Acórdão do Tribunal da Relação do Porto | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JTRP000 | ||
Relator: | NÉLSON FERNANDES | ||
Descritores: | PROCESSO LABORAL AUDIÊNCIA PRÉVIA PRINCÍPIO DO CONTRADITÓRIO DECISÃO SURPRESA | ||
Nº do Documento: | RP20230605175/19.5T8PNF-A.P1 | ||
Data do Acordão: | 06/05/2023 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | RECURSO PROCEDENTE; ANULADA A DECISÃO. | ||
Indicações Eventuais: | 4. ª SECÇÃO SOCIAL | ||
Área Temática: | . | ||
Sumário: | I - No processo laboral, atentas as características que o enformam e a sua especial natureza face ao processo civil, em face do que se dispõe no artigo 62.º n.º 1 do CPT, a convocação da audiência prévia apenas ocorre “quando a complexidade da causa o justifique”, o que significa que, ao contrário do congénere civil, aquela pode ser dispensada e logo conhecer-se do mérito quando a causa não assuma tal complexidade, juízo esse a fazer pelo julgador de acordo com as características do processo em questão, mas desde que disponha de todos os elementos necessários. II - Porém, não sendo convocada audiência prévia, como decorre expressamente do n.º 2, do artigo 61.º, do mesmo Código, o juiz não pode julgar logo procedente alguma exceção dilatória ou nulidade que lhe cumpra conhecer, ou decidir do mérito da causa, sem que antes dê cumprimento aos n.ºs 3 e 4 do artigo 3.º do Código de Processo Civil. III - O processo equitativo, como “justo processo”, supondo que os sujeitos do processo usem os direitos e cumpram os seus deveres processuais com lealdade, em vista da realização da justiça e da obtenção de uma decisão justa, determina também, por correlação ou contraponto, que o juiz que dirige o processo não pratique atos no exercício dos poderes processuais de ordenação que possam criar a aparência confiante de condições legais do exercício de direitos, com a posterior e não esperada projeção de efeitos processualmente desfavoráveis para os interessados que depositaram confiança no rigor e na regularidade legal de tais atos. IV - O princípio do cumprimento do contraditório, que podemos ter como emanado do n.º 4 do artigo 20.º da Constituição da República Portuguesa – direito constitucional a um processo equitativo – e que encontra atualmente consagração expressa no CPC, assim no seu artigo 3.º, n.º 3, estando ainda diretamente associado aos deveres de gestão processual e de cooperação para com as partes, também cometidos ao juiz – respetivamente, pelo artigo 6.º e 7.º do CPC –, tem normalmente como campo de aplicação os casos em que o tribunal tenha de debruçar-se sobre questões (de facto ou direito) de conhecimento oficioso que as partes não tenham considerado/invocado, impondo-se ao juiz, mesmo nesses casos, que antes de decidir dê a possibilidade de aquelas se pronunciarem, independentemente da fase em que se encontre o processo. V - Omitindo o juiz a aplicação do princípio do contraditório, daí pode resultar nulidade, caindo na previsão do artigo 195.º e a apreciar nos termos gerais do artigo 201.º, ambos do CPC, pois que a decisão surpresa, salvos os casos de manifesta desnecessidade, ao não ter dado às partes a oportunidade de se pronunciarem, pode influir no exame ou na decisão a causa. VI - A ocorrer uma qualquer nulidade com esse fundamento, a mesma dirá respeito a atividade anterior à da prolação da decisão propriamente dita, assumindo-se assim como processual, enquanto desvio entre o formalismo prescrito na lei e o formalismo efetivamente seguido no processo, assumindo-se, porém, como nulidade secundária, pelo que o seu conhecimento depende de arguição. | ||
Reclamações: | |||
Decisão Texto Integral: | Apelação/processo n.º 175/19.5T8PNF-A.P1 Autora: AA Ré: A..., S.A. _______ Nélson Fernandes (relator)Teresa Sá Lopes António Luís Carvalhão Acordam no Tribunal da Relação do Porto I - Relatório 1. AA intentou contra A..., S.A., ação de impugnação judicial da regularidade e licitude do despedimento, pedindo que seja declarada a ilicitude ou a irregularidade do despedimento que foi promovido pela sua empregadora, com as legais consequências. Frustrada a conciliação na audiência de partes, a Ré foi notificada “nos termos do art.º 98-I, n.º 4, a) do C.P Trabalho para no prazo de 15 dias, apresentar articulado para motivar o despedimento, juntar o original do procedimento disciplinar, bem como os documentos comprovativos do cumprimento das formalidades exigidas, apresentar o rol de testemunhas e requerer quaisquer outras provas, advertindo-a de que, nos termos do nº 1 do artº 98º-J do citado diploma legal, apenas pode invocar factos e fundamentos constantes da decisão de despedimento comunicado à Trabalhadora.”. Do histórico do processo decorre: - em 19 de maio de 2019 foi proferido despacho com o teor seguinte: “Considerando o requerido a fls. 147, declaro cessada a suspensão da instância. Mais determino o prosseguimento dos autos, devendo a Empregadora ser notificada nos termos do art.º 98-I, n.º 4, a) do C.P Trabalho para no prazo de 15 dias, apresentar articulado para motivar o despedimento, juntar o original do procedimento disciplinar, bem como os documentos comprovativos do cumprimento das formalidades exigidas, apresentar o rol de testemunhas e requerer quaisquer outras provas, advertindo-a de que, nos termos do nº1 do artº 98º-J do citado diploma legal, apenas pode invocar factos e fundamentos constantes da decisão de despedimento comunicada à Trabalhadora.” - Em 28 de maio de 2019, a Ré empregadora apresentou o articulado motivador do despedimento, sem juntar o original do procedimento disciplinar. - Em 14 de junho de 2019, a Autora apresentou contestação/reconvenção, na qual arguiu a ineptidão do articulado motivador, além do mais, por ser impossível a tomada de posição sobre os factos não alegados, até pelo seu desconhecimento, que sustentariam a regularidade do despedimento, defendendo que deve: “A) Ser julgado inepto o articulado de motivação do despedimento, considerando-se não oferecido e consequentemente ser declarada a ilicitude do despedimento da Trabalhadora”. - Em 19 de junho de 2019 foi proferido o seguinte despacho: “Por despacho datado de 21 de Maio de 2019 foi a Empregadora notificada, além do mais, para juntar o original do procedimento disciplinar, o que até à presente data não fez, limitando-se a juntar via citius cópia de tal procedimento. Entretanto veio a Trabalhadora requerer a “emissão de certidão integral do original do processo disciplinar, cuja finalidade se destinará a instruir processo-crime”. Pelo exposto, e antes de mais, notifique de novo a Empregadora para, no prazo de cinco dias, juntar aos autos o original do procedimento disciplinar.” - Em 26 de junho de 2019, a Ré juntou aos autos o original do procedimento disciplinar em causa. - Em 9 de julho de 2019, a Ré respondeu, além do mais, à exceção de ineptidão do articulado motivador. - Em 11 de outubro de 2019, o Tribunal a quo proferiu despacho nos termos seguintes: “(…). Estipula o art. 27º, al. b), do Código de Processo do Trabalho, aqui aplicável por força do disposto no art. 61º, nº1 e 98º-M, do citado diploma fundamental, que o Juiz deve, até à audiência de discussão e julgamento, “convidar as partes a completar e a corrigir os articulados, quando no decurso do processo reconheça que deixaram de ser articulados factos que podem interessar à decisão da causa, sem prejuízo de tais factos ficarem sujeitos às regras gerais sobre contraditoriedade e prova”. Pelo exposto, porque a alegação da Empregadora relativamente aos factos concretos cuja prática imputa à Trabalhadora e que constituíram fundamento para o seu despedimento se nos afigura deficiente / insuficiente, nos termos do disposto nos artigos 590º, nºs 2, al. b) e 4 do Código de Processo Civil, 98º-M, 61º, nº1 e 27º, al. b), ambos do Código de Processo do Trabalho, convido a Empregadora a, no prazo de 10 dias, suprir as apontadas insuficiências na exposição da matéria de facto.”. - Em 29 de outubro de 2019, a Ré apresentou um novo articulado motivador de despedimento. - Em 08 de novembro de 2019, a Autora pronunciou-se sobre o novo articulado motivador, requerendo a nulidade e o desentranhamento do mesmo: “Como se adquire dos sinais dos autos o primitivo articulado motivador (AM) contava com 121 artigos dispersos por 60 páginas, e o verdadeiramente novo AM conta com 594 artigos insertos em mais de 150 páginas(!?). Ora, sem prejuízo de tudo o mais que será alegado, torna-se à partida evidente que a Empregadora não completou, ou corrigiu o seu AM, fez um originariamente novo, alegando novos factos essenciais, acessórios, materiais, procedimentais, processuais, documentais, objectivos, subjectivos, formulando novas conclusões, invocando novos efeitos jurídicos emergentes dos factos alegados, alterando os já alegados, desistindo de argumentos que prefigurou já como improcedentes face à contestação reconvenção da trabalhadora e aditando ainda outros argumentos inéditos; Tudo o que não cabe nem na letra e teleologia do despacho, nem nas normas processuais aplicáveis, particularmente no princípio do dispositivo, da estabilidade da instância, da lealdade e boa-fé processuais; além do mais por configurar a prática de um acto que a lei não admite com manifesta influência no exame e decisão da causa, concluindo nos mesmos termos da anterior contestação/reconvenção.”. - Por requerimento de 18 de novembro de 2019, a Ré veio considerar que houve um “lapso” do responsável pelo arquivo, tendo reparado que o documento junto com o articulado motivador originário foi arquivado como sendo a última versão do relatório final daquele procedimento quando, afinal, “era apenas um documento de trabalho, não correspondendo à versão final do Relatório Final, não integrando o processo disciplinar movido à Autora”; E requereu a substituição do Relatório Final, junto aos autos a 26 de junho de 2019, nos seguintes termos: “deverá o douto Tribunal admitir a substituição de tal documento, bem como reconhecer a não aplicação do artigo 98.º-J do CPT.” – cf. art.º 95.º de tal requerimento. Requereu ainda, no artigo 48.º do mesmo requerimento, a alteração do articulado motivador aperfeiçoado, na parte referente a “B.3. das infracções praticadas pela autora consideradas provadas no relatório e na decisão final”, fazendo constar de seguida a nova redação dos artigos 369.º a 561 do articulado motivador que apresentara em 29 de outubro de 2019. - Em 2 de dezembro de 2019, a Autora pugnou pela inadmissibilidade legal e nulidade/desentranhamento do “terceiro articulado motivador” apresentado pela Ré, por “refundar completamente o despedimento da trabalhadora”. - Em 7 de fevereiro de 2020, foi proferido despacho que se conclui do modo seguinte: «(…) Termos em, que porque se afigura importante para a decisão do Tribunal tendo em vista o conhecimento de uma das várias questões suscitadas, se determina, antes de mais, a notificação da Empregadora para, no prazo de 10 dias, remeter a estes autos, em suporte de papel, o original do que agora classifica de “verdadeiro relatório final”.» - Em 20 e 21 de fevereiro de 2020 a Ré deu entrada de requerimento dizendo estar a cumprir o determinado pelo despacho de 7 de fevereiro do mesmo mês. - Em 5 de março de 2020 a Autora deu entrada de requerimento em que invoca, para além do mais, designadamente: que o “suposto original do relatório final agora junto pela R. não é coincidente com aquele que foi junto aos autos, em suporte digital em 25/05/019 e físico, este no seguimento do segundo convite ao cumprimento do previsto no douto despacho a fls. … proferido na audiência de partes e do estatuído no n.º 2 al. a) do art.º 98.º-G do Código de Processo do Trabalho, desta feita em 26/06/2019”; “ainda o mesmo documento não é conforme à alegação factual que a R. oportunamente realizou no novo articulado motivador aperfeiçoado junto a fls. …, o que se adquire da sua compaginação. Conclui que “seja decidida a inadmissibilidade legal e consequentemente determine o desentranhamento do articulado anómalo da R. e do documento que o suporta, documento que subsidiariamente se deixa, com os invocados fundamentos, impugnado.” 2. Com data de 16 de julho de 2020, o Tribunal recorrido proferiu despacho, em que fez constar o seguinte: “(…). Por tudo o exposto, consideramos que a Empregadora, ao oferecer o articulado motivador de fls. 2662 a 2812, não respeitou os limites impostos pelo despacho proferido a fls. 2651 a 2660, pelos artigos 590º, nº6 e 265º, do Código do Processo Civil e pelo artigo 98º-J, nº1 do Código de Processo do Trabalho, e, como, praticou um acto que a lei não admite e, consequentemente, nulo, atento o disposto no artigo 195º, nº 1, do Código de Processo Civil, porquanto a sua prática influi no exame e na decisão da causa, com a consequente anulação dos actos que se lhe seguiram no processo, ficando por conseguinte prejudicado o conhecimento das demais questões suscitadas pela Trabalhadora no articulado de resposta ao acto agora declarado nulo, atento o disposto no artigo 195º, nº2, do Código de Processo Civil. Logo, e uma vez que o articulado inicialmente apresentado a fls. 153 e ss. por si só, face ao que resulta do despacho de fls. 2651 e ss., não contém factos suficientemente concretizados fundamentadores da justa causa de despedimento da Trabalhadora, concluímos, pelos fundamento já ali explanados, pela ineptidão daquele articulado, não preenchendo este os requisitos legais para que se entenda cumprido o ónus de apresentação do articulado a que aludem os artigos 98º-I nº 4 alínea a) e 98º-J do Código de Processo do Trabalho por parte da Empregadora. Por isso, há neste momento apenas que dar cumprimento de imediato ao disposto no 98º -J nºs 3 e 4 do Código de Processo do Trabalho, ou seja, declarar a ilicitude do despedimento da Trabalhadora. Com efeito, fica prejudicada a apreciação da reconvenção porquanto a mesma pressuporia a prévia existência de contestação – art. 98º-L, n.º 3, do CPT. Ora, uma vez que concluímos pela ineptidão do articulado motivador de fls. 153 e ss., e dada a equivalência com a ineptidão da petição inicial em acção com processo comum, atento o disposto no artigo 186º, nº1, do Código de Processo Civil nos termos do qual tal vício acarreta a nulidade de todo o processado, incluindo da contestação, não se apreciará a reconvenção deduzido pela Trabalhadora (Caso o pretenda, sempre pode a Trabalhadora, após notificação que oportunamente se ordenará, lançar mão do disposto no art. 98º-J, al. c) do CPT.). Assim sendo, atento o disposto no artigo 98º-J, nº3, do Código de Processo do Trabalho, declaro a ilicitude do despedimento da Trabalhadora AA efectuado pela Empregadora A..., S.A.. Mais decido que, tendo em vista o Tribunal dispor de elementos que lhe permitam proferir a decisão prevista na alínea a) do nº 3, do art. 98º-J, do Código de Processo do Trabalho, a Trabalhadora seja notificada para, no prazo de 10 dias, esclarecer nos autos se pretende ou não optar pela indemnização em substituição da reintegração, devendo, na afirmativa, indicar a data do início do contrato de trabalho que celebrou com a empregadora bem como a retribuição por ela auferida à data do despedimento.”. 2.1. A Autora respondeu a dizer que “opta pela indemnização em substituição da reintegração.”. 2.2. A Ré apresentou requerimento de interposição de recurso, sendo que, subidos os autos a este Tribunal da Relação, após convite de aperfeiçoamento pelo então Exmo. Relator, apresentou as conclusões seguintes: “Enquadramento do presente recurso 1. O presente Recurso versa exclusivamente sobre matéria de Direito, nos termos infra consignados, incidindo sobre o Despacho datado de 16/07/2020 que declarou a Ilicitude do Despedimento operado. 2. Almejando uma melhor compreensão, anteriormente, por Despacho datado de 11.10.2019, o Tribunal a quo depois de referir expressamente que o Articulado Motivador não era Inepto, convidou a Recorrente a suprir insuficiências na exposição da matéria de facto, o que não mereceu qualquer recurso ou reclamação pelas partes. Por conseguinte, 3. a Recorrente, a 29.10.2019, acedendo ao convite, veio apresentar o Articulado Aperfeiçoado (cfr. fls 2662 a 2812). 4. depois de outros Articulados apresentados, veio o Tribunal a quo, através do Despacho datado de 16.07.2020 e do qual agora se recorre, declarar a Ilicitude do Despedimento, alvitrando que a Recorrente extravasou os limites do convite que lhe havia sido formulado e que, por essa razão, praticou um ato nulo, ordenando o seu desentranhamento. 5. Perante o que antecede, o Tribunal de primeira instância estatuiu que deveria ter em conta apenas o Articulado Motivador primeiramente apresentado, que, por fim, considerou inepto, julgando que esse facto equivaleria à falta de apresentação do articulado ou à falta de junção do procedimento disciplinar. Neste conspecto, 6. a Apelante não se conforma minimamente com o Despacho referido. Nos capítulos seguintes serão apresentados vários vícios que deverão acarretar, naturalmente, a revogação da decisão proferida. Nulidade pela falta da prática de um acto que a lei prevê 7. Resulta do Despacho sob sindicância a declaração da ilicitude do despedimento da trabalhadora, aí invocando-se o art. 98.º - J n.º 3 do CPT, julgando, por conseguinte, procedente a exceptio de Ineptidão. 8. Todavia, a procedência da exceção foi julgada sem que o Tribunal tivesse convocado Audiência Prévia. Efetivamente, se o Tribunal tencionava conhecer da exceção de ineptidão, deveria ter convocado a Audiência Prévia com o desiderato de facultar às partes a discussão de facto e de Direito, assegurando também assim o respeito pelo princípio do contraditório evitando aquilo que constituiu uma clara decisão-surpresa. 9. A matéria aqui aduzida é de assaz importância porquanto, como acima se aduziu e será infra aflorado, num momento anterior ao Despacho do qual se recorre, o douto Tribunal chegou a consignar que não decorria a ineptidão da Petição Inicial (leia-se, do Articulado de Motivação do Despedimento), o que gerou, agora, evidente perplexidade. (precisamente o de 11.10.2019, a fls 2651 a 2660) 10. A realização da Audiência Prévia, no caso sub-judice, constituiria a regra, especialmente atendendo à especial complexidade da matéria em causa. Perante o que antecede, só podemos concluir o seguinte: 11. O Tribunal a quo ao não convocar Audiência Prévia quando tencionava conhecer imediatamente de exceção dilatória cometeu uma irregularidade processual que influi no exame ou na decisão da causa e se converte, naturaliter, numa nulidade processual, conforme artigo 195.º do Código de Processo Civil, por omitir uma formalidade de cumprimento obrigatório como é a falta de convocação da Audiência Prévia com o fito de assegurar o contraditório. Assim sendo, 12. estamos perante uma Nulidade processual traduzida na omissão de um ato que a lei prescreve, o que aqui expressamente se invoca para todos os efeitos legais. Ad cautelam, sem prescindir. Nulidade da sentença por excesso de pronúncia por falta de audiência prévia. 13. Se assim não se entender, sempre estaremos perante uma Nulidade da decisão por Excesso de Pronúncia, nos termos do artigo 615.º n.º 1 alínea d) in fine, do Código de Processo Civil, o que aqui expressamente se invoca para todos os efeitos legais, por ser uma omissão/nulidade que se comunica ao Despacho proferido afetando essa mesma Decisão e que respeita ao seu conteúdo, de modo que a reação da parte vencida passa pela interposição de Recurso da decisão proferida em cujos fundamentos se integre a arguição da nulidade da decisão por excesso de pronúncia. Com efeito, 14. deve a decisão proferida ser anulada pelo vício apontado, o que hic et nunc se peticiona para todos os efeitos legais. Ad cautelam, sem prescindir, Nulidade de excesso de pronúncia por conhecer da exceptio de ineptidão e, subsidiariamente, inexistência ou ineficácia. 15. Por Despacho datado de 11.10.2019, o Tribunal a quo, convidou a Recorrente ao aperfeiçoamento nos termos aí estatuídos e, compulsados os autos, verifica-se que desse Despacho nenhuma das partes i) reclamou ou ii) interpôs recurso. 16. Procurando ser desde já específico quanto ao vício a apontar, diga-se que quanto a essa matéria da Ineptidão do Articulado Motivador, o poder jurisdicional do Tribunal esgotou-se ao proferir o primeiro e referido despacho, não sendo lícito voltar a pronunciar-se sobre tal questão. 17. Numa palavra, o Tribunal a quo já se havia pronunciado estatuindo que o Articulado Motivador era deficiente, consignando expressamente que NÃO seria inepto, tanto mais que convidou ao seu aperfeiçoamento nos termos em que fez. 18. Através do sobredito Despacho de 11.10.2019, o Tribunal de primeira instância reconheceu que resultava da matéria alegada e invocada pela Recorrente que i) no dia 9 de abril de 2018 realizou-se uma reunião na qual a Recorrida confessou ter subtraído valores (cfr. Art. 49 .º do Articulado Motivador), ii) que no dia 30 de maio de 2018 realizou-se uma segunda reunião tendo como intuito nova confrontação da Recorrida com os elementos apurados e que iii) esta resultou na restituição por parte desta de 69.443,38 Euros, mais sublinhando iv) que no caso concreto, embora de forma “não louvável” a Recorrente alegou alguns factos no seu Articulado Motivador, concluindo que não se trataria “por isso, no nosso entendimento de uma situação de ineptidão do articulado motivador equivalente à falta de apresentação do mesmo, mas antes de um articulado motivador deficiente/insuficiente”. Ou seja, 19. no Despacho proferido a 11.10.2019, o douto Tribunal refere que não se trata de uma situação de Ineptidão do Articulado Motivador equivalente à falta de apresentação do mesmo, mas antes de um Articulado Motivador deficiente/insuficiente. Com efeito, acerca desta matéria, 20. o Despacho agora em crise, ao declarar a Ineptidão do Articulado Motivador e a consequente Declaração da Ilicitude do despedimento, constitui uma clara decisão surpresa. Ao mesmo tempo, também esta decisão está ferida de ilegalidade porquanto se pronunciou sobre uma matéria sobre a qual já havia tomado posição no pretérito no sentido de inexistir Ineptidão e da qual nenhuma das partes recorreu ou reclamou, ferindo inclusivamente o caso julgado. Face ao retro exposto, 21. dúvidas não pode existir que (muito) mal andou o Tribunal a quo ao decidir como decidiu, em claro Excesso de Pronúncia pelos argumentos supra aduzidos. Se assim não se entender, 22. atenta a dúvida quanto à denominação do vício de Direito apontado, também este poderá corresponder a uma Ineficácia ou Inexistência, o que aqui também expressamente se invoca para todos os efeitos legais, ou a um erro de Direito pelo facto do poder jurisdicional se ter já esgotado quanto a essa matéria acarretando a impossibilidade de conhecer novamente dessa exceção processual, pelo que deve o Despacho em crise ser revogado. Posto isto, decorrentemente, 23. dúvidas não podem existir que mal andou o Tribunal a quo ao decidir como decidiu, devendo a decisão ser revogada, o que aqui expressamente se invoca para todos os efeitos legais. Acresce que, mesmo que assim não fosse, Da falta de renovação do despacho 24. Se o douto Tribunal, por alguma razão, entendia que a Recorrente não deu cumprimento ao convite formulado, deveria, naturaliter, ter renovado o Despacho proferido, até porque, o despacho não concretizou – como amiudadas vezes sucede – quais os artigos a aperfeiçoar, o que dificulta a tarefa de qualquer intérprete, em especial da parte. 25. Ao mesmo tempo, não é de somenos importância salientar que o Despacho que convidou ao aperfeiçoamento nem sequer associou qualquer cominação no “despacho convite” que levasse a concluir pela ineptidão ou, pior, pela declaração “súbita” da ilicitude de despedimento, conforme Decisão em crise, mas antes pelo contrário: no mesmo Despacho considerava que não existia Ineptidão. Relativamente a estas matérias, 26. enuncie-se que o artigo 591.º n.º 1, alínea c) do Código de Processo Civil não parece rejeitar a possibilidade de se renovar o Despacho para serem corrigidas falhas pretensamente ainda existentes, o que conjugado com o dever de cooperação assume especial relevância. Com efeito, 27. não pode negar-se que mal andou o Tribunal de primeira instância ao considerar que o convite ao aperfeiçoamento não foi cumprido sem renovar o despacho por si proferido no sentido de explicar e concretizar o que pretendia ver esclarecido. 28. Deste arrazoado resulta que, também por falta de renovação de despacho a conceder novo prazo para o aperfeiçoamento, mal andou o Tribunal a quo, pelo que deve a decisão em crise ser desde já revogada, o que aqui expressamente se peticiona para todos os efeitos legais. Ad cautelam, se assim não se entender, Da cominação errada 29. Estando em causa a deficiente alegação de factos (expressão que consta do “despacho convite”), a insuficiência ou a imprecisão na exposição ou concretização da matéria de facto articulada será apenas e tão só reconduzível a uma petição deficiente conforme estatuído no artigo 590.º n.º 4 do Código de Processo Civil) e não a uma petição irregular (de acordo com o artigo 590.º n.º 3 do Código de Processo Civil). Ora, 30. estando alegadamente em causa uma petição deficiente - cuja causa de pedir carece de ser completada ou corrigida por os factos alegados serem insuficientes ou não se apresentarem suficientemente concretizados - a verdade é que se a parte não corresponder ao convite ao aperfeiçoamento, a ação deverá na mesma prosseguir, correndo a parte - naturalmente e como não poderia deixar de ser - o risco de que a decisão de mérito lhe seja desfavorável, por inconcludência ou falta de concretização da causa de pedir. Assim, 31. mesmo que o Tribunal a quo não tivesse que renovar o despacho a convidar ao aperfeiçoamento, o que não se concede, se entendesse que a Recorrente não respondeu nem cumpriu o convite que havia sido formulado, tal situação nunca poderia acarretar a imediata declaração de ilicitude do despedimento. Destarte, 32. o alegado não acatamento do convite ao aperfeiçoamento não poderia ter como efeito a inviabilidade do prosseguimento da ação judicial, mediante a aplicação da cominação plasmada no art.º 98.º J, n.º 3 do Código de Processo de Trabalho. Simplificando, 33. e a cominação não resultava expressamente do despacho de 10.11.2019, a fls. 2651 ss., além de que a não correção duma petição deficiente não determina o não prosseguimento da causa, pelo que sempre deveria a acção e os factos que a Meritíssima Juíza a quo entendeu serem “insuficientes” e ali transcritos serem levados a Julgamento e, portanto, levados à apreciação de mérito quanto à alegada justa causa de despedimento da Autora, ora Recorrida. Assim sendo, 34. em consequência do exposto, deve revogar-se a decisão recorrida. Ad cautelam, sem prescindir, Do desentranhamento do articulado motivador aperfeiçoado 35. Antecipe-se desde já a conclusão a extrair: entendendo o Tribunal a quo que a Recorrente extravasou o convite ao aperfeiçoamento – o que não se concede - deveria ter considerado a parte do articulado que não o extravasou, considerando a restante como não escrita ou, em alternativa, deveria ter convidado a parte a apresentar novo articulado expurgado de tal matéria. 36. Contrariamente ao propugnado pela primeira instância, conclui-se com clareza que não é legalmente admissível, na decisão sub specie, que o Tribunal ordene o desentranhamento puro e simples de todo o articulado, privando a parte que o apresentou do exercício dos seus direitos de resposta ao convite ao aperfeiçoamento. 37. Se a Recorrente extravasou o convite que lhe foi formulado, o que não se concede: i) deveria o douto Tribunal proceder ao desentranhamento (total) do articulado, ou ii) deveria o mesmo permanecer nos autos sendo aproveitado na parte que respeita ao convite que foi formulado à Recorrente? Ao nível processual, não subsistem dúvidas de que ao optar pelo desentranhamento dos autos do articulado apresentado, o Tribunal violou, entre outros, o princípio da Gestão Processual e do Máximo Aproveitamento dos Atos e da Conservação dos Atos Jurídicos, ao mesmo tempo que impediu a prática de um ato que que o próprio determinou: responder ao convite ao aperfeiçoamento. Não podemos descurar uma das máximas jurídicas mais conhecidas que “utile per inutile non vitiatur”. Ou seja, que o inútil não vicia o útil. 38. Ante a factualidade expressa, perante tais circunstâncias, sempre o Tribunal deveria ter considerado não escrito tudo o que no segundo Articulado Motivador ia para além do que entendia ter sido determinado no aperfeiçoamento, admitindo a matéria restante. Assim sendo, 39. a decisão recorrida violou, entre outros, a disposição contida no artigo 195.º n.º 2 do Código de Processo Civil. Acresce que, 40. o Despacho está ferido de legalidade por não acautelar o Princípio da Conservação dos Atos Jurídicos, porquanto se o vício de que o ato sofre impedir a produção de determinado efeito não se têm como necessariamente prejudicados os efeitos para cuja produção o acto se mostre idóneo, pelo que também por aí se impõe a revogação do despacho recorrido, devendo o articulado permanecer nos autos, o que aqui expressamente se peticiona para todos os efeitos legais. Ad cautelam, H - Da pretensa ineptidão do articulado motivador 41. A Meritíssima Juiz a quo errou ao considerar ilícito o despedimento da Recorrida, tendo baseado a sua decisão numa suposta ineptidão do Articulado Motivador do despedimento do trabalhador. 42. Reportando-nos ao despacho sob recurso, de acordo com o Tribunal a quo, o Articulado Motivador será inepto por, alegadamente, não conter factos suficientemente concretizados fundamentadores da justa causa de despedimento da Trabalhadora. Todavia, diversos são os fundamentos que impediam o douto Tribunal de proferir essa decisão, vícios que foram supra e devidamente apontados. 43. Acresce que, de acordo com o artigo 186.º n.º. s 1 e 2 alínea a) do Código de Processo Civil, a petição é inepta quando falte ou seja ininteligível a indicação do pedido ou da causa de pedir, o que ocasiona a nulidade de todo o processo, pelo que só a completa ausência ou ininteligibilidade do pedido ou da causa de pedir é que é gerador do vício de ineptidão. 44. Em consonância com o que acima se alegou, surpreendentemente, o mesmo Tribunal que proferiu o Despacho datado de 11.10.2019 afirmando categoricamente que, repita-se, “não se trata, por isso, no nosso entendimento, de uma situação de ineptidão do articulado motivador”, proferiu um novo despacho a declarar a ilicitude do despedimento por ineptidão, pelo que tal contradição espelha desde logo o desacerto da decisão. Além do mais, mesmo que assim não fosse, 45. é o próprio Despacho de 11.10.2019 que refere quais os factos alegados, confirmando, por conseguinte, a sua existência, sublinhando até que resulta da matéria alegada que a Trabalhadora, ora Recorrida, terá confessado a apropriação de quantias. Conclui-se, portanto, que estes factos, entre outros, deveriam ter sido sempre tidos por alegados, conforme o Tribunal bem afirma no despacho inicial, tudo, num percurso lógico, intelectual e cognoscitivo de facílima interpretação e seguimento. 46. Assim, tais factos do Articulado Motivador [os que resultam mencionados no despacho referido] sempre poderiam e deveriam ser submetidos a Julgamento, sendo aí que se veria – após discussão e julgamento – se eram ou não dados como provados. Se fossem provados, a declaração de licitude de despedimento seria clara. Se fossem dados como não provados, a declaração de ilicitude seria a conclusão a extrair. MAS nunca ... por nunca ... seria o despedimento, agora, nesta fase, julgado ilícito. Face ao que ficou aqui dito, 47. temos de concluir, sem dúvida, pela Revogação do despacho proferido, o que aqui expressamente se invoca para todos os efeitos legais. Ad cautelam, sem prescindir, Da aplicação do n.º 3 do artigo 186.º do cpc Efetivamente, 48. analisado o Articulado Motivador não se pode concluir pela total ausência da causa de pedir. O próprio despacho de 11.10.2019 e que foi, acima, abundantemente reproduzido, revela a existência de factos imputados à Recorrida. 49. Constata-se até que a Autora, ora Recorrente, refere-se, no seu articulado à apropriação pela Recorrida de valores monetários da Recorrente através dos métodos de adulteração de valores e de duplicação de cheques, todos eles reconhecidos como factos provados em sede de procedimento disciplinar (art. 96 do articulado motivador), factos estes que estão devidamente demonstrados e circunstanciados através da prova produzida nesse procedimento, nomeadamente do depoimento das testemunhas e dos cheques pela Recorrida utilizados, juntos a estes e aos referidos autos (art. 96 do articulado motivador) tendo a Recorrente demonstrado, desse modo, a violação dos deveres laborais da Recorrida (arts. 96.º, 97.º e 108.º do Articulado Motivador.) Ao mesmo tempo, demonstra a Autora no Articulado Motivador que a Recorrida incumpriu o seu dever de boa-fé, violando a confiança em si depositada – o que fez aproveitando-se do acesso que tinha às contas e aos cheques da Recorrente (arts. 96.º, 97.º, 108.º, 112.º e 113.º do Articulado Motivador). 50. Por fim e não mesmo importante, revelador de que não existe ineptidão da Petição Inicial, resulta também do Articulado Motivador que a própria Recorrida confessou a apropriação de valores monetários, e tudo isto configura o cumprimento de todos os requisitos materiais que justificam a aplicação da sanção disciplinar máxima de despedimento sem indemnização ou compensação. (arts. 96.º a 98.º, 108.º a 115.º do Articulado Motivador.) 51. A Recorrida, por seu turno, pronunciou-se sobre todos os factos concretos que lhe foram imputados, nomeadamente dizendo que os mesmos são falsos, justificando os valores subtraídos enquanto despesas que teve de realizar por conta da Recorrente e pronunciando-se sobre os documentos concretos juntos com o articulado motivador, contrapondo que os mesmos não revelavam qualquer apropriação ilegítima de valores monetários por parte da Recorrida (arts. 295.º a 304.º, 309.º, 314.º, 320.º a 328.º, da Contestação). Ao mesmo tempo, defendeu-se afirmando a restituição das quantias ilegitimamente subtraídas, assim como a existência da alegada prática de assédio sexual pelo Presidente do Conselho de Administração da Autora, o que alegadamente justificava a sua apropriação de parte dos valores em causa, referindo ainda a existência de alegadas práticas ilícitas de movimentação de valores por parte do Presidente do Conselho de Administração da Autora. (Cfr. arts. 418.º a 424.º, 108.º a 109.-B e 110.º a 125.º da Contestação) 52. Tendo em conta as posições assumidas pela Recorrente e Recorrida assim descritas, é de concluir que a Recorrida percebeu bem que imputações lhe foram dirigidas. O n.º 3 do artigo 186.º do Código de Processo Civil prevê, inclusivamente que, existindo Contestação, a arguição de ineptidão não é julgada procedente se, ouvido o autor, se verificar que o réu interpretou convenientemente a petição inicial. Na verdade, a Recorrida interpretou convenientemente o Articulado Motivador, tanto que se defendeu e apresentou Contestação com nada mais nada menos do que 424 (quatrocentos e vinte e quatro) artigos revelando ter entendido a posição da Recorrente e bem assim quais eram os argumentos apresentados para fundamentar a ação. Nesta sequência, por essa razão, 53. por aplicação do n.º 3 do artigo 186.º do Código de Processo Civil, nunca poderia e nunca deveria ter sido julgada verificada a referida exceptio. Concomitantemente, 54. se o Tribunal entender que não existem factos imputados à Recorrida, o que não se concede e só por dever de patrocínio se equaciona, sempre se diga que com certeza existirá uma descrição dos factos por remissão, factos esses que a Recorrida compreendeu. Acresce que, os documentos juntos com o Articulado Motivador devem considerar-se parte integrante desse e por isso suscetíveis de suprir eventuais lacunas de que o Articulado Motivador possa enfermar. Atento o exposto, 55. por todos os argumentos acabados de referir, não deveria a exceptio de Ineptidão ter sido julgada procedente, por não ter sido verificada, pelo que, como flui da matéria precedente, mesmo que o Tribunal entendesse que a resposta ao convite ao aperfeiçoamento extravasava o convite formulado, o que não se concede, sempre o Articulado Motivador inicial evidenciava um quadro factual mínimo que justificava o prosseguimento dos autos e o julgamento e decisão de mérito sobre a conduta da Autora por que foi despedida. Termos em que, 56. atendendo às considerações supra expendidas, impõe-se a revogação do Despacho proferido que viola, entre outros, os artigos 3.º n.º 3, 6.º, 7.º, 131.º, 186.º, 195.º n.º 2, 411.º, 547.º, 590.º n.º 4, 595.º, 614.º e 615.º, todos do Código de Processo Civil, o que aqui expressamente se peticiona. Em procedência do presente Recurso e revogação do Despacho que ora se sindica, Vossas Excelências farão, como habitualmente, devida aplicação da Lei e realizarão a sã e costumeira JUSTIÇA!”. 2.2.1. A autora contra-alegou, concluindo: “114.ª O douto despacho recorrido fez sã interpretação e aplicação da Lei e do Direito, em particular dos art.ºs 26.º, 27.º, 61.º, 62.º e 98.º B a 98.º P do C.P.T., o que a Apelante não põe em causa na sua alegações votando o seu recurso à inelutável improcedência; 115.ª O douto despacho recorrido interpretou e aplicou as normas que nos termos da Lei são as devidas e, fazendo-o respeitou, sem violar (atente-se desde logo na relação de especialidade e subsidiariedade) o que se dispõe nos artigos 3.º n.º 3, 6.º, 7.º, 131.º, 186.º, 195.º n.º 2, 411.º, 547.º, 590.º n.º 4, 595.º, 614.º e 615.º, do C.P.C., fundamento exclusivo do recurso; 116.ª Não merecendo por isso o douto despacho recorrido qualquer censura; 117.ª Improcede assim, in totum, o recurso deduzido; Termos em que deve o presente recurso ser julgado totalmente improcedente, com as legais consequências, por ser acto de inteira e sã Justiça”. 2.2.2. O Tribunal recorrido proferiu o seguinte despacho: “Atenta a idoneidade da caução prestada por garantia bancária no Banco 1..., S.A. e o montante nela caucionado, julgo validamente prestada a caução efectuada pela Recorrente. Por estar em tempo, ter legitimidade e a decisão ser recorrível, admito o recurso interposto pela Empregadora a fls. 3286 e ss., da decisão de fls. 3254 a 3265, o qual é de apelação, sobe imediatamente, em separado, e dado que a caução foi validamente prestada, tem efeito suspensivo – arts 644º, 645º e 647º, todos do Código de Processo Civil, e arts. 79º-A), nº2, al. g), 80º, nº2, 81º, 83º, nº2 e 83º-A, nº2, todos do C.P.Trabalho. Notifique, sendo a Empregadora e a Trabalhadora para, no prazo de dez dias, indicarem as peças do processo de que pretendem certidão para instruir o recurso – artigo 646º, nº1, do Código de Processo Civil.”. 3. O Ministério Público, junto deste Tribunal, não emitiu parecer. 4. Em 15 de dezembro de 2021 veio a ser proferido Acórdão neste Tribunal da Relação, em que se fez constar para além do mais: “(…) Discordamos da recorrente quando defende que ocorreu excesso de pronúncia, na declaração da ineptidão do articulado motivador. O que tal declaração constituiu foi a ofensa de caso julgado formal, atento o disposto no artigo 620.º do CPC. Na verdade, se o Tribunal recorrido já tinha decidido que o dito articulado não era inepto, não podia, posteriormente, declarar o contrário, sob pena de violação do disposto no citado artigo 620.º. Lembramos que a excepção dilatória do caso julgado é de conhecimento oficioso, nos termos previstos no artigo 578.º CPC. Deste modo, não pode manter-se o despacho recorrido que declarou inepto o articulado motivador inicialmente apresentado pela ré e que aplicou o determinado no artigo 98.º-J, n.º 3 do CPT. Procedendo o recurso, nesta parte, fica prejudicado o conhecimento das demais questões colocadas na apelação apresentado pela ré. Os autos devem prosseguir os seus termos com a observação do disposto no artigo 61.º, n.º 1 do CPT, se for o caso. IV. – A decisão Atento o exposto, acórdão os Juízes que compõem esta Secção Social em julgar procedente o recurso de apelação em separado e revogar a decisão recorrida, ordenando-se o prosseguimento dos autos, devendo o Tribunal recorrido, se for o caso, observar o disposto no artigo 61.º, n.º 1 do CPT. Custas a cargo da parte vencida a final.” 5. Interposto recurso de revista para o Supremo Tribunal de Justiça, veio a ser proferido Acórdão, do qual consta designadamente o seguinte: “(…) A decisão subsequente que retire consequências do não aperfeiçoamento é que será uma verdadeira decisão e, como tal, é esta que pode ter força obrigatória e formar caso julgado". Há, pois, que concluir pela existência de um erro de julgamento na invocação pelo Acórdão recorrido do caso julgado formal. Fica, assim, prejudicado o conhecimento das nulidades invocadas pela Recorrente. Importa, assim, revogar o Acórdão recorrido e determinar a repetição do julgamento pelo Tribunal da Relação para que este possa, em plena observância do contraditório, conhecer de todas questões suscitadas tanto pelo Apelante, e que foram consideradas prejudicadas pela afirmação da violação do caso julgado (no Acórdão recorrido afirma-se expressamente que "procedendo o recurso, nesta parte, fica prejudicado o conhecimento das demais questões colocadas na apelação apresentado pela Ré"), como pelo Apelado. Destarte, o Tribunal da Relação deverá, designadamente, pronunciar-se quanto à obrigação do empregador de juntar aos autos o procedimento disciplinar e suas consequências, bem como determinar se o articulado motivador é ou não inepto, tendo em conta também o disposto no n.º 3 do artigo 186.º do CPC. Decisão: Concedida a revista, revogando-se o Acórdão recorrido. Em conformidade, os autos deverão ser enviados ao Tribunal da Relação para que este conheça das questões suscitadas no recurso. Custas a determinar a final.” 6. Descidos os autos a este Tribunal da Relação, foi proferido despacho nos termos seguintes: “Por Acórdão desta Relação de 15.12.2021, relatado pelo então Exmº Sr. Desembargador Domingos Morais, foi decidido o seguinte: “Atento o exposto, acórdão os Juízes que compõem esta Secção Social em julgar procedente o recurso de apelação em separado e revogar a decisão recorrida, ordenando-se o prosseguimento dos autos, devendo o Tribunal recorrido, se for o caso, observar o disposto no artigo 61.º, n.º 1 do CPT.” Interposto recurso de revista, foi, por Acórdão do STJ de 15.12.2021, decidido revogar o mencionado Acórdão e determinado, em conformidade, o envio dos autos a esta Relação para que se conheça das questões suscitadas no recurso. O então mencionado relator, Exmº Sr. Dr. Domingos Morais, deixou de exercer funções neste Tribunal da Relação por promoção ao STJ. Ora, assim sendo e tendo em conta o disposto no art. 217º, nº 1, do CPC, remetam-se os autos à distribuição.” 6.1. Submetidos à distribuição, em cumprimento do aludido despacho, foram os autos, no seguimento daquela distribuição, apresentados ao agora aqui relator. * Cumpridas as formalidades legais e nada obstando ao conhecimento do mérito, cumpre decidir:II – Questões a resolver Sendo pelas conclusões que se delimita o objeto do recurso (artigos 635º/4 e 639º/1/2 do Código de Processo Civil aprovado pela Lei 41/2013, de 26/6 – CPC – aplicável “ex vi” do art. 87º/1 do Código de Processo do Trabalho – CPT), integrado também pelas que são de conhecimento oficioso e que ainda não tenham sido decididas com trânsito em julgado, tendo presente o decidido no Acórdão antes proferido por esta Relação e o que foi determinado pelo Acórdão proferido em revista pelo Supremo Tribunal de Justiça, são as seguintes as questões a decidir: nulidades invocadas: da não convocação de audiência prévia / invocada preterição do contraditório / decisão surpresa; demais questões. * III – Fundamentação A) A matéria de facto a considerar no presente recurso resulta do relatório antes elaborado. B) Discussão 1. Nulidades invocadas 1.1. Da não convocação de audiência prévia e invocada preterição do contraditório / decisão surpresa Começa a Recorrente por invocar que a procedência da exceção da ineptidão foi julgada sem que o Tribunal tivesse convocado audiência prévia, quando, assim o defende, se o Tribunal tencionava conhecer dessa exceção, deveria ter convocado tal audiência, “com o desiderato de facultar às partes a discussão de facto e de Direito, assegurando também assim o respeito pelo princípio do contraditório evitando aquilo que constituiu uma clara decisão-surpresa”, tanto mais que, diz, se trata de matéria de assaz importância porquanto num momento anterior o “Tribunal chegou a consignar que não decorria a ineptidão da Petição Inicial (leia-se, do Articulado de Motivação do Despedimento), o que gerou, agora, evidente perplexidade (precisamente o de 11.10.2019, a fls 2651 a 2660)” – “a realização da Audiência Prévia, no caso sub-judice, constituiria a regra, especialmente atendendo à especial complexidade da matéria em causa”, para defender que, ao não convocar audiência prévia quando tencionava conhecer imediatamente de exceção dilatória, foi cometida uma irregularidade processual que influi no exame ou na decisão da causa e se converte, naturaliter, numa nulidade processual, conforme artigo 195.º do Código de Processo Civil, por omitir uma formalidade de cumprimento obrigatório como é a falta de convocação da Audiência Prévia com o fito de assegurar o contraditório. De seguida, dizendo que ad cautelam e sem prescindir, sustenta que a falta de audiência prévia configurará ainda nulidade por excesso de pronúncia – nos termos do artigo 615.º n.º 1 alínea d) in fine, do Código de Processo Civil –, pois que, diz, tendo o Tribunal proferido antes despacho (em 11.10.2019) de convite ao aperfeiçoamento, no qual consignou expressamente que o Articulado Motivador não o seria inepto, tanto mais que convidou ao seu aperfeiçoamento nos termos em que fez – “reconheceu que resultava da matéria alegada e invocada pela Recorrente que i) no dia 9 de abril de 2018 realizou-se uma reunião na qual a Recorrida confessou ter subtraído valores (cfr. Art. 49 .º do Articulado Motivador), ii) que no dia 30 de maio de 2018 realizou-se uma segunda reunião tendo como intuito nova confrontação da Recorrida com os elementos apurados e que iii) esta resultou na restituição por parte desta de 69.443,38 Euros, mais sublinhando iv) que no caso concreto, embora de forma “não louvável” a Recorrente alegou alguns factos no seu Articulado Motivador, concluindo que não se trataria “por isso, no nosso entendimento de uma situação de ineptidão do articulado motivador equivalente à falta de apresentação do mesmo, mas antes de um articulado motivador deficiente/insuficiente” –, o despacho de que agora recorre, ao declarar a “ineptidão do Articulado Motivador e a consequente Declaração da Ilicitude do despedimento, constitui uma clara decisão surpresa.” Defendendo a Apelada que não ocorrem as nulidades invocadas, constata-se que, pronunciando-se sobre essas, o Tribunal recorrido fez constar o seguinte: “A) Nulidade pela falta da prática de um acto que a lei prevê, porquanto considera que se o Tribunal tencionava conhecer da excepção da ineptidão deveria ter convocado a audiência prévia, com o desiderato de facultar às partes a discussão de facto e de direito, assegurando o respeito pelo princípio do contraditório, evitando o que constitui uma clara decisão-surpresa. Quanto a tal nulidade, entendemos que a mesma não ocorreu, porquanto não consubstancia qualquer nulidade a falta de realização da audiência prévia quando o contraditório foi cumprido de forma abundante, como claramente decorre de todo o processado. Mais, à Empregadora foi assinalada a insuficiência e deficiência do seu articulado motivador, o que levou este Tribunal a proferir um despacho de convite ao aperfeiçoamento, tendo assim tido a possibilidade de contraditar e afastar a ineptidão daquele arguida pela Trabalhadora. Por outro lado, atento o disposto no artigo 61º, 62º, 98º-I e 98º-J, todos do Código de Processo do Trabalho, entendemos que tal audiência prévia não é legalmente obrigatória para a decisão em causa ser proferida. Acresce que a omissão de tal acto não se vislumbra em que medida tenha tido influência no exame ou decisão da causa, sendo certo que atento o contraditório respeitado em todas as decisões que foram sendo proferidas por este Tribunal ao longo do processado jamais se poderá considerar que se tratou de uma decisão surpresa para a Empregadora. B) Nulidade de sentença por excesso de pronúncia por falta de audiência prévia, nos termos do disposto no artigo 615º, nº1, alínea d), in fine, do Código de Processo Civil Também consideramos improcedente esta nulidade, pois que, e desde logo, os fundamentos em que a Empregadora alicerça a invocação desta nulidade são os mesmos que alega para sustentar a verificação da nulidade pela falta da prática de um acto que a lei prevê. Por outro lado, perante o abundante exercício do contraditório, respeitado pelo Tribunal ao longo de todo o processado, entendemos que jamais se poderá considerar uma decisão-surpresa aquela que foi proferida. (…)” Cumprindo-nos apreciar e decidir, deixando-se consignado que está excluído da nossa pronúncia tudo o que diz respeito à questão relacionada com a invocação de que teria ocorrido violação do caso julgado pois que sobre essa se pronunciou já no caso em revista o Supremo Tribunal de Justiça, de seguida faremos algumas considerações que temos como relevantes para efeitos de adequado enquadramento das questões que nos são colocadas. Numa primeira nota, a propósito da natureza obrigatória ou não da convocação / realização da audiência prévia, para assinalarmos que o regime que resulta do CPT, aplicável ao caso, não é propriamente coincidente, importa esclarecê-lo, com o que resulta expresso no CPC, circunstância essa que, sendo devidamente assinalada no recente Acórdão desta Secção de 23 de Janeiro de 2023[1], por desnecessidade de outras considerações, nos limitaremos a transcrever de seguida o que nesse se escreveu a esse respeito: «(…) a audiência prévia, no âmbito da reforma operada ao Código de Processo Civil pela Lei 41/2013, de 26 de junho, no seguimento do anterior regime (reforma do processo civil decorrente do DL 329-A/95, de 12 de Dezembro), passou a constituir um dos momentos mais relevantes da acção declarativa, como se verifica da análise dos fins a que se destina, elencados nas alíneas do nº 1, do art. 591º. Através da mesma, como referem, (João Correia, Paulo Pimenta e Sérgio Castanheira, in “Introdução ao Estudo e à Aplicação do Código de Processo Civil de 2013”, Almedina, pág. 73), foi propósito do legislador concretizar aspetos estruturantes do processo civil, onde se contam a visão participada do processo, a cultura do diálogo, a oralidade e a cooperação entre todos, numa verdadeira comunidade de trabalho. Mas, pese embora isso, o legislador não deixou de prever, também, os casos em que não há lugar à realização da audiência prévia, enunciando-os no art. 592º, sob a epígrafe “Não realização da audiência prévia”, assim, como não deixou de enunciar as hipóteses em que a mesma pode ser dispensada, lendo-se no nº 1 do art. 593º, quando esta se destine apenas aos fins indicados nas alíneas d), e) e f) no nº 1 do artigo 591º. Assim sendo, compreende-se que, além daquelas situações referidas, não possa a audiência prévia ser dispensada, sem audição das partes, sob pena de nulidade, nomeadamente, quando o juiz tencione conhecer imediatamente, no todo ou em parte, do mérito da causa. Neste sentido, veja-se, entre outros, o (Acórdão desta Relação de 12.09.2019, Proc. nº 2470/09.2TBMAI.A.P1 in www.dgsi.pt), em cujo sumário se lê: “I- Entendendo o juiz, após a fase dos articulados, que os autos contêm os elementos necessários a habilitá-lo a proferir decisão de mérito que ponha termo ao processo, deverá convocar audiência prévia para o fim previsto no artigo 591.º, n.º 1, b) do Código de Processo Civil. II – A não realização desse acto processual só será consentida no âmbito do exercício do dever de gestão processual, a título de adequação formal, se o juiz entender que a matéria a decidir foi objecto de suficiente debate nos articulados, justificando a dispensa dessa diligência. Sobre o propósito de dispensar a audiência prévia deverá, porém, ouvir as partes, de acordo com o disposto nos artigos 6.º, nº 1 e 3.º, n.º 3, ambos do Código de Processo Civil. III – A não realização de audiência prévia, impondo a lei a sua realização, constitui nulidade processual, podendo ser arguida em sede de recurso, conduzindo à anulação da decisão que dispensou a sua convocação e do saneador-sentença que se seguiu a essa decisão.”. No mesmo sentido, no (Ac. do TRC de 03.03.2020, Proc. nº 1628/18.8T8CBR.-A.C1, no mesmo sítio da internet), sintetizou-se o seguinte: “I – A situação em que o juiz tencione conhecer do mérito da causa no despacho saneador não está incluída nos casos em que, nos termos previstos no nº 1 do art. 593º do CPC, a audiência prévia pode ser dispensada; nessa situação, a audiência prévia – que, nos termos da lei, se apresenta como obrigatória por não figurar nos casos em que pode ser dispensada – apenas poderá ser dispensada ao abrigo dos poderes de gestão processual que estão atribuídos ao juiz no sentido de adoptar mecanismos de simplificação e agilização processual que garantam a justa composição do litígio em prazo razoável, nos termos dos arts. 6º e 547º do CPC, devendo essa dispensa ser precedida de audiência das partes.”. É deste modo no âmbito do processo civil. Por isso, a doutrina e a jurisprudência tendem maioritariamente a considerar, por um lado que a realização de audiência prévia é obrigatória e, por outro, para a consequente asserção de que não tendo sido determinada antes, o juiz conhecendo do mérito da causa ou de qualquer excepção na fase do saneador, sem conceder às partes o direito de se pronunciarem previamente sobre essas questões, comete uma nulidade que, por afectar a boa decisão da causa, invalida a decisão em causa (saneador/sentença), nos termos conjugados, por um lado, dos art.s 590.º, nºs 1 e 2, 591º, nº 1, al. b) e 593º, nº 1 e, por outro, 195º, nº 1, ver neste sentido, (José Lebre de Freitas in Código de Processo Civil, Anotado, 2017, 3ª Edição, Almedina, Coimbra, volume 2º, pág. 641 e, entre outros, os Acórdãos desta Relação de 27.09.2017, no Proc. nº 136/16.6T8MAI-A.P1, de 05.11.2018, no Proc. nº 1425/17.8T8GDM.P1, de 12.09.2019, no Proc. nº 2470/09.2TBMAI-A.P1 e de 03.12.2020, no Proc. nº 11255/19.7T8PRT.P1, todos publicados in www.dgsi.pt). Mas, sendo assim, no âmbito do processo civil, já, no processo laboral, atentas as características que o enformam e a sua especial natureza face ao processo civil, no que a esta questão respeita, a realidade é outra. (…) Com efeito, no âmbito laboral, a este respeito, dispõe o art. 62º nº 1 do CPT, que, “Concluídas as diligências resultantes do preceituado no n.º 1 do artigo anterior, se a elas houver lugar, é convocada uma audiência prévia quando a complexidade da causa o justifique”. Ou seja, neste âmbito, segundo este normativo, a audiência prévia é convocada “quando a complexidade da causa o justifique”, significando que, o juiz laboral, ao contrário do congénere civil, a possa dispensar e logo conhecer do mérito da causa quando a causa não assuma complexidade (ou seja simples), juízo esse a fazer pelo julgador de acordo com as características do processo em questão. Decisivo é que, disponha de todos os elementos necessários e a simplicidade da causa o permita. Pois, segundo o disposto no art. 61º do mesmo CPT, “1- Findos os articulados, o juiz profere, sendo caso disso, despacho pré-saneador nos termos e para os efeitos dos n.ºs 2 a 7 do artigo 590.º do Código de Processo Civil, sem prejuízo do disposto no artigo 27.º do presente Código. 2- Se o processo já contiver os elementos necessários e a simplicidade da causa o permitir, pode o juiz, sem prejuízo do disposto nos n.ºs 3 e 4 do artigo 3.º do Código de Processo Civil, julgar logo procedente alguma exceção dilatória ou nulidade que lhe cumpra conhecer, ou decidir do mérito da causa”. Ou seja, permitindo-o a simplicidade da causa e dispondo de todos os elementos necessários, no foro laboral, ao contrário do civil, o juiz pode dispensar a convocação de audiência prévia e conhecer logo do mérito da causa. Esta é a regra, só tendo aquela lugar “quando a complexidade da causa o justifique”, neste sentido (Ac. desta Relação de 04.05.2022, Proc. nº 1116/21.5T8AVR.P1, relator Desembargador Jerónimo Freitas, com intervenção da aqui relatora como Adjunta, in www.dgsi.pt) em cujo sumário se lê: “IV – A recorrente não tem fundamento para dizer ter “sido apanhada de surpresa” com a decisão recorrida. A excepção (…) foi por si arguida na contestação e, como a própria reconhece, por decorrência da lei, no âmbito da tramitação própria da acção cabia ao Tribunal a quo apreciar e decidi-la na fase de saneamento do processo. V - Nem tão pouco poderia contar com a realização de audiência prévia para discussão dessa excepção, pois o CPT dispõe de norma própria, nomeadamente, o art.º 62.º 1, de onde resulta que só há lugar à convocação de audiência prévia “quando a complexidade da causa o justifique”, ou seja, não podia deixar de ter em conta que no processo laboral, a que só subsidiariamente se aplicam as normas do processo civil sobre o processo comum de declaração [art.º 49.º 1 e 2, do CPT], a regra é a dispensa da audiência preliminar, que só terá lugar quando a “quando a complexidade da causa o justifique”. (…) Em processo laboral, de acordo com o acabado de referir, findos os articulados, em caso de dispensa de realização da audiência prévia, sendo caso disso, o juiz profere despacho pré-saneador nos termos ali prescritos. E caso o processo contenha os elementos necessários e a simplicidade da causa o permita, (…) pode decidir do mérito da causa, sem prejuízo do disposto nos nº s 3 e 4 do CPC. Pois, neste aspecto o regime processual laboral aproxima-se do civil, estabelecendo a necessidade de facultar às partes que se pronunciem sobre a questão decidenda tal como o juiz configura vir a decidi-la, como decorre da ressalva do nº 2 do referido art. 61º: “… pode o juiz, sem prejuízo do disposto nos nºs 3 e 4 do artigo 3.º do Código de Processo Civil…” onde se dispõe: “3- O juiz deve observar e fazer cumprir, ao longo de todo o processo, o princípio do contraditório, não lhe sendo lícito, salvo caso de manifesta desnecessidade, decidir questões de direito ou de facto, mesmo que de conhecimento oficioso, sem que as partes tenham tido a possibilidade de sobre elas se pronunciarem. 4- Às exceções deduzidas no último articulado admissível pode a parte contrária responder na audiência prévia ou, não havendo lugar a ela, no início da audiência final” (…).» Precisando também o regime que resulta do CPT, pode ler-se no Acórdão desta Secção de 13 de julho de 2022[2], o seguinte (transcrição): «(…)Acontece, que a realização de audiência prévia não é forçosa, apenas devendo ser convocada “quando a complexidade da causa o justifique” [art.º 62.º 1, do CPT], bem assim que o processo pode não atingir a fase de julgamento, dado o n.º2, do art.º 61.º, do CPT, dispor que “Se o processo já contiver os elementos necessários e a simplicidade da causa o permitir, pode o juiz, sem prejuízo do disposto nos n.ºs 3 e 4 do artigo 3.º do Código de Processo Civil, julgar logo procedente alguma exceção dilatória ou nulidade que lhe cumpra conhecer, ou decidir do mérito da causa”. Porém, nestes casos, como de resto decorre expressamente do transcrito n.º 2, do art.º 61.º, o juiz não pode julgar logo procedente alguma exceção dilatória ou nulidade que lhe cumpra conhecer, ou decidir do mérito da causa, sem que antes dê cumprimento aos n.ºs 3 e 4 do artigo 3.º do Código de Processo Civil. O artigo 3.º do CPC, com a epígrafe “Necessidade do pedido e da contradição”, no seu n.º3, dispõe o seguinte: [3] O juiz deve observar e fazer cumprir, ao longo de todo o processo, o princípio do contraditório, não lhe sendo lícito, salvo caso de manifesta desnecessidade, decidir questões de direito ou de facto, mesmo que de conhecimento oficioso, sem que as partes tenham tido a possibilidade de sobre elas se pronunciarem. A norma foi introduzida com a reforma do Código de Processo Civil, operada em 1995/1996 pelos Decretos-Lei nºs 329°-A/95 de 12 de Dezembro e 180/96 de 25 de Setembro, acentuando a importância dos princípios da contraditório e da igualdade das partes, passando aquele a ter uma ampliada consagração legal. Deste princípio decorre que cada parte é chamada a apresentar as suas razões de facto e de direito, a oferecer as suas provas e a pronunciarem-se sobre o valor e resultado de umas e outras e, portanto, salvo caso de manifesta desnecessidade, não é lícito ao juiz decidir sobre questões de direito ou de facto, mesmo de conhecimento oficioso, sem que as partes tenham tido a possibilidade de sobre elas se pronunciarem. Visto noutra perspectiva, significa isto também, que se porventura o juiz conclui que para a apreciação e decisão do litígio vai debruçar-se sobre questão que as partes não suscitarem nos seus articulados, ou sobre a qual não tiveram oportunidade de se pronunciarem, a fim de evitar a prolacção de uma decisão surpresa, antes de avançar, sob pena de incorrer em nulidade que pode influir no exame ou decisão da causa (art.º 195.º 1, CPC), deve ordenar a notificação das partes dando-lhes conta daquele propósito e facultando-lhes a possibilidade de exercerem o contraditório. Como observa o Acórdão de 10-09-2020, da Relação de Lisboa [Proc.º 12841/19.08T8LSB.L2-6, Desembargadora Ana de Azeredo Coelho, disponível em www.dgsi.pt]” A proibição das decisões surpresa ou, noutra terminologia, das denominadas decisões solitárias do juiz[3], encontra o seu fundamento próximo no princípio do contraditório, consagrado, na lei adjectiva no artigo 3.º, n.º 3, do Código de Processo Civil”. No mesmo sentido, elucida o Ac. do STJ de 24-02-2015 [proc.º 116/14.6YLSB, Conselheira Ana Paula Boularot, disponível em www.dgsi.pt] “[A] decisão surpresa faz supor que a parte possa ser apanhada em falta por uma decisão que embora pudesse ser juridicamente possível, não esteja prevista nem tivesse sido por si configurada”. (…)» Porque sobre a questão do cumprimento do contraditório e proibição de decisões surpresa nos temos pronunciado em outros arestos, de seguida transcreveremos o que escrevemos nesse âmbito no recente acórdão de 27 de fevereiro de 2023[3]: «Para o efeito, teremos de começar por esclarecer, por estar em causa uma pretensa preterição do contraditório e existência de decisão surpresa (decisão em violação do disposto no artigo 3.º, n.º 3, do CPC), que a ocorrer uma qualquer nulidade com esse fundamento a mesma dirá respeito a atividade anterior à da prolação da sentença propriamente dita, assumindo-se assim como processual, enquanto desvio entre o formalismo prescrito na lei e o formalismo efetivamente seguido no processo – vício formal que pode consistir: a) na prática de um ato proibido; b) na omissão de um ato prescrito na lei; c) na realização de um ato imposto ou permitido por lei, mas sem as formalidades requeridas[4] –, sendo que, como é consabido, dessas, em princípio cabe reclamação e não recurso, reclamação essa também em princípio dirigida ao tribunal em que foi cometida a nulidade, só assim não ocorrendo quando essa estiver a coberto de uma decisão judicial, pois que nesta situação o meio de impugnação será o recurso e não aquela reclamação. Assim o afirmava já o Professor Alberto dos Reis[5], com a autoridade que por todos lhe foi sempre reconhecida, cujos ensinamentos neste âmbito se têm por atuais, ao referir o seguinte: “A reclamação por nulidade tem cabimento quando as partes ou os funcionários judiciais praticam ou omitem actos que a lei não admite ou prescreve; mas se a nulidade é consequência de decisão judicial, se é o tribunal que profere despacho ou acórdão com infracção de disposição da lei, a parte prejudicada não deve reagir mediante reclamação por nulidade, mas mediante interposição de recurso. É que, na hipótese, a nulidade está coberta por uma decisão judicial e o que importa é impugnar a decisão contrária à lei; ora as decisões impugnam-se por meio de recursos (art. 677º) e não por meio de arguição de nulidade do processo.”[6] Distinguindo a lei entre duas modalidades distintas de nulidades processuais, na terminologia da doutrina as principais (ou, de 1.º grau, típicas ou nominadas) e as secundárias (ou, de 2.º grau, atípicas ou inominadas), as primeiras configuram-se como as mais graves pelas suas consequências, estando especificamente previstas na lei e podendo o Tribunal delas conhecer oficiosamente, conforme estabelecido no artigo 196.º do CPC[7], enquanto as segundas, por sua vez, serão todas aquelas que caiam na fórmula genérica do n.º 1 d o artigo 195.º do mesmo Código: “Fora dos casos previstos nos artigos, a prática de um ato que a lei não admita, bem como a omissão de um acto ou formalidade que a lei prescreva, só produzem nulidade quando a lei o declare ou quando a irregularidade cometida possa influir no exame ou na decisão da causa”[8]. Importa ainda ter presente que, neste último caso, tratando-se pois de nulidade secundária, o seu conhecimento depende de arguição, posto que o tribunal só pode conhecer oficiosamente das nulidades principais[9], regulando a lei a legitimidade de quem pode invocá-las (artigo 197.º), o prazo em que pode fazê-lo (artigo 199.º) e as consequências/modo do seu suprimento (artigo 195.º, n.ºs 2 e 3, e 200.º, n.º 3). No caso dos autos, face à posição da Apelante, se bem a percebemos, o vício invocado é pela mesma vislumbrado nomeadamente numa imputada falta de cumprimento do princípio do contraditório, princípio esse que, como é consabido, podemos ter como emanado do n.º 4 do artigo 20.º da Constituição da República Portuguesa – direito constitucional a um processo equitativo – e que encontra atualmente consagração expressa no CPC, assim no seu artigo 3.º, n.º 3, em que se estabelece que o “juiz deve observar e fazer cumprir, ao longo de todo o processo, o princípio do contraditório, não lhe sendo lícito, salvo caso de manifesta desnecessidade, decidir questões de direito ou de facto, mesmo que de conhecimento oficioso, sem que as partes tenham tido a possibilidade de sobre elas se pronunciarem”. Trata-se de princípio que, estando ainda diretamente associado aos deveres de gestão processual e de cooperação para com as partes, também cometidos ao juiz – respetivamente, pelo artigo 6.º e 7.º do CPC –, tem normalmente como campo de aplicação os casos em que o tribunal tenha de debruçar-se sobre questões (de facto ou direito) de conhecimento oficioso que as partes não tenham considerado/invocado, impondo-se ao juiz, mesmo nesses casos, que antes de decidir dê a possibilidade às partes de se pronunciarem, independentemente da fase em que se encontre o processo[10]’[11]. São de resto bem evidentes as vantagens que desse regime podem resultar, seja para o julgador, por lhe permitir após a audição das partes que a sua posição seja afirmada com maior convicção e segurança, seja para as partes, ao dar a estas a possibilidade de esgrimirem os seus argumentos de modo a poderem influenciar aquela decisão[12]. Ora, omitindo o juiz a aplicação do analisado princípio do contraditório, daí pode então resultar nulidade – a apreciar nos termos gerais do artigo 201.º[13] –, caindo na previsão do artigo 195.º, do CPC, pois que a decisão surpresa, salvos os casos de manifesta desnecessidade, ao não ter dado às partes a oportunidade de se pronunciarem, pode influir no exame ou na decisão a causa. Pois bem, por decorrência do regime que antes sinteticamente se expôs, tentando perceber-se o que se invoca no caso, estaríamos então, a ocorrer este vício, perante nulidade processual, nos termos antes configurados, ocorrida não na decisão recorrida propriamente dita e sim, diversamente, em momento prévio, nulidade essa que, a verificar-se, chamando à colação o que se referiu anteriormente, não se integraria no núcleo das nulidades principais (ou, de 1.º grau, típica ou nominada), as quais constam especificamente previstas na lei e de que pode o Tribunal conhecer oficiosamente, conforme estabelecido no artigo 196.º do CPC[14], assumindo antes, diversamente, a natureza de nulidade secundária (ou, de 2.º grau, atípica ou inominada), caindo assim na fórmula genérica do n.º 1 do artigo 195.º do CPC, razão pela qual, como desse resulta, sempre o seu conhecimento, pela sua afirmada natureza, dependeria de arguição, regulando a lei a legitimidade de quem pode invocá-las (artigo 197.º) e o momento / prazo em que pode fazê-lo (artigo 199.º, n.º 1: “se a parte estiver presente, por si ou por mandatário, no momento em que forem cometidas, podem ser arguidas enquanto o ato não terminar; se não estiver, o prazo para a arguição conta-se do dia em que, depois de cometida a nulidade, a parte interveio em algum ato praticado no processo ou foi notificada para qualquer termo dele, mas neste último caso só quando deva presumir-se que então tomou conhecimento da nulidade ou quando dela pudesse conhecer, agindo com a devida diligência”).» Em face do regime antes mencionado, importando então começar por se apreciar da tempestividade da arguição, estando na base da invocação a pronúncia do Tribunal ocorrida apenas na decisão recorrida, teremos de considerar tempestiva a reação, ainda que apenas em sede recursiva, pois que a coberto daquela decisão. Apreciando, pois, importa desde já esclarecer que, caso a questão se resumisse, sem mais, ao conhecimento pelo Tribunal recorrido da exceção da ineptidão – mas não é este o caso, como melhor esclareceremos mais tarde –, sequer o regime que resulta do CPC, a ser aplicável, permitiria afirmar, diversamente do que parece defender a Recorrente, que se impusesse obrigatoriamente a convocação da audiência prévia, pois que, sendo nulo “todo o processo quando for inepta a petição inicial”, nos termos do n.º 1 do artigo 186.º, estando-se perante exceção dilatória, em face da alínea b) do artigo 577.º, resulta afinal do disposto no artigo 592.º, sua alínea b), todos daquele Código, que a audiência prévia não se realiza “Quando, havendo o processo de findar no despacho saneador pela procedência de exceção dilatória, esta já tenha sido debatida nos articulados.” É que, como com relativa facilidade resulta dos autos, sobre essa exceção, invocada pela Trabalhadora / apelada teve afinal a aqui Recorrente oportunidade de se pronunciar, como se pronunciou efetivamente, nos termos que resultam do relatório que antes elaborámos, em 9 de julho de 2019, em que respondeu, além do mais, à exceção de ineptidão do articulado motivador. Chamando então agora à aplicação o regime que resulta do CPT – como antes o dissemos diverso do que se estabelece no CPC –, à mesma conclusão poderemos chegar, em tese, cumprido que se considere o contraditório, em face do que se dispõe no n.º 2 do seu artigo 61.º (“Se o processo já contiver os elementos necessários e a simplicidade da causa o permitir, pode o juiz, sem prejuízo do disposto nos n.ºs 3 e 4 do artigo 3.º do Código de Processo Civil, julgar logo procedente alguma exceção dilatória ou nulidade que lhe cumpra conhecer, ou decidir do mérito da causa”), bem como no n.º 1 do artigo 62.º (“Concluídas as diligências resultantes do preceituado no n.º 1 do artigo anterior, se a elas houver lugar, é convocada uma audiência prévia quando a complexidade da causa o justifique”). Dizemos em tese pois que, como destes resulta, e já antes tivemos também oportunidade de o assinalar, importa aqui ter presente a verificação do pressuposto de que se esteja perante um caso em que a complexidade justifique a convocação da audiência prévia. Chegados a este ponto, não poderemos deixar, porém, de manifestar reservas a respeito do modo como os autos foram tramitados, em particular quanto à circunstância de o Tribunal recorrido ter começado por formular convite ao aperfeiçoamento do articulado motivador, apresentando no seguimento a Empregadora novo articulado (agora independentemente de ter ou não respeitado aquele convite), e de mais tarde proferir a decisão recorrida, na qual acabou por considerar inepto o primeiro articulado apresentado. Assim o dizemos pois que, com salvaguarda do respeito devido, afigura-se-nos que, como aliás decorre das considerações efetuadas pela Recorrente no presente recurso, não se nos afigura que deva convidar-se a aperfeiçoar uma petição inepta, no caso um articulado motivador inepto, mas apenas o que seja deficiente. A esse respeito escreve-se no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 7 de junho de 2022[15] o seguinte (transcrição): «(…) Como já se escreveu no ac. RC de 18-10-2016 - no proc. 203848/14.2YIPRT.C1, in dgsi.pt. de que foi relator o aqui relator - citado no acórdão recorrido, no domínio da ineptidão da petição inicial a questão é sempre saber se, objetivamente, existe ou não causa de pedir, ainda que deficiente ou com pouca inteligibilidade, que permita um julgamento do mérito do pedido. E esta problemática prende-se com a que está no centro da presente revista e que é a de definir a extensão da previsão do poder/dever do julgador convidar ao aperfeiçoamento da petição inicial. Sabemos que a locução normativa do art. 186º nº 3 do CPC - segundo a qual “se o réu contestar apesar de arguir a ineptidão com fundamento na alínea a) do número anterior, não se julgará procedente a arguição quando ouvido o autor se verificar que o réu interpretou convenientemente a petição inicial” - não significa, menos ainda constitui, um princípio para que a ausência de arguição de nulidade por parte do réu torne boa a petição quando a esta falte a causa de pedir, por incompletude ou ininteligibilidade. A previsão do preceito quer significar que é o critério do julgador (e não a vontade das partes) que decide se aquilo que foi alegado pelo autor, independentemente de o réu ter arguido ou não essa nulidade por ineptidão, permite um julgamento de mérito, ainda que mais dificultado pela falta de clareza ou concretização do que alegou, o que acontecerá quando se revele que o demandado interpretou bem, e/ou até esclareceu com a contestação, essa falta de clareza e insuficiência. O poder de convidar ao aperfeiçoamento dos articulados, para serem supridas insuficiências ou imprecisões na exposição e concretização da matéria de facto alegada (art. 590 nº 4 do CPC), tem de ser entendido em rigorosos limites e isto porque esta invitação pode apenas ter lugar quando existam insuficiências ou imprecisões que possam ser resolvidas com esclarecimentos, aditamentos ou correções. Ou seja, anomalias que não ponham em causa, em absoluto, o conhecimento da questão jurídica e a decisão do seu mérito, mas que permitam que este conhecimento e decisão (com o convite, se aceite) sejam realizados de forma mais eficaz. Não deve assim convidar-se a aperfeiçoar uma petição inepta, mas apenas a que seja deficiente, sendo o critério decisivo para distinguir, como antes apontámos, o que define se a petição permite ou não, como foi apresentada, o conhecimento e decisão sobre o mérito do pedido – vd. ac. STJ de 17-11-2021 no proc. 5870/20.3T8VNG.P1.S1 in dgsi.pt por confronto com o ac. do STJ de 16-12-2020 no proc. 656/14.7T8LRS.LL.S1, admitindo-se neste último a possibilidade de convite ao aperfeiçoamento se a petição for insuficiente sem porém se abordar se a insuficiência reporta ou pode reportar a factos essenciais, constitutivos da causa de pedir. Em reforço do que defendemos, tem-se presente como importante que a não aceitação, por parte do Autor, do convite ao aperfeiçoamento que lhe tenha sido feito não determina que o processo termine (não pode convidar-se a aperfeiçoar e subsequentemente, determinar a ineptidão), o que provocaria, nessa situação, que a ação prosseguisse sem factos essenciais ao conhecimento do direito. A verificação da ineptidão da petição inicial determina a imediata absolvição da instância, sem possibilidade de permitir esse aperfeiçoamento. (…)» As considerações anteriores, esclareça-se, aplicadas ao caso, visam no entanto apenas salientar que, em face do regime antes enunciado, sérias dúvidas se nos oferecem sobre o modo como o Tribunal recorrido atuou nos autos, pois que, a verificar-se a ineptidão, como veio a afirmar na decisão recorrida – em que, diga-se, sequer foi verificado do preenchimento ou não da previsão do n.º 3 do artigo 186.º do CPC, o que entendemos que se imporia –, então não deveria ter formulado antes, como formulou, convite ao aperfeiçoamento (como o dissemos, afigura-se-nos que não deve convidar-se a aperfeiçoar o que é inepto e sim apenas o que seja deficiente), sendo que, porém, formulando-o, não obstante tal decisão não envolver, como não envolve, caso julgado, nos termos aliás afirmados nos autos em revista pelo STJ, pode no entanto ser passível de criar uma convicção, que se pode ter por legítima, no sentido, como afinal o diz a Recorrente ter criado, de que o Tribunal não havia considerado, naquele despacho, inepto o articulado motivados do despedimento, pois que se assim fosse não teria formulado convite ao aperfeiçoamento, apresentando-se assim a nova posição do Tribunal de algum modo como contraditória com a antes assumida, ou seja, em termos de eventual afetação do próprio princípio da confiança[16]. Princípio esse da confiança que se tem também como aplicável à atividade dos tribunais [17]. Não obstante as considerações anteriores, que mencionámos por entendemos que deveriam também ter sido atendidas até para efeitos da ponderação da existência ou não do pressuposto da complexidade exigido para a convocação da audiência prévia, mesmo admitindo-se que esse não se verificaria, como ainda, aliás, acrescente-se, aceitando-se ainda que no caso foi cumprido adequadamente o contraditório quanto à questão da exceção da ineptidão invocada e de que veio a conhecer o Tribunal na decisão recorrida, o que se constata, porém, sendo que tal decisão (que se assume com natureza diversa) esteve afinal também na base da posterior afirmação de que ocorreria ineptidão do articulado motivador do despedimento, é que o Tribunal recorrido, previamente à afirmação de que ocorria tal ineptidão, afirmou “que a Empregadora, ao oferecer o articulado motivador de fls. 2662 a 2812, não respeitou os limites impostos pelo despacho proferido a fls. 2651 a 2660, pelos artigos 590º, nº6 e 265º, do Código do Processo Civil e pelo artigo 98º-J, nº1 do Código de Processo do Trabalho, e, como, praticou um acto que a lei não admite e, consequentemente, nulo, atento o disposto no artigo 195º, nº 1, do Código de Processo Civil, porquanto a sua prática influi no exame e na decisão da causa, com a consequente anulação dos actos que se lhe seguiram no processo, ficando por conseguinte prejudicado o conhecimento das demais questões suscitadas pela Trabalhadora no articulado de resposta ao acto agora declarado nulo, atento o disposto no artigo 195º, nº2, do Código de Processo Civil.” Ou seja, o Tribunal recorrido, previamente à decisão que proferiu em que afirmou ocorrer a ineptidão, com relevância aliás para a prolação dessa decisão, afirmou previamente que ocorria nulidade de ato praticado no processo, assim do articulado que foi apresentado no seguimento do despacho de aperfeiçoamento, de resto total – sem que, aliás, evidencie que tudo o que conste desse novo articulado tenha extravasado aquele convite, pois que, a não ser assim, na parte em que não ocorresse tal vício, por estar no âmbito desse convite, dúvidas sérias se podem colocar no sentido de que venha a considerar-se todo o ato nulo, como o invoca a Recorrente –, bem como dos que lhe foram subsequentes, sem que, no entanto, tenha sido convocada audiência prévia, ou, porventura, não o sendo, que tenha determinado o cumprimento do contraditória quanto a essa questão, quando, em face do regime que antes mencionámos, tal contraditório seria imposto – trata-se de princípio que, estando ainda diretamente associado aos deveres de gestão processual e de cooperação para com as partes, também cometidos ao juiz (respetivamente, pelo artigo 6.º e 7.º do CPC), tem normalmente como campo de aplicação os casos em que o tribunal tenha de debruçar-se sobre questões (de facto ou direito) de conhecimento oficioso que as partes não tenham considerado/invocado, impondo-se ao juiz, mesmo nesses casos, que antes de decidir dê a possibilidade às partes de se pronunciarem, independentemente da fase em que se encontre o processo[18]’[19]. Ora, por entendermos que a invocação da Recorrente sobre não cumprimento do contraditório e invocada decisão surpresa, muito embora pela mesma referenciados a respeito nomeadamente da não convocação da audiência prévia, se deve ter como abrangendo, não realizada essa audiência, as demais normas que impõem esse contraditório, justificando-se assim a nossa pronúncia, então, também como já antes o dissemos, omitindo o juiz a aplicação do analisado princípio do contraditório, daí pode então resultar nulidade – a apreciar nos termos gerais do artigo 201.º[20] –, caindo na previsão do artigo 195.º, do CPC, pois que a decisão surpresa, salvos os casos de manifesta desnecessidade, ao não ter dado às partes a oportunidade de se pronunciarem, pode influir no exame ou na decisão a causa. Nos termos expostos, aplicando tal regime ao caso, a considerar-se que a complexidade não exigia a convocação da audiência prévia, sendo que o Tribunal também nada referiu nesse âmbito, caso pretendesse conhecer da referida nulidade, fazendo então uso do regime previsto no n.º 2 do artigo 61.º do CPT, então, só o poderia fazer após garantir às partes, nomeadamente à aqui Recorrente, a possibilidade de se pronunciar sobre essa questão, ou seja, devendo previamente ter-lhe comunicado esse propósito e concedido prazo para se pronunciar, nos termos impostos pelo n.º 3, do artigo 3.º, do CPC, pelo que, como assim não procedeu, não convocando também a audiência prévia, resta-nos concluir que estarmos perante uma decisão surpresa, proferida em violação disposto nos referidos preceitos legais, o que consubstancia uma nulidade processual, nos termos previstos no n.º 1 do artigo 195.º do CPC, dado que, estando em causa a omissão de formalidade relacionada com o direito de defesa, tal omissão tem influência na decisão proferida. Esclareça-se, por último, que se trata da apreciação, que nos é imposta, por aí ter sido considerada prejudicada, nos termos decididos nos autos pelo Supremo Tribunal de Justiça (depois de nesse se ter concluído pela existência de um erro de julgamento na invocação pelo Acórdão antes proferido por esta Relação do caso julgado formal), da primeira das questões das nulidades invocadas pela Recorrente, sendo que, não obstante constar daquele Acórdão que esta Relação “deverá, designadamente, pronunciar-se quanto à obrigação do empregador de juntar aos autos o procedimento disciplinar e suas consequências, bem como determinar se o articulado motivador é ou não inepto, tendo em conta também o disposto no n.º 3 do artigo 186.º do CPC”, no entanto, em face do anteriormente decidido, estando em causa precisamente a preterição em 1.ª instância do princípio do contraditório, estando-se assim perante decisão surpresa, com as consequências que daí emergem, a nossa pronúncia, sobre tais questões, só poderá ocorrer mais tarde, assim depois de suprida, em 1.ª instância, a nulidade cometida, pois que afeta os termos subsequentes, incluindo a decisão recorrida – de resto no mesmo Acórdão STJ, ao determinar-se a repetição do julgamento pelo Tribunal da Relação, para que este possa, conhecer de todas questões suscitadas, escreveu-se precisamente “em plena observância do contraditório”. Deste modo, estando, nos termos ditos, a decisão recorrida ferida de nulidade, impõe-se a sua anulação, com as consequências que desta resulta, em termos de que, na eventualidade de o Tribunal recorrido vir a entender que não é caso que reúna a complexidade que justifique a convocação de audiência prévia, seja dado adequado cumprimento ao disposto no n.º 3 do artigo 3.º do CPC, assegurando-se às partes o direito ao contraditório, em termos de poderem alegar, se o entenderem, o que tiverem por pertinente, sendo que só depois, cumprido que tenha sido esse contraditório, deve ser proferida nova decisão, a respeito da questão da nulidade do articulado motivador do despedimento e, na afirmativa, se essa é total ou parcial por referência ao novo articulado apresentado, apreciando-se apenas depois as demais questões levantadas, incluindo a da ineptidão, bem como, caso essa não seja declarada, as demais questões, incluindo saber se foi ou não adequadamente cumprida a obrigação de junção aos autos do procedimento disciplinar e suas consequências. Procedendo, pois, o recurso quanto à analisada questão, fica prejudicado o demais invocado no presente recurso. Decaindo no recurso, o Apelado é responsável pelas custas (artigo 527.º do CPC). * Sumário:………………….. ………………….. ………………….. * IV. Decisão: Face ao exposto, acordam os juízes da Secção Social do Tribunal da Relação do Porto, na procedência do recurso, em anular a decisão recorrida, por preterição do contraditório, nos termos antes assinalados, determinando-se que o Tribunal de 1.ª instância, na eventualidade de vir a entender que não é caso que reúna a complexidade que justifique a convocação de audiência prévia, dê então adequado cumprimento ao disposto no n.º 3 do artigo 3.º do CPC, assegurando-se às partes o direito ao contraditório, devendo ser proferida, depois, então sim, nova decisão, a respeito da questão da nulidade ou não do novo articulado motivador do despedimento apresentado e, na afirmativa, se essa é total ou parcial, apreciando-se apenas após as demais questões levantadas, incluindo a da ineptidão, bem como, caso essa não seja declarada, o demais, incluindo a respeito de ter sido ou não adequadamente cumprida a obrigação de junção aos autos do procedimento disciplinar e suas consequências. Custas pelo Recorrido. Porto, 5 de junho de 2023 (acórdão assinado digitalmente) Nélson FernandesTeresa Sá Lopes António Luís Carvalhão __________ [1] Relatora Desembargadora Rita Romeira, in www.dgsi.pt. [2] Com intervenção do aqui relator como adjunto – Relator Desembargador Jerónimo Freitas, in www.dgsi.pt. [3] Apelação/processo n.º 361/22.0T8AVR.P1, deste mesmo coletivo, relatada pelo aqui também relator, in www.dgsi.pt. [4] Antunes Varela, J. Miguel Bezerra e Sampaio e Nora, in Manual de Processo Civil, 1985, pág. 387 [5] In Comentário ao Código de Processo Civil, II, pág. 507 [6] No mesmo sentido, com idêntica relevância, Manuel de Andrade (in Noções Elementares de Processo Civil, Coimbra Editora, 1979, pág. 183) quando escreveu: “Mas se a nulidade está coberta por uma decisão judicial (despacho) que ordenou, autorizou ou sancionou o respectivo acto ou omissão, em tal caso o meio próprio para a arguir não é a simples reclamação, mas o recurso competente a deduzir (interpor) e tramitar como qualquer outro do mesmo tipo. É a doutrina tradicional, condensada na máxima: dos despachos recorre-se, contra as nulidades reclama-se”. Ainda: - Antunes Varela (in Manual de Processo Civil, 1985, pág. 393), referindo que “Se, entretanto, o acto afectado de nulidade for coberto por qualquer decisão judicial, o meio próprio de o impugnar deixará de ser a reclamação (para o próprio juiz) e passará a ser o recurso da decisão”; - Anselmo de Castro (in Direito Processual Civil Declaratório, Vol. III, Almedina, 1982, pág. 134): “Tradicionalmente entende-se que a arguição da nulidade só é admissível quando a infracção processual não está, ainda que indirecta ou implicitamente, coberta por qualquer despacho judicial; se há um despacho que pressuponha o acto viciado, diz-se, o meio próprio para reagir contra a ilegalidade cometida, não é a arguição ou reclamação por nulidade, mas a impugnação do respectivo despacho pela interposição do competente recurso, conforme a máxima tradicional – das nulidades reclama-se, dos despachos recorre-se. A reacção contra a ilegalidade volver-se-á então contra o próprio despacho do juiz; ora, o meio idóneo para atacar ou impugnar despachos ilegais é a interposição do respectivo recurso (art.º 677.º, n.º 1), por força do princípio legal de que, proferida a decisão, fica esgotado o poder jurisdicional (art.º 666.º)”. Porém, depois de algumas reticências relativamente à aplicação do disposto no art.º 666.º a todas as decisões, acrescentou que aquela construção “não tem sequer sentido quanto àquelas nulidades de que o juiz não pode conhecer oficiosamente (todas as nulidades secundárias e as principais a partir do saneador”. Veja-se, o Ac. desta Relação e Secção de 10 de Outubro de 2016, Relator Desembargador Jerónimo Freitas, in www.dgsi.pt. [7] Que igualmente procede à remissão para as respectivas disposições legais: a ineptidão da petição inicial (art.º 186.º e 187º); a falta de citação, seja do réu seja do Ministério Público, quando deva intervir como parte principal (art.º 188.º); a preterição de formalidades essenciais à citação (art.º 191.º); o erro na forma de processo (art.º 193.º); e, a falta de vista ou exame do Ministério Público, quando a lei exija a sua intervenção como parte acessória (art.º 194º) [8] Nas palavras de Antunes Varela, J. Miguel Bezerra e Sampaio e Nora (in Manual de Processo Civil, 1985, pág. 391), “Serão relevantes, segundo o critério estabelecido, quando a lei especialmente o declare ou quando possam influir no exame ou na decisão da causa” [9] art.ºs 196.º e 197.º n.º1, do CPC [10] José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, “Código de Processo Civil Anotado”, 3ª ed., Coimbra Ed., 2014, pág. 9. [11] Porém, como referem Paulo Ramos de Faria e Ana Luísa Loureiro, “Primeiras Notas ao Novo Código de Processo Civil”, I, 2013, Almedina, 2012, pág. 50, não se trata aqui de uma atividade como que “assistencial à parte carenciada”, destinando-se antes, apenas, citando, “a sinalizar caminhos para a descoberta a verdade, de acordo com a estratégia heurística servida pelo processo, mantendo-se desimpedidas as vias processuais, bem como a manter a parte informada sobre os desenvolvimentos processuais que posam influenciar a sua estratégia processual, no sentido de pôr fim ao processo o mais adequada e rapidamente possível”. [12] Fernando Pereira Rodrigues, “O Novo Processo Civil. Os Princípios Estruturantes”, 2013, Almedina, pág. 49 [13] José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, ob. Cit., pág. 10. [14] Que igualmente procede à remissão para as respectivas disposições legais: a ineptidão da petição inicial (art.º 186.º e 187º); a falta de citação, seja do réu seja do Ministério Público, quando deva intervir como parte principal (art.º 188.º); a preterição de formalidades essenciais à citação (art.º 191.º); o erro na forma de processo (art.º 193.º); e, a falta de vista ou exame do Ministério Público, quando a lei exija a sua intervenção como parte acessória (art.º 194º) [15] Relator Conselheiro Manuel Capelo, in www.dgsi.pt. [16] Como se refere no acórdão desta Secção de 23 de junho de 2021, relatado pelo também aqui relator (in www.dgsi.pt), apelação n.º 27481/15.5T8PRT.P1, a respeito do princípio da proteção da confiança, por um lado, prendendo-se esse princípio – que se tem por ínsito no artigo 2.º da CRP –, nas palavras de Gomes Canotilho, “com as componentes subjetivas da segurança, designadamente a calculabilidade e a previsibilidade dos indivíduos em relação aos efeitos jurídicos dos atos dos poderes públicos» Direito Constitucional e Teoria da Constituição, 6.ª edição, Coimbra, p. 257; no mesmo sentido, Paulo Mota Pinto, A proteção da confiança na "jurisprudência da crise" «in» O Tribunal Constitucional e a Crise. Ensaios Críticos, Coimbra, 2014, p. 164), no entanto, para que para haja lugar à tutela jurídico-constitucional da «confiança, como resulta do Acórdão do Tribunal Constitucional de 9 de dezembro de 2015, citando-se o Acórdão n.º 128/2009, “é necessário, em primeiro lugar, que o Estado (mormente o legislador) tenha encetado comportamentos capazes de gerar nos privados «expectativas» de continuidade; depois, devem tais expectativas ser legítimas, justificadas e fundadas em boas razões; em terceiro lugar, devem os privados ter feito planos de vida tendo em conta a perspetiva de continuidade do «comportamento» estadual; por último, é ainda necessário que não ocorram razões de interesse público que justifiquem, em ponderação, a não continuidade do comportamento que gerou a situação de expectativa”. Por outro lado, e em segundo lugar, para se deixar claro que também a atividade dos Tribunais, enquanto órgãos de soberania, não fica à margem, assim na prática judicial, do âmbito de aplicação do mencionado princípio da confiança, de resto, para além de ligado à própria preservação pelos destinatários das suas decisões de um sentimento de confiança particular, também inerente a razões de segurança jurídica – princípio este também consagrado constitucionalmente –, no sentido de se visar garantir que as situações obtenham a necessária estabilidade. Nesse sentido, e com a necessária consagração legal, assim no CPC, quanto à atividade do julgador, se enquadram, nomeadamente, as normas referentes ao caso julgado, seja a respeito do valor da sentença ou saneador transitados em julgado que tenham conhecido de mérito (artigo 619.º), seja ainda sobre as próprias sentenças e/ou despachos que recaiam unicamente sobre a relação processual (artigo 620.º - caso julgado formal), pois que, mesmo estas, excecionados os casos previstos no artigo 630.º (“1 - Não admitem recurso os despachos de mero expediente nem os proferidos no uso legal de um poder discricionário. 2 - Não é admissível recurso das decisões de simplificação ou de agilização processual, proferidas nos termos previstos no n.º 1 do artigo 6.º, das decisões proferidas sobre as nulidades previstas no n.º 1 do artigo 195.º e das decisões de adequação formal, proferidas nos termos previstos no artigo 547.º, salvo se contenderem com os princípios da igualdade ou do contraditório, com a aquisição processual de factos ou com a admissibilidade de meios probatórios.”), “têm força obrigatória dentro do processo.” [17] Como se refere no Acórdão do Supremo Tribunal de 14 de maio de 2019 (Relator Conselheiro Pedro de Lima Gonçalves, in www.dgsi.pt.), “(…) Com efeito, traduzindo-se o princípio do processo equitativo, na dimensão do justo processo, além do mais, na confiança dos interessados ou dos sujeitos processuais nas decisões de conformação ou de orientação do processo, mal se compreenderia que aqueles pudessem ser surpreendidos por consequências processuais desfavoráveis com as quais, por força do próprio comportamento do tribunal, não podiam razoavelmente contar.” [18] José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, “Código de Processo Civil Anotado”, 3ª ed., Coimbra Ed., 2014, pág. 9. [19] Porém, como referem Paulo Ramos de Faria e Ana Luísa Loureiro, “Primeiras Notas ao Novo Código de Processo Civil”, I, 2013, Almedina, 2012, pág. 50, não se trata aqui de uma atividade como que “assistencial à parte carenciada”, destinando-se antes, apenas, citando, “a sinalizar caminhos para a descoberta a verdade, de acordo com a estratégia heurística servida pelo processo, mantendo-se desimpedidas as vias processuais, bem como a manter a parte informada sobre os desenvolvimentos processuais que posam influenciar a sua estratégia processual, no sentido de pôr fim ao processo o mais adequada e rapidamente possível”. [20] José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, ob. Cit., pág. 10. |