Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
83857/13.8YIPRT.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: HENRIQUE ARAÚJO
Descritores: CONTRATO DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS
TELECOMUNICAÇÕES
PRESCRIÇÃO
OBRIGAÇÃO DE JUROS
CLÁUSULA PENAL
CADUCIDADE
Nº do Documento: RP2014102183857/13.8YIPRT.P1
Data do Acordão: 10/21/2014
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA EM PARTE
Indicações Eventuais: 2ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - Uma vez constituído o crédito de juros este autonomiza-se da obrigação de capital.
II - Mostrando-se extinta, por prescrição, a obrigação principal caduca a cláusula penal estabelecida no contrato em benefício da credora.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: PROC. N.º 83857/13.8YIPRT.P1
Do 3º Juízo Cível do Tribunal Judicial da Maia.
REL. N.º 935
Relator: Henrique Araújo
Adjuntos: Fernando Samões
Vieira e Cunha
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ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DO PORTO:

I. RELATÓRIO

“B…, S.A.” intentou a acção especial para cumprimento de obrigações pecuniárias contra a Ré “C…, Lda.”, alegando que no exercício da sua actividade prestou à Ré os serviços constantes das facturas identificada nos autos, cujo valor total ascende a 6.901,08 €, que esta não pagou.
Pede, em consequência, que a Ré seja condenada a pagar-lhe a referida quantia de 6.901,08 €, acrescida de juros contados desde a data de vencimento das facturas e até integral pagamento e ainda da quantia de 49,96 € relativa a despesas com diligências de cobrança.

A Ré deduziu oposição, invocando a excepção da prescrição, com o fundamento de que, à data da entrada da injunção, já havia decorrido o prazo de prescrição de seis meses.
Aduziu ainda defesa por impugnação.

Concluiu pedindo a improcedência da acção.

Realizou-se a audiência de discussão e julgamento, finda a qual se decidiu a causa, julgando-se procedente a excepção da prescrição deduzida pela Ré e absolvendo-se esta do pedido.

Com esta decisão não de conformou a Autora, que recorreu.
O recurso foi admitido como de apelação, com efeito devolutivo.

Nas respectivas alegações de recurso, a apelante pede a revogação da sentença e a procedência da acção, baseada nas seguintes conclusões:
1. Decidiu o Tribunal recorrido pela prescrição do valor peticionado relativo a juros de mora e às duas últimas facturas peticionadas.
2. Em relação aos juros de mora, não foi indicado pelo tribunal a quo o respectivo fundamento, mas tal indicação sempre contrariaria os art.ºs 310º, alínea d) e art.º 561º, ambos do CC
3. Mais, decidiu a sentença recorrida pela prescrição da factura n.º …………., de € 321,25, por aplicação do art.º 10º da Lei 23/96, de 26.07. Porém, tal factura é relativa ao período de Novembro de 2012 e tendo a injunção sido proposta em 30.05.2013 não estava ultrapassado o prazo previsto no n.º 4 do art.º 10 da Lei 23/96.
4. Decidiu, por fim, o tribunal a quo estar prescrita a cláusula penal reclamada pela Recorrente, por adesão ao princípio de acessoriedade.
5. Alicerçou o Tribunal a quo tal decisão no entendimento que “…extinguindo-se… a obrigação principal, caduca a cláusula penal”; e “…ainda que assim não se entendesse, dificilmente compreenderíamos que duas obrigações emergentes do mesmo contrato tivessem prazos de prescrição distintos - seis meses e vinte anos.”.
6. No entanto, os pressupostos de decisão considerados pelo Tribunal a quo (i) não se verificam (ii) nem decorre do princípio da acessoriedade, citado na sentença - nem da lei -, o alcance que o Tribunal a quo lhe atribuiu, de modo a sustentar a prescrição do direito da Apelante.
7. Desde logo, não consagra a lei, nem defende a doutrina uma acessoriedade “ilimitada” da cláusula penal em relação à obrigação principal. Antes se afirma que a cláusula penal está dependente da constituição, válida, da obrigação principal; e apenas poderá ser exigida no pressuposto de ter sido incumprida a obrigação principal.
8. E, ainda que invoque tal princípio, diverge dele o Tribunal a quo quando (i) atribui à cláusula penal consequência diversa da obrigação principal e (ii) sustenta uma acessoriedade, em todos os aspectos, da cláusula penal em relação à obrigação principal.
9. Ao sustentar o Tribunal a quo que “…extinguindo-se… a obrigação principal, caduca a cláusula penal”:
- negou a acessoriedade, ponto de partida da sua fundamentação, já que atribui à cláusula penal consequência diversa da obrigação principal; e
- assumiu, erroneamente, que a prescrição é causa de extinção da obrigação.
10. Pelo que, não sendo a prescrição fundamento de extinção da obrigação (principal), nunca poderia considerar-se caduca, por esse motivo, a cláusula penal.
11. Ao decidir o Tribunal a quo pela prescrição da cláusula penal, porque “faz sentido que o prazo de prescrição seja idêntico…” ao da obrigação principal:
- assume o Tribunal a quo uma dimensão de acessoriedade que não tem suporte na lei, nem na doutrina;
- desde logo porque cláusula penal tem diferente natureza da obrigação principal.
Trata-se de uma indemnização e não do preço devido pelo fornecimento de bens ou serviços.
- sendo a cláusula penal intrinsecamente diferente da obrigação principal, não faz sentido que se conclua pela aplicação do prazo de prescrição da obrigação principal, porque não procedem quanto à cláusula penal as razões que determinaram o encurtamento do prazo de cobrança dos serviços telefónicos;
- não decorre da lei, muito pelo contrário, a extensão à cláusula penal do prazo de prescrição da obrigação principal:
- os art.ºs 809º e ss do CC referem, taxativamente, “formalidades” e “nulidade” da obrigação principal;
- o art.º 10º, n.º 1 da Lei 23/96, de 26.07, na redacção que lhe foi dada pela Lei 12/2008, de 26.02, estabelece a prescrição de seis meses, mas para o “preço do serviço prestado…”;
- e cinco anos para os juros de mora [art.º 310º, alínea d) do CC];
12. E se disposição especial não existe quanto à cláusula penal, atendendo à natureza da prestação em causa, não poderá deixar de se lhe aplicar do prazo ordinário de 20 anos.
13. Se, em relação ao preço dos serviços prestados a estipulação de um prazo de 6 meses para a prescrição visou (cfr. doc. 1):
(i) ordem pública de protecção, tutela do consumidor, visando prevenir a acumulação de dívidas, que o mesmo pode/deve pagar periodicamente, mas que terá dificuldade em solver se excessivamente agregadas;
(ii) (ii) responsabilizar os prestadores de serviços, em manter uma organização que lhes permita a cobrança em momento próximo do consumo;
(iii) (iii) sancionar a inércia e negligência decorridos seis meses após a prestação dos serviços;
14. Em relação à cláusula penal, os anteriores fundamentos não existem (cfr. doc. 1), uma vez que:
(i) o utente dispõe, desde a celebração do contrato, de todas as condições para saber exactamente, qual é o montante que terá de suportar caso incumpra o período de fidelização;
(ii) a obrigação constitui-se num momento único e por efeito de um comportamento único, pelo que evitá-la não é evitar um acumular de dívidas, é impedir a sua constituição.
De tudo quanto ficou exposto, resulta que, a decisão proferida nos presentes autos violou:
(i) os artigos 310º, alínea d) e 561º, ambos do CC, que reconhecem a autonomia do crédito e juros e um prazo de prescrição que não se verificava à data da apresentação da PI;
(ii) o art.º 10º. n.º 4 da Lei 23/96, de 26.07, ao absolver a Apelada do pagamento da factura n.º …………., de €321,25;
(iii) o artigo 309º do CC, pela não aplicação à cláusula penal do prazo de prescrição ordinário aí fixado, quando o elenco de excepções não a contemplam;
Deverá, pois, a decisão proferida ser substituída por outra que julgue válida e tempestivamente reclamada a dívida da Apelante relativa ao valor dos juros de mora e das duas últimas facturas peticionadas.

Não houve contra-alegações.
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Sendo o objecto do recurso delimitado pelas conclusões da recorrente, as questões que importa dirimir são as seguintes:
a) Não existe prescrição do direito da Autora em relação às duas últimas facturas?
b) São devidos os juros de mora e o valor estipulado a título de cláusula penal?
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II. FUNDAMENTAÇÃO

OS FACTOS

A 1ª instância deu como provados os seguintes factos:

1.A autora é uma sociedade anónima que tem por objecto a prestação de serviços de telecomunicações.

2. Entre a Autora e a Ré foi celebrado, em 17 de Fevereiro de 2012, um contrato de prestação de serviços de telecomunicações, com a obrigatoriedade de permanência de 24 meses.

3. Por força das condições específicas do serviço subscrita pela Ré, cláusula 14 “Em caso de rescisão do contrato por incumprimento do cliente bem como no caso de a B… aceitar a rescisão sem justa causa, a pedido do cliente, antes do decurso do prazo fixado nos termos das cláusulas 4.1.ou 4.2 o cliente ficará obrigado a pagar à B… uma compensação calculada nos termos indicados na proposta, sem prejuízo do direito a eventuais valores vencidos e juros moratórios.”

4. No âmbito do referido contrato a Autora emitiu, entre outras, já pagas, as seguintes facturas:
- factura n.º …………. , emitida em 8.10.2012, vencida em 28.10.2012, no valor de € 1.005,99;
- factura n.º …………., emitida em 8.11.2012, vencida em 28.11.2012, no valor de € 1.575,58;
- factura n.º …………., emitida em 7.12.2012, vencida em 27.12.2012, no valor de € 321,25:
- factura n.º …………., emitida em 07.01.2013, vencida em 27.01.2013, no valor de € 3998,26, relativa à indemnização relativa às mensalidades não pagas durante o período de permanência.

5. A Autora remeteu à Ré as facturas supra referidas, que não as pagou.

O DIREITO

a)
O acordo celebrado entre a Autora e a Ré configura um contrato de prestação de serviços de telecomunicações.
Mediante esse contrato, a Autora obrigou-se a prestar o serviço de telecomunicações, no plano tarifário escolhido pela Ré, obrigando-se esta a efectuar o pagamento dos valores facturados mensalmente e a manter o serviço pelo período de 24 meses, sob pena de, não o fazendo, se responsabilizar pelo pagamento à Autora, a título de cláusula penal, do valor relativo à quebra do vínculo contratual.
A primeira questão que se coloca é a de saber se está prescrito o direito de a Autora exigir o pagamento das duas últimas facturas emitidas, já que, quanto às restantes, não vem colocado em causa o acerto da decisão.
Daquelas facturas, a primeira, com o n.º …………., emitida em 7.12.2012 e vencida em 27.12.2012, no valor de 321,25 €, respeita a serviços prestados entre 1 de Novembro e 30 de Novembro de 2012 – cfr. fls. 137 e seguintes – ao passo que a segunda, com o n.º …………., emitida em 07.01.2013 e vencida em 27.1.2013, no valor de € 3998,26, é relativa à indemnização correspondente ao valor das mensalidades não pagas durante o período de permanência (cláusula penal).
A análise destas duas facturas tem de ser feita individualmente, pois uma delas reporta-se ao não pagamento do valor correspondente ao serviço prestado durante o mês de Novembro de 2012, estando a outra ligada ao accionamento da cláusula penal estabelecida para o caso de a Ré incumprir o contrato durante o chamado período de fidelização.
A lei que regula os Serviços Públicos Essenciais[1], nos quais se incluem os serviços de telecomunicações, é bem clara ao estipular, no artigo 10º, nºs 1 e 4, que o prazo de prescrição se conta após a prestação do serviço.
Ora, a primeira das mencionadas facturas relaciona-se com serviços prestados pela Autora entre o dia 01.11.2012 e 30.11.2012, pelo que é a partir desta última data que se deve contar o prazo de prescrição.
A injunção deu entrada no Banco Nacional de Injunções no dia 30.05.2013, ficando a partir daí sujeita aos procedimentos habituais para interpelação do requerido previstos no artigo 12º do DL 269/98, cujo n.º 1 dispõe:
“1 - No prazo de 5 dias, o secretário judicial notifica o requerido, por carta registada com aviso de recepção, para, em 15 dias, pagar ao requerente a quantia pedida, acrescida da taxa de justiça por ele paga, ou para deduzir oposição à pretensão.”
No caso, desconhece-se a data em que a Ré foi notificada para o referido efeito[2], mas não há dúvida de que tal notificação aconteceu bem depois da indicada data de 30.05.2013, pois a oposição deu entrada no dia 08.07.2013 (segunda-feira). Se considerarmos esta data como o último dia para apresentação da oposição e recuarmos os 15 dias concedidos à Ré para reagir contra a injunção, verificamos que a sua notificação terá ocorrido no dia 21.06.2013.
Como o prazo de prescrição se esgotava precisamente no fim do dia em que deu entrada o requerimento de injunção, ou seja, em 30.05.2013 – artigo 279º, alínea c), do CC – é facilmente constatável a prescrição do direito da Autora ao recebimento do valor dessa factura, na medida em que o acto que poderia interromper o decurso desse prazo – a interpelação da Ré – teve lugar, forçosamente, após a referida data.
E isto não deixa de ser assim mesmo que se considere a disposição do artigo 323º, n.º 2, segundo a qual, “se a citação ou notificação se não fizer dentro de cinco dias depois de ter sido requerida, por causa não imputável ao requerente, tem-se a prescrição por interrompida logo que decorram os cinco dias.”
A prescrição tem natureza extintiva ou liberatória, isto é, a obrigação civil, exigível em acção creditória, extingue-se.
Não restam, portanto, dúvidas de que esta questão, apesar de ter sido apreciada de forma breve e pouco fundamentada, foi correctamente decidida na sentença.

b)
A obrigação de juros surge em consequência da obrigação de capital, visto que representa o rendimento dele: não se concebe, pois, sem uma obrigação de capital, podendo considerar-se uma obrigação acessória desta, no sentido em que não pode nascer ou constituir-se sem esta.
A relação de dependência não obsta, no entanto, a que uma vez constituído, o crédito de juros se autonomize, sendo que o próprio artigo 561º do CC consagra a autonomia desse crédito, ao determinar: “Desde que se constitui, o crédito de juros não fica necessariamente dependente do crédito principal, podendo qualquer deles ser cedido ou extinguir-se sem o outro.”
Antunes Varela[3] refere a este propósito: “Pode, na verdade, o credor ceder, no todo ou em parte, o seu crédito de juros e conservar o crédito relativo ao capital; pode, pelo contrário, ceder a outrem o crédito do capital e manter para si, no todo ou em parte, o crédito dos juros vencidos. É perfeitamente possível, por outro lado, que se extinga por qualquer causa o crédito principal, e persista o crédito dos juros vencidos, ou que, inversamente, se extinga este último e se mantenha íntegra o primeiro.”
O que é fundamental é que o crédito de juros se tenha constituído.
Com efeito, há dois direitos: o direito ao capital e o direito às prestações singulares de juros, estando cada um deles sujeito à sua prescrição própria – o direito ao capital ao prazo de seis meses (artigo 10º, n.º 1, da Lei 23/96), e o direito aos juros ao prazo de 5 anos (artigo 310º, alínea d), do CC).
É claro que, prescrita a dívida de capital, nunca mais ela vencerá juros; mas prescrito um capital, podem no entanto exigir-se os juros anteriores de há menos de 5 anos. Tal será uma consequência da autonomia que os juros mantêm relativamente ao crédito de capital, embora acessórios deste.
No caso dos autos, a mora da Ré no pagamento das três primeiras facturas relacionadas no ponto 4. dos factos provados fez com que incorresse na obrigação dos respectivos juros, estando estes sujeitos a um prazo prescricional de 5 anos – artigo 310º, alínea d), do CC.
Assim, apesar de extinto, no caso dos autos, o crédito principal, o crédito de juros relativo às três primeiras facturas mantém-se até à data em que se verificou a prescrição daquele, uma vez que o mencionado prazo prescricional de 5 anos ainda está longe de se mostrar esgotado.
O crédito principal dividia-se, como se disse, pelas referidas três facturas, verificando-se que o crédito atinente a cada um delas alcançou a prescrição seis meses após a prestação do serviço nelas indicado.
Temos então que:
- o valor da factura n.º …………. (1.005,99 €), emitida em 8.10.2012 e vencida em 28.10.2012, respeitando a serviços prestados entre 01.09.2012 e 30.09.2012, prescreveu em 30.03.2013;
- o valor da factura n.º …………. (1.575,58 €), emitida em 08.11.2012 e vencida em 28.11.2012, respeitando a serviços prestados entre 01.10.2012 e 31.10.2012, prescreveu em 30.04.2013 (cfr. artigo 279º, alínea c), do CC);
- o valor da factura n.º …………. (321,25 €), emitida em 07.12.2012 e vencida em 27.12.2012, respeitando a serviços prestados entre 01.11.2012 e 30.11.2012, prescreveu – como acima se esclareceu – em 30.05.2013, data da apresentação da injunção.
Os juros de mora incidem, portanto, desde a data do vencimento de cada uma dessas facturas até ao momento em que prescreveu o crédito titulado por cada uma delas, aplicando-se as taxas de juro comerciais de 8% e 7,75% em vigor no 2º semestre de 2012 e no primeiro semestre de 2013[3].
Feitas as contas, constata-se que os juros vencidos alcançam o valor total de 95,99 €, sendo 33,53 € relativos à 1ª factura, 51,88 € à segunda e 10,58 € à terceira.
Nesta parte, portanto, procederá a apelação.
E quanto à cláusula penal?
Quanto a este aspecto há uma observação que deve ser feita ab initio.
A decisão da 1ª instância reproduz, integral e textualmente, o acórdão da Relação de Lisboa de 16.06.2011, relatado pelo Ex.º Desembargador Aguiar Pereira no processo n.º 28934/03, sem que haja uma única referência a esta fonte jurisprudencial. Não podemos deixar passar em claro esta constatação, felizmente pouco comum.
O valor da indemnização fixada a título de cláusula penal foi reclamado na factura n.º …………., emitida em 07.01.2013.
A cláusula 14ª do contrato estipulava: “Em caso de rescisão do contrato por incumprimento do cliente bem como no caso de a B… aceitar a rescisão sem justa causa, a pedido do cliente, antes do decurso do prazo fixado nos termos das cláusulas 4.1.ou 4.2 o cliente ficará obrigado a pagar à B… uma compensação calculada nos termos indicados na proposta, sem prejuízo do direito a eventuais valores vencidos e juros moratórios.”
Esta cláusula corresponde à pré-fixação do montante indemnizatório devido pelo incumprimento do adquirente dos serviços, fazendo-o equivaler à soma do montante das mensalidades acordadas para a prestação do serviço que se venceriam desde a data da suspensão desses serviços, ditada pelo referido incumprimento, até ao termo do período de permanência ajustado (período de fidelização).
A jurisprudência não é unânime quanto à questão de saber se, extinta a obrigação principal pelo decurso do prazo de prescrição previsto no n.º 1 do artigo 10º da Lei 23/96, deve subsistir a cláusula penal.
Uma corrente[4] entende não ser aplicável à cláusula penal esse prazo prescricional de seis meses do artigo 10º, n.º 1, da Lei 23/96, mas antes o prazo ordinário de 20 anos fixado no artigo 309º do CC, por considerar que uma coisa é o crédito do preço e outra o crédito de indemnização emergente do incumprimento do período de fidelização; outra corrente[5], na qual nos integramos, sufraga o entendimento de que, dada a acessoriedade da cláusula penal, esta não sobrevive à obrigação principal prescrita.
Na verdade, a cláusula penal (artigo 810º, n.º 1, do CC), pressupõe a existência de uma obrigação, não constituindo um fim em si mesmo. Constitui antes um instrumento que visa reforçar antecipadamente a reacção legal contra o não cumprimento da obrigação.
Assim nos diz Pinto Monteiro:
“A dependência da cláusula penal relativamente à obrigação cujo inadimplemento sanciona, manifesta-se (…) em vários momentos, desde que esta se constitui até à sua extinção.
Em primeiro lugar, a cláusula penal requer que a obrigação principal haja sido validamente constituída, pelo que, sendo esta inválida, igual sorte tem aquela cláusula. Por outro lado, as formalidades exigidas para a obrigação principal estendem-se à cláusula penal (art. 810º, n.º 2). Por último, extinguindo-se, por qualquer motivo, a obrigação principal, caduca a cláusula penal. Numa palavra: desaparecendo a obrigação, seja porque é nula ou foi anulada, seja porque se extinguiu, desaparece o pressuposto de que a cláusula penal dependia, pelo que esta perde a sua razão de ser.”[6]
Esta natureza acessória da cláusula penal é também sublinhada por Pires de Lima e Antunes Varela[7], nos seguintes moldes: “O carácter acessório da cláusula não se reflecte apenas no efeito da nulidade da obrigação principal. Também no caso de a prestação se tornar impossível, por causa não imputável ao devedor, e de a obrigação se extinguir, a cláusula fica sem efeito. Ela só funciona (…) quando se não efectua a prestação que é devida. Se esta, por qualquer razão, deixa de ser devida, a cláusula caduca.”
Na economia do contrato, a cláusula de fidelização estipulada para a eventualidade de incumprimento só existe em função da prestação do serviço e da entrega do respectivo preço, fazendo parte deste sinalagma[8].
Daqui tem de retirar-se, para o caso presente, a necessária consequência: mostrando-se extinta, por prescrição, a obrigação principal a que a Ré se vinculara, considera-se caducada a cláusula penal estabelecida no contrato em benefício da credora.
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III. DECISÃO

Deste modo, na parcial procedência da apelação, decide-se:

A. Revogar, também em parte, a sentença recorrida, condenando-se a Ré a pagar à Autora a quantia de 95,99 € (noventa e cinco euros e noventa e nove cêntimos), a título de juros de mora vencidos desde a data de vencimento de cada uma das três primeiras facturas.

B. Manter, quanto ao mais, o decidido na 1ª instância.
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Custas pela apelante e pela apelada, na proporção dos respectivos decaimentos.
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PORTO, 21 de Outubro de 2014
Henrique Araújo
Fernando Samões
Vieira e Cunha
_____________
[1] Lei 23/96, de 26 de Julho, com as alterações introduzidas pelo
[2] Nem o processo físico nem o histórico do processo no citius contêm tal elemento.
[3] “Das Obrigações em Geral”, Volume I, 4ª edição, páginas 781/782.
[4] Cfr. Avisos da Direcção Geral do Tesouro e Finanças nºs 9944/2012 e 594/2013, publicados na II Série do DR em 27.04.2012 e 11.01.2013, respectivamente.
[5] Cfr. os acórdãos da Relação de Lisboa de 16.03.2010, 15.02.2011, 07.06.2011 e 21.06.2011, nos processos nºs 1405/08.4TJLSB.L1-1, 3084/08.0YXLSB-A.L2-7, 2360/06.0YXLSB.L1-7 e 264/06.6YXLSB.L1-7, respectivamente, todos em www.dgsi.pt.
[6] Cfr. os acórdãos da Relação de Lisboa de 25.02.2010, 16.06.2011, 29.11.2011 e 24.04.2012, nos processos nºs 1591/08.3TVLSB.L1-6, 28934/03.3YXLSB.L1-6, 370/06.7YXLSB.L1-7 e 1584/05.2YXLSB.L1-7, respectivamente, no mesmo endereço electrónico.
[7] “Cláusula Penal e Indemnização”, páginas 88/89.
[8] “Código Civil Anotado”, Volume II, edição de 1968, página 57, nota 3.
[9] Como lapidarmente se referiu no acórdão da Relação de Lisboa de 24.04.2012, referido na nota 6.