorrente auferia uma retribuição bastante inferior àqueles dois colegas de trabalho. E nem mesmo a realidade dos vencimentos em Espanha, que serão, eventualmente, superiores aos praticados no nosso país, ou as funções adicionais de formadores justificam, só por si, estas diferenças salariais. Desta feita, entende a recorrente que o facto “A Ré recebia bem menos do que um colega de profissão recebe”, deve ser dado como provado, o que resulta, essencialmente, da prova documental junta aos autos. Dando-se este facto como provado, naturalmente, com fundamento na lógica e regras da experiência comum, ter-se-á de considerar provado, igualmente, o primeiro dos factos supra transcritos – “A A. assumiu os custos e despesas com a formação da A. com o pressuposto de uma redução substancial de salário mensal, tendo a Ré anuído.”. Mais uma vez a recorrente faz uma laboriosa construção, mas partindo de premissas que não podem ser aceites. Na contestação alegou o seguinte: -«10. Mais, aceitou receber bem menos que um Colega de profissão recebe (como facilmente se alcança numa leitura atenta dos recibos de vencimento juntos pela Autora na P.I.), designadamente uns parcos 571,40 € de vencimento base (!), isto é, 14,29 €/hora), ao qual acresciam 100,00€ por operação realizada e, ainda, 300 € pela não concorrência. 11. Tudo resultando numa média de 971,40 € brutos mensais (!) 12. Este salário mensal por 40 horas de trabalho...». Como bem se vê, a alegação é conclusiva e genérica, ou seja, a recorrente está a comparar-se com “um Colega de profissão recebe” e não com a Drª. EE e o Dr. CC. Por isso, não faz sentido vir pretender agora que seja feita essa comparação, ademais, absolutamente inútil, pois está já provado, resultando do por si alegado, o seguinte: - 49º- A Ré recebia em média mensal 971,40 € brutos. 80º- A médica cirurgiã que acompanhou a Ré na formação em Madrid recebe um vencimento da Autora de aproximadamente 90€ / hora, sendo que o cirurgião que acompanhou a Ré nas cirurgias que realizou no Porto tem uma retribuição de cerca de 60/hora, paga pela Autora. Por conseguinte, se porventura houver razões que justifiquem proceder a alguma comparação com base nestes factos, será a jusante, na aplicação do direito aos factos. Para além disso, ainda que se desse essa alegação como provada, não se vê como deveria dar-se por provado, só por essa razão, o outro facto – “A A. assumiu os custos e despesas com a formação da Ré, com o pressuposto de uma redução substancial de salário mensal, tendo a Ré anuído” -, «com fundamento na lógica e regras da experiência comum». Admite-se que fosse susceptível de ter relevância, mas só por si não era suficiente. Concluindo, improcede também nesta parte a impugnação da decisão sobre a matéria de facto. Por último, pretende a recorrente Ré, que não se tendo provado que «A formação foi toda ela prática, sendo as cirurgias eram realizadas pela Ré, enquanto os responsáveis pela supervisão tinham outras cirurgias ao mesmo tempo, pelo que o desemprenho da Ré era avaliado em simultâneo com a realização dessas mesmas cirurgias e com esta “formação”, a Autora faturava a dobrar», seja parcialmente dado como provado que “Ocorreu a autora agendar duas cirurgias para o mesmo médico/formador, com a mesma data e hora, as quais eram realizadas uma pela ré e outra pelo formador”. Defende que das declarações da testemunha CC, nos extractos que invoca, retira-se que a Autora agendava duas cirurgias para o mesmo dia e hora, as quais seriam realizadas uma pela Ré, com autonomia, ainda que acompanhada por enfermeiros, e outra pelo formador [conclusões X a AA]. Na fundamentação da decisão sobre a matéria de facto, o Tribunal a quo não se refere concretamente quanto a este ponto não provado, devendo entender-se que o engloba na declaração inicial quanto à matéria não provada, dizendo “Quanto aos factos dados como não provados, não foi produzida prova que lograsse convencer o tribunal, com o grau de certeza que se exige ou apurou-se realidade diversa, nos termos já supra expostos”. Por seu turno, a recorrida autora contrapõe que não foi feita prova para se aditar esse facto, nem se vê em que medida a alteração pretendida pela Recorrente seria suscetível de alterar a decisão recorrida. Os invocados extractos do testemunho do Dr. CC, consistem no seguinte: -Testemunha: “Vou ver no computador as cirurgias, mas essa informação já não está no sistema de quantas cirurgias havia por cirurgião nessas datas. Mas é possível que num dia tenhamos tido duas cirurgias por cirurgião e enquanto se atende em uma cirurgia, o formando está noutra cirurgia. -Mandatária da Ré: Era aí que eu queria chegar. Precisamente, da sua experiência, da sua realidade enquanto formador da Dr.ª AA diz-nos que poderiam ter ocorrido algumas cirurgias ao mesmo tempo, a Dr.ª AA, estava a supervisionar o trabalho dela e em simultâneo estar a fazer cirurgias também. Testemunha: Sim, mas em algum momento o formando fica sozinho. Mandatária da Ré: Estava sempre rodeada de enfermeiros. Testemunha: “Exatamente. (…)”Salvo o devido respeito, não há prova segura para se dar como provado o que é pretendido. A testemunha apenas admitiu uma possibilidade, acrescendo que em termos gerais e absctractos, ou seja, não fazendo uma afirmação concreta relativamente à Ré. Admitiu como possível, mas não afirmou que tivesse acontecido. Acresce que não há qualquer outra prova sobre esta matéria. Como elucidam Antunes Varela, J. Miguel Bezerra e Sampaio e Nora, para que um facto se considere provado é necessário que, à luz de critérios de razoabilidade, se crie no espírito do julgador um estado de convicção, assente na certeza relativa do facto. A prova “assenta na certeza subjectiva da realidade do facto, ou seja, no (alto) grau de probabilidade de verificação do facto, suficiente para as necessidades práticas da vida” [Manual de Processo Civil, 2.ª Edição, Coimbra Editora, Coimbra, 1985, p. 436]. Essa certeza subjectiva, com alto grau de probabilidade, há-de resultar da conjugação de todos os meios de prova produzidos sobre um mesmo facto, ponderando-se a suficiência e coerência que exista num determinado sentido e aferindo-se esse resultado convergente em termos de razoabilidade e lógica. Se pelo contrário, existir insuficiência, contradicção ou incoerência entre os meios de prova produzidos, então haverá uma dúvida séria e incontornável quanto à probabilidade dos factos em causa serem certos, obstando a que se considere o facto provado. Assim sendo, também quanto a este ponto improcede a impugnação da decisão sobre a matéria de facto. II.3.2 Motivação de direito A primeira questão colocada para apreciação pela recorrente R. consiste em saber se o tribunal a quo errou o julgamento na aplicação do direito, quanto à “interpretação, enquadramento e conjugação das cláusulas relativas ao período experimental e ao pacto de permanência que as partes fizeram constar nas Cláusulas 7.ª e 10.ª, respetivamente, do contrato de trabalho assinado entre ambas” [Conclusão B]. Defende a Recorrente Ré que “ mal andou o Tribunal recorrido na interpretação do regime jurídico aplicável a esta cláusula 7ª, relativa ao período experimental, e de todo o quadro fáctico que motivou a resolução do contrato, devendo, em consequência, concluir-se pela validade e conformidade da denúncia operada pela trabalhadora, a qual, em face do que supra se expos, exclui a obrigatoriedade de pagamento de uma indemnização ou compensação pelas supostas despesas com a formação [conclusão K]. Quanto a essa questão fulcral, o Tribunal a quo começou por referir o que segue: «[..] A Ré denunciou o seu contrato de trabalho, num primeiro momento com efeitos a partir de 15 de março de 2020, e num segundo momento com efeitos a 30 de março de 2020, invocando que o fazia no período experimental, não tendo invocado qualquer outra justificação para fazer cessar o seu contrato. De facto, não tendo a Ré referido na comunicação que dirigiu à A. qualquer facto que pudesse integrar justa causa, apenas afirmando que procedia à denúncia do contrato no período experimental, não faz qualquer sentido que a Ré venha invocar na sua contestação que fez cessar o seu contrato com justa causa, quando não foi esse o motivo que invocou perante a A., sua entidade patronal, quando lhe comunicou a sua vontade de fazer cessar o seu contrato. Não deixaremos, contudo, de referir que a Ré não logrou demonstrar qualquer justa causa para fazer cessar o seu contrato de trabalho. Ao problema da falta de enfermeiros habilitados para trabalhar em Portugal, que sinalizou por escrito à A. em novembro de 2019 (quando ainda nem sequer tinha terminado a sua formação), a A. respondeu, tentando diligenciar por encontrá-los, tarefa que não se mostrou fácil, como a própria R. reconhece nas comunicações escritas que a esse propósito dirigiu à A. (pois também ela tentou encontrar esses profissionais e não conseguiu); posteriormente a essa comunicação, a Ré realizou cirurgias em Portugal, com enfermeiros que cumpriam as exigências legais, inscritos na Ordem dos Enfermeiros, sem dar nota de qualquer constrangimento (a não ser quando responde ao email da A. junto a fls. 85 verso, em que refere logo que o paciente está satisfeito e a recuperar e que as enfermeiras não tinham ritmo de trabalho) mas apesar disso a Ré nunca comunicou por escrito que esse facto representava para si um motivo bastante para fazer cessar o seu contrato de trabalho, e nem se vislumbra como pode considerar-se esse motivo bastante para fundamentar uma justa causa, pois que, a Ré que continuava a poder exercer um conjunto importante das suas funções, para as quais também tinha sido contratada, designadamente de direção técnica e supervisão médica dos tratamentos capilares (uma vez que tal questão dos enfermeiros apenas contendia com as intervenções cirúrgicas de microcirurgia capilar); além disso, em momento algum foi alegado e demonstrado em que se traduzia, em concreto, a perda económica que daí pudesse resultar (de não poder realizar cirurgias por falta de enfermeiros, o que nem sequer se demonstrou tivesse sucedido), que nem a própria R. foi capaz de quantificar. Isto dito, concluímos que é de uma denúncia no período experimental que temos de partir para a análise da situação dos autos. Nesse âmbito, a regra é como se sabe a que consta do art.º 114º do Código do Trabalho: durante o período experimental qualquer das partes pode denunciar o contrato sem aviso prévio nem necessidade de invocação de justa causa, não havendo direito a indemnização (nº 1); porém, e no caso de esse período ter durado mais de 60 dias, o empregador terá então de dar um aviso prévio de 7 dias (nº 2). No caso dos autos, conforme se apurou, as partes tinham estabelecido no contrato de trabalho um período experimental. Na Cláusula 7.ª, n.º 1 do contrato celebrado entre as partes prevê-se que “Os primeiros 180 dias da execução do presente contrato deverão ser considerados período experimental, podendo qualquer das Partes denunciá-lo, sem aviso prévio e sem necessidade de invocação de justa causa, não havendo direito a qualquer indemnização ou compensação.” Mas a aparente linearidade com que é tratado na lei o instituto jurídico-laboral do período experimental, assume na hipótese concreta dos autos, em face dos contornos fácticos que se apuraram, uma singular especificidade, que impõe uma análise mais cuidada. É que, a par daquela cláusula 7ª do contrato de trabalho, as partes também acordaram uma outra cláusula estabelecendo um pacto de permanência. Como se apurou a este propósito: - Tal como previsto na Cláusula 3.ª do contrato promessa, o contrato de trabalho foi celebrado com pacto de permanência, nos termos do artigo 137.º do Código do Trabalho, como resulta da cláusula 10ª, nº1, tendo a Ré assumido o compromisso de não o fazer cessar unilateralmente durante o período mínimo de 2 anos, como compensação pelas despesas extraordinárias suportadas pela Autora com a sua formação profissional, integralmente suportados pela Autora. Mais ficou estipulado na cláusula 10ª, n.º 2, do contrato de trabalho que, em caso de incumprimento do pacto de permanência, a Ré incorre no dever de indemnizar a Autora pelos encargos e despesas resultantes da formação ministrada, tendo sido fixado o montante total de indemnização de € 18.500 (dezoito mil e quinhentos euros). [..]». A fundamentação prossegue debruçando-se sobre o pacto de permanência, nomeadamente, procedendo ao seu enquadramento jurídico face ao CT e aferindo da sua validade, vindo o Tribunal a quo a concluir “Daí que, somos a considerar, que a cláusula estabelecida pelas partes, estabelecendo um pacto de permanência de dois anos após o início do contrato para a Ré, reunia os requisitos legais para que a possamos considerar válida”. Imediatamente a seguir a essa conclusão, consta da fundamentação, na parte com relevo para a questão agora em apreciação, o seguinte: -«Como podemos, então, interpretar e compatibilizar, de acordo com a vontade das partes firmada no contrato de trabalho, as cláusulas 7ª e 10ª desse contrato. A interpretação que, cremos, é a mais consentânea com a vontade das partes, expressa no texto do contrato é a que considera que, pelo referido pacto de permanência (de dois anos), a autora renunciou ao seu direito de denúncia, como forma típica de cessação desse contrato de trabalho, com a consequente obrigação de compensar o empregador pelas despesas em que este incorreu com a sua formação profissional, durante a vigência desse mesmo contrato, com início a 18.10.2019. Embora o período experimental vise que ambas as partes possam avaliar o seu interesse na manutenção do contrato de trabalho e que o dever que resulta da cláusula de permanência passa a impedir o trabalhador de se poder desvincular durante o período experimental, ou querendo fazê-lo terá como consequência o pagamento das despesas realizadas pelo empregador com a sua formação profissional, não vemos como isso possa ser um impedimento à celebração de um pacto de permanência que produza os seus efeitos no decurso do período experimental, pois o conteúdo essencial da liberdade de trabalho do trabalhador, que é o que se pretende salvaguardar, não fica coartado. Concluímos que é perfeitamente aceitável que um pacto de permanência produza os seus efeitos durante o período experimental, se for essa a vontade das partes. Efetivamente, resulta claramente logo da cláusula inserta no contrato-promessa a esse propósito, que a obrigação assumida pela Ré de exercer a atividade profissional para que a formação ministrada a havia qualificado, ficou sujeita à outorga do contrato de trabalho, que as partes ajustaram iria consagrar um pacto de permanência para compensar essas despesas de formação, a partir da qual operaria o pacto de permanência e começaria a contar o período de dois anos pelo qual vigoraria: o pacto de permanência é uma obrigação cuja vigência depende da celebração do contrato de trabalho prometido. As cláusulas contratuais foram ajustadas entre as partes, sendo que a Ré, até pelo seu grau de instrução, se vinculou de forma livre à obrigação de permanência, tanto no contrato promessa do contrato de trabalho como no contrato de trabalho, celebrados com a Autora, pelo que a sua denúncia do contrato decorridos cinco meses após o início do contrato de trabalho, fá-la incorrer na [na sentença este parágrafo não consta completo, o que terá resultado de provável lapso de escrita ou na edição do texto]. Outra interpretação, designadamente a propugnada pela Ré na sua contestação, constituiria manifestamente um abuso de direito. A Ré não nega que lhe foi ministrada formação pela A., que a habilitou a exercer intervenções cirúrgicas em microcirurgia capilar. E também não logrou demonstrar que essa formação não tivesse as características de qualidade e reconhecimento que a A. alegou ter, tanto assim que a incluiu prontamente no seu curriculum e assim se apresenta nas suas redes sociais, naturalmente por reconhecer valor à formação que lhe foi ministrada. Pelo que, denunciar o seu contrato, sem mais, sem demonstrar qualquer justa causa, sem compensar a A. das despesas de formação que teve, traduzir-se-ia num locupletamento indevido à custa da A., que a lei não consente. Com efeito, a A. fez um investimento na formação da Ré, que deu a esta uma habilitação profissional que não tinha, pelo que o empregador tem o legítimo direito de poder ver assegurado o retorno desse investimento (se assim não fosse, certamente que a A. não se teria disposto a ministrar à Ré tal formação), como a Ré também reconheceu ao vincular-se contratualmente nos moldes em que o fez, sendo que do teor literal das cláusulas contratuais não pode extrair-se a conclusão que o pacto de permanência só se iniciaria decorrido que estivesse o período experimental. Tal interpretação não encontra no texto dessas cláusulas qualquer apoio. Pelo que, entendemos que, tendo a Ré denunciado o seu contrato, nos primeiros seis meses de duração do contrato, sem invocar qualquer justa causa, sobre a mesma impende o dever contratual de compensar a A. sobre as despesas de formação, por força do pacto de permanência a que livre e esclarecidamente se vinculou contratualmente. As partes ajustaram contratualmente qual o valor dessa compensação. Determinaram, pois, para o caso de incumprimento pela trabalhadora da obrigação de permanência acordada - dois anos a contar da outorga do contrato de trabalho -, o dever de indemnizar a entidade patronal de acordo com o critério fixado na lei para a desoneração daquele dever, isto é, pelo valor das despesas inerentes à formação ministrada, que desde logo fixaram no valor de € 18.500». Defende a recorrente, no essencial, o seguinte: - As partes quiseram estipular um período experimental, e expressaram essa vontade de forma declarada na Cláusula 7ª do contrato de trabalho; se não o tivessem pretendido, teriam, ao invés, excluído o mesmo; Tivessem, igualmente, o propósito de estipular uma indemnização em caso de denúncia do contrato de trabalho por parte da Ré durante o período experimental, e teriam nessa mesma cláusula previsto essa indemnização. - Nem se diga que esta denúncia configura um abuso de direito, traduzido num locupletamento indevido por parte da Ré, uma vez que, a Autora foi alertada, por escrito, em novembro de 2019, para a necessidade de contratação de enfermeiros habilitados a acompanhar as cirurgias, não tendo logrado apresentar, atempadamente (ou seja, dentro do período experimental), solução para este problema; E neste seguimento não poderá deixar de aludir à obrigação que impendia sobre a ré, e que decorria do próprio contrato de trabalho, de “atuar em todos os casos com estrito cumprimento das normas deontológicas de acordo com a ciência e normas médicas aplicáveis”. (Vide Cláusula 1ª, n.º 1, ponto 3); - Mal andou o Tribunal recorrido na interpretação do regime jurídico aplicável a esta cláusula 7ª, relativa ao período experimental, e de todo o quadro fáctico que motivou a resolução do contrato, devendo, em consequência, concluir-se pela validade e conformidade da denúncia operada pela trabalhadora, a qual exclui a obrigatoriedade de pagamento de uma indemnização ou compensação pelas supostas despesas com a formação; - Uma e outra cláusula são compatíveis entre si, prevalecendo, no entanto, as regras das cláusulas relativas ao período experimental, ou, por outras palavras, não cedendo estas regras em detrimento das previstas quanto ao pacto de permanência. Conclui, defendendo que deve ser declarada “a validade e conformidade da denúncia operada pela trabalhadora, durante o período experimental”, absolvendo-a da indemnização pela violação do pacto de permanência. Contrapõe a recorrida autora que a posição da recorrente assenta em vários equívocos, depois apontando-os, referindo, no essencial, o seguinte: - A Recorrente estava efetivamente em período experimental quando denunciou o contrato de trabalho e comunicou essa denúncia respeitando o aviso prévio de 7 dias fixado para o efeito. A denúncia foi assim perfeitamente válida e não necessita de ser “justificada”. Simplesmente, embora válida, essa denúncia não a exime de compensar a Recorrida pelas despesas em que esta incorreu com a sua formação profissional. - A Recorrente optou, apesar da suposta falta de condições para efetuar cirurgias, por proceder à denúncia do contrato de trabalho, ao invés de o resolver com justa causa; não há aqui opções: ou a Recorrente tinha fundamento para resolver o seu contrato de trabalho com justa causa e cumpria as formalidades próprias de uma resolução, ou não tinha qualquer motivo, imputável à sua empregadora, para fazer cessar o contrato. As duas comunicações enviadas à Recorrida não deixam margem para dúvidas, em nenhuma delas invoca falta de condições para trabalhar ou efetuar cirurgias. - O que violaria as regras elementares de boa fé e constituiria clamoroso abuso de direito seria a Recorrente denunciar o seu contrato, sem mais, e não compensar a Recorrida das despesas de formação que teve, o que resultaria num locupletamento indevido à custa da Recorrida, que a lei não consente. A recorrida alega, ainda, não existir qualquer conflito entre essa cláusula 7.ª e a cláusula 10.ª, n.º 1, do contrato de trabalho celebrado e que a interpretação da Recorrente, não só não tem acolhimento na letra do contrato, como permitiria o absurdo dela enriquecer à sua custa, pelo simples facto de denunciar o contrato durante o período experimental – como fez, recebendo gratuitamente uma formação de natureza excecional e extraordinária e com um elevado custo para a Recorrida, no pressuposto da qual, aliás, foi celebrado o contrato-promessa de contrato de trabalho e estipulado no contrato de trabalho, por acordo, um pacto de permanência e uma cláusula penal. II.3.2.1 Passando à apreciação, antecipamos já a nossa concordância com a fundamentação do Tribunal a quo, o que vale por dizer que não reconhecemos fundamento à impugnação da recorrente. Passamos a justificar esta asserção. Não há qualquer dúvida que foi propósito das partes estipularem um período experimental. Mas não só, pois concomitantemente quiseram também estabelecer um pacto de permanência para a Ré, de dois anos após o início do contrato. Cláusula que o Tribunal a quo concluiu ser válida, quanto a tal não se insurgindo a recorrente; aliás, inclusive na contestação. Nesse quadro, como bem delimitou o Tribunal a quo, a questão fulcral consiste, pois, em “[..] interpretar e compatibilizar, de acordo com a vontade das partes firmada no contrato de trabalho, as cláusulas 7ª e 10ª desse contrato”. Mas antes de enveredarmos nessa apreciação impõe-se definir o ponto de partida, acompanhando-se o Tribunal a quo na afirmação clara “que é de uma denúncia no período experimental que temos de partir para a análise da situação dos autos”. As razões que levam necessariamente a esta conclusão são as enunciadas pelo Tribunal a quo ao iniciar a apreciação com vista à aplicação do direito, que igualmente merecem a nossa concordância. Refira-se, que a recorrente também não aduz qualquer argumento para pôr em causa a fundamentação nessa parte, antes dela fazendo tábua rasa e limitando-se a replicar aqui o que alegara na contestação. Em suma, é manifesto que a recorrente não resolveu o contrato de trabalho com invocação de justa causa, antes o denunciou invocando expressamente estar a fazê-lo no período experimental, o que significa que pretendeu acolher-se ao regime legal próprio dessa figura. Diga-se, em boa verdade, nem a recorrente teria argumentos para contrariar os efeitos incontornáveis que resultam da realidade que resultou provada nos pontos 35.º e 36.º, onde se lê: - 35º- No dia 2 de Março de 2020, a Ré dirigiu à Autora uma carta a comunicar a denúncia no período experimental do contrato de trabalho, com efeitos a partir do dia 15 de Março de 2020, aí constando que “comunica a denúncia, no período experimental, do contrato de trabalho celebrado (…) no passado dia 18 de Outubro de 2019 e com um períod experimental de 180 (cento e oitenta dias), com efeitos a partir do próximo dia 15 de Março de 2020.”.- carta junta como doc. n.º 14 com a p.i., [..]. 36º- No dia 5 de Março de 2020, a Ré dirigiu à Autora nova denúncia do contrato de trabalho, através de email enviado pela Ré a DD, onde refere o seguinte: “…de acordo com a conversa havida, uma vez que o período experimental termina a 15 de abril, faz nova denúncia do contrato, com novo termo, de forma a poder fazer as cirurgias confirmadas para Portugal no mês de março.” Em poucas palavras, é inequívoco que a Ré denunciou o contrato de trabalho estribando-se no período experimental acordado no contrato de trabalho, sem adiantar quaisquer razões para justificar a sua decisão. De resto, como também não lhe era exigível face ao estabelecido no art.º 114.º n.º1 do CT. Vale isto por dizer, que não pode merecer qualquer acolhimento a alegação aqui reiterada pela recorrente, dizendo que alertou a autora, por escrito, em novembro de 2019, para a necessidade de contratação de enfermeiros habilitados a acompanhar as cirurgias, não tendo logrado apresentar, atempadamente (ou seja, dentro do período experimental), solução para este problema, etc. Com efeito, essas alegações só teriam relevância para a apreciação da causa caso a recorrente tivesse resolvido o contrato de trabalho com invocação de justa causa, nos termos dos artigos 394.º e sgts, do CT. Ora, repete-se, não é esse o caso. Daí que o Tribunal a quo tenha começado por assinalar, e bem, que “ não tendo a Ré referido na comunicação que dirigiu à A. qualquer facto que pudesse integrar justa causa, apenas afirmando que procedia à denúncia do contrato no período experimental, não faz qualquer sentido que a Ré venha invocar na sua contestação que fez cessar o seu contrato com justa causa, quando não foi esse o motivo que invocou perante a A., sua entidade patronal, quando lhe comunicou a sua vontade de fazer cessar o seu contrato”. Entrando na questão fulcral, importa começar por assinalar que a Ré, na contestação, reportando-se à cláusula de permanência [cláusula 10.ª] e à sua articulação com a estipulação do período experimental de 180 dias na cláusula 7.ª, veio defender que [art.º 42.º] “Este período mínimo iniciar-se-ia, evidentemente, após o decurso do período experimental, caso contrário, as partes não o teriam estipulado, isto é, não existiria a Cláusula 7.a supra referida inscrita no contrato OU a mesma estaria redigida sem a parte final (sem “não havendo direito a qualquer indemnização ou compensação”!)”. Apreciando esse argumento, o Tribunal quo pronunciou-se nos termos acima transcritos, que para facilidade de compreensão aqui trazemos de novo, referindo o seguinte: -«A interpretação que, cremos, é a mais consentânea com a vontade das partes, expressa no texto do contrato é a que considera que, pelo referido pacto de permanência (de dois anos), a autora renunciou ao seu direito de denúncia, como forma típica de cessação desse contrato de trabalho, com a consequente obrigação de compensar o empregador pelas despesas em que este incorreu com a sua formação profissional, durante a vigência desse mesmo contrato, com início a 18.10.2019. Embora o período experimental vise que ambas as partes possam avaliar o seu interesse na manutenção do contrato de trabalho e que o dever que resulta da cláusula de permanência passa a impedir o trabalhador de se poder desvincular durante o período experimental, ou querendo fazê-lo terá como consequência o pagamento das despesas realizadas pelo empregador com a sua formação profissional, não vemos como isso possa ser um impedimento à celebração de um pacto de permanência que produza os seus efeitos no decurso do período experimental, pois o conteúdo essencial da liberdade de trabalho do trabalhador, que é o que se pretende salvaguardar, não fica coartado. Concluímos que é perfeitamente aceitável que um pacto de permanência produza os seus efeitos durante o período experimental, se for essa a vontade das partes. Efetivamente, resulta claramente logo da cláusula inserta no contrato-promessa a esse propósito, que a obrigação assumida pela Ré de exercer a atividade profissional para que a formação ministrada a havia qualificado, ficou sujeita à outorga do contrato de trabalho, que as partes ajustaram iria consagrar um pacto de permanência para compensar essas despesas de formação, a partir da qual operaria o pacto de permanência e começaria a contar o período de dois anos pelo qual vigoraria: o pacto de permanência é uma obrigação cuja vigência depende da celebração do contrato de trabalho prometido. As cláusulas contratuais foram ajustadas entre as partes, sendo que a Ré, até pelo seu grau de instrução, se vinculou de forma livre à obrigação de permanência, tanto no contrato promessa do contrato de trabalho como no contrato de trabalho, celebrados com a Autora, pelo que a sua denúncia do contrato decorridos cinco meses após o início do contrato de trabalho, fá-la incorrer na [na sentença este parágrafo não consta completado, o que terá resultado de provável lapso de escrita ou na edição do texto]. Outra interpretação, designadamente a propugnada pela Ré na sua contestação, constituiria manifestamente um abuso de direito. A Ré não nega que lhe foi ministrada formação pela A., que a habilitou a exercer intervenções cirúrgicas em microcirurgia capilar. E também não logrou demonstrar que essa formação não tivesse as características de qualidade e reconhecimento que a A. alegou ter, tanto assim que a incluiu prontamente no seu curriculum e assim se apresenta nas suas redes sociais, naturalmente por reconhecer valor à formação que lhe foi ministrada. Pelo que, denunciar o seu contrato, sem mais, sem demonstrar qualquer justa causa, sem compensar a A. das despesas de formação que teve, traduzir-se-ia num locupletamento indevido à custa da A., que a lei não consente. Com efeito, a A. fez um investimento na formação da Ré, que deu a esta uma habilitação profissional que não tinha, pelo que o empregador tem o legítimo direito de poder ver assegurado o retorno desse investimento (se assim não fosse, certamente que a A. não se teria disposto a ministrar à Ré tal formação), como a Ré também reconheceu ao vincular-se contratualmente nos moldes em que o fez, sendo que do teor literal das cláusulas contratuais não pode extrair-se a conclusão que o pacto de permanência só se iniciaria decorrido que estivesse o período experimental. Tal interpretação não encontra no texto dessas cláusulas qualquer apoio». Face a esta fundamentação da sentença, a ré já não vem defender no recurso que o período mínimo de permanência só teria início “após o decurso do período experimental” de seis meses que estipularam, aceitando o decidido quanto a essa posição. Contudo, para a pôr em causa, agora vem defender que uma e outra cláusula são compatíveis entre si, prevalecendo, no entanto, as regras das cláusulas relativas ao período experimental, ou por outras palavras, não cedendo estas regras em detrimento das previstas quanto ao pacto de permanência, nesse pressuposto pretendendo que seja declarada “a validade e conformidade da denúncia operada pela trabalhadora, durante o período experimental”, absolvendo-a da indemnização pela violação do pacto de permanência”. Contrapõe a recorrida, no essencial, que essa interpretação não só não tem acolhimento na letra do contrato, como permitiria o absurdo da recorrente enriquecer à sua custa, pelo simples facto de denunciar o contrato durante o período experimental, como fez, recebendo gratuitamente uma formação de natureza excecional e extraordinária e com um elevado custo para a Recorrida, no pressuposto da qual, aliás, foi celebrado o contrato-promessa de contrato de trabalho e estipulado no contrato de trabalho, por acordo, um pacto de permanência e uma cláusula penal. Repetindo-nos, não reconhecemos fundamento à recorrente. A nosso ver, a fundamentação da sentença na parte acima transcrita dá a resposta acertada e devidamente justificada pelas razões enunciadas, as quais merecem a nossa concordância. Em suma, como afirmou o Tribunal a quo “é perfeitamente aceitável que um pacto de permanência produza os seus efeitos durante o período experimental, se for essa a vontade das partes”. Mas importa que deixemos expressas as nossas razões, no sentido de evidenciar a falta de fundamento da recorrente. No Acórdão desta Relação de 18 de Outubro de 2021 [proc.º 326/20.7T8PNF.P1, disponível em www.dgsi.pt] relatado pelo também aqui relator, a propósito do período experimental, deixámos as notas seguintes: -«A noção de período experimental consta do art.º 111.º do CT/09, dispondo o n.º1, que “(..) corresponde ao tempo inicial de execução do contrato de trabalho, durante o qual as partes apreciam o interesse na sua manutenção”. Dispõe logo de seguida o n.º2, mesmo artigo que “no decurso do período experimental, as partes devem agir de modo que possam apreciar o interesse na manutenção do contrato de trabalho”, colocando a ênfase na realização dos objectivos que estão subjacentes àquela fase do contrato. O período experimental corresponde à primeira fase das relações entre o trabalhador e a entidade empregadora, e “tem como razão de ser a necessidade de dar a conhecer vividamente às partes, através do funcionamento das relações contratuais, as aptidões do trabalhador e as condições de experiência – isto é, se as partes não se satisfizerem com a execução do contrato durante essa fase preliminar – permite-se uma desvinculação praticamente sem restrições” [Bernardo da Gama Lobo Xavier, Iniciação ao Direito do Trabalho, 2.ª edição, verbo, Lisboa, 1999, p. 249/250]. Em sentido convergente, mas com maior detalhe, observa António Monteiro Fernandes [Direito do Trabalho, 14ª Edição, Almedina, Coimbra, p. 339] o seguinte: “O carácter duradouro da relação de trabalho põe em movimento relevantes interesses das partes. Do ponto de vista do empregador, interessa que a situação resultante do contrato só se estabilize se, na verdade, o trabalhador contratado mostrar que possui as aptidões laborais procuradas; do ângulo do trabalhador, pode ser que as condições concretas do trabalho, na organização em que se incorporou, tornem tolerável a permanência indefinida do vínculo assumido. Quanto a ambas as partes, só o desenvolvimento factual da relação de trabalho pode esclarecer com alguma nitidez, a compatibilidade do contrato com os respectivos interesses, conveniências ou necessidades.” Durante o período experimental, salvo acordo escrito em contrário, qualquer das partes pode denunciar o contrato sem aviso prévio e invocação de justa causa, nem direito a indemnização (art.º 114.º/1, CT/09). Apenas se impõe que haja um aviso prévio de sete dias ou de 15 dias, consoante o contrato tenha durado, respectivamente, mais de 60 ou 120 dias (n.ºs 3 e 4, do mesmo artigo). No que concerne ao tempo de duração do período experimental rege o art.º 112.º, estabelecendo períodos com duração diferente, atendendo à natureza do vínculo – por tempo indeterminado ou a termo certo -, à complexidade das funções – técnica, elevado grau de responsabilidade, que pressuponham especial qualificação - ou de confiança – cargos de direcção ou superior. Em entendimento que subscrevemos, observa Monteiro Fernandes que a necessidade de período experimental existe sobretudo nos contratos de duração indeterminada, justificando essa posição nos termos seguintes: -“Se há prazo estipulado, é de presumir que a fora de trabalho se destine a um objectivo concreto e delimitado, em relação ao qual é mais fácil estabelecer previamente a adequação entre o homem e a função; por outro lado, a própria circunstância ter vida limitada, quer dizer, durabilidade restrita, torna menos graves os eventuais desajustamentos que se venham a manifestar” [Op. cit., p. 339/340]. Como regra para generalidade dos trabalhadores, no contrato de trabalho por tempo indeterminado, o período experimental tem a duração de 90 dias [112.º/1/al a)]». Em acréscimo, é de assinalar ainda o seguinte: - nos termos do n.º3, do art.º 111.º do CT, “O período experimental pode ser excluído por acordo escrito entre as partes”. - e, nos termos do n.º 5, do mesmo art.º 112.º do CT, a duração do período experimental pode ser reduzida por acordo escrito entre partes. Face a este quadro legal, retira-se que Autora e Ré, pese embora tenham mantido entre si um contrato de prestação de serviços celebrado em 16 de Agosto de 2014, que vigorou até Julho de 2019, mediante o qual esta obrigou-se prestar àquela, na qualidade de médica, a serviços de direção técnica e supervisão médica dos tratamentos capilares efetuados aos clientes do centro A..., sito no Porto [factos 4 e 5], quiseram sujeitar o contrato de trabalho agora em causa a período experimental, por isso o tendo deixado expresso no respectivo texto, fixando o prazo de 180 dias, consentâneo com a natureza da actividade contratada, na medida em que envolve complexidade técnica, elevado grau de responsabilidade e especial qualificação inerentes às funções contratadas, nomeadamente, além dos serviços que já vinha prestando, passando a realizar, “intervenções cirúrgicas de microcirurgia capilar (micro enxertos) aos clientes da Autora, bem como o acompanhamento das mesmas, mediante o seguimento em consultas pré e pós operatórias [facto 5]. Como observa Monteiro Fernandes, “a cessação do contrato, por acto unilateral de qualquer das partes, é rodeada de condicionamentos, restrições e cautelas, que se fundam na gravidade de que possa revestir-se dado o carácter duradouro da realação de trabalho, face às expectactivas dos sujeitos [..]. Ora, estas limitações à liberdade de desvinculação não valem no período experimental”. [..] “Todo este esquema legal é, porém, susceptível de ser afastado por acordo das partes; trata-se, pois, de um tema em que a lei atende, através de normas supletivas, aos interesses privados em jogo” [op. cit. 341/342]. Ora, se houve o propósito claro e objectivo das partes fixarem um período experimental de seis meses, tal significa que quiseram salvaguardar a possibilidade de poder denunciar o contrato sem aviso prévio e invocação de justa causa, nem direito a indemnização, conforme o estabelecido no n.º1, do art.º 114.º do CT, ou seja, parafraseando o citado autor, sem “limitações à liberdade de desvinculação”. Por outro lado, como provado, concomitantemente, “Tal como previsto na Cláusula 3.ª do contrato-promessa, o contrato de trabalho foi celebrado com pacto de permanência, nos termos do artigo 137.º do Código do Trabalho, como resulta da cláusula 10ª, nº1, tendo a Ré assumido o compromisso de não o fazer cessar unilateralmente durante o período mínimo de 2 anos, como compensação pelas despesas extraordinárias suportadas pela Autora com a sua formação profissional, suportados pela Autora” [facto 31], constando ainda estipulado no n.º2, da mesma cláusula do contrato de trabalho que “[..] em caso de incumprimento do pacto de permanência, a Ré incorre no dever de indemnizar a Autora pelos encargos e despesas resultantes da formação ministrada, tendo sido fixado o montante total de indemnização de € 18.500 (dezoito mil e quinhentos euros)” [factos 30.º e 31.º]. Recorrendo mais uma vez à lição de Monteiro Fernandes, o pacto de permanência destina-se a garantir que o contrato de trabalho dure o suficiente para que certas despesas importantes do empregador fiquem compensadas. Trata-se de um instrumento de proteção do interesse do empregador: “[A] garantia de duração da relação de trabalho joga aqui, não em prol da estabilidade de emprego, mas a favor de uma pretensão razoável do empregador, que é a de tirar proveito suficiente do investimento que fez em formação” [op. cit. p. 655]. Pois bem, concordamos com a recorrente quando defende que as cláusulas são compatíveis entre si, mas já não com o efeito que pretende defender estribando-se no direito de resolver o contrato de trabalho no período experimental. Sempre com o maior respeito, o que defende é incoerente e contraditório, pois traduzir-se-ia exctamente em inutilizar essa compatibilidade. Em termos lógicos, equivaleria à tese que veio defender na contestação, recorde-se, que o período de permanência a que se vinculou através da cláusula 10ª do contrato de trabalho só se iniciaria após o decurso do período experimental. As cláusulas são compatíveis por não contradizerem os fins nela visados, na medida em que estes são distintos e conciliáveis. Pela fixação do período experimental as partes quiseram salvaguardar a possibilidade de durante os seis meses fixados, não estarem sujeitas a “limitações à liberdade de desvinculação”. Através da cláusula de permanência e da previsão de uma indemnização a ser devida pela Ré em caso de incumprimento daquele, visou-se assegurar o legítimo interesse da autora pelas despesas suportadas com a formação que lhe proporcionou, na expectativa do retorno através da prestação da actividade contratado, pelo menos, durante o período de dois anos. Em termos práticos, tal significa que a A. ou a R. podiam, como o fez esta última, denunciar o contrato sem aviso prévio e invocação de justa causa, nem direito a indemnização, entendendo-se por esta a prevista para o trabalhador em caso de despedimento ilícito [art.º 389.º/1, do CT], ou a devida pelo trabalhador ao empregador em caso de denúncia sem aviso prévio, “sem prejuízo de danos causados pela inobservância do prazo de aviso prévio ou de obrigação assumida em pacto de permanência” [art.º 401.º do CT]. Mas paralelamente, se assim tivesse procedido a Autora, esta perderia o investimento que fez com a formação que proporcionou à Ré, tendo em vista que esta ficasse qualificada para exercer a actividade contratada, não podendo exigir-lhe qualquer indemnização ou compensação pelas despesas realizadas para esse efeito; fazendo-o esta, como é o caso, sujeita-se ao acordado relativamente à obrigação de permanência e dever de indemnização pelo incumprimento. Como bem refere a recorrida, a posição defendida pela recorrente não só não tem acolhimento na letra do contrato, como permitiria o absurdo desta enriquecer à sua custa, pelo simples facto de denunciar o contrato durante o período experimental. Por conseguinte, conclui-se pela improcedência desta parte do recurso. II.4 RECURSO PRINCIPAL e RECURSO SUBORDINADO (parte) Numa segunda linha de argumentação, vem a recorrente Ré por em causa o valor fixado para a cláusula penal, “quer no contrato de trabalho, quer a final pelo Tribunal recorrido”, alegando que “mostra-se totalmente desproporcional, se equiparado aos custos suportados pela Recorrida com a formação prestada àquela, além de injusto e extremamente penoso”, para defender que “não poderá manter-se a Decisão recorrida, nesta parte, uma vez que a Autora não concretizou, como lhe competia, o custo efetivo da formação, nem quais os critérios utilizados para fixar a quantia de 18.500,00€ a título de indemnização pela violação do pacto de permanência, devendo, em consequência, ser reduzido, substancialmente, o valor da cláusula penal, [..]. [conclusões CC a ll]. Por seu turno, no recurso subordinado a autora, vem arguir a nulidade da sentença por excesso de pronúncia, na parte em que reduziu a cláusula penal [conclusões 11 a 13]. Defende, ainda, mesmo que assim não se entenda, que a redução é “inadmissível e injusta, atenta a prova produzida e as circunstâncias do caso”, pelo que “a sentença recorrida violou juízos de equidade quando operou a redução equitativa da cláusula penal” [conclusões 22 a 31]. Neste quadro, por uma questão de precedência lógica, impõe-se começar por apreciar as arguidas nulidades da sentença, para depois, caso não procedam, nos debruçarmos sobre a discordância de ambas as recorrentes quanto ao valor fixado pelo Tribunal a quo, ao julgar parcialmente procedente a presente ação, condenando “a Ré a pagar à A. a quantia de €14.000 (catorze mil euros), a título de indemnização, pela violação do pacto de permanência contratualmente acordado, acrescida de juros de mora, contados desde a data da citação e até integral e efetivo pagamento, à taxa legal de 4%.”. Na sequência dos extractos já transcritos, a fundamentação da sentença recorrida prossegue ocupando-se da questão agora em causa, pronunciando-se nos termos seguintes: -«Cabe aqui salientar, de novo, que a Ré ao assinar o acordo em causa não podia deixar de saber o que estava a assinar, nomeadamente o valor da cláusula penal ajustado, que estava escrito em letras bem visíveis e inserida em textos de fácil compreensão, sobretudo se atentarmos no facto de a Ré ser médica, já trabalhando na área da supervisão médica dos tratamentos capilares, pelo que não desconhecia o valor e utilidade da formação que lhe estava a ser ministrada, numa área, a dos transplantes capilares, em franca expensão. A fixação prévia por acordo das partes, do montante indemnizatório devido em caso de incumprimento contratual é o que a lei denomina de cláusula penal - art. 810.º nº 1 Cód. Civil. Tem-se tornado uma prática comum a utilização do regime civil da cláusula penal, previsto no artigo 810.º e ss do CC, para a fixação da indemnização a pagar pelo trabalhador ao empregador em caso de denúncia do contrato de trabalho na pendência de um pacto de permanência e, embora não desconheçamos posições importantes da doutrina, designadamente do Professor António Pinto Monteiro, que consideram que a lei veda, ainda que de forma implícita, por motivos de ordem pública e de protecção social, o emprego de cláusulas penais em determinados domínios, nomeadamente em matéria do contrato de trabalho, “dado o princípio do favorecimento do trabalhador, quando elas prejudiquem as soluções que a lei consagra em favor deste e que exprimem a tutela social que a ordem jurídica confere a tais sujeitos.”, entendemos que não existe obstáculo legal que impeça a aplicação de tal instituto em matéria de contrato de trabalho. O estabelecimento da cláusula penal destina-se, principalmente, a evitar dúvidas futuras quanto à determinação da indemnização, funcionando a pena convencionada, na falta de estipulação em contrário, como limite máximo do ressarcimento do dano adveniente do incumprimento da correlativa obrigação - arts. 810.º, nº 1, e 811.º do Cód. Civil -, não podendo, no entanto, porque a tal se opõem fortes razões de ordem moral e social, ser entendida como sanção irredutível (pena fixa), ainda que a vontade das partes se dirija nesse sentido, quando o onerado não observar o comportamento a que estava obrigado (Pires de Lima e Antunes Varela, “Código Civil Anotado”, Vol. II, Coimbra Editora, 1968, pág. 60). Também nesse sentido se pronunciou o Ac. do STJ de 24/02/2010 (www.dgsi.pt), onde não se entendeu que tal tipo de cláusula contratual seja nula, defendendo-se que a mesma integra uma clausula penal que “… se destina, principalmente, a evitar dúvidas futuras quanto á determinação da indemnização, funcionando a pena convencionada, (…) como limite máximo do ressarcimento do dano (…), não podendo, no entanto, porque a tal se opõem fortes razões de ordem moral e social, ser entendida como sanção irredutível (pena fixa), ainda que a vontade das partes se dirija nesse sentido, …”. No caso dos autos, não estamos perante a desoneração da Ré do dever de permanência, já que isso pressupunha que ela própria se propusesse restituir à Autora as importâncias despendidas pela mesma com a formação que lhe facultara, o que não sucedeu. Destarte, ao denunciar o contrato antes de esgotado o período de permanência a que se obrigara, sem se propor restituir as importâncias despendidas pela Autora com a formação profissional que lhe ministrou, a Ré incumpriu o seu contrato de trabalho. O valor da indemnização foi previamente definido através da fixação de cláusula penal, não se nos afigurando desproporcionado nem desadequado, à partida, o valor de €18.500 que as partes acordaram, face à especificidade da formação em causa e custo da mesma que as partes definiriam, a que acrescem as despesas de deslocação e estadia assumidas pela A. Mas não podemos deixar de averiguar da razoabilidade do montante fixado em cláusula penal, em concreto, em ordem a apurar se ele é, ou não, excessivo, e de acordo com a equidade, quando a indemnização pré-estabelecida for manifestamente excessiva, ainda que por causa superveniente e no caso de a obrigação ter sido parcialmente cumprida - art. 812.º do Cód Civil, como é o caso dos autos. Daí que, embora À partida fossemos levados a considerar que não se justificava o recurso à redução equitativa do valor da cláusula penal, que deve ser excecional, de forma a não pôr em causa o princípio da autonomia privada e desprover de sentido a finalidade da cláusula penal, afigura-se-nos que, no caso concreto, a mesma deve ter em conta o tempo do contrato de trabalho decorrido, por aplicação disposto no artigo do 812.º, n.º 2 do Código Civil. Como refere a este propósito Monteiro Fernandes, in “Direito do Trabalho”, 13.ª Ed., Almedina, Coimbra, 2006, pág. 621), o valor a restituir pelas despesas de formação, não pode deixar de medir-se pela proporção do tempo em falta relativamente à duração do contrato que foi garantida pelo pacto, pois que o sentido do próprio pacto é o de uma garantia da amortização ou de retorno para um investimento particularmente significativo em formação. No caso, temos de atender à circunstância de a Ré ter cumprido parcialmente a obrigação de permanência. De facto, a Ré cumpriu 5 meses e 12 dias de contrato, pelo que a indemnização deverá ter em conta tal facto, pois só relativamente ao período de tempo em falta se poderá falar de frustração das legítimas expectativas do empregador, por aplicação do disposto no artigo do 812.º, n.º 2 do C.C., pelo que se impõe a subtração desse montante proporcional ao tempo decorrido. Atento o tempo de duração efetiva do contrato, justifica-se que se proceda à redução prevista no nº 2 do art. 812.º do Cód. Civil. Atendendo a isso, afigura-se-nos justa e equilibrada a redução da cláusula penal a € 14.000. Pelo que, neste particular, a ação procede parcialmente. [..]». II.4.1 Da arguida nulidades da sentença Sustenta a recorrente autora que o Tribunal a quo atuou de modo a cometer uma nulidade por excesso de pronúncia, sendo a sentença nula nos termos do artigo 615.º, n.º 1, d), do C.P.C., uma vez que reduziu o valor da cláusula penal estipulada pelas partes para o incumprimento do pacto de permanência, condenado a Ré ao pagamento de uma indemnização de € 14.000,00 e não de € 18.500,00, como convencionado, sem que aquela tenha formulado pedido de redução da cláusula penal estipulada contratualmente, ou essa possibilidade de redução resulte do contrato de trabalho celebrado, quando a redução equitativa da cláusula penal operada nos termos do n.º 2 do artigo 812.º do CC não é de conhecimento oficioso. Recorrendo às alegações, defende a recorrente autora que a jurisprudência - citando alguns arestos dos tribunais superiores - tem sido unânime em entender que a redução de cláusula penal ao abrigo do disposto no artigo 812º do CC não pode operar por intervenção oficiosa do juiz, antes depende de adequado pedido do devedor, o qual tem o ónus de alegar e demonstrar os factos integradores da excepção em causa”, pelo que tendo a sentença conhecido de questão que nenhuma das partes submeteu à apreciação do tribunal a quo, verifica-se a nulidade prevista no artigo 615.º, n.º 1, d), do C.P.C. Passemos à apreciação. As nulidades da sentença só ocorrerão, como causa invalidante típica, nas diversas hipóteses taxativamente contempladas no n.º 1 do art.º 615º do CPC. Importa assinalar que as causas de nulidade constantes do elenco do n.º1, do art.º 615.º, não incluem o “chamado erro de julgamento, a injustiça da decisão, a não conformidade dela com o direito substantivo aplicável, o erro na construção do silogismo judiciário” [Antunes Varela, J. Miguel Bezerra e Sampaio e Nora, Manual de Processo Civil, 2.ª Edição Revista e Actualizada, Coimbra Editora, Almedina, 1985, pp. 686]. No caso, no entender da recorrente ocorrerá a situação prevista na al. d) do n.º1, daquele artigo, estabelecendo que a sentença é nula quando “O juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que deva apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento”. Esta causa de nulidade da sentença surge como consequência do princípio estabelecido no n.º2, do art.º 608.º do CPC, ao dispor que “O juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras; não pode ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras”. Por «questões» entende-se «os pedidos deduzidos, toda as causas de pedir e excepções invocadas e todas as excepções de que oficiosamente lhe cumpre [ao juiz] conhecer (…)» [Lebre de Freitas, Montalvão Machado, e Rui Pinto, Código de Processo Civil Anotado, Coimbra Editora, vol. II, 2ª edição, pg. 704]. Por outras palavras, as questões a que se reporta a alínea d) do nº 1 do artigo 615.º do CPC, vistas na perspectiva do direito substantivo, são os pontos de facto e ou de direito relevantes no quadro do litígio, ou seja, os concernentes ao pedido, à causa de pedir e às excepções. O incumprimento desta limitação conduz à nulidade da sentença, dizendo-se que esta é por omissão de pronúncia se o juiz não resolver questões que lhe competia conhecer; ou, por excesso de pronúncia, quando o juiz vá para além do que lhe era permitido conhecer. Trata-se do princípio do pedido ou princípio da iniciativa da parte, significando tal, nas palavras do Prof. Anselmo de Castro, que “(..) a invocação da tutela jurisdicional em matéria cível representa o conteúdo de um direito estritamente individual, cabendo ao respectivo titular a livre determinação do seu exercício em defesa dos seus próprios interesses. Por outro lado, condicionada a actividade jurisdicional pelo pedido, nunca o juiz poderá estender a sua actividade decisória para além dele (..)” [Direito Processual Civil Declaratório, Vol.III, Almedina; Coimbra, 1982, pp. 153]. Vejamos, então, se assiste fundamento à recorrente para alicerçar a arguida nulidade do acórdão por excesso de pronúncia. A recorrente pediu a condenação da Ré “no pagamento da quantia de € 39.840,00 (trinta e nove mil, oitocentos e quarenta euros), correspondente à indemnização fixada no n.º2 da cláusula 10.ª do contrato de trabalho celebrado em 18 de Outubro de 2019 com a Autora, à devolução das compensações mensais recebidas na vigência do mesmo, em virtude do pacto de não concorrência pós-contratual convencionado e à cláusula penal fixada no n.º 4 da cláusula 12.ª do mesmo contrato”. Foi no âmbito da apreciação desse pedido, na parte respeitante à cláusula penal fixada na cláusula 10.º 2, para o caso de violação do pacto de permanência, que o Tribunal a quo, na aplicação do direito ao caso, entendeu não poder “deixar de averiguar da razoabilidade do montante fixado em cláusula penal, em concreto, em ordem a apurar se ele é, ou não, excessivo, e de acordo com a equidade, quando a indemnização pré-estabelecida for manifestamente excessiva, ainda que por causa superveniente e no caso de a obrigação ter sido parcialmente cumprida - art. 812.º do Cód Civil, como é o caso dos autos”. Entende-se, assim, que não se verifica a arguida nulidade da sentença, improcedendo a sua arguição. II.4.2 Poderá é existir erro de julgamento, questão que passamos a apreciar, atendendo aos fundamentos invocados pela recorrente, na consideração de não estar este Tribunal vinculado à qualificação jurídica feita e meio processual que invocou para a suscitar. Não tem razão a recorrente quando afirma que a jurisprudência dos tribunais superiores “é unânime em entender que a redução de cláusula penal ao abrigo do disposto no artigo 812º do CC não pode operar por intervenção oficiosa do juiz”. Mais rigorosamente, como refere o Acórdão da Relação de Lisboa de 27-01-2022 [proc.º 2017/19.2T8PDL.L2-2, Desembargador Carlos Castelo Branco, disponível em www.dgsi.pt] - um dos arestos invocados pela recorrente para sustentar aquela afirmação - «tem sido controversa a questão de saber se a redução equitativa da cláusula penal pode ser conhecida oficiosamente pelo Tribunal». Elucidando sobre essa controvérsia, consta da fundamentação do aludido aresto o seguinte: -«… (neste sentido [de poder ser conhecida oficiosamente], Ana Prata; Cláusulas de Exclusão e Limitação de Responsabilidade Contratual – Regime Geral; Almedina, Coimbra, 1985, p. 642, nota 1157 e Nuno Pinto de Oliveira; “Cláusulas penais em contratos por adesão. Interpretação restritiva da al. c) do art. 19.º da Lei das Cláusulas Contratuais Gerais”, in Cláusulas acessórias ao contrato – Cláusulas de exclusão ou de limitação do dever de indemnizar e cláusulas penais; 3. ª ed., Almedina, 2008, pp. 131-171, com justificação na mencionada natureza de ordem pública da norma e dos interesses que lhe estão subjacentes, em razões históricas - por o projeto de Vaz Serra admitir tal redução oficiosa- e, ainda, por identidade com o conhecimento oficioso do instituto paralelo do abuso de direito) - ou se, ao invés, o conhecimento dessa questão dependerá de pedido expresso do devedor, deduzido por via de ação ou de exceção (assim, Pinto Monteiro; Cláusula Penal e Indemnização; Almedina, Coimbra, 1990, pp. 735-737; Galvão Telles; Direito das Obrigações; 7.ª ed., Coimbra, 2011, pp. 436-441; Pires de Lima e Antunes Varela; Código Civil Anotado, vol. II, 4.ª ed., Coimbra Editora, 1997, p. 81; Almeida Costa; Direito das Obrigações, 12.ª ed., Almedina, 2009, p. 801; Calvão da Silva; Cumprimento e Sanção Pecuniária Compulsória; 4.ª ed., Almedina, 2002, pp. 275-276; Menezes Cordeiro; Tratado de Direito Civil, II, 4.ª ed., Almedina, 2014, p. 670; Menezes Leitão; Direito das Obrigações; Vol. I, 15.ª ed., Almedina, 2018, p. 296; e J. Carlos Brandão Proença; Lições de Cumprimento e não Cumprimento das Obrigações; 2.ª ed., UCE, Porto, 2017, p. 499 e, na jurisprudência, entre outros, os Acórdãos: do STJ, de 17-02-1998, in CJ, t. I, p. 72; de 30-09-2003, Pº 03A1738, rel. ALVES VELHO; de 25-03-2009, Pº 09A0440, rel. URBANO DIAS; da Relação do Porto de 23-11-1993, in CJ, t. 5, p. 225; de 26-01-2000, in CJ, t. I, p. 205; de 05-05-2016, Pº 315/14.0T8LOU-A.P1, rel. FERNADO BAPTISTA; e de 23-01-2020, Pº 23736/17.2YIPRT.P1, rel. JUDITE PIRES; e da Relação de Lisboa de 11-12-2018, Pº 9018/16.0T8LSB.L1-1, rel. ANA PESSOA, no que são aportados argumentos relacionados com a natureza disponível do direito em questão e por se configurar o artigo 812.º do CC, como uma norma de proteção do devedor, em relação com a circunstância de o devedor preferir cumprir ao que se obrigou, não obstante o excesso e, ainda, invocando o regime dos negócios usurários - que depende da necessidade de pedido do lesado - e da alteração das circunstâncias). Na jurisprudência, rejeitando o conhecimento oficioso pelo Tribunal, mas prescindido de um pedido expresso, concluiu-se no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 17-04-2008 (Pº 08A630, rel. ALVES VELHO) que: “O uso da faculdade de redução equitativa da cláusula penal, concedido pelo art. 812.º-1 C. Civil, não é oficioso, mas dependente de pedido do devedor da indemnização. Não será necessária a formulação de um pedido formal ou expresso de redução da indemnização fixada, mas têm que ser alegados os factos donde se possa concluir pelo carácter manifestamente excessivo da cláusula, nomeadamente à luz do caso concreto, balizadores do julgamento por equidade que a lei reclama para a redução, ou seja, os factos que forneçam ao julgador elementos para determinação dos limites do abuso, do que a liberdade contratual não suporta”. Seguindo esta jurisprudência – que também perfilhamos - defendeu-se no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 12-09-2019 (Pº 9018/16.0T8LSB.L1.S2, rel. CATARINA SERRA) que: “Para resolver o caso dos autos entende-se, porém, que não será necessário tomar posição na contenda. Como é consensualmente admitido, isto é, pelos adeptos de uma e de outra correntes, pode e deve ponderar-se o comportamento do devedor e extrair dele sinais quanto à vontade ou não de redução. Ora, a repetida alegação da recorrente de que a cláusula é “manifestamente excessiva” encerra, implicitamente, uma contestação do montante convencionado a título de pena e um pedido de redução desta – é um pedido implícito de redução, equiparável ao pedido explícito, expressamente formulado por via de acção ou de reconvenção e enquadrável no artigo 812.º, n.º 1, do CC” (na mesma linha, o Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 12-09-2017, Pº 47/15.2T8FCR-A.C1, rel. MARIA DOMINGAS SIMÕES). E, ainda, porventura, com maior concretização referiu-se no Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 08-03-2021 (Pº 680/14.0T8STS.P1, rel. JORGE SEABRA) que, “[a] possibilidade excepcional de intervenção do juiz ao nível da redução equitativa da cláusula penal, nos termos do artigo 812º,n.º 1, do Cód. Civil, pressupõe, em primeiro lugar, que essa pretensão se mostre formulada pela parte interessada (não sendo, pois, matéria de conhecimento oficioso do Tribunal) e, em segundo lugar, que a parte interessada demonstre que o quantitativo indemnizatório nela previamente liquidado é ostensivamente superior ao valor dos danos que a parte contrária sofreu como consequência do incumprimento do contrato”. Por conseguinte, acompanhando-se agora o Acórdão desta Relação de 08-03-2021 [Proc.º 680/14.0T8STS.P1, Desembargador Jorge Seabra, disponível em www.dgsi.pt] - referido no aresto acima citado -, será mais correcto dizer-se que “a doutrina e a jurisprudência dominantes têm também defendido que o uso da redução equitativa da cláusula penal, concedida pelo citado art.º 812.º, não é oficioso, antes depende sempre de oportuno pedido do devedor da indemnização. [23]”. Acrescenta esse aresto na nota de rodapé para onde remete “[..]neste sentido, por todos, na jurisprudência os arestos antes citados e, na doutrina, J. CALVÃO da SILVA, op. cit., pág. 275, nota 502, P. LIMA, A. VARELA, “Código Civil Anotado”, II volume, cit., pág. 81, A. PINTO MONTEIRO, op. cit., pág. 734, ainda que, note-se, não seja exigível uma impugnação expressa da cláusula penal, bastando que o devedor manifeste, ainda que de forma implícita, o seu desacordo perante o valor que se lhe mostra exigido pelo credor”. Neste mesmo sentido, como referido igualmente no primeiro aresto citado, pronunciou-se também o Acórdão da Relação de Coimbra de 12-09-2017 [Proc.º 47/15.2T8FCR-A.C1, Maria Domingas Simões, disponível em www.dgsi.pt], lendo-se na respectiva fundamentação o seguinte: -«Tendo a referida norma a natureza de ordem pública, parece que a solução que melhor acolhia tal natureza seria a da regra da oficiosidade[9]. No entanto, não é esta a posição prevalecente. Com efeito, ser uma norma de ordem pública significa que não pode ser afastada pelo acordo das partes, daqui não decorrendo necessariamente a legitimação da intervenção oficiosa do tribunal; depois, e essencialmente, tratando-se de uma norma de tutela do devedor, não deve prescindir da sua invocação por aquele a quem aproveita[10]. Sendo este o entendimento que se perfilha e tem por correcto, e mesmo admitindo que a invocação possa ser feita de forma implícita, mediante manifestada discordância com o montante da pena por banda do contraente onerado, a verdade é que no caso em apreço os embargantes, tendo centrado a sua defesa na invocação da inexistência de prejuízos a indemnizar, tendo ainda alegado que a indemnização pedida “excede o valor do prejuízo resultante da obrigação principal”, em ordem a desencadear a aplicação do n.º 3 do art.º 811.º, pelo que a este Tribunal está vedado apreciar eventual redução equitativa ao abrigo do art.º 812.º, sendo portanto de manter o montante fixado”. Acolhemo-nos à doutrina e jurisprudência dominante, ou seja, que o uso da redução equitativa da cláusula penal, nos termos do art.º 812.º, não é oficioso, antes dependendo do pedido do devedor, mas admitindo-se que possa ser entendido como deduzido de forma implícita face à posição processual assumida, ou seja, desde que resulte claro o seu desacordo com o valor que lhe é exigido com base na cláusula penal e o propósito de o ver reduzido. Revertendo ao caso, cabe começar por referir que a sentença nada diz sobre esta controvérsia quanto à possibilidade, ou não, da redução equitativa da cláusula penal, prevista no art.º 812.º do CC, ser exercida oficiosamente pelo Tribunal a quo. Por outro lado, tão pouco refere se foi entendido que a Ré, ainda que implicitamente, pugnou por tal, mas também não havia razões para o dizer. Na verdade, adianta-se já, tal pretensão, ainda que implícita, não decorre minimamente da contestação da Ré. Com efeito, no que concerne ao pedido da autora fundado na violação do prazo de permanência e na cláusula penal acordada na cláusula 10.º 2, para essa eventualidade, percorrendo a contestação da Ré constata-se que esta defendeu-se exclusivamente com base em duas linhas de argumentação: i) invocando que a sua desvinculação [art.º 47.º] “[..] deveu-se à ausência da Autora em contratar enfermeiros capazes, que cumprisse a legislação nacional, facto que a impedia de laborar com a Autora, nos termos contratados”. [art.º 48.º] “Tal denúncia jamais teria ocorrido caso a Autora tivesse, desde a primeira operação, assegurado à Ré que as operações seriam realizadas de acordo com a lei”, como conclui nestes artigos, sintetizando a posição que mais detalhadamente alegou nos artigos que se passam também a transcrever: [27] Ora, toda esta situação resultou – e agudizou-se – devido ao facto da Autora não procurar formar os profissionais necessários, de modo a cumprir a lei portuguesa, parecendo olvidar a necessidade de segurança dos pacientes submetidos aos implantes. [28] A aqui Ré, vendo que toda esta situação se arrastava e prolongava no tempo, não arranjando a Autora soluções para este problema, o que acarretava como consequência que a Ré recebesse um salário mensal medíocre face à ausência de operações a realizar, optou por denunciar o contrato, dentro do período experimental, sem cominação. [29] Sublinhe-se bem que esta denúncia foi motivada pela alteração das circunstâncias subjacentes à vontade de contratar, circunstâncias essas que poderiam ser arredadas pela Autora, mas só não o foram por esta não pretender formar/contratar profissionais. ii) Defendo – sob o título “I – DA VALIDADE DA DENÚNCIA E DA AUSÊNCIA DA OBRIGAÇÃO DE INDEMNIZAR”, que o período de permanência se iniciaria após o decurso do período experimental, designadamente, nos artigos seguintes: 42. Este período mínimo iniciar-se-ia, evidentemente, após o decurso do período experimental, caso contrário, as partes não o teriam estipulado, isto é, não existiria a Cláusula 7.ª supra referida inscrita no contrato OU a mesma estaria redigida sem a parte final (sem “não havendo direito a qualquer indemnização ou compensação”!). 43. Ademais, tal contrato foi assinado pela Ré, com o pressuposto expresso de se poder desvincular, caso assim o entendesse, nos primeiros 6 meses, sem cominação ou lugar ao pagamento de indemnização, designadamente devido a existência de circunstância anómala contrária à sua atuação – o que efetivamente veio a suceder in casu. Mais se refira, que o articulado é concluído com segue: -«A. JULGAR A PRESENTE AÇÃO TOTALMENTE IMPROCEDENTE, DETERMINANDO A ABSOLVIÇÃO DA RÉ DOS PEDIDOS FORMULADOS PELA AUTORA; B. CONDENAR A AUTORA NO PAGAMENTO À AQUI RÉ DAS QUANTIAS EM DIVIDA, SUPRA INDICADAS A TÍTULO DE RECONVENÇÃO, DEVIDAS POR FORÇA DO CONTRATO DE TRABALHO DE TRABALHO CELEBRADO ENTRE AS PARTES». Por conseguinte, é forçoso concluir que a Ré não formulou pedido - apelando ao art.º 812.º do CC-, para visar a redução da cláusula penal que acordou na celebração do contrato de trabalho para o caso de não respeitar o prazo de permanência acordado, nem tão pouco pode extrair-se da sua defesa que esteja implícita essa pretensão. Assim sendo, tendo presente o entendimento que afirmámos acolher, resta concluir assistir razão à recorrente autora, em consequência devendo ser revogada a sentença na parte aqui em causa, ou seja, ao ter reduzido oficiosamente para € 14.000,00, o valor da indemnização devida devido por aplicação da cláusula penal estipulada pelas partes na cláusula 10ª, n.º 2, do contrato de trabalho, para o caso de incumprimento do pacto de permanência, ali fixado em € 18.500 (dezoito mil e quinhentos euros). II.4.3 Significa isto, também, por decorrência lógica, logo, sem necessidade de mais considerações, que a segunda linha de argumentação da recorrente autora, acima enunciada, soçobra necessariamente. Em todo o caso, para que não restem dúvidas à recorrente Ré, vistas as coisas noutra perspectiva, sempre se dirá que ao defender que “não poderá manter-se a Decisão recorrida, nesta parte, uma vez que a Autora não concretizou, como lhe competia, o custo efetivo da formação, nem quais os critérios utilizados para fixar a quantia de 18.500,00€ a título de indemnização pela violação do pacto de permanência, devendo, em consequência, ser reduzido, substancialmente, o valor da cláusula penal, [..]. [conclusões CC a ll], veio procurar submeter à apreciação deste Tribunal de recurso uma questão nova, dado não a ter suscitado na contestação, o que vale por dizer que nem a parte contrária foi confrontada com ela nem o Tribunal a quo foi convocado a apreciá-la. Daí que a Ré tenha oposto nas contra-alegações, com razão, não ser «[..] admissível que a Recorrente venha agora, em sede de recurso, deduzir excepção que não invocou em contestação, nos exigíveis, cominatórios e preclusivos, legais termos. – Cfr. artigo 573.º do C.P.C.». Ora, como é entendimento pacífico, o Tribunal de recurso, como regra, não pode conhecer de questões novas. Apenas nos casos expressamente previstos (cfr. artigo 665º nº 2, 608º, nº 2, in fine, CPC), pode o tribunal superior substituir-se ao tribunal que proferiu a decisão recorrida. Com efeito, a jurisprudência tem reiteradamente entendido que os recursos não visam criar e emitir decisões novas sobre questões novas (salvo se forem de conhecimento oficioso), mas impugnar, reapreciar e, eventualmente, modificar as decisões do tribunal recorrido, sobre os pontos questionados e “dentro dos mesmos pressupostos em que se encontrava o tribunal recorrido no momento em que a proferiu” [Cfr. Acórdãos do STJ (disponíveis em www.dgsi.pt): de 22-02-2017, proc.º 519/15.4T8LSB.L1.S1, Conselheiro Ribeiro Cardoso; de 14-05-2015, proc.º 2428/09.1TTLSB.L1.S1, Conselheiro Melo Lima; de 12-09-2013, proc.º 381/12.3TTLSB.L1.S1 e de 11-05-2011, proc.º 786/08.4TTVNG.P1.S1, Conselheiro Pinto Hespanhol]. Concluindo, também nesta parte improcede o recurso da recorrente Ré. II.4.4 Igualmente por decorrência lógica do acima decidido, fica prejudicada a apreciação das outras duas das questões suscitadas no recurso subordinado pela Ré, ambas relativas à aplicação da cláusula penal pela violação do período de permanência, nomeadamente, as seguintes: i) Conclusões 22 a 32, onde defende que “Ainda que estivessem preenchidos os pressupostos para o uso da faculdade de redução equitativa da cláusula penal [..]sempre [..] a mesma seria inadmissível e injusta, atenta a prova produzida e as circunstâncias do caso”, para concluir que a sentença recorrida, na parte que lhe é desfavorável, “ violou juízos de equidade quando operou a redução equitativa da cláusula penal”. ii) Conclusões 33 e 34, onde defende que a “sentença a quo incorreu em erro de cálculo ao fixar a cláusula penal, proporcionalmente ao tempo decorrido do contrato, no valor de € 14.000,00”. II.4.5 Fazendo um balanço do decidido, face à procedência do recurso subordinado (nesta parte) e à improcedência do recurso principal, cabe alterar a sentença, quanto ao decidido no ponto A)1, para se “Julgar parcialmente procedente a presente ação, e consequentemente, condenar a Ré a pagar à A. a quantia de € 18.500 (dezoito mil e quinhentos euros), a título de indemnização, pela violação do pacto de permanência contratualmente acordado, acrescida de juros de mora, contados desde a data da citação e até integral e efetivo pagamento, à taxa legal de 4%”. II.5 RECURSO SUBORDINADO Quedam ainda por apreciar as questões seguintes: i) Nulidade da sentença por violação do princípio do pedido artigo 615º, n.º 1, e), do C.P.C.). [conclusões 14 a 17] ii) Impugnação da matéria de facto [conclusões 18 a 21] iii) Impugnação por alegado erro na aplicação do direito relativamente ao pacto de concorrência [conclusões 35 a 43] II.5.1 Nulidade da sentença A recorrente autora vem arguir a nulidade da sentença na parte em que decidiu serem devidos “juros de mora, contados desde a data da citação e até integral e efetivo pagamento, à taxa legal de 4%”, sobre as quantias relativas a créditos laborais em que foi condenada a pagar à autora - a quantia global de € 1.247,29. Alega que a sentença, nessa parte, violou o princípio do pedido, estando ferida de nulidade (artigo 615º, n.º 1, e), do C.P.C.), dado que a Ré não formulou na reconvenção apresentada, nem em posterior ampliação, pedido de juros de mora sobre os créditos salariais devidos pela cessação do contrato de trabalho. Pede a revogação da sentença na parte que respeita à condenação da Autora/Reconvinda em juros de mora. Apreciando. É sabido que o “Tribunal não pode resolver o conflito de interesses que a acção pressupõe sem que a resolução lhe seja pedida por uma das partes (..)” [art.º 3.º n.º1 do CPC]. Trata-se do princípio do pedido ou princípio da iniciativa da parte, significando tal, nas palavras do Prof. Anselmo de Castro, que “(..) a invocação da tutela jurisdicional em matéria cível representa o conteúdo de um direito estritamente individual, cabendo ao respectivo titular a livre determinação do seu exercício em defesa dos seus próprios interesses. Por outro lado, condicionada a actividade jurisdicional pelo pedido, nunca o juiz poderá estender a sua actividade decisória para além dele (..)” [Direito Processual Civil Declaratório, Vol.III, Almedina; Coimbra, 1982, pp. 153]. Como corolário desse princípio, a sentença deve conter-se dentro dos limites definidos pela pretensão do autor, bem como da reconvenção, nos casos em que é deduzida pelo réu. Assim resulta do n.º 1 do art.º 609.º, do CPC, onde se dispõe que “A sentença não pode condenar em quantidade superior ou em objecto diverso do que se pedir”. O pedido é o meio de tutela jurisdicional pretendido pelo autor ou, dito por outras palavras, o efeito jurídico que pretende fazer valer com a acção. Justamente por isso, como assinalam Antunes Varela, J. Miguel Bezerra e Sampaio e Nora, “A formulação do pedido reveste a maior importância, porque o juiz não pode condenar em quantidade superior ou em objecto diverso do que se pedir” (..)” [Manual de Processo Civil, 2.ª Edição, Coimbra Editora, 1985, pp. 244]. A violação deste limite, ou seja, a não coincidência da decisão por excesso de pronúncia determina a nulidade da sentença, como decorre do n.º1 e al. e) do art.º 615.º do CPC, onde se lê que a sentença é nula quando “O juiz condene em quantidade superior ou em objecto diverso do pedido”. Na reconvenção a Ré pediu a condenação da “AUTORA NO PAGAMENTO À AQUI RÉ DAS QUANTIAS EM DIVIDA, SUPRA INDICADAS A TÍTULO DE RECONVENÇÃO, DEVIDAS POR FORÇA DO CONTRATO DE TRABALHO DE TRABALHO CELEBRADO ENTRE AS PARTES”. Assim, como assinala a Recorrente autora, a Ré no pedido reconvencional não formulou pedido de condenação em juros de mora. Não obstante, o Tribunal a quo entendeu que “Sobre tais quantias são devidos juros de mora, contados desde a citação (tal como peticionado) e até integral e efetivo pagamento, à taxa legal de 4% (artºs. 804.º, 805.º/2/a) e 3, 806.º/1 e 2, todos do C. Civil e Portarias nºs. 263/99, de 12.04 e 291/2003 de 08.04)”, e nessa consideração condenou a Ré no pagamento de “juros de mora, contados desde a data da citação e até integral e efetivo pagamento, à taxa legal de 4%”, sobre as quantias que reconheceu serem devidas à autora. No AUJ n.º 9/2015, de 14-05-2015 [proc.º 1520/04.3TBPBL.C1.S1-A, Conselheiro Pinto de Almeida, disponível em www.dgsi.pt], o STJ decidiu uniformizar a jurisprudência nestes termos: “Se o autor não formula na petição inicial, nem em ulterior ampliação, pedido de juros de mora, o tribunal não pode condenar o réu no pagamento desses juros.” Como se assinala na fundamentação desse aresto, a questão que se discutia era saber “se o tribunal podia condenar em juros de mora sem ter sido formulado o respectivo pedido na petição inicial”. Depois acrescentando-se que “A questão, nesta perspectiva, tem cariz essencialmente adjectivo e implica com um dos princípios que enformam o direito processual civil: o princípio do dispositivo ou da disponibilidade objectiva e, mais concretamente, com uma das suas principais manifestações – o princípio do pedido”. Conclui-se mais adiante o seguinte: -«O tribunal estava vinculado ao pedido, tal como foi formulado, com o conteúdo delimitado pelos autores; não poderia decretar um efeito, apesar de legalmente previsto, que não estivesse abrangido por esse pedido. Para mais, estando em causa interesses meramente patrimoniais dos lesados e, por isso, na inteira disponibilidade destes[20]. Assim, não tendo sido formulado pedido de condenação em juros de mora (arts. 3º, nº 1 e 552º, nº 1, e), do CPC), o tribunal não poderia, oficiosamente, condenar nesses juros, pois tal traduz uma condenação para além do pedido, isto é, em quantidade superior ao que foi pedido (art. 609º, nº 1, do CPC). Fazendo-o, violou o princípio do pedido, como acima se expôs, ferindo de nulidade a sentença (art. 615º, nº 1, e), do CPC)». Não vimos razões para nos desviarmos deste entendimento. Por conseguinte, procede a arguida nulidade, declarando-se a sentença nula por excesso de pronúncia – art.º 615.º n.º1 al. e), do CPC - na parte em que decidiu “Sobre tal quantia são devidos juros de mora, contados desde a data da citação e até integral e efetivo pagamento, à taxa legal de 4%.”, que se revoga. II.5.2 Impugnação da decisão sobre matéria de facto Insurge-se a recorrente Ré contra decisão sobre a matéria de facto, pretendendo que seja alterado o constante no ponto provado 68., alegado na contestação da Ré, onde se lê o seguinte: -«A Ré, neste momento, está exclusivamente a exercer funções na UCSP ..., no combate à covid 19». Pretende que seja alterado para passar a constar o que segue: -«A Ré, neste momento, está a exercer funções na UCSP ..., no combate à covid 19”. A Recorrente cumpriu integralmente os ónus de impugnação estabelecidos no art.º 640.º do CPC, nada obstando à apreciação. A Ré sustenta a impugnação invocando o testemunho de GG (médico) nos extractos que invoca, conjugado com as declarações de parte da Ré conforme referido na fundamentação da sentença, dizendo que deles decorre que a Ré também presta serviços na clínica do Dr. GG. Na fundamentação da decisão sobre matéria de facto, relativamente àquele testemunho e às declarações de parte da Autora, na parte em que respeitaram ao facto em causa, lê-se, respectivamente, o seguinte: -«Quanto à matéria da contestação, foi valorado o depoimento da testemunha GG, médico, que tem uma clínica com o seu nome, que depôs de forma clara, logrando convencer o tribunal quanto aos factos sobre que depôs. [..] Esclareceu ainda que, a Ré lhe pediu para colaborar na sua clínica, (sendo certo que já a conhecia), aí fazendo serviço de 15 em 15 dias, fazendo consultas de emagrecimento, aplicando botox e fazendo peelings. A Ré colocou o seu curriculum no site da sua clínica, com informações da sua responsabilidade, afirmando com firmeza que a mesma nunca fez nada de transplantes ou microcirurgia capilar ou tratamentos capilares na sua clínica». - «Confirmou que começou a trabalhar na clínica do Dr. GG (que faz clínica geral, medicina do trabalho), em 24 de janeiro de 2020, mas que nunca aí realizou (ou em qualquer outro local) implantes capilares ou tratamentos capilares, que estavam excluídos da oferta terapêutica dessa clínica, esclarecendo que essa clínica nem sequer tem bloco operatório pelo que não poderia realizar cirurgias, trabalhando desde agosto de 2018 na Unidade de Saúde ...». Pois bem, do testemunho de GG resulta que a Ré presta actividade na sua clínica, tendo referido, “vai lá como qualquer especialista. Eles chegam ali, fazem o seu trabalho, recebem uma determinada percentagem e dão uma determinada percentagem à clínica, como qualquer especialidade noutras clínicas”. Mais esclareceu, que as consultas são marcadas pela secretária da testemunha e vai lá quando há marcações, tendo disponibilidade para tal de 15 em 15 dias. Há, pois, que reconhecer razão à recorrente. De resto, diga-se, da própria fundamentação da sentença extrai-se que não há a exclusividade afirmada no ponto impugnado. Assim altera-se a redacção do ponto provado 68, para passar a ser a seguinte: -«A Ré, neste momento, está a exercer funções na UCSP ..., no combate à covid 19”. II.5.3 Motivação de direito A recorrente ré discorda ainda da sentença, por alegado erro de julgamento na apliação do direito, por não ter considerado haver violação do pacto de não concorrência pós-laboral [conclusões 35 a 41]; e, por ter incluído o prémio de não concorrência nos créditos salariais devidos à Recorrida pela cessação do contrato [conclusões 42 e 43]. Na fundamentação da sentença, a propósito da violação do pacto de concorrência, consta o seguinte: -«Da violação do pacto de não concorrência. Alega a A. que a R. começou a trabalhar numa clínica, sendo referenciada no site da mesma como “especialista em tratamentos e microtransplantes capilares”, em concorrência direta com a atividade da A., o que consubstancia uma violação do pacto de não concorrência acordado e obriga a Ré a devolver à A. as compensações mensais auferidas em virtude dessa limitação, num total de €1.340 e a pagar-lhe a quantia de €20.000, a título de cláusula penal. A Ré contesta, alegando que, desde que cessou funções na sociedade A., não mais realizou implantes capilares, pelo que não violou qualquer pacto de não concorrência. Vejamos. Consigna o artigo 47.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa: «Todos têm direito a escolher livremente a profissão ou o género de trabalho, salvas as restrições legais impostas pelo interesse colectivo ou inerentes à sua própria capacidade». E no nº 1 do art. 58º da CRP “Todos têm direito ao trabalho…” Importa ter presente que «no âmbito do moderno Direito do Trabalho, “a celebração dum contrato de trabalho não implica a alienação, a favor do empregador, de toda a força de trabalho do trabalhador”, devendo entender-se que, por força da liberdade de emprego, “o trabalhador não perde a legitimidade para exercer outras ocupações profissionais, inclusive recorrendo à celebração de contratos de trabalho laterais” (António Menezes Cordeiro, Manual de Direito do Trabalho, Almedina, 549)». O nosso ordenamento jurídico prevê expressamente o pacto de não concorrência no artº 136º do Código do Trabalho. Aí se prevê que: 1- É nula a cláusula de contrato de trabalho ou de instrumento de regulamentação colectiva de trabalho que, por qualquer forma, possa prejudicar o exercício da liberdade de trabalho após a cessação do contrato. 2 - É lícita a limitação da actividade do trabalhador durante o período máximo de dois anos subsequente à cessação do contrato de trabalho, nas seguintes condições: a) Constar de acordo escrito, nomeadamente de contrato de trabalho ou de revogação deste; b) Tratar-se de actividade cujo exercício possa causar prejuízo ao empregador; c) Atribuir ao trabalhador, durante o período de limitação da actividade, uma compensação que pode ser reduzida equitativamente quando o empregador tiver realizado despesas avultadas com a sua formação profissional. 3 - Em caso de despedimento declarado ilícito ou de resolução com justa causa pelo trabalhador com fundamento em acto ilícito do empregador, a compensação a que se refere a alínea c) do número anterior é elevada até ao valor da retribuição base à data da cessação do contrato, sob pena de não poder ser invocada a limitação da actividade prevista na cláusula de não concorrência. 4 - São deduzidas do montante da compensação referida no número anterior as importâncias auferidas pelo trabalhador no exercício de outra actividade profissional, iniciada após a cessação do contrato de trabalho, até ao valor decorrente da aplicação da alínea c) do n.º 2. 5 - Tratando-se de trabalhador afecto ao exercício de actividade cuja natureza suponha especial relação de confiança ou que tenha acesso a informação particularmente sensível no plano da concorrência, a limitação a que se refere o n.º 2 pode durar até três anos. Alguns autores têm sublinhado a dificuldade de compatibilizar esses preceitos constitucionais com o artigo 136º do CT, Jorge Leite, escreveu, a propósito do pacto de não concorrência tratado no Art.º 146.º do CT (com redação idêntica ao do atual artigo 136º do CT), que esta norma “dificilmente se pode considerar compatível com a norma do Art.º 47.º/1, já que a liberdade de trabalho, não sendo, naturalmente, uma liberdade absoluta ou sem limites, apenas suporta, nos termos constitucionais, as restrições impostas pelo interesse colectivo ou as inerentes à própria capacidade de cada um, o que, manifestamente, não parece ser o caso” (Direito do Trabalho, Vol. II, Serviços de Acção Social da UC, Coimbra 2004, 64). Sem prejuízo, a lei considera lícita a cláusula pela qual se limite a atividade do trabalhador no período máximo de dois anos subsequentes à cessação do contrato de trabalho (ou três anos, caso a natureza da atividade suponha especial relação de confiança), desde que a mesma seja celebrada por escrito, se estiver em causa uma atividade cujo exercício possa efetivamente causar prejuízo ao empregador e desde que seja atribuído ao trabalhador uma compensação durante o período de limitação da sua atividade. Como se refere no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 30/04/2014, disponível em www.dgsi.pt: -«Dado que representam restrições da liberdade de trabalho, a lei regulamentou de forma rigorosa as limitações convencionais ao exercício da atividade profissional por parte do trabalhador impondo, para tanto, o preenchimento cumulativo de determinados requisitos: - a celebração das mesmas por forma escrita, - um limite máximo de duração, - a restrição do seu objeto a atividades verdadeiramente prejudiciais (por força, por exemplo, da transmissão de «know-how» específico ou desvio de clientes para um concorrente) e - a atribuição ao trabalhador de uma compensação pelas limitações ao exercício da sua atividade profissional». Convém referir que estas cláusulas assentam em “direitos fundamentais contrastantes”, obrigando assim, a que estas sejam aplicadas de forma proporcional e necessária. Com efeito, considerando que, no presente momento, a formação profissional e o profissionalismo constituem exigências transversais às sociedades desenvolvidas, configurarse-ia como um contrassenso impor a um trabalhador que emigre para poder continuar a exercer a atividade para a qual se especializou, conforme também salienta Júlio Gomes, in Direito do Trabalho, Volume I, Coimbra editora, p. 610-614. A jurisprudência também aponta nesse sentido, como pode ver-se no Ac. da Rel. de Lisboa de 20-10-2010, in www.dgsi.pt, segundo o qual é necessário, para a válida aplicação da cláusula de não concorrência, a assunção do intuito de impedir que o trabalhador, cessando o seu contrato de trabalho, possa, no exercício da sua atividade, causar prejuízos ao empregador, pelos conhecimentos e segredos que tenha vindo a obter no exercício da atividade anterior e que possa agora vir fazer valer-se destes fatores num novo trabalho. Com efeito, “este prejuízo não é um qualquer prejuízo, o prejuízo causado por qualquer concorrente, mas sim um prejuízo especial, um prejuízo causado por um concorrente diferente dos demais pelo seu especial contacto com a clientela e o acesso a informações confidenciais”. Com interesse a este propósito, resulta dos autos a seguinte factualidade: - Na Cláusula 8ª, ponto 1, do contrato promessa consta que “Considerando que a área de negócio da Primeira Contraente é extremamente sensível no que respeita a questões de concorrência e considerando que a Segunda Contraente tem acesso a informação sensível da Primeira Contraente, as Partes acordam que, após a cessação do contrato a celebrar, por qualquer meio, a Segunda Contraente compromete-se a não competir, direta ou indiretamente, por si ou por interposta pessoa, com a Primeira Contraente e com as sociedades e entidades do Grupo no âmbito da respetiva atividade, nomeadamente não lhe sendo permitido colaborar com qualquer outra empresa em concorrência direta com a Primeira Contraente e/ou desenvolver por sua conta quaisquer atividades que possam concorrer com a atividade da Primeira Contraente ou com a atividade das sociedades e entidades do Grupo, durante um período de 24 meses; - Acordaram as partes, nos pontos 2. e 3. da cláusula 8ª do contrato promessa que a Ré, em virtude desse dever de não concorrência pós-contratual, teria direito a receber da Autora uma compensação mensal no valor de € 300,00 (trezentos euros), a ser paga durante os dois primeiros anos de vigência do contrato de trabalho a celebrar, montante que a Ré reconheceu como justo, tendo em conta o valor da retribuição fixado no contrato e as avultadas despesas com a sua formação profissional, suportadas pela Autora; Acordaram as partes, no ponto 4. da cláusula 8ª do contrato promessa que a violação do pacto de não concorrência pela Ré implicaria a devolução à Autora de todos os montantes recebidos a título de compensação, bem como o pagamento, a título de cláusula penal, de uma indemnização no montante de € 20.000,00 (vinte mil euros), sem prejuízo da responsabilidade civil por eventuais danos, caso excedessem o referido montante; E como fixado na Cláusula 8.ª do contrato-promessa, o contrato de trabalho veio a estabelecer na cláusula 12ª, nº1, um pacto de não concorrência pós-contratual, nos termos do artigo 136.º do Código do Trabalho, tendo a Ré se obrigado a não competir direta ou indiretamente com a atividade da Autora após a cessação do contrato de trabalho, durante um período de 24 meses; - Em virtude dessa limitação, as partes acordaram na cláusula 12.ª, n.ºs 2 e 3 do contrato, que a Ré teria direito a receber da Autora uma compensação mensal no valor de € 300,00 (trezentos euros), durante os dois primeiros anos de vigência do contrato, valor que a Ré reconheceu ter sido fixado em termos equitativos, tendo em conta a sua retribuição e as avultadas despesas com a sua formação profissional pagas pela Autora; - Em caso de violação do pacto de concorrência pós-contratual convencionado, nos termos da cláusula 12ª, nº4 do contrato, a Ré obrigou-se a devolver à Autora as compensações mensais auferidas em virtude desse pacto, bem como a pagar-lhe, a título de cláusula penal, o montante de € 20.000,00 (vinte mil euros); - No dia 2 de Março de 2020, a Ré dirigiu à Autora uma carta a comunicar a denúncia, no período experimental, do contrato de trabalho, com efeitos a partir do dia 15 de Março de 2020.- carta junta como doc. n.º 14 com a p.i., a fls. 60 verso, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido, para todos os efeitos legais; A Autora teve conhecimento de que a Ré começou a trabalhar na Clínica ..., sita em ..., Aveiro, sendo referenciada no site da referida Clínica como médica de medicina estética “Especialista em Tratamentos e Microtransplantes Capilares”; A Ré recebeu da A. compensações mensais em virtude do pacto de não concorrência convencionado, num total de €1.340; - Entre Julho de 2019 e Março deste ano, ao serviço da Autora, a Ré adquiriu know-how muito específico, nomeadamente em tratamentos médico-estéticos, análise capilar e diagnóstico, e em técnicas de micro-enxerto capilares, como a técnica FUE.; - A Ré teve conhecimento e contacto com a carteira de clientes da Autora, tendo feito não só cirurgias, mas também tratamentos e consultas, como médica do centro da Autora sito no Porto; A Ré, tendo Mestrado em Medicina Estética e Antienvelhecimento, contactou um Colega e iniciou uma parceria profissional na clínica deste, designada Clínica ... na qual fez os seguintes procedimentos: Tratamentos de Emagrecimento, e também tratamentos médicoestéticos como aplicação de Ácido Hialurónico; de Toxina Botulínica; Peelings e Mesoterapia Facial; Nessa mesma clínica ou em qualquer outra, a Ré nunca realizou um implante ou tratamento capilar pois desde o princípio foram excluídos os tratamentos capilares da oferta terapêutica; - A Ré, neste momento, está exclusivamente a exercer funções na UCSP ..., no combate à covid 19. Ora, na economia do caso em apreço, compreende-se a necessidade de acautelar os interesses da A., que claramente, se quis prevenir contra a aplicação do “know how” adquirido pela R. por força da relação de trabalho com a A. e da formação ministrada por esta, ao serviço de terceiros. E nessa medida encontra-se justificada a estipulação do pacto de não concorrência. Mas também temos de relevar a proteção e preservação da liberdade de exercício e escolha de profissão. É que o património profissional do trabalhador faz-se exatamente da aquisição continuada de conhecimentos. Como observa a este propósito Maria do Rosário Ramalho, in Deveres Emergentes da Cessação do Contrato de Trabalho”, ficam vedadas “[…] as limitações genéricas à actividade profissional do trabalhador, ainda que numa área determinada, uma vez que a lei não se basta com um mero conflito de interesses, mas exige a probabilidade de um prejuízo efectivo do empregador, decorrente, por exemplo, da transmissão de um know-how muito específico do trabalhador a outra empresa, ou do desvio de clientela para um concorrente”. E Júlio Gomes, ob.citada, “[…] tem de tratar-se de uma actividade concorrente, sendo a concorrência um conceito económico. As actividades compreendidas na limitação devem ser objectivamente concorrentes, concorrência esta que existe quando tais actividades se prestam em sectores económicos conexos ou pertencentes à mesma zona industrial e são coincidentes do ponto de vista espacial” sendo certo que “[…] decisiva para a existência de concorrência não é tanto a identidade dos produtos ou serviços, mas sim a das necessidades a satisfazer […], sendo que quanto mais exacta e minuciosamente for analisado o mercado, mais estreito é o circulo dos concorrentes [ Os factos apurados, acima transcritos, não são a nosso ver suficientes, para concluir que a Ré incumpriu o pacto de não concorrência a que se tinha vinculado contratualmente com a A. Com efeito, a mera circunstância de no site da clínica onde a Ré presta serviços, se publicitar o curriculum vitae da Ré do seu curriculum constar a especialidade que agora possui em consequência da formação que lhe foi ministrada pela A., não é a nosso ver suficiente para concluir que a mesma está a exercer atividade concorrente à da A. Em primeiro lugar, a Ré não está impedida, não poderia estar, de incluir no seu curriculum a especialidade que agora detém e que decorre da formação que lhe foi ministrada na A. e de se apresentar profissionalmente como sendo detentora dessa especialidade. Mas tal não chega para concluir que a mesma está a concorrer com a atividade da A. sendo certo que os valores a proteger, do lado da A., mostram-se em primeira linha acautelados através da cláusula de segredo profissional e confidencialidade, prevista na cláusula 9ª do contrato de trabalho. Na prática, o que se apurou é que na clínica do Dr. GG, a Ré apenas faz tratamentos de emagrecimento, e tratamentos estéticos que passam pela aplicação de ácido hialurónico, de toxina botulínica, peelings e mesoterapia facial, não realizando implantes ou tratamento capilar, pois desde o início foram excluídos os tratamentos capilares de oferta terapêutica. Pelo que, a mera publicidade que fez do seu curriculum não pode ser considerada, em si mesma, como uma forma de concorrência direta ou indireta com a atividade da A. De facto, em momento algum se demonstrou sequer, e era à A. que competia tal ónus de prova, que a clínica onde a Ré presta serviços efetue tais tratamentos capilares ou implantes e muito menos que seja a Ré que os efetue. E entendemos que a Ré não tem que excluir do seu curriculum uma especialidade que agora tem. Destarte, a Ré não está impedida de trabalhar na sua área de formação; está é impedida, por um período de tempo limitado, de exercer, em concreto, atividade concorrente à da A., que se insere nos tratamentos e implantes capilares. Como se enfatiza no Ac. da Rel. do Porto de 07.12.2018, disponível em www.dgsi.pt. com inteira pertinência, os direitos ao trabalho e à liberdade de serviço e de estabelecimento estão salvaguardados ao nível constitucional e também pelas normas que compõem o edifício jurídico da União Europeia: “(…) O princípio da liberdade de trabalho, consagrado nos artigos 47.º, n.º 1 e 58.º da Constituição da República Portuguesa, na Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia (art. 15.º) bem como nos Tratados Internacionais vigentes em matérias laborais, aplicáveis na ordem jurídica interna, decorre do princípio superior da Dignidade Humana. O artigo 15.º da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia que, por força do art. 6.º, n.º 1 do Tratado da União Europeia, tem o mesmo valor jurídico deste, estabelece, no n.º 2, que todos os cidadãos da união têm a liberdade de procurar emprego, de trabalhar, de se estabelecer ou de prestar serviços em qualquer Estado-Membro. Esta liberdade decorre, naturalmente, da livre circulação de pessoas e de trabalhadores, de estabelecimento e de livre prestação de serviços, consagrada no Tratado de Funcionamento da União Europeia, princípios fundadores e conformadores do mercado comum e da cidadania europeia. (…)”. Como tal, consideramos que os factos apurados não são suficientes, nem bastantes, para considerar que a Ré violou o seu pacto de não concorrência, pois que não se demonstrou que tenha direta ou indiretamente exercido atividade concorrente com a da A., após a cessação do contrato de trabalho, durante o período nele estabelecido. Pelo que, não há fundamento para condenar a Ré a devolver à A. as quantias que a mesma lhe pagou mensalmente a título de compensação mensal no valor de € 300,00 (trezentos euros), nem a pagar-lhe, a título de cláusula penal, o montante de € 20.000,00 (vinte mil euros), nos termos previstas na cláusula 12ª, nº4, do contrato de trabalho. Improcede, pois, tal pedido». Defende a recorrente que a “ a factualidade provada, conjugada com a lei e com as regras da boa prudência e da experiência comum” impunham decisão diversa, por ter sido “apurado que a Recorrida, por sua iniciativa, procurou uma clínica que se dedica à área de atividade da Recorrente – a medicina estética – para iniciar uma parceria profissional e aí prestar serviços” e ter ficado também demonstrado que a Recorrida, ao serviço da Recorrente, adquiriu know-how muito específico, nomeadamente em tratamentos médico-estéticos, análise capilar e diagnóstico, e em técnicas de micro-enxerto capilares, como a técnica FUE, e teve conhecimento e contacto com a carteira de clientes da Recorrente, tendo feito não só cirurgias, mas também tratamentos e consultas, como médica do centro da Recorrente sito no Porto, sendo certo que no site da clínica onde agora presta serviços, com considerável dimensão no concelho de Santa Maria da Feira, a Recorrida é referenciada como médica de medicina estética “Especialista em Tratamentos e Microtransplantes Capilares.”. Conclui que o Tribunal a quo, ao ignorar esses factos, e considerar que a Recorrida não colabora em empresa em concorrência e com risco efetivo de prejuízos para a atividade da Recorrente, só porque a referida clínica não realiza implantes ou tratamentos capilares, fez uma errada interpretação e aplicação do Direito à matéria de facto adquirida, nomeadamente da alínea b) do n.º 2 do artigo 136.º do Código do Trabalho, devendo ser também condenada a pagar-lhe, a título de cláusula penal, o montante de € 20.000,00 (vinte mil euros), bem como a devolver as compensações mensais auferidas na vigência do contrato, por violação do pacto de não concorrência pós-contratual livremente acordado. Diremos, desde já, que não se reconhece fundamento à recorrente. Contrariamente ao que afirma, certamente por força de expressão, pois a fundamentação é bastante clara, o Tribunal a quo não ignorou os factos que invoca, antes se referindo a todos eles, mas concluindo, no nosso entender com acerto, que “não são suficientes, nem bastantes, para considerar que a Ré violou o seu pacto de não concorrência, pois que não se demonstrou que tenha direta ou indiretamente exercido atividade concorrente com a da A., após a cessação do contrato de trabalho, durante o período nele estabelecido”. Conclusão que previamente justificou, na nossa perspectiva, fazendo o juízo crítico acertado, nos termos seguintes: -«Como observa a este propósito Maria do Rosário Ramalho, in Deveres Emergentes da Cessação do Contrato de Trabalho”, ficam vedadas “[…] as limitações genéricas à actividade profissional do trabalhador, ainda que numa área determinada, uma vez que a lei não se basta com um mero conflito de interesses, mas exige a probabilidade de um prejuízo efectivo do empregador, decorrente, por exemplo, da transmissão de um know-how muito específico do trabalhador a outra empresa, ou do desvio de clientela para um concorrente”. E Júlio Gomes, ob.citada, “[…] tem de tratar-se de uma actividade concorrente, sendo a concorrência um conceito económico. As actividades compreendidas na limitação devem ser objectivamente concorrentes, concorrência esta que existe quando tais actividades se prestam em sectores económicos conexos ou pertencentes à mesma zona industrial e são coincidentes do ponto de vista espacial” sendo certo que “[…] decisiva para a existência de concorrência não é tanto a identidade dos produtos ou serviços, mas sim a das necessidades a satisfazer […], sendo que quanto mais exacta e minuciosamente for analisado o mercado, mais estreito é o circulo dos concorrentes [ Os factos apurados, acima transcritos, não são a nosso ver suficientes, para concluir que a Ré incumpriu o pacto de não concorrência a que se tinha vinculado contratualmente com a A. Com efeito, a mera circunstância de no site da clínica onde a Ré presta serviços, se publicitar o curriculum vitae da Ré do seu curriculum constar a especialidade que agora possui em consequência da formação que lhe foi ministrada pela A., não é a nosso ver suficiente para concluir que a mesma está a exercer atividade concorrente à da A. Em primeiro lugar, a Ré não está impedida, não poderia estar, de incluir no seu curriculum a especialidade que agora detém e que decorre da formação que lhe foi ministrada na A. e de se apresentar profissionalmente como sendo detentora dessa especialidade. Mas tal não chega para concluir que a mesma está a concorrer com a atividade da A. sendo certo que os valores a proteger, do lado da A., mostram-se em primeira linha acautelados através da cláusula de segredo profissional e confidencialidade, prevista na cláusula 9ª do contrato de trabalho. Na prática, o que se apurou é que na clínica do Dr. GG, a Ré apenas faz tratamentos de emagrecimento, e tratamentos estéticos que passam pela aplicação de ácido hialurónico, de toxina botulínica, peelings e mesoterapia facial, não realizando implantes ou tratamento capilar, pois desde o início foram excluídos os tratamentos capilares de oferta terapêutica. Pelo que, a mera publicidade que fez do seu curriculum não pode ser considerada, em si mesma, como uma forma de concorrência direta ou indireta com a atividade da A. De facto, em momento algum se demonstrou sequer, e era à A. que competia tal ónus de prova, que a clínica onde a Ré presta serviços efetue tais tratamentos capilares ou implantes e muito menos que seja a Ré que os efetue. E entendemos que a Ré não tem que excluir do seu curriculum uma especialidade que agora tem. Destarte, a Ré não está impedida de trabalhar na sua área de formação; está é impedida, por um período de tempo limitado, de exercer, em concreto, atividade concorrente à da A., que se insere nos tratamentos e implantes capilares». Procurando evitar uma repetição fastidiosa da fundamentação do Tribunal a quo, que só por si responde antecipadamente à discordância da recorrente, passamos a sublinhar os aspectos essenciais que impõem a decisão em crise. A formação em cirurgia capilar que a Autora proporcionou à Ré, visou conferir-lhe as competências para que esta pudesse realizar “intervenções cirúrgicas de microcirurgia capilar (micro enxertos) aos clientes da Autora, bem como o acompanhamento das mesmas, mediante o seguimento em consultas pré e pós operatórias” [ponto provado 5]. Foi nessa base que no contrato-promessa, na cláusula 8.ª/ ponto 1, ficou estabelecido que o contrato de trabalho a celebrar incluiria um pacto de não concorrência pós-contratual, nos termos do artigo 136.º do Código do Trabalho, comprometendo-se a Ré “a não competir, direta ou indiretamente, por si ou por interposta pessoa, com a Primeira Contraente e com as sociedades e entidades do Grupo no âmbito da respetiva atividade, nomeadamente não lhe sendo permitido colaborar com qualquer outra empresa em concorrência direta com a Primeira Contraente e/ou desenvolver por sua conta quaisquer atividades que possam concorrer com a atividade da Primeira Contraente ou com a atividade das sociedades e entidades do Grupo, durante um período de 24 meses” [facto 17]. Compromisso que de facto veio constar do contrato de trabalho, na cláusula 12.ª, obrigando-se a Ré a não competir direta ou indiretamente com a atividade da Autora após a cessação do contrato de trabalho, durante um período de 24 meses [facto 32]. A formação profissional em causa “permitiu que a Ré ficasse qualificada para exercer as funções de médica-cirurgiã capilar” [facto 39]. Por conseguinte, como ponto fulcral, a finalidade dessa cláusula, acordada no interesse da autora para evitar que o exercício de actividade concorrencial pela trabalhadora R. lhe causasse prejuízos, era o de limitar que durante o período pós contratual definido esta viesse a exercer as funções de médica-cirurgiã capilar, directa ou indirectamente, ou seja, por sua conta ou prestando essa actividade a terceiros. Ora, como bem assinala o Tribunal a quo não há qualquer prova de que a Ré “tenha direta ou indiretamente exercido atividade concorrente com a da A., após a cessação do contrato de trabalho, durante o período nele estabelecido”. Na verdade, apenas está provado que a Ré iniciou uma parceria profissional na clínica “designada Clínica ... na qual fez os seguintes procedimentos: Tratamentos de Emagrecimento, e também tratamentos médico-estéticos como aplicação de Ácido Hialurónico; de Toxina Botulínica; Peelings e Mesoterapia Facial [facto 66]; que “Nessa mesma clínica ou em qualquer outra, a Ré nunca realizou um implante ou tratamento capilar pois desde o princípio foram excluídos os tratamentos capilares da oferta terapêutica” [Facto 67]; e, que “neste momento, está a exercer funções na UCSP ..., no combate à covid 19” [facto 68]. É certo estar provado que “no site da referida Clínica como médica de medicina estética “Especialista em Tratamentos e Microtransplantes Capilares” [facto 37], e que a “A Ré apresenta-se na sua página oficial do LinkedIn, como “Medical DoctorMicrotransplante Capilar B...” [facto 40]; e, “também nas suas páginas de Facebook e Instagram a Ré divulgou a sua especialidade em “Microtransplante Capilar” e “Tratamentos Capilares”[facto 41]. Porém, como cremos de imediata compreensão, afirmar determinadas competências curriculares não é o mesmo que as exercer profissionalmente, nem o pacto de não concorrência o impedia. De resto, diga-se, nem tão pouco poderia incluir essa limitação, por marginal ao permitido pelo art.º 136.º do CT. Por conseguinte, não tem a recorrente fundamento para sustentar o alegado erro de direito. Defendeu ainda a recorrente, que considerando-se que a Recorrida violou o pacto de não concorrência pós-contratual, nos termos previstos na cláusula 12.ª do contrato de trabalho, deve a Recorrente ser absolvida do pagamento do prémio de não concorrência relativo a Março de 2020, peticionado na reconvenção da Recorrida. Esta pretensão assenta no pressuposto da procedência da anterior, pelo que tendo aquela soçobrado, necessariamente sucumbe. Assim, concluindo, improcede o recurso na parte respeitante a estas duas questões. III. DECISÃO Em face do exposto, acordam os Juízes desta Relação em julgar os recursos principal e subordinado, nos termos seguintes: i) Recurso principal - Improcedente a impugnação da decisão sobre a matéria de facto; -Improcedente na vertente da impugnação da sentença por erro de direito; ii) Recurso subordinado - Procedente a impugnação da decisão sobre a matéria de facto; - Parcialmente procedente na vertente da impugnação da sentença por erro de direito, alterando-se a sentença conforme segue: a) No ponto A) 1, para se “Julgar parcialmente procedente a presente ação, e consequentemente, condenar a Ré a pagar à A. a quantia de € 18.500 (dezoito mil e quinhentos euros), a título de indemnização, pela violação do pacto de permanência contratualmente acordado, acrescida de juros de mora, contados desde a data da citação e até integral e efetivo pagamento, à taxa legal de 4%”. b) No ponto B), revogando-se a segunda parte, na qual foi decidido que “Sobre tal quantia são devidos juros de mora, contados desde a data da citação e até integral e efetivo pagamento, à taxa legal de 4%.”. - Quanto ao mais decidido, confirma-se a sentença recorrida. Custas (art.º 527.º do CPC): - Da acção, a cargo da autora e da Ré, na proporção do decaimento. - Do recurso principal, a cargo da recorrente Ré, atento o decaimento. - Do recurso subordinado, da responsabilidade da recorrente e da recorrida, na proporção do decaimento. Porto, 8 de Maio de 2023 Jerónimo Freitas Nelson Fernandes Teresa Sá Lopes |