Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
3073/22.1T8PRT.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: MANUEL DOMINGOS FERNANDES
Descritores: CONTRATO DE MEDIAÇÃO IMOBILIÁRIA
CONTRATO PROMESSA
REMUNERAÇÃO
Nº do Documento: RP202306053073/22.1T8PRT.P1
Data do Acordão: 06/05/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: RECURSO IMPROCEDENTE; DECISÃO CONFIRMADA
Indicações Eventuais: 5.ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - O contrato de mediação imobiliária é um contrato bilateral e oneroso: o mediador obriga-se a procurar interessado e a aproximá-lo do comitente para a realização do negócio no sector imobiliário e este último obriga-se a remunerá-lo pelo serviço prestado.
II - Neste contrato o momento do pagamento pode ser distinto do momento em que nasce o direito à remuneração: este apenas ocorre com a celebração do contrato visado no contrato de mediação, in casu, o contrato de compra e venda, ainda que as partes tenham convencionado o seu pagamento antecipado, com a celebração do contrato promessa, se existir.
III – Se as partes quiserem atribuir à quantia paga com o contrato promessa a natureza de remuneração específica, uma compensação pelo trabalho desenvolvido pela mediadora, a culminar no contrato promessa, independentemente do cumprimento/concretização do negócio visado, impõe-se a alegação e prova dos pertinentes factos–para o que é manifestamente insuficiente a prova do momento do pagamento.
IV - Não tendo o contrato definitivo sido celebrado por desistência dos compradores e não resultando provados nos autos que foi estipulada remuneração específica, a totalidade da remuneração paga aquando da celebração do contrato promessa deve ser restituída aos mediados.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo nº 3073/22.1T8PRT.P1-Apelação
Origem: Tribunal Judicial da Comarca do Porto-Juízo Local Cível do Porto-J5

Relator: Des. Dr. Manuel Fernandes
1º Adjunto Des. Drª. Fátima Andrade
2º Adjunto Des. Dr. José Eusébio Almeida


Sumário:
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I - RELATÓRIO
Acordam no Tribunal da Relação do Porto:
AA e BB, residentes na Rua ..., freguesia ..., Porto intentaram a presente acção declarativa sob a forma de processo comum contra A..., Lda, com sede na Estrada ..., ..., ... Porto, pedindo que seja declarado nulo o Contrato de Mediação Imobiliária celebrado entre os Autores e a Ré, com fundamento na omissão da identificação do negócio visado pelo exercício da mediação e da falta de especificação da forma de pagamento do preço e, por via disso, ser a mesma condenada a restituir-lhes o montante de €25.500,00, caso assim se não entenda, condenar-se a Ré a restituir-lhes a mesma quantia em resultado da falta de concretização do prometido contrato de compra e venda, nos termos e com os fundamentos aduzidos e ao abrigo do disposto no artigo 473.º do Código Civil e na eventualidade de improcederem todos os pedidos anteriormente formulados, deve ser reduzido proporcionalmente o valor devido à Ré, a título de comissão, fixando-o em €2.400,00 e, consequentemente, condenada a Ré a restituir-lhes o valor remanescente de €23.100,00.
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Regular e pessoalmente citada, a ré contestou pugnando pela total improcedência da pretensão dos autores e deduziu reconvenção reclamando a condenação destes no pagamento da quantia de €3.651,00, acrescida de juros de mora à taxa legal em vigor até efetivo e integral pagamento, bem como demais despesas com o processo, incluindo custas de parte e encargos.
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Os autores replicaram pugnando pela improcedência do pedido reconvencional.
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Foi dispensada a realização da audiência prévia e admitida a reconvenção deduzida, enunciado o objeto do processo e admitidos os meios de prova arrolados pelas partes.
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Teve lugar a audiência de discussão e julgamento que decorreu com observância do legal formalismo.
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A final, foi proferida decisão que julgou a acção procedente, e, em consequência, condenou a ré a entregar aos autores a quantia de 25.500,00 euros (vinte e cinco mil e quinhentos euros) e julgou a reconvenção improcedente, e, em consequência, absolveu os autores do pedido reconvencional formulado pela ré.
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Não se conformando com o assim decidido veio a Ré interpor o presente recurso rematando com as seguintes conclusões:
A. O tribunal a quo interpretou e aplicou de forma errada o Direito.
B. Recorrente e Recorridos celebraram um contrato de mediação imobiliária;
C. Onde contratualizaram que à empresa de mediação imobiliária era devida a remuneração se conseguisse interessado na compra do imóvel, desde que fosse pago um sinal correspondente a valor igual ou superior ao valor contratualizado no contrato promessa de compra e venda;
D. No caso em concreto temos o direito à remuneração da empresa mediadora aquando da celebração do contrato promessa de compra e venda;
E. O Tribunal a quo entende que a remuneração paga por ocasião da outorga do contrato promessa de compra e venda é um adiantamento, no entanto,
F. Atendendo ao Princípio da Liberdade Contratual, o Legislador, quis dar às Partes a possibilidade de ser, no contrato promessa, o momento devido para a Mediadora.
G. Estamos no domínio da liberdade de estipulação, podendo as partes escolher um resultado menos exigente;
H. Antes de a lei o prever, a jurisprudência reconhecia às partes a possibilidade de escolha de um momento menos exigente, em regra, o da celebração do contrato promessa. Indiferente sempre foi a consumação, cumprimento ou execução do contrato efetivamente celebrado, cuja falta não afeta a remuneração do mediador.
No entanto,
I. A lei 15/2013 de 8 de fevereiro regula o exercício da atividade de mediação imobiliária;
J. No seu artigo 19.º, número 1.º, 2.ª parte é previsto o direito à remuneração, se as Partes tiverem celebrado contrato promessa;
K. Recorrente e Recorridos, no contrato de mediação imobiliária supra mencionado, estipularam que a remuneração seria devida no momento da celebração do contrato promessa se fosse prestado o sinal de, pelo menos, 10% sob o valor no contrato prometido.
L. Ora, face ao exposto, não nos resta senão dizer que o Tribunal interpretou erradamente a lei e que
M. Se impõe que este Venerando Tribunal decida em sentido oposto à decisão proferida em primeira instância, ou seja, que seja reconhecido o direito que assiste à Recorrente de ver a sua remuneração paga, como já foi, aquando da celebração do contrato promessa de compra e venda.
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Devidamente notificados contra-alegaram os Autores concluindo pelo não provimento do recurso.
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Corridos os vistos legais cumpre decidir.
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II- FUNDAMENTOS
O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente, não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso-cfr. artigos 635.º, nº 4, e 639.º, nºs 1 e 2, do C.P.Civil.
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No seguimento desta orientação é apenas uma a questão que importa apreciar e decidir:
a) - saber se é, ou não, devida à Ré a remuneração no âmbito do contrato de mediação imobiliária celebrado com os Autores.
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A) - FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
É a seguinte a matéria de facto que vem dada como provado pelo tribunal recorrido:
1. Os autores são donos do prédio urbano situado na Rua ..., em ..., no Porto, descrito na conservatória do registo predial sob o n.º ...20 e inscrito na matriz sob o art.º ...20.º.
2. No decurso do ano de 2021 os autores tomaram a decisão de vender o imóvel descrito em 1.,–o qual constituía a sua casa de morada de família com o objetivo de, com o recebimento do preço da venda, adquirirem uma nova habitação, em concreto um imóvel existente na Rua ..., no Porto.
3. No dia 4/9/2021, os autores celebraram com a ré um contrato de mediação imobiliária, nos termos do qual esta se comprometia a promover o sobredito imóvel e diligenciar no sentido de encontrar interessados na aquisição, pelo prazo de 180 dias, com início no referido dia 4/9 e termo a 4/3/2022, renovável por iguais períodos contanto que não fosse denunciado por qualquer das partes mediante comunicação escrita com, pelo menos, 10 dias de antecedência em relação ao respetivo termo.
4. Ficou, ainda, acordado que, caso a ré encontrasse um interessado que comprasse o mencionado imóvel, teria aquela direito a uma remuneração correspondente a 6% do preço pelo qual o negócio de compra e venda se viesse a concretizar.
5. Mais acordaram que que o valor devido a título de remuneração deveria ser entregue à ré aquando da celebração do contrato-promessa de compra e venda e desde que o valor recebido pelos autores, a título de sinal e princípio de pagamento, fosse igual ou superior a 10% do preço global de venda.
6. A ré logrou encontrar interessados na aquisição do imóvel descrito, tendo os autores em 15/9/2021, celebrado um contrato-promessa de compra e venda nos termos do qual aqueles prometiam vender e CC e seu cônjuge, DD, prometiam comprar o dito imóvel pelo preço de 395.000,00 euros, a ser pago pelos promitentes-compradores aos autores nos seguintes termos: a) 40.000,00 euros, a título de sinal e princípio de pagamento, na data da celebração do contrato-promessa; b) 355.000,00 no momento da celebração da escritura contrato de compra e venda.
7. Mais foi acordado no ato referido em 6., que a entrega da quantia referida em 6, al.ª a) deveria ser realizada pelos promitentes-compradores mediante transferência para a conta bancária de que a ré é titular, com o IBAN ...05.
8. E que a escritura de compra e venda deveria ser celebrada até 10/12/2021, em data, hora e local a fixar pelos promitentes-compradores, que disso deviam dar conhecimento aos ora autores mediante comunicação escrita com, pelo menos, 15 dias de antecedência em relação à data aprazada para a celebração da escritura de compra e venda.
9. Após a celebração do acordo referido em 7 e 8, a ré, no dia 17/9/2021 entregou aos autores, através de transferência bancária para a conta bancária de que estes são titulares, a quantia de 14.500,00 euros), correspondente à diferença entre o valor do sinal recebido e a importância de 25.500,00 euros (20.731,71 euros Processo: 3073/22.1T8PRT+IVA), tendo nessa sequência, em 17/9/2021 emitido a fatura-recibo n.º ...49.
10. Decorrida a data prevista para a celebração da escritura de compra e venda sem que aquela tivesse sido outorgada–por facto não imputável aos ora autores-os promitentes-compradores, por carta datada de 28/12/2021, comunicaram aos autores que: “Ex.mos Senhores, CC e DD, na qualidade de promitentes Compradores no Contrato Promessa de Compra e Venda, outorgado em 15 de Setembro de 2021, pelas circunstâncias a seguir discriminadas, vêm pelo presente instrumento Resolver aquele contrato, por alteração das circunstâncias em que as partes fundaram a sua decisão de contratar, nos termos e para os efeitos do disposto no art. 437.º, n.º 1 do Código Civil.
Várias têm sido as vicissitudes inerentes à vontade de contratar e que determinaram a perda de interesse no contrato definitivo.
Conforme contratualizado, a escritura pública, ou contrato equivalente, deveria ter sido realizada até ao dia 10 de Dezembro de 2021.
Como saberão, tal circunstância não ocorreu por facto não imputável aos signatários.
Na verdade, a conclusão do processo de legalização e rectificação das áreas que se encontrava pendente, só nos foi comunicada após aquela data, o que determinou que o processo escritural tivesse de ser adiado.
Não obstante haver sido sugerido um aditamento ao contrato promessa de compra e venda, no sentido de adiar a data para a celebração do contrato prometido, tal foi sendo ignorado.
Isto posto, inesperadamente, fomos surpreendidos com uma comunicação electrónica por parte da A... que nos dava conta de uma suposta carta que nos havia sido remetida por V.Exas. através da qual invocavam mora contratual, fixando um prazo de 15 dias para o agendamento da escritura pública de compra e venda.
Da análise documental, nomeada e concretamente do envelope ínsito, verificamos várias circunstâncias, a nosso ver insólitas.
Desde logo, registamos a não recepção daquela ou de qualquer outra comunicação da V/parte.
Registamos, igualmente, a inexistência de qualquer impedimento e/ou constrangimento no acesso ao prédio e/ou receptáculos postais.
A suposta carta foi registada a 15/12, constando da mesma pelo menos 3 carimbos sobrepostos, aparentemente datados de 17/12 e cujo motivo de devolução não deslumbramos, por imperceptível.
Compulsado o site dos CTT, surpreendentemente, a suposta carta consta como entregue a 17/12, pelas 15h00.
Tudo circunstâncias a nosso ver dúbias quanto ao sentido e alcance do pretendido.
Acresce a impertinência na comunicação. Nestes termos, entendemos inexistirem condições para a outorga do contrato definitivo de compra e venda, por alteração das circunstâncias iniciais que levaram à contratação, razão pela qual Resolvemos o Contrato Promessa de Compra e Venda outorgado em 15 de Setembro de 2021, tudo com o legal e consectário implícito. Sem outro assunto de momento, (…)”.
11. Ao contrário do afirmado na carta transcrita em 10, os promitentes compradores desistiram do negócio por circunstâncias apenas relacionadas consigo mesmo e referentes ao facto de não terem conseguido recorrer a financiamento bancário, o que era do conhecimento da ré.
12. Por carta datada de 28/1/2021, os autores solicitaram à ré a devolução da quantia retida e referida em 9., o que a ré recusou através de carta datada de 1/2/2022, na qual reclamava, ainda, que os autores procedessem à entrega do remanescente da quantia devida no montante de 2.968,29+IVA, remetendo a fatura n.º ..., emitida em 1/1/2022 e com vencimento em 1/2/2022.
13. Os autores procederam à devolução da fatura referida em 12 e comunicaram que colocavam termo ao acordo celebrado com efeitos a partir de 4/3/2022.
14. No documento escrito que formalizou o acordo descrito em 3., na cláusula 2.ª, com o seguinte teor “1. A mediadora obriga-se a diligenciar no sentido de conseguir interessado na 󠄀compra 󠄀 trespasse 󠄀 arrendamento 󠄀- ________________, pelo preço de ______ Euros (____________), desenvolvendo para o efeito ações de promoção e recolha de informações sobre negócios pretendidos e características dos respetivos imóveis. (…)”, foi, de forma manuscrita, assinalada com um “x” a quadrícula que antecede a palavra “trespasse” e inscrito o valor de 415.000,00 e por extenso igual valor”.
15. No documento escrito que formalizou o acordo descrito em 3., constam, ainda, as cláusulas 4.ª, 5.ª e 12.ª com o seguinte teor:
- cláusula 4.ª:
- cláusula 5.ª:

- cláusula 12.ª:

16. Os autores nunca pretenderam celebrar qualquer cedência definitiva de um estabelecimento comercial–trespasse–mas apenas solicitar a intervenção da ré no sentido daquela sondar um potencial interessado para um negócio de compra e venda do imóvel descrito em 1.
17. A pedido dos autores a ré aquando do recebimento da quantia entregue a título de sinal e princípio de pagamento não retirou a totalidade da percentagem referida em 5, cláusula 5.ª do acordo–a qual seria entregue no momento da celebração da escritura de compra e venda.
18. O acordo celebrado entre os autores e a ré foi aprovado pelo IMPIC em 26/6/2020 com o código de acesso n.º ...30, tendo todo o seu teor sido explicado aos autores.
19. A ré divulgou internamente o imóvel, logrando, de imediato, encontrar um interessado, sem que tenha feito divulgação na internet ou junto de terceiros.
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Factos não provados
Não se provou que:
1. Todas as quantias a entregar pelos promitentes compradores aos autores seriam transferidas para a conta bancária titulada pela ré.
2. Foram os autores a preencher os espaços em branco do acordo celebrado com a ré, nomeadamente, os constantes das cláusulas 2.ª e 5.ª.
3. A ré realizou toda a campanha promocional do imóvel.
4. A ré desconhece os motivos da não celebração da escritura de compra e venda.
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III. O DIREITO
Como supra se referiu é apenas uma a questão que importa apreciar e decidir:
a)- saber se é, ou não, devida à Ré a remuneração no âmbito do contrato de mediação imobiliária celebrado com os Autores.
Não vem questionado a qualificação jurídica da relação negocial estabelecida entre as partes como sendo de um contrato de mediação imobiliária.
Este contrato pode definir-se como o contrato pelo qual uma das partes se obriga a promover, de modo imparcial, a aproximação de duas ou mais pessoas, com vista à celebração de certo negócio, mediante retribuição.[1]
São assim elementos caracterizadores deste contrato: obrigação de aproximação de sujeitos; actividade tendente à celebração do negócio; imparcialidade; ocasionalidade; retribuição.
Saliente-se que a actividade do mediador consiste essencialmente na prática de actos materiais, tendentes a favorecer o encontro de eventuais contraentes e a celebração do negócio em causa. Essa actividade tem, pois, carácter necessariamente pluridireccional, dirigindo-se a um resultado que envolve, pelo menos, duas pessoas.[2]
Por outro lado, o mediador não age por conta do comitente, nem no interesse deste. A imparcialidade impõe ao mediador o dever de se comportar, perante os potenciais contraentes, em termos não discriminatórios e de modo a evitar danos para qualquer deles; nomeadamente deverá avisar ambas as partes quando conheça alguma circunstância, relativa ao negócio, capaz de influenciar a decisão de contratar (ou não).[3]
No caso concreto, no momento em que foi celebrado o contrato em discussão já se encontrava em vigor a Lei nº 15/2013, de 8 de Fevereiro.
Tal como nos anteriores diplomas legais (DL 211/2004 e DL 77/99), o legislador no artigo 2.º, nº 1 da referida Lei, define a actividade de mediação imobiliária como a consistente na procura, por parte das empresas, em nome dos seus clientes, de destinatários para a realização de negócios que visem a constituição ou aquisição de direitos reais sobre bens imóveis, bem como a permuta, o trespasse ou o arrendamento dos mesmos ou a cessão de posições em contratos que tenham por objecto bens imóveis.
O artigo 16.º do citado diploma estatui, por sua vez, sobre alguns dos elementos do citado contrato.
Das características atrás elencadas sobre o referido contrato interessa-nos, no caso concreto, a referente à retribuição, pois que, a apelante fundamenta a acção no incumprimento contratual e, portanto, no não pagamento da retribuição acordada.
Com efeito, o contrato aqui em causa é um contrato necessariamente oneroso.
É contrato sujeito a prazo. Impõe-se a celebração do contrato por tempo determinado, mas o período de vigência é deixado na disponibilidade das partes, sendo supletivo o prazo de seis meses (no caso concreto, as partes estabeleceram no contrato o prazo de nove meses).
Para além disso, caracteriza-se também por ser um “contrato aleatório, só dando azo à retribuição quando tenha êxito”.[4]
Com efeito, no artigo 19.º da Lei nº 15/2013, de 8 de Fevereiro, dispõe-se efectivamente que:
1- A remuneração da empresa é devida com a conclusão e perfeição do negócio visado pelo exercício da mediação ou, se tiver sido celebrado contrato-promessa e no contrato de mediação imobiliária estiver prevista uma remuneração à empresa nessa fase, é a mesma devida logo que tal celebração ocorra.
2- É igualmente devida à empresa a remuneração acordada nos casos em que o negócio visado no contrato de mediação tenha sido celebrado em regime de exclusividade e não se concretize por causa imputável ao cliente proprietário ou arrendatário trespassante do bem imóvel.
De facto, na concretização da obrigação do mediador, este pratica, por conta própria, vários actos materiais, que podem ser de publicitação do que se pretende vender (por exemplo, publicação de anúncios em jornais e revistas, colocação de placas nos prédios em venda, estabelecimento de contactos com clientes em carteira, etc.), visando a obtenção ou concretização do negócio em relação a determinado imóvel.
Porém, só no momento da concretização do negócio com o interessado, exigindo-se ainda que seja perfeito, no sentido de eficaz[5], é que o mediador cumpre o fim precípuo da mediação, razão pela qual, em princípio, apenas nesse momento lhe assiste o direito à remuneração, ressalvado o caso do nº 2.
Portanto, a remuneração do mediador, em princípio, está dependente duma condição essencial, também dita de condição suspensiva, que se traduz na realização do negócio objecto do contrato de mediação.[6]
E, nesse sentido, sempre se vem afirmando que, em geral, a lei exige que haja uma relação causal entre a actuação do mediador e a conclusão e perfeição do contrato.
Na verdade, como refere Higina Orvalho[7] “a conclusão do contrato visado perfeito não marca apenas o momento em que a remuneração é devida, sendo mais do que isso, uma circunstância sem a qual não nasce para o mediador a remuneração (…) Repare-se que não sendo celebrado o contrato visado (…) o mediador não tem direito a ser remunerado. Isto torna-se claro com a leitura do nº 2 do art. 19º que introduz uma excepção nesta regra, desde que se verifiquem cumulativamente determinados pressupostos, a saber: contrato de mediação celebrado com proprietário… de bem imóvel; regime de exclusividade e não concretização do negócio visado por causa imputável ao cliente (…)”.
Sendo, portanto, este o arquétipo legal da figura do contrato de mediação imobiliária, nomeadamente no que concerne ao direito à remuneração por parte do Mediador Imobiliário, importa aplicar estas considerações ao caso concreto.
No caso, ficou acordado no contrato de mediação que o valor devido a título de remuneração deveria ser entregue à ré aquando da celebração do contrato-promessa de compra e venda e desde que o valor recebido pelos autores, a título de sinal e princípio de pagamento, fosse igual ou superior a 10% do preço global de venda (cfr. ponto 5. dos factos provados).
A questão que agora importa dilucidar é saber se os Autores podem exigir a devolução da remuneração que, nos termos previstos no contrato de mediação, pagaram à Ré quando foi celebrado o contrato-promessa de compra e venda com o interessado obtido por esta, uma vez que o contrato de compra e venda visado pela mediação não foi celebrado por os promitentes compradores terem desistido do mesmo, por circunstâncias apenas relacionadas consigo mesmo e referentes ao facto de não terem conseguido recorrer a financiamento bancário, o que era do conhecimento da ré (cfr. ponto 11. dos factos provados).
Face à argumentação trazida a terreiro pela apelante importa, antes demais, perceber se o artigo 19.º da Lei em apreço admite, efetivamente, o nascimento da remuneração final devida, no caso de ser celebrado um contrato de promessa, no momento da sua conclusão.
A dúvida resulta de a Lei n.º 15/2013 ter introduzido, entre outras, uma alteração ao Decreto-Lei nº 211/2004 (redação do Decreto-Lei nº 69/2011) relativa ao regime remuneratório da mediadora.
Na verdade, esta matéria era anteriormente regulada pelo artigo 18.º do diploma referido que dispunha, por um lado, no seu número 1, que: “A remuneração só é devida com a conclusão e perfeição do negócio visado pelo exercício da mediação”; e, por outro, na sua alínea b), que daquela previsão se excluíam “os casos em que tenha sido celebrado contrato-promessa relativo ao negócio visado pelo contrato de mediação, nos quais as partes podem prever o pagamento da remuneração após a sua celebração”.
Portanto, não obstante a regra geral fosse a de que a remuneração “só é devida com a conclusão e perfeição do negócio visado”, admitia-se aos outorgantes a possibilidade de, caso fosse celebrado um contrato-promessa, estipularem que aquela seria devida após a sua celebração.
Acontece que, este normativo foi alterado estando, actualmente, a regulação desta matéria concentrada no seu artigo 19.º atrás transcrito.
Ora, a dúvida surge no segundo segmento do nº 1, nomeadamente pelo emprego do vocábulo “ou” que parece apontar para uma certa alternatividade e opcionalidade sobre o momento em que se pode considerar a remuneração “devida”.
Segundo um primeiro entendimento, o que este normativo permite é que a remuneração típica devida pelo cliente à empresa de mediação, como contrapartida do exercício da sua atividade mediadora, tanto possa ser devida com a conclusão do negócio visado como (alternativamente e sem qualquer especificidade) com a celebração do contrato-promessa.
É, pois, este o entendimento sufragado pela apelante quando afirma que “(…) à Mediadora compete a aproximação de duas vontades, por um lado um Vendedor e por outro um Comprador, sendo que a tarefa da Mediadora esgota-se na outorga do contrato-promessa de compra e venda”, ou seja, independentemente do desfecho do contrato prometido e das vicissitudes ao mesmo associadas.
Mau grado se respeite este entendimento, com ele não se concorda.
Sobre a questão em concreto esclarece Maria de Fátima Ribeiro[8]: “Questão que tem merecido particular atenção da parte da doutrina e jurisprudência é a de saber se pode ser devido o pagamento da comissão com a celebração do contrato-promessa relativo ao negócio visado com o contrato de mediação, particularmente no contrato de mediação imobiliária, quando tal solução resulte ou aparente resultar deste contrato. (...) Mas cabe ainda responder, nesta sede, à questão de saber se as partes podem acordar que a obrigação de pagamento da remuneração nasce com a celebração do contrato-promessa. Ora, a nosso ver, tal não é possível, por razões que se prendem com a economia do contrato de mediação e que decorrem de tudo o que fica exposto supra.”
Também a Dra. Higina Castelo[9], se debruça sobre o tema afirmando: “É corrente, na prática da mediação imobiliária a estipulação da antecipação da remuneração ou de parte dela para o momento da celebração do contrato-promessa (…). Esta antecipação não contende com a estrutura norma ou típica do contrato de mediação, no qual a remuneração do mediador se torna devida com a ocorrência de um evento que extravasa a sua prestação”.
Existe, portanto, um outro entendimento–a nosso ver acertado–segundo o qual a remuneração da mediadora só é devida com a conclusão e perfeição do contrato definitivo (primeiro segmento da norma citada).
No entanto, para além de ser admissível a antecipação do momento do seu pagamento-e quanto a este ponto parece-nos que não haverá dúvidas-, é ainda possível, pelo segundo segmento da norma, a estipulação, cumpridos certos requisitos, de “uma remuneração” específica como justa contrapartida do serviço prestado/actividade exercida pela mediadora até ao momento do contrato de promessa.
Terá querido, pois, o legislador, com tal alteração (operada pela Lei 15/2013) na forma e nos requisitos normativos, estabelecer como imperativa a regra de que a remuneração típica desta modalidade contratual é devida apenas, só se gera, nasce ou constitui, com a conclusão e perfeição do negócio visado–sem prejuízo da possibilidade de as partes estabelecerem o seu pagamento/vencimento em momento antecipado, como é o da celebração do contrato-promessa dados os interesses que ele já satisfaz e os vínculos que cria com o terceiro interessado–mas admitir, ainda, a possibilidade de as partes convencionarem uma outra remuneração que, em contrapartida da satisfação do cliente pela celebração daquele, premeie o desempenho, até aí, da mediadora.
Esta outra específica remuneração nasceria ou constituir-se-ia e, por isso, seria também devida, no momento da celebração do contrato-promessa e independentemente da conclusão perfeita do negócio definitivo. Trata-se, no entanto, de outra remuneração que não se identifica com a devida a final.
Assim, nos termos do já citado artigo 19.º, nº 1 da Lei n.º 15/2013 de 08/02, continua a constituir princípio-base central que a remuneração acertada pela mediação apenas é devida com a concretização e perfeição do negócio mediado e continua a admitir-se a possibilidade de a mediadora vir a ser remunerada aquando da celebração de contrato-promessa referente a esse mesmo negócio, mas introduz-se uma importante especialidade, moderadora do regime anterior.
É que a remuneração devida com a celebração da promessa tem de ter sido especificamente acordada e, para além disso, deve ter sido prevista especificamente para essa situação, não se identificando com a remuneração devida pela concretização do negócio ou com o efeito de antecipação do pagamento.
Daqui resulta, ao contrário do que defende a apelante, que o espaço de liberdade para estipular conteúdos contratuais que se oferecem aos contratantes é, hoje, sensivelmente mais restrito, já que não é possível convencionar que a remuneração pela concretização do negócio é devida logo na outorga da promessa (como sucedia no domínio do Decreto-Lei n.º 211/2004 de 20.08), mas, apenas, que pode ser estabelecida uma remuneração específica para quando exista sucesso na obtenção de uma promessa obrigacionalmente vinculativa respeitante ao negócio mediado.
Assim, o entendimento da apelante de que a remuneração final acordada entre as partes nasceria/constituir-se-ia com a celebração do contrato de promessa-porque assim alegadamente convencionado-não pode ser acolhido.
Desde logo, por não ter assento no regime jurídico atualmente em vigor, pois que, como já referido, as partes apenas poderão (i) ou antecipar o pagamento da remuneração da mediadora ou (ii) estabelecer uma remuneração específica (v.g. premiando o desempenho da mediadora e/ou dos seus agentes e colaboradores) devida no momento de celebração do contrato de promessa.
Em suma a conclusão do contrato visado não marca apenas o momento em que a remuneração é devida, sendo, mais do que isso, uma circunstância sem a qual não nasce para a mediadora o direito à remuneração.
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Diga-se, aliás, que analisando o conteúdo da declaração negocial se chega à mesma conclusão.
É jurisprudencial e doutrinalmente pacífico que, para apuramento da vontade real dos declarantes, devem ser aplicadas as regras dos artigos 236.º e seguintes do Código Civil, acolhendo o nº 1 deste preceito a teoria da impressão do destinatário, de cariz objectivista, segundo a qual a declaração vale com o sentido que um declaratário normal, medianamente instruído, sagaz e diligente, colocado na posição do concreto declaratário, a entenderia, sendo que, quando estejam em causa negócios formais, estatui o art. 238.º, n.º 1 do mesmo diploma legal que o sentido correspondente à impressão do destinatário não pode valer se não tiver um mínimo de correspondência, ainda que imperfeita, no texto do respectivo documento.
Ora, perscrutando o plasmado na cláusula 5ª, número 1-cujo teor é o seguinte: “a remuneração será devida se a Mediadora conseguir interessado que concretize o negócio visado pelo presente contrato”) e concatenando-o com a norma legal constante da primeira parte do nº 1, do artigo 19.º da Lei n.º 15/2013 de 08/02, verifica-se que o que consta constante no número 3 da mesma cláusula-cujo teor é o seguinte: “ O pagamento da remuneração será efectuado nas seguintes condições: - o total da remuneração aquando da celebração do contrato promessa, se valor do sinal igual ou superior a 10%”-aparece formalmente secundário, o que aponta, inarredavelmente, para uma primazia do disposto no número 1 da cláusula em causa.
Salvo, portanto, melhor entendimento, a declaração negocial contida na cláusula 5.ª, número 1, permite concluir que o direito à remuneração da Ré se encontrava condicionado (o que o sintagma “se” acentua) à verificação de um evento futuro: a concretização do prometido contrato de compra e venda do imóvel pertencente aos Autores.
Interpretação que ganha também força, tendo em atenção todos os vocábulos usados na redacção da citada cláusula, nomeadamente, no número 1 a referência a “devida”, “se”, “concretize” e, no número 3 apenas uma referência ao “pagamento”.
Assim, o número 1 da citada cláusula 5ª deve ser entendido como o momento (final) em que nasce a obrigação (principal) e, portanto, a remuneração é “devida” (aliás, em conformidade com a primeira parte do nº 1, do artigo 19.º), e o disposto no número 3 da mesma cláusula como o da definição (acessória) do modo e oportunidade em que ela deve ser paga (em momento anterior, com o contrato promessa).
Aliás, a sufragar-se o entendimento adoptado pela apelante, o nº 1 da cláusula em questão seria letra morta, desprovida de sentido-o que sempre contrariaria o disposto no número 1 do artigo 238.º do Código Civil atrás citado.
Outrossim, teria de constar desta, à semelhança do segmento normativo de que a Ré se pretende valer, que a remuneração seria “devida logo que tal celebração [do contrato-promessa] ocorra”.
Dúvidas, pois, não subsistem que, no contrato em apreço, foi estipulada uma mera antecipação de pagamento da remuneração (artigo 440.º do Código Civil), sem pôr em causa que a obrigação relativa à prestação inerente só “será devida se a Mediadora conseguir interessado que concretize o negócio visado (…)”.
Afigura-se-nos, aliás, que é isso que confere harmonia lógica e racionalidade aos dois textos (do número 1 e do número 3 da cláusula 5.ª), à primeira vista contraditórios.
Enquanto que, no primeiro, se refere que a remuneração “será devida” no caso de se concretizar o negócio visado, já no segundo se dispõe que “o pagamento da remuneração” será efetuado na data da celebração do contrato-promessa.
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Diante de todo o exposto se conclui que, não tendo havido concretização do prometido contrato de compra e venda do imóvel pertencente aos Autores por desistência dos compradores, torna-se evidente que a remuneração paga à Ré com a celebração do contrato promessa tem de ser restituída, razão pela qual nada temos a censurar à decisão recorrida quando assim sentenciou.
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Improcedem, desta forma, todas as conclusões formuladas pela apelante e, com elas, o respectivo recurso.
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IV - DECISÃO
Pelos fundamentos acima expostos, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação em julgar a apelação interposta improcedente por não provada e, consequentemente, confirmar a decisão recorrida.
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Custas pela apelante (artigo 527.º nº 1 do C.P.Civil).
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Porto, 05 de Junho de 2023.
Manuel Domingos Fernandes
Fátima Andrade
Eusébio Almeida
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[1] Cfr. C. Lacerda Barata, Contrato de Mediação, em Estudos do Instituto de Direito do Consumo, I, 192. Sobre mediação, cfr. ainda L. Brito Correia, Direito Comercial, I, 202 e 203; Pessoa Jorge, O Mandato sem Representação, 231 e segs e M. Helena Brito, O Contrato de Concessão Comercial, 6, 7 e 112 e segs- cfr. art. 2º do DL 285/92.
[2] Cfr. Lacerda Barata, Ob. Cit., 193.
[3] Cfr. Lacerda Barata, Ob. Cit., 198.
[4] Higina Orvalho Castelo, in “Regime Jurídico da Actividade de Mediação Imobiliária Anotado”, 2015, Almedina, pág. 126 “por força desta circunstância que coloca a remuneração na dependência da celebração do contrato visado o mediador corre um risco especifico de não ser remunerado, mesmo tendo cumprido escrupulosamente a sua prestação. Daí a referida frequente classificação do contrato de mediação como aleatório (…)”.
[5] Como refere Higina Orvalho obra citada pág.129 “Quando o contrato é celebrado sob condição suspensiva o direito à remuneração só nasce quando a condição se verifica; e quando enferma de invalidade absoluta, o mediador não tem direito à remuneração (…)”.
[6] Como refere Higina Orvalho, obra citada pag. 126 “(…) o contrato de mediação não se classifica como contrato condicional em sentido próprio, mas incorpora uma condição atípica ou circunstância de eventualidade cuja ocorrência é necessária à produção de um dos seus efeitos jurídicos principais, o dever de remunerar (…) “.
[7] Obra citada pag. 122/123
[8] In Contrato de mediação e o direito do mediador à remuneração, Revista de direito comercial, 2017, pág. 227 e ss.
[9] Ob. cit p. 122 (nota de rodapé 157).