Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
736/11.0TTPRT-A.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: RUI PENHA
Descritores: CONTRATO DE TRABALHO
RETRIBUIÇÃO
EM ESPÉCIE
ATRIBUIÇÃO DE VEÍCULO
VALOR DO BENEFÍCIO ECONÓMICO
FALTA DE JUSTA CAUSA
RESOLUÇÃO DO CONTRATO PELO TRABALHADOR
FACTOS CONSTANTES DA COMUNICAÇÃO ESCRITA
INCUMPRIMENTO DO PRÉ-AVISO
INDEMNIZAÇÃO AUTOMÁTICA
Nº do Documento: RP20180124736/11.0TTPRT-A.P1
Data do Acordão: 01/24/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÕES EM PROCESSO COMUM E ESPECIAL (2013)
Decisão: PARCIALMENTE PROVIDO
Indicações Eventuais: 4ªSECÇÃO (SOCIAL), (LIVRO DE REGISTOS N.º269, FLS.210-224)
Área Temática: .
Sumário: I - Tem natureza de retribuição em espécie a atribuição ao trabalhador de um ligeiro de passageiros para seu uso exclusivo, na atividade profissional, que este também usava na sua vida privada, 24 horas por dia, feriados, folgas semanais, férias e qualquer outra ausência ao serviço, com conhecimento e aceitação da entidade patronal, suportando esta todos os encargos da manutenção, combustível, seguros e impostos.
II - Quando não são apurados factos suficientes que permitam apurar o valor exato do benefício económico resultante do uso pessoal de viatura cedida ao trabalhador pela entidade patronal, para fins igualmente profissionais, deve o tribunal proferir condenação ilíquida, com a consequente remissão do seu apuramento para incidente de liquidação, mesmo quando o trabalhador tenha formulado pedido líquido.
III - Na ação em que for apreciada a justa causa da resolução do contrato de trabalho pelo trabalhador apenas são atendíveis os factos constantes da comunicação escrita prevista no art. 398º, nº 3, do Código do Trabalho.
IV - Antes de tomar a iniciativa da resolução do contrato, o trabalhador deve informar o empregador das repercussões que a sua conduta está a ter na relação contratual, na sua vida e nos seus interesses patrimoniais, exigir o cumprimento da obrigação e depois reagir em conformidade com a atitude que este assumir.
V - A indemnização prevista nos arts. 399º e 401º do Código do Trabalho opera automaticamente, como se se tratasse de uma cláusula penal, sem necessidade de alegação e prova de eventuais danos, embora tenha que ser pedida.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo nº 736/11.0TTPRT-A.P1
I. Relatório
B…, residente na Rua …, …, Porto, patrocinado por mandatário judicial, veio intentar a presente acção declarativa de condenação, com processo comum, contra C…, S.A., com sede na Av. …, …, Porto.
Pede que a ré seja condenada a pagar-lhe:
a) 1.424,06€ de diferenças salariais de 2010/2011;
b) 14.865,12 de diferenças da retribuição da IHT;
c) 1.617,14€ de cortes salariais em 2011;
d) 300€ do valor remuneratório do uso da viatura em falta;
e) 3.250,78€ de retribuições retiradas pela Ré em Abril de 2011;
f) 15.957,60€ de indemnização da resolução com justa causa;
g) os juros moratórios à taxa legal, a contar desde o vencimento de cada prestação retributiva em mora e desde a citação quanto à indemnização.
Alega, em síntese: No dia 01 de Agosto de 2007, foi admitido ao serviço da Ré e, sob as ordens e autoridade desta, aí prestou a sua actividade de advogado até 19 de Abril de 2011; Na data da admissão, a Ré incluiu o A. no grupo I e nível 12 do ACT, enquadramento que manteve até à cessação do contrato; Por cláusula escrita no contrato de trabalho, a Ré obrigou-se a contar “para todos os efeitos” de antiguidade o tempo de serviço prestado pelo A. ao D…, “desde 10 de Abril de 1989 até 29 de Setembro de 1992”; a Ré sempre pagou ao A. a retribuição (salário base, diuturnidade, subsídio de alimentação, isenção do horário do trabalho...) pelos valores retributivos acordados para as instituições de crédito abrangidas pelo ACT citado; Por declaração escrita endereçada e entregue ao A. com a mesma data da admissão, a Ré, juntamente com o mais que constava do contrato escrito e assinado entre ambas as partes, confirmou, como tinha sido acordado, que “ser-lhe-á concedida uma remuneração complementar no montante de €535,00”; Por isso, o verdadeiro salário base acordado e praticado foi o do nível 12, com as actualizações do ACT, sempre acrescido de 535€; Por outra declaração escrita endereçada e entregue ao A. aquando da celebração do contrato, a Ré, conforme o acordado, confirmou que concederia ao A. a “isenção total de horário de trabalho”, “no quadro do Acordo Colectivo de Trabalho Vertical (ACTV)”; Aquando da admissão, foi também acordado que a Ré proporcionava ao A. um ligeiro de passageiros para seu uso exclusivo, quer fosse na actividade profissional, quer fosse na sua vida privada, 24 horas por dia, feriados, folgas semanais, férias e qualquer outra ausência ao serviço, suportando a Ré todos os encargos de manutenção, combustível, seguros e impostos; Conforme o acordado, a Ré pagava mensalmente ao A. um complemento correspondente aos encargos deste com a inscrição na Ordem dos Advogados (quota mensal) e na Caixa de Previdência dos Advogados e Solicitadores; Desde Janeiro de 2009 e até à cessação do contrato, a Ré pagava ao A. uma retribuição mensal com os seguintes valores: a) o salário base mensal – 1.584,99€ + 585€; b) uma diuturnidade – 40,40€; c) subsídio de alimentação (valor médio mensal) – 196,68€; d) isenção de horário de trabalho – 754,67€; e) “subsídio infantil ACTV” – 24,82€; f) “quotas CPAS/OA” – 202,40€; Acrescia ainda um “subsídio de estudo descendentes”, trimestral, no valor de 58,86€; Em 2010 e 2011, a Ré continuou a pagar a retribuição especificada não a actualizando em conformidade com a nova tabela praticada em todas as outras instituições bancárias abrangidas pelo ACT, com efeitos a partir de Janeiro de 2010; Ou seja, a Ré deixou de pagar ao A. (por cada mês, com excepção de f): a) o salário base mensal – 15,85€; b) uma diuturnidade – 0,40€; c) subsídio de alimentação (valor médio mensal) – 47,96€; d) isenção de horário de trabalho – 18,96€; e) “subsídio infantil ACTV” – 0,25€; f) “subsídio de estudo descendentes”, trimestral – 0,59€; no dia 28.03.2011, a R., inesperadamente, ordenou ao A. que entregasse a “referida viatura e respectivos documentos e acessórios”; O A. sentiu-se desprezado, desconsiderado, chocado, humilhado e frustrado com os descritos comportamentos da Ré; Perdeu toda a motivação para se manter no exercício das funções na Ré; Ficou sem rendimentos para manter os encargos assumidos e as despesas do seu agregado familiar, em conformidade com o seu estatuto social; Os comportamentos da Ré e o ambiente por eles gerados tornaram insustentável, de modo imediato e prático, a manutenção do contrato de trabalho do A.; A Ré quebrou irremediavelmente a confiança que levou o A. a estabelecer o contrato de trabalho, ferindo de morte o seu projecto de realização profissional e pessoal ao serviço da Ré; Por tudo isso, o A., através de carta datada de 18-04-2011, comunicou à Ré a sua decisão de fazer terminar de imediato o seu contrato individual de trabalho com justa causa.
Regularmente citada a ré, realizou-se audiência de partes, não se logrando a conciliação das mesmas.
A ré veio contestar, impugnando o alegado pela autor, que o autor foi admitido para desempenhar funções como gestor de clientes, não integrando a remuneração complementar o salário base, que a viatura era para ser usada apenas em deslocações de trabalho, que a redução salarial resultou das normas da Lei do Orçamento (Lei nº 55-A/2010, de 31 de Dezembro), face à nacionalização da ré, altura em que igualmente alterou a política de atribuição de viaturas.
Foi proferido despacho saneador, que transitou em julgado, foi dispensada a realização de audiência preliminar e a fixação da matéria de facto assente e controvertida, mais se decidindo: “No processo nº 736/11.0TTPRT, pendente neste Juízo e secção, intentado contra o C…, os Sindicatos dos Bancários do Norte, Centro, Sul e Ilhas pedem, a título principal, o reconhecimento da inconstitucionalidade da referida Lei do Orçamento do Estado, a plena aplicabilidade da totalidade das cláusulas da ACT incluindo as de expressão pecuniária que deixou de cumprir desde 01 de Janeiro de 2011 aos trabalhadores. Por conseguinte, a questão da inconstitucionalidade do referido diploma legal e consequentes reduções das retribuições dos trabalhadores do Réu constitui o cerne dos litígios destes processos e implica a interpretação e aplicação das mesmas normas jurídicas. Pelo exposto, decide-se apensar à presente acção a mencionada acção nº 736/11.0TTPRT, sendo ambas julgadas na data designada nesta última— dia 16 de Abril, às 14 horas.”
Foi fixado à acção o valor de €37.414,70.
Procedeu-se à audiência de discussão e julgamento, tendo ambas as partes prescindido da produção da prova.
Foi proferida sentença, que decidiu a final: “ao abrigo do artigo 204º da CRP recusa-se a aplicação do artigo 19º da Lei nº 55-A/2010 de 31.12 (publicada no D.R., I série, nº 253) e, nesta conformidade, julga-se a acção totalmente procedente, e em consequência, condena-se o Réu a pagar ao Autor:
- 1.424,06€ de diferenças salariais de 2010/2011;
- 14.865,12 de diferenças da retribuição da IHT;
- 1.617,14€ de cortes salariais em 2011;
- 300€ do valor remuneratório do uso da viatura em falta;
- 3.250,78€ de retribuições retiradas pela Ré em Abril de 2011;
- 15.957,60€ de indemnização da resolução com justa causa;
- os juros moratórios à taxa legal, a contar desde o vencimento de cada prestação retributiva em mora e desde a citação quanto à indemnização.”
Desta sentença interpôs o Ministério Público recurso obrigatório para o Tribunal Constitucional, tendo sido proferido acórdão, de fls. 416 a 436, no qual se decidiu: “a) não julgar inconstitucional a norma do artigo 19º da Lei nº 55-A/2010, de 31 de dezembro, que aprovou o Orçamento do Estado para 2011; e, em consequência, b) conceder provimento ao recurso, ordenando-se a reforma da decisão recorrida em conformidade com o precedente juízo de não inconstitucionalidade.”
Em cumprimento de tal acórdão foi elaborada nova sentença, tendo a final sido proferida a seguinte decisão: “julga-se a ação parcialmente procedente e, em consequência, vai a Ré condenada a pagar ao Autor:
a) €300,00 do valor remuneratório do uso da viatura em falta;
b) €3,250,78 de retribuições retiradas pela Ré em abril de 2011;
c) €15.957,60 de indemnização pela resolução do contrato com justa causa;
d) nos juros moratórios à taxa legal, a contar desde o vencimento de cada prestação retributiva em mora e desde a citação quanto à indemnização.
No demais, vai a Ré absolvida.”
Inconformada, interpôs a ré o presente recurso de apelação, concluindo:
A) Sobre a alteração da decisão relativa à matéria de facto.
1. Requer-se que o facto provado nº 11, correspondente ao art. 11 da p.i., transite para o rol dos factos considerados não provados, uma vez que foi impugnado no art. 18 da contestação e não existe documento que o prove.
2. Requer-se que do facto provado sob o nº 26, correspondente ao art. 30 da p.i., seja retirado o excerto “muito embora tenha excluído do respectivo cálculo a referida componente de 535,00€”, o qual deve transitar para o rol dos factos considerados não provados, uma vez que foi impugnado no art. 18 da contestação e não existe documento que o prove..
3. Requer-se que os factos provados sob os nº 27 e 29, correspondentes, com ligeiras alterações, aos arts. 31 e 34 da p.i., transitem para o rol dos factos considerados não provados, uma vez que:
i) foram impugnados exaustiva e reiteradamente na contestação, nomeadamente nos seus arts. 18, 24, 25, 26, 29, 30, 33, 78, 79, 91 a 99, 103 e 201 a 217;
ii) não existem documentos que os provem;
iii) e a presunção a que a Senhora Juíza a quo recorre não é válida, nem sob o ponto de vista formal, porquanto viola o art. 349º do Código Civil e os arts. 3º, nº 3, e 607º, nº 4, ambos do Código do Processo Civil, nem sob o ponto de vista de facto, porquanto no parece inequívoco que (i) “não assenta em factos conhecidos e aceites pela Ré” (ao contrário do que se refere na sentença; (ii) o eventual e putativo uso exclusivo de uma viatura de serviço por parte de um trabalhador, não implica lógica e necessariamente a sua utilização para fins pessoais, muito menos “24 horas por dia, feriados, folgas semanais, férias e qualquer outra ausência ao serviço”.
4. Requer-se que ao facto provado sob o nº 20, correspondente ao art. 33 da p.i., se acrescente o excerto “e foi indicado como local de utilização o F…”, conforme o art. 35 e doc. 4 do mesmo articulado.
5. Das alíneas a) dos factos provados nº 36 e nº 41 consta um manifesto lapso de escrita, pelo que, nos termos do disposto no art. 249º do Código Civil, requer-se que onde está escrito “585,00€” passe a estar escrito “535,00€”, conforme resulta dos arts. 24 e 26 da p.i. e doc. 3 e 5 do mesmo articulado.
6. Requer-se que o facto provado sob o nº 38, correspondente ao art. 44 da p.i., transite para o rol dos factos considerados não provados, uma vez que foi impugnado no art. 18 da contestação e não existe documento que o prove.
7. Requer-se que os factos considerados provados sob o nº 48, com origem no art. 86 da p.i., transitem para o rol dos factos considerados não provados, uma vez que foi impugnado no art. 18 da contestação.
8. Não ficou provado que o A. tivesse restituído a viatura ao banco de forma “contrariada” e apenas por “dever de obediência”, conforme alegado no art. 65 da p.i., pelo que tais factos devem ser considerados no elenco dos factos não provados.
B) Sobre as consequências da alteração da decisão da matéria de facto ora requerida.
9. O A. alicerçou a resolução do contrato de trabalho em 3 argumento:
i) o Banco não procedeu a aumentos salariais em 2010;
ii) o Banco procedeu a reduções na retribuição mensal;
iii) a retirada da viatura teria representado uma diminuição da retribuição em espécie devida ao A.
10. Uma vez que “o não cumprimento do referido ACT e as reduções do vencimento, por parte da Ré, fundamentaram-se na Lei nº 55-A/2010, de 31.12” (conforme refere a Senhora Juíza a quo), resta apreciar o terceiro argumento indicado, o da retirada da viatura.
11. Ora, a transição dos factos provados nº 27 e 29 para o rol dos factos considerados não provados implica necessariamente a conclusão que a viatura utilizada pelo A., para fins profissionais, não constitui qualquer tipo de retribuição em espécie, nos termos previstos no art. 259º do Código do Trabalho.
12. Assim, tem que se concluir que não se verificou qualquer um dos 3 pressupostos em que o A. assentou a alegada justa causa para resolver o contrato de trabalho, pelo que a parte decisória da douta sentença recorrida deve ser alterada, declarando-se sem justa causa a resolução do contrato de trabalho efectuada pelo A., com a consequente absolvição do Banco do pedido.
C) Sobre a alteração da decisão de direito, ainda que não se altere a decisão sobre a matéria de facto.
13. Ainda que não se altere a decisão sobre a matéria de facto (nomeadamente no que diz respeito aos factos provados nº 27 e 29) – o que só à cautela e por facilidade de raciocínio se admite – ainda assim entendemos que a Senhora Juíza ‘a quo’ cometeu um erro de julgamento ao considerar que o A. resolveu o contrato de trabalho com justa causa, condenando o Banco, consequentemente, na devolução ao A. da quantia de 3.250,78€ e no pagamento de uma indemnização de 15.957,60€.
14. É que a douta sentença recorrida não se pronuncia sobre a eventual “culpa” do Banco; nem aprecia a alegada “justa causa” nos termos previstos no nº 3 do art. 351º, do Código do Trabalho (por remissão do nº 4 do art. 394º do Código do Trabalho) – a sentença limita-se a considerar que o Banco não pagou pontualmente ao A. a retribuição em espécie e que essa conduta objectiva é suficiente, por si só, para justificar que o A. resolveu o contrato de trabalho com justa causa.
15. Começando pela questão da “culpa”, é inequívoco que a douta sentença recorrida não esclarece se o Banco incorreu na “falta culposa de pagamento pontual da retribuição” prevista na alínea a) do nº 2 do art. 394º do Código do Trabalho; ou se incorreu na “falta não culposa do pagamento pontual da retribuição” prevista na alínea c) do nº 3 da mesma disposição legal.
16. O art. 394º do Código do Trabalho prevê os exactos termos em que existe conduta culposa, ao estatuir, no seu nº 5, que “considera-se culposa a falta de pagamento pontual da retribuição que se prolongue por período de 60 dias, ou quando o empregador, a pedido do trabalhador, declare por escrito a previsão de não pagamento da retribuição em falta. até ao termo daquele prazo”.
17. Nestes autos, com interesse para esta questão, apenas ficou provado: por um lado, que “no dia 28 de Março de 2011, através de correio electrónico, a Ré ordenou ao Autor que entregasse a 'referida viatura e respectivos documentos e acessórios até ao dia 5 de Abril, de 2011' o que foi cumprido pelo Autor” (facto provado nº 31); por outro lado, que “o Autor, através de carta datada de 18.04.2011, comunicou à Ré a sua decisão de fazer terminar de imediato o seu contrato individual de trabalho com justa causa” (facto provado nº 49, que inclui a transcrição da carta).
18. Assim, a alegada falta de pagamento pontual da retribuição em espécie, a considerar-se provada, nunca poderá ser imputada ao Banco senão a título não culposo, pois não se prolongou por 60 dias, nem o Banco declarou por escrito, a pedido do trabalhador, que situação se prolongaria por 60 dias.
19. Conforme se refere no Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 25.10.2012 – Proc. nº 205/11.9TTPTM.E1, “na situação prevista no art. 394º, nº 5, do Código do Trabalho, em que a lei expressamente qualifica de culposa a falta de pagamento pontual da retribuição em falta até ao termo daquele prazo, estabelece-se uma ficção legal de culpa que não admite prova em contrário”.
20. Em suma, ainda que se considere que o Banco deixou de pagar pontualmente a retribuição ao A., na sua componente em espécie (uso da viatura), tal conduta não pode ser considerada culposa, nos termos do nº 5 do art. 394º do Código do Trabalho, pelo que o A. não tem direito à indemnização prevista no nº 1 do art. 396º do Código do Trabalho.
21. Quanto à apreciação da “justa causa”, a Senhora Juíza a quo devia atender, no quadro da gestão da empresa, ao grau de lesão dos interesses do trabalhador, ao carácter das relações entre as partes e às demais circunstâncias relevantes (conforme art. 351º, nº 3, por remissão do art. 394º, nº 2, do Código do Trabalho).
22) De entre essas circunstâncias, destacamos as seguintes:
i) No dia 28.03.2011, através de correio electrónico, o Banco ordenou ao A. que entregasse 'a referida viatura e respectivos documentos e acessórios' até ao dia 05.04.2011, o que foi cumprido pelo A. (facto provado nº 31).
ii) Não ficou provado que o A. tivesse restituído a viatura ao banco de forma “contrariada” e apenas “por dever de obediência”, ao contrário do alegado no art. 65 da p.i.
iii) O A. não comunicou ao Banco que considerava que a utilização da viatura consubstanciava parte da sua retribuição e que a restituição da viatura não era devida.
iv) O A. não confrontou o Banco com a sua versão segundo a qual utilizaria a viatura sem qualquer tipo de restrições fora do horário de trabalho, dando ao C… a oportunidade de, eventualmente, rever a ordem de 28.03.2011, pelo menos nos termos em que a mesma foi dada.
23) Estas circunstâncias são tanto mais relevantes quanto é certo que, conforme estatui o art. 128º, nº 1, alínea e), o A. só tem a obrigação de “cumprir as ordens e instruções do empregador respeitantes a execução ou disciplina do trabalho, bem como a segurança e saúde no trabalho, que não sejam contrárias aos seus direitos ou garantias”, pelo que a entrega da viatura por parte do A., sem qualquer tipo de reserva, não fez crer ao Banco que poderia estar de alguma forma a faltar ao cumprimento pontual da retribuição devida ao A.
24) Segundo o Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 17.01.2013 – Proc, nº 889/11, “antes de tomar a iniciativa da resolução do contrato, o trabalhador deve informar o empregador das repercussões que a sua conduta está a ter na relação contratual, na sua vida e nos seus interesses patrimoniais, exigir o cumprimento da obrigação e depois reagir em conformidade com a atitude que este assumir”.
25) No caso dos autos o A. não reagiu desta forma, antes pelo contrário, criou a aparência que reconhecia ao Banco o direito de lhe retirar a viatura, para logo de seguida, em clara violação do princípio da boa fé consagrado no nº 2 do art. 762º do Código Civil, confrontar o Banco com uma decisão surpresa, fundamentando a alegada justa causa da resolução do contrato de trabalho ... na ordem de restituição da viatura que havia cumprido sem quaisquer reservas.
26) Mas há mais, e passamos a transcrever os factos considerados não provados com relevo para efeitos do disposto no art. 351º, nº 3, do Código do Trabalho:
i) Facto não provado da alínea a) – “a atribuição do veículo para uso exclusivo foi acordada aquando da admissão”;
ii) Facto não provado da alínea b) – “esta retribuição constituiu uma condição decisiva para que o A. trocasse a sua anterior ocupação profissional pelo posto de trabalho na Ré”;
iii) Facto não provado da alínea c) – “o agregado familiar deixou de ter qualquer outra viatura”;
iv) Facto não provado da alínea d) – “o A. teve de investir noutra viatura própria e, para além do preço inicial que teve que pagar, passou a ter que suportar os encargos de manutenção, seguros, impostos e consumo de combustível”;
v) Facto não provado da alínea e) – “isto porque não tinha outro meio de transporte e não podia prescindir de viatura para as suas deslocações pessoais e as do seu agregado familiar”;
vi) Facto não provado da alínea f) – “o cartão G… permitiu ao A. todos os abastecimentos de combustível que necessitou, sem qualquer encargo para si";
v) Facto não provado da alínea i) – “o A. sentiu-se desprezado, desconsiderado, chocado, humilhado e frustrado com os descritos comportamentos da Ré, perdeu toda a motivação para se manter no exercício das funções na Ré e ficou sem rendimentos para manter os encargos assumidos e as despesas do seu agregado familiar, em conformidade com o seu estatuto social”;
vi) Facto não provado da alínea m) – “a situação da Ré gerou em muitos trabalhadores, incluindo o A., forte preocupação, frustração, tristeza, ansiedade e receio do futuro”.
27. Todas estas circunstâncias apontam inequivocamente no sentido que o A. resolveu o contrato de trabalho sem justa causa.
28. Conforme o Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra já citado, “o trabalhador pode resolver o contrato de trabalho, sem observância de pré-aviso e com direito a indemnização, se se verificar um comportamento que seja imputável à entidade empregadora, a título de culpa, e que esse comportamento, pela sua gravidade e consequências, torne inexigível a manutenção do vinculo laboral”.
29. Assim, no caso de se entender que o Banco não pagou pontualmente ao A. a retribuição em espécie {o que, insistimos, só se admite à cautela}, então deve-se concluir que:
1º - o comportamento do Banco deve ser considerado não culposo, nos termos do art. 394º, nº 3, alínea c), do Código do Trabalho;
2º - tal comportamento não foi de tal modo grave nem acarretou consequências tais para o A. que tornassem inexigível a manutenção da relação laboral, nomeadamente ao abrigo do art. 351º, nº 3, do Código do Trabalho;
3º - pelo que, ainda que se mantenha inalterada a matéria de facto, deve a douta sentença recorrida ser revogada, substituindo-se a mesma por uma decisão que declare que o A. resolveu o contrato de trabalho sem justa causa, com a consequente absolvição do Banco do pedido.
30. Sem prescindir. se assim não se entender. então terá que se reduzir o valor da indemnização a 15 dias (ou, de novo sem prescindir, a 30 dias), de retribuição base e diuturnidades por cada ano de antiguidade.
31. Com todo o respeito que nos merece a Senhora Juíza 'a quo', entendemos que a douta sentença recorrida viola o disposto nos art. 349º do Código Civil, 394º a 396º e 399º do Código do Trabalho, e 3º, nº 3, 574º, nº 2, e 607º, nº 4, do Código do Processo Civil, os quais devem ser interpretados e aplicados nos termos ora preconizados pelo Banco..
O autor não apresentou alegações.
A Magistrada do Ministério Público junto deste Tribunal teve vista nos autos, tendo emitido parecer no sentido da improcedência da apelação, parecer a que a recorrente respondeu pugnando pela procedência do recurso, nos termos das suas alegações.
Admitido o recurso e colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
Como se sabe, o âmbito objectivo dos recursos é definido pelas conclusões do recorrente (arts. 635º, nº 4, e 639º, nº 1, do CPC, por remissão do art. 87º, nº 1, do CPT), importando assim decidir quais as questões naquelas colocadas.
Questões colocadas pela recorrente:
I. Impugnação da decisão relativa à matéria de facto;
II. Da obrigação de pagamento em espécie (cedência de viatura);
III. Licitude da resolução do contrato por justa causa.
II. Fundamentação de facto
Na sentença foi fixada como provada a seguinte matéria:
1. A Ré foi constituída em Maio de 1993, por escritura pública, tem sede na cidade do Porto, adotou o tipo de sociedade anónima, é uma instituição de crédito e exerce a atividade bancária.
2. Todas as ações representativas do seu capital social foram nacionalizadas em Novembro de 2008, passando a ter a natureza de sociedade anónima de capitais exclusivamente públicos.
3. Participou nas negociações e outorgou o mais antigo ACT para o sector bancário, instrumento de regulamentação coletiva de trabalho que genericamente sempre aplicou aos trabalhadores integrados nos seus quadros, incluindo ao Autor.
4. Aquele ACT foi durante anos o único instrumento de regulamentação coletiva de trabalho para a generalidade das instituições bancárias, sendo outorgado, em representação dos trabalhadores, por todos os sindicatos do sector, então existentes, o que constituirá uma das razões explicativas para a designação de “ACTV” que ainda hoje aparece usada, como sucede no contrato escrito do Autor.
5. Nos BTE n. 4, de 29/01/2005, n. 3, de 22/01/2009 e n. 3 de 22/01/2011 foram publicadas versões integrais desse ACT outorgadas, em representação dos trabalhadores, pelo conjunto dos sindicatos tradicionais do sector bancário (Sindicato dos Bancários do Norte, Sindicato dos Bancários do Centro e Sindicato dos Bancários do Sul e Ilhas).
6. Nesse intervalo foram publicadas alterações salariais no BTE n. 32, de 29 de Agosto de 2007, n. 45, de 8 de Dezembro de 2008 e n. 39, de 22 de Outubro de 2010.
7. No BTE n. 20, de 29 de Maio de 2011, foi publicada uma outra versão consolidada daquele mesmo ACT, subscrita apenas por dois sindicatos.
8. A Ré participou sempre nas negociações que precederam as citadas alterações do ACT.
9. No caso da negociação coletiva que precedeu a revisão salarial publicada no BTE nº 3, de 2011, a Ré outorgou a ata final do acordo, juntamente com as restantes instituições bancárias e sindicatos.
10. Naquela ata, a Ré, tal como o conjunto das instituições de crédito intervenientes na negociação, obrigou-se a pagar os aumentos salariais, com efeitos a partir de Janeiro de 2010.
11. O que todas as instituições de crédito cumpriram com exceção da Ré.
12. Nessa última revisão salarial, foi fixado, com efeitos a Janeiro de 2010, o salário de 1.600,84€ para o nível 12, subindo a diuturnidade para 40,80€, o subsídio de alimentação médio mensal para 198,66€.
13. O Autor obteve a licenciatura em Direito e encontra-se inscrito na Ordem dos Advogados Portugueses, que lhe conferiu a cédula profissional n. …...
14. Trabalhou para o Banco D… desde 10 de Abril de 1989 até 31 de Setembro de 1992, sob as ordens e direção deste Banco, mediante retribuição.
15. No dia 01 de Agosto de 2007, foi admitido ao serviço da Ré e, sob as ordens e autoridade desta, aí prestou a sua atividade até 19 de Abril de 2011 nos termos constantes do contrato junto a fls. 99 a 101 cujo teor se dá por reproduzido.
16. Na data da admissão, a Ré incluiu o Autor no grupo I e nível 12 do referido ACT, enquadramento que manteve até à cessação do contrato.
17. Por cláusula escrita no contrato de trabalho, a Ré obrigou-se a contar “para todos os efeitos” de antiguidade o tempo de serviço prestado pelo A. ao D…, “desde 10 de Abril de 1989 até 29 de Setembro de 1992”.
18. E por isso a Ré, em Abril de 2008, atribuiu ao Autor uma diuturnidade, correspondente à antiguidade de 5 anos.
19. Na data da cessação do contrato, a Ré reconhecia ao Autor a antiguidade de sete anos e dois meses.
20. Noutra cláusula escrita no contrato, a Ré obrigou-se a pagar ao Autor uma “retribuição mensal” “igual à que, em cada momento, estiver fixada no ACTV3 do Sector Bancário para os empregados do nível correspondente”.
21. Em 1 de Junho de 2009, o Autor passou a exercer as seguintes funções: interpunha e acompanhava ações judicias em que esta figurava como demandante ou demandada, exercendo os poderes forenses que a Ré para tanto lhe outorgava por procuração; no exercício desses mandatos elaborava, subscrevia e enviava para tribunais petições, contestações e outras peças processuais; intervinha nas audiências de julgamento e demais diligências processuais; participava em reuniões com objetivo de reestruturar créditos vencidos mediante a celebração de acordos extrajudiciais.
22. A Ré sempre pagou ao Autor a retribuição (salário base, diuturnidade, subsídio de alimentação, isenção do horário do trabalho...) pelos valores retributivos acordados para as instituições de crédito abrangidas pelo ACT citado, com exceção das últimas atualizações vigentes e praticadas com efeitos a Janeiro de 2010.
23. Por declaração escrita endereçada e entregue ao Autor com a mesma data da admissão, a Ré, juntamente com o mais que constava do contrato escrito e assinado entre ambas as partes, confirmou que “ser-lhe-á concedida uma remuneração complementar no montante de €535,00”.
24. E passou a pagar mensalmente ao Autor esse complemento retributivo acordado, que designava por “remuneração complementar”.
25. Por outra declaração escrita endereçada e entregue ao Autor aquando da celebração do contrato, a Ré, conforme o acordado, confirmou que concederia ao Autor a “isenção total de horário de trabalho”, “no quadro do Acordo Colectivo de Trabalho Vertical (ACTV)”.
26. E passou a pagar mensalmente ao Autor também a remuneração correspondente à retribuição de duas horas por dia, muito embora tenha excluído do respetivo cálculo a referida componente de 535€.
27. Desde a sua admissão que a Ré proporcionou ao Autor um ligeiro de passageiros para seu uso exclusivo, quer fosse na atividade profissional, quer fosse na sua vida privada, 24 horas por dia, feriados, folgas semanais, férias e qualquer outra ausência ao serviço, suportando a Ré todos os encargos da manutenção, combustível, seguros e impostos.
28. A Ré, por contrato de Outubro de 2007 com uma das empresas do seu Grupo, a E…, alugou uma viatura com a matrícula .. – EO - .., de Outubro de 2007, da marca Ford, modelo …, incluindo nesse contrato múltiplos serviços de assistência e encargos, abrangendo a manutenção, seguros e impostos, mediante um renda mensal de 600€, durante 36 meses, declarando já nesse contrato que o condutor habitual era o “DR. B…”, aqui Autor.
29. E a Ré entregou desde logo essa viatura ao Autor, que passou desde então a utilizá-la, em exclusivo e em toda a sua vida profissional e privada, para si e seu agregado familiar, sem quaisquer encargos, até ao corrente ano.
30. A Ré, juntamente com essa viatura, entregou também ao Autor um cartão “G…/Frota”, que permitia o abastecimento de combustível em qualquer posto de distribuição da G…, cartão que a Ré renovou anualmente.
31. No dia 28 de Março de 2011, através de correio electrónico, a Ré ordenou ao Autor que entregasse a “referida viatura e respetivos documentos e acessórios” até ao dia 5 de abril de 2011, o que foi cumprido pelo Autor.
32. A viatura custava à Ré pelo menos a já referida mensalidade de 600€ por mês e traduzia para o Autor um valor retributivo mensal de pelo menos idêntico valor.
33. Em relação a Abril de 2011, a Ré deixou de pagar ao Autor pelo menos a retribuição de 300€ (600€/30*15), correspondentes ao equivalente (mínimo) monetário da privação da viatura do dia 5 ao dia 19 inclusive.
34. A Ré regulava a atribuição, distribuição e utilização de viaturas automóveis nos termos da instrução de serviço nº 11/04 de 10.09.2010 junta a fls. 95 a 98 cujo teor se dá por reproduzido.
35. A Ré pagava mensalmente ao Autor um complemento correspondente aos encargos deste com a inscrição na Ordem dos Advogados (quota mensal) e na Caixa de Previdência dos Advogados e Solicitadores, condição necessária para que o Autor praticasse atos próprios de advogado.
36. Desde Janeiro de 2009 e até à cessação do contrato, a Ré pagava ao Autor uma retribuição mensal com os seguintes valores:
a) o salário base mensal – 1.584,99€ + 585€;
b) uma diuturnidade – 40,40€;
c) subsídio de alimentação (valor médio mensal) – 196,68€;
d) isenção de horário de trabalho – 754,67€;
e) subsídio infantil ACTV – 24,82€;
f) quotas CPAS/AO – 202,40€.
37. Acrescia ainda um “subsídio de estudo descendentes”, trimestral, no valor de 58,86€.
38. O Autor, como a Ré reconhecia, tinha e tem duas filhas, uma de 5 anos de idade e outra de 16 anos de idade, sendo que esta frequenta o ensino oficial, encontrando-se no 10º ano de escolaridade obrigatória.
39. A Ré, em 2010 e 2011, não pagou ao A. a “retribuição mensal” “igual à (...) fixada no ACTV do Sector Bancário para os empregados do nível correspondente”.
40. A Ré continuou a pagar a retribuição acima referida não a atualizando em conformidade com a nova tabela praticada em todas as outras instituições bancárias abrangidas pelo ACT cit., com efeitos a partir de Janeiro de 2010.
41. Em conformidade com essa nova tabela, a Ré, segundo os critérios de atualizações que adotou nos anos antecedentes, deveria ter passado a pagar ao Autor:
a) o salário base mensal – 1.600,84€ + 585€;
b) uma diuturnidade – 40,80€;
c) subsídio de alimentação (valor médio mensal) – 198,86€;
d) isenção de horário de trabalho – 773,63€;
e) subsídio infantil ACTV – 25,07€;
f) subsídio de estudo descendentes, trimestral - €59,45;
42. A Ré deixou de pagar ao Autor (por cada mês, com exceção de f):
a) o salário base mensal – 15,85€;
b) uma diuturnidade – 0,40€;
c) subsídio de alimentação (valor médio mensal) – 47,96€;
d) isenção de horário de trabalho – 18,96€;
e) “subsídio infantil ACTV” – 0,25€;
f) “subsídio de estudo descendentes”, trimestral – 0,59€.
42. Em 2011 e com efeitos ao mês de Janeiro, a Ré ainda diminuiu a retribuição que pagava ao Autor.
43. A Ré passou a retirar da retribuição mensal as seguintes quantias por cada uma das seguintes parcelas retributivas:
44. o salário base mensal: -126,49€;
a) remuneração complementar: -42,70€;
b) diuturnidade: -3,22€;
c) isenção de horário de trabalho: -60,23€;
d) “quotas CPAS/OA”: -16,15€.
45. A Ré diminuiu €248,79, por mês, na retribuição do Autor, no total deixou de pagar €1.617,14 (€248,79 x 6,5), sem prévia negociação e acordo com o Autor.
46. E também não existiu qualquer negociação e acordo com os sindicatos que subscrevem o IRCT citado.
47. A Ré baseou estas reduções salariais nas normas dos art. 19º, 24º e 28º da Lei 55- A/2010, de 31/12 – (LOE/2011).
48. Eram (e são) do conhecimento geral múltiplas imputações de gestão danosa, de dívidas de milhões de euros, de prejuízos irrecuperáveis causados ao erário público, duma situação prática de insolvência, de desmantelamento com vendas parciais, de despedimento coletivo, de incerteza quanto à sua viabilização e salvaguarda dos postos de trabalho.
49. O Autor, através de carta datada de 18-04-2011, comunicou à Ré a sua decisão de fazer terminar de imediato o seu contrato individual de trabalho com justa causa, invocando os seguintes motivos justificativos ou fundamentos:
a) “(...) desde o início da relação de trabalho e até ao presente, conforme o acordado e como parte integrante da minha retribuição, o C… garantiu-me a utilização de modo exclusivo duma viatura para as actividades profissionais e uso na minha vida particular, sendo à conta do C… os respectivos encargos com combustível, manutenção, reparações e seguros...
b) (...) o meu orçamento familiar teve sempre em conta essa situação retributiva, não dispondo de qualquer outra viatura pessoal.
c) Por isso, revela-se intolerável a ordem que me foi dada, por escrito, datada de 28.03.2011, impondo-me a entrega da viatura no dia 05.04.2011, o que, por dever de obediência tive de fazer.
d) Foi ofendida a lei, o contrato e também o normal relacionamento entre as partes.
e) Senti-me desconsiderado e colocado numa situação de humilhação, de ofensa ao respeito e à consideração que me são devidos.
f) Foi chocante e inaceitável o modo e o repentismo da imposição unilateral da medida em causa, sem qualquer diálogo prévio, negociação ou sequer tentativa de acordo.
g) O descrito comportamento do C… inscreve-se na insuportável degradação da imagem e ambiente na Empresa, com reflexos públicos e que não deixam de atingir também, em certa medida, a minha própria imagem de trabalhador da empresa, sendo certo que o descrito ambiente se tem agravado dia a dia e afecta de modo significativo a segurança no trabalho, o meu bem estar e a minha própria realização pessoal relacionada com a actividade profissional.
h) Aquelas violações insuportáveis e este ambiente cada vez mais deprimente e aparentemente sem futuro, somam-se a outras duas medidas inesperadas e que, a meu ver, também não se coadunam de modo nenhum com o que era previsível e mesmo com imperativos éticos e com normas fundamentais do nosso ordenamento jurídico.
i) Refiro-me, por um lado, ao facto de que o C… não procedeu a quaisquer aumentos salariais em 2010.
j) E, por outro lado e apesar disso, o C… procedeu agora a drásticas reduções na minha retribuição mensal em numerário, supostamente por efeito da Lei do Orçamento do Estado para 2011, que ofende claramente normas e princípios constitucionais.
k) Foi a estas duas drásticas medidas que sucedeu, por decisão livre e unilateral do C…, aquela situação relativa à viatura.
l) Por tais razões e por se encontrar verificada a justa causa, declaro pôr termo imediato ao meu contrato individual de trabalho, ao abrigo das normas legais aplicáveis (art. 394, n. 1, 2-alíneas a/, b/, e/, f/, e n. 3-b, do Código do Trabalho de 2009).
m) Solicito e espero que me sejam pagos todos os créditos pecuniários devidos, incluindo a indemnização a determinar pelo menos na base de 30 dias de retribuição por cada ano de antiguidade, sem prejuízo de, na falta de pagamento voluntário e imediato, me reservar o direito de vir a exigir indemnização por todos os danos patrimoniais e não patrimoniais de valor superior (art. 396º do CT/2009)”.
50. A Ré recebeu aquela carta do Autor no dia 19 de Abril de 2011, data em que cessou o contrato.
51. A Ré não impugnou judicialmente a resolução do contrato feita pelo Autor com invocação de justa causa, mas não pagou ao Autor a indemnização por ele reclamada.
52. Apropriou-se de retribuições do Autor no valor de 3.250.78€, com o fundamento de “indemnização por falta de aviso prévio”.
Não Provados:
a) que a atribuição do veículo para uso exclusivo foi acordada aquando da admissão.
b) que esta retribuição constituiu uma condição decisiva para que o Autor trocasse a sua anterior ocupação profissional pelo posto de trabalho na Ré.
c) que o agregado familiar deixou de ter qualquer outra viatura.
d) que o Autor teve de investir noutra viatura própria e, para além do preço inicial que teve de pagar, passou a ter de suportar os encargos de manutenção, seguros, impostos e consumo de combustível.
e) isto porque não tinha outro meio de transporte e não podia prescindir de viatura para as suas deslocações pessoais e as do seu agregado familiar.
f) que o “cartão G…” permitiu ao Autor todos os abastecimentos de combustível de que necessitou, sem qualquer encargo para si.
g) que as viaturas de afetação pessoal não conferem ao trabalhador qualquer direito ou faculdade de utilização das viaturas para fins não relacionados com o exercício da sua atividade profissional, e quando tal sucede é sempre a título de tolerância e liberalidade por parte do réu.
h) que em Junho de 2009, a Ré determinou ao Autor a entrega da viatura em consequência do exercício das novas funções.
i) que o Autor se sentiu desprezado, desconsiderado, chocado, humilhado e frustrado com os descritos comportamentos da Ré, perdeu toda a motivação para se manter no exercício das funções na Ré e ficou sem rendimentos para manter os encargos assumidos e as despesas do seu agregado familiar, em conformidade com o seu estatuto social.
j) que em 16 de Março de 2011, foi deliberado pelo conselho de Administração instruir a Direcção dos Recursos Humanos para dar execução e coordenar a execução, pelos demais departamentos que haviam de ter intervenção, das deliberações daquele Conselho a respeito da atribuição de viaturas, devendo toda a execução ser finalizada até Abril.
k) que nesse sentido, foi aprovado pelo Conselho de Administração a minuta para envio a todos os colaboradores da ré que, nos termos da instrução de serviço nº 11/04 de 21 de Janeiro de 2011 e à luz das novas regras e critérios de atribuição de viaturas deixariam de beneficiar de viatura em regime de afetação pessoal.
l) que a situação da Ré gerou em muitos trabalhadores, incluindo o Autor, forte preocupação, frustração, tristeza, ansiedade e receio do futuro.
III. O Direito
1. Impugnação da decisão relativa à matéria de facto
1.1. Alega a recorrente: “Discorda-se, desde logo, do facto provado nº 11. Tal facto corresponde ao art. 11 da p.i., segundo o qual “todas as instituições de crédito cumpriram (os aumentos salariais, com efeitos a partir de Janeiro de 2010, com excepção da Ré”. Discorda-se que tal facto seja considerado provado, porquanto não existe qualquer documento que o prove nem o mesmo foi admitido pelo Banco, tendo sido impugnado no art. 18 da contestação. O facto elencado sob o nº 11 dos factos considerados provados deve, consequentemente, ser considerado como não provado.”
É o seguinte o teor do art. 18 da contestação: “É verdade o alegado nos arts. 1º a 10º, 12º, 13º (com a ressalva que a inscrição do A na Ordem dos Advogados se encontra activa desde 28.04.2008, conforme consta do site da Ordem dos Advogados), 15º, 16º, 17º, 18º, 19º, 20º, 21º, 22º, 23º, 24 (à excepção de “confirmou, como tinha sido acordado”) e 39º [desde a Ré pagava mensalmente (...)] da p.i. São falsos e deturpados, irrelevantes ou conclusivos os restantes, ou desconhecidos do R. sem que deles deva ter conhecimento, pelo que se impugnam para todos os efeitos.”
Resulta do exposto que efectivamente o facto em causa foi genericamente impugnado. Porém, no art. 47 da contestação, a ré vem reconhecer que, na sequência da Lei nº 55-A/2010, de 311 de Dezembro, ela mesma e “os seus colaboradores, entre os quais o A. foram destinatários dos vários Planos de Estabilidade e Crescimento (PEC) que, entre outras medidas, determinaram o congelamento dos salários de todos os funcionários das empresas integradas no SEE.”
Resulta, pois, evidente que a ré não procedeu ao aumento dos salários anteriormente acordados em sede de negociação colectiva.
Porém, a matéria específica do ponto 11º da matéria de facto provada é conclusiva, constando a matéria relevante dos pontos 39º e 40º da matéria de facto provada, que não foram impugnados.
Assim, elimina-se o ponto 11º dos factos provados.
1.2. Alega a recorrente: “Discorda-se que, no facto provado nº 26, se tenha incluído a expressão “muito embora tenha excluído do respectivo cálculo a referida componente de 535,00€”. Discorda-se que tal facto – que corresponde ao art. 30 da p.i. – seja considerado provado, porquanto não existe qualquer documento que o prove nem o mesmo foi admitido pelo Banco, tendo sido impugnado no art. 18 da contestação. Do facto elencado sob o nº 26 dos factos provados deve, consequentemente, ser retirada a expressão “muito embora tenha excluído do respectivo cálculo a referida componente de 535,00€”, a qual deve ser levada ao rol dos factos considerados não provados.”
Porém, a ré acrescenta no art. 19º da contestação que “não é verdade que a quantia paga ao A. como remuneração complementar constituísse salário base.”
Deste artigo da contestação resulta que a ré reconhece que pagou o complemento por isenção de horário de trabalho apenas com referencia ao salário base, por entender que não teria que incluir o aludido complemento de €535,00.
Por outro lado, a ré não impugnou especificadamente a matéria em causa (a não inclusão da remuneração complementar no cálculo da subsídio por isenção de horário), em lado nenhum referindo que considerou tal remuneração complementar na determinação do referido subsídio, conforme se impunha em obediência ao disposto no art. 574º, nº 1, do CPC.
Assim, improcede, neste ponto a impugnação.
1.3. Alega a recorrente:
“Discorda-se, frontalmente, que se tenha considerado provado, sob o nº 27, o teor do art. 31 da p.i., com ligeiras alterações.
“10.1. O art. 31º da p.i. tem a seguinte redacção: “Aquando da admissão, foi também acordado que a Ré proporcionava ao A. um ligeiro de passageiros para seu uso exclusivo, quer fosse na actividade profissional, quer fosse na sua vida privada, 24 horas por dia, feriados, folgas semanais, férias e qualquer outra ausência ao serviço, suportando a Ré todos os encargos de manutenção, combustível, seguros e impostos”.
“10.2. A Meritíssima Juíza 'a quo' considera provado, sob o nº 27, o seguinte: “Desde a sua admissão que a Ré proporcionou ao Autor um ligeiro de passageiros para seu uso exclusivo, quer fosse na actividade profissional, quer fosse na sua vida privada, 24 horas por dia, feriados, folgas semanais, férias e qualquer outra ausência ao serviço, suportando a Ré todos os encargos de manutenção, combustível, seguros e impostos”.
“10.3. Ora, o Banco no art. 18 da contestação deixou impugnado o art. 31º da p.i., escrevendo-se, no art. 26 da contestação, que “é falso o alegado no art. 31 da p.i.”, reiterando-se esta afirmação no art. 79 da contestação.
“10.4. No art. 24 da contestação o Banco escreve que “a disponibilização da viatura estava sujeita à regulamentação interna em cada momento em vigor no R. e não foi contratualizada por qualquer forma”.
“10.5. Do art. 25 da contestação consta “não sendo ao A. individualmente que era distribuída uma viatura de escalão A, B ou C, ou valor X ou Y, mas às categorias profissionais para cujo desempenho de funções correspondentes, segundo o entendimento e critérios unilateralmente definidos pelo Banco, tais viaturas seriam úteis e necessárias como instrumentos de trabalho”.
“10.6. No art. 29 da contestação o Banco apenas reconhece um “uso ocasional da viatura para fins pessoais”.
“10.7. No art. 30 da contestação o Banco refere que “o veículo automóvel alocado ao A. consubstanciava um instrumento de trabalho a ser utilizado em exercício de funções”.
“10.8. No art. 33 da contestação o C… chama a atenção para a circunstância de em 31.10.2007 o A. ter assinado uma declaração com o seguinte teor (doc. 3 da contestação): “Eu, B…, declaro que nesta data me foi entregue pela E…, por ordem do C… S.A., um novo veículo automóvel, marca Ford, modelo …, matrícula .. – EO - .., afecto ao contrato n. ……. Mais declaro que a referida viatura me foi entregue para o cabal desempenho das funções no C…, S.A., comprometendo-me a fazer dela um uso consciencioso e cuidado, de modo a preservar o seu bom estado de conservação e funcionamento. Consequentemente, se aquando da devolução da viatura à E…, a vistoria efectuada detectar danos ou avarias, desde já me responsabilizo pelo seu pagamento, autorizando o débito na minha conta C…, pelo valor da respectiva reparação”.
“10.9. No art. 78 da contestação o Banco escreve que “é falso que o A. tivesse direito a, e recebesse mensalmente, combustível para o seu uso particular”.
“10.10. Nos arts. 91 a 99 da contestação o C… escreve o seguinte: “As normas de utilização do cartão frota estabeleciam valores limites máximos de despesas de combustível que com o mesmo se podiam realizar ao serviço do R., não sendo um direito dos trabalhadores esgotar esse plafond para todos e quaisquer fins que lhes apetecessem, pois que o combustível em causa, a ser utilizado nas viaturas de serviço do R., se destinava a possibilitar, naturalmente, as deslocações em serviço. Aliás, no cartão em causa estava gravada a matrícula da viatura de serviço do R. e não o nome do A., contrariamente ao que sucederia se o volume de gasolina estivesse atribuído ao A., para uso deste. Na verdade, o cartão frota estava adstrito ao veículo enquanto instrumento de trabalho disponibilizado pelo R. aos seus colaboradores e para fins de serviço, de acordo com a avaliação que o R. efectuava das necessidades de uso de combustível requeridas pelo desempenho das funções daqueles.”
Consta da sentença: “No que concerne à utilização privada da viatura, o tribunal recorreu às presunções judiciais previstas no art. 351º do Código Civil. Explicitando, o facto da Ré ter atribuído ao Autor uma viatura, que alugou para esse efeito, assumindo o pagamento de todos os encargos com a mesma, e que aquele utilizava em exclusivo (factos conhecidos e aceites pela Ré), permite presumir que essa utilização era igualmente privada, o que corresponde à experiência da vida.”
As presunções judiciais são ilações que o julgador tira de um facto conhecido para firmar um facto desconhecido (arts. 349º e 351º do Código Civil). Ou seja, através da presunção considera-se considerado um determinado facto por mera dedução lógica que se retira de outro facto (Antunes Varela, J. Miguel Bezerra e Sampaio e Nora, Manual de Processo Civil, 1985, pág. 500). Aqui, não se prova diretamente o facto, mas prova-se um outro facto que leva a que se considere provado o primeiro, por dedução lógica realizada pelo juiz (presunção judicial) (Alberto dos Reis, Código de Processo Civil Anotado, volume I, 2012, pág. 248), As presunções judiciais também de designam por presunções materiais, ou de experiência, por assentarem nas regras de experiência baseadas na normalidade dos factos e no senso comum.
Já não se afigura que se possa concluir por recurso à “experiência da vida”, que “essa utilização era igualmente privada”, apenas com base no “facto da Ré ter atribuído ao Autor uma viatura, que alugou para esse efeito, assumindo o pagamento de todos os encargos com a mesma, e que aquele utilizava em exclusivo”.
Da matéria descrita nas alegações da recorrente resulta desde logo que esta não aceita no seu articulado que a atribuição da viatura ao autor tenha resultado de acordo prévio à contratação do mesmo, assim como não aceita que tenha dado acordo que o autor usasse a viatura para fins particulares.
Porém, aceita que lhe atribuiu a viatura em questão em exclusividade, sendo certo que sabia que o autor usava a mesma para se deslocar de e para sua casa, ou de onde viesse quando viesse trabalhar e para onde fosse depois do trabalho, bem como aceita que o mesmo usava a viatura para fins pessoais, embora refira apenas um uso ocasional, por mera tolerância da recorrente. Se assim não fosse, impunha-se que alegasse que o autor tinha ordens expressas para deixar a viatura nas instalações da ré no final do dia de trabalho.
Por outro lado, em parte alguma a ré alega que controlava o uso que o autor fazia da viatura, nomeadamente através do preenchimento por este de relatórios, ou qualquer tipo de formulário, descrevendo as deslocações efectuadas, o fim das mesmas e os quilómetros realizados, ou qualquer outro meio de controlo.
Quanto à manutenção e outros encargos com o veículo, é irrelevante o subterfúgio usado pela recorrente de que quem suportava os mesmos encargos era a empresa locadora do veículo, uma vez que era a recorrente quem pagava a renda do contrato de locação da viatura.
Relativamente ao combustível, é a própria recorrente que vem admitir que o cartão atribuído ao autor permitia abastecer a viatura em causa, sendo ela recorrente que pagava o combustível através do cartão, alegando apenas que o uso do cartão, para além do combustível necessário para o desenvolvimento da actividade profissional do autor seria abusivo, e que o cartão tinha um limite máximo de utilização.
Estes argumentos não colhem, uma vez que os mesmos se traduzem num reconhecimento de que a recorrente não fiscalizava os consumos efectuados pelo autor com o cartão atribuído pela recorrente, aceitando, consequentemente, que o autor usasse combustível pago pela recorrente através do uso do cartão para qualquer fim que o autor usasse a viatura.
Sobre o assunto as instruções de serviço de fls. 95 a 98 e 105 a 113, nada esclarecem.
Assim, o ponto 27 da matéria de facto provada passa a ter a seguinte redacção: “A Ré proporcionou ao Autor um ligeiro de passageiros para seu uso exclusivo, na atividade profissional, que este também usava na sua vida privada, 24 horas por dia, feriados, folgas semanais, férias e qualquer outra ausência ao serviço, com conhecimento e aceitação da Ré, suportando esta todos os encargos da manutenção, combustível, seguros e impostos.”
1.4. Alega a recorrente: “Consta do facto provado nº 28, em consonância com o art. 33º da p.i., “( ... ) declarando já nesse contrato que o condutor habitual era o 'Dr. B…', aqui Autor” – mas deverá acrescentar-se ao nome do Autor “e foi indicado como local de utilização o F… Porto”, conforme art. 35º da contestação e doc. 4 do mesmo articulado.
Não se vê relevância na alteração que se indefere.
1.5. Alega a recorrente: “Discorda-se, frontalmente, que se tenha considerado como provado, sob o nº 29, o teor do art. 34 da p.i., dando-se aqui por integralmente reproduzido quanto já se referiu a propósito do facto provado nº 27, devendo o facto nº 29 passar a considerar-se, consequentemente. não provado.
Assiste razão à recorrente, uma vez que a matéria admitida por acordo foi apenas a que consta do ponto 27 da matéria de facto provada, com a redacção ora dada.
Assim, elimina-se o ponto 29 da matéria de facto provada.
1.6. Mais alega a recorrente: “Discorda-se em absoluto, também, da segunda parte do facto provado sob o nº 32 e do facto provado sob o nº 33, correspondentes, respectivamente, aos arts. 73 e 74 da p.i. Com efeito, tais factos foram expressamente impugnados nos arts. 18 e 79 da contestação e não consta dos autos qualquer documento que os prove. É certo que das Condições Particulares do Contrato de Aluguer e Prestação de Serviços de Veículo Sem Condutor que constitui o doc. 4 da p.i. consta que é de 600,00€ o valor da renda mensal, mas este valor diz respeito à relação contratual existente entre o Banco e a E…, nada tendo isso a ver com o valor monetário que a alegada retribuição em espécie (de utilização da viatura) representa para o A.”
Assiste, uma vez mais, razão à recorrente.
Não tendo sido admitida por acordo a matéria em questão, o valor patrimonial da retribuição em espécie em questão, deverá ser efectuada e sede de decisão.
Assim:
O ponto 32 da matéria de facto provada passa a ter a seguinte redacção: “A viatura custava à Ré pelo menos a já referida mensalidade de 600€.”
Elimina-se o ponto 33 da matéria de facto provada.
1.7. Alega a recorrente: “Das alíneas a) dos factos provados nº 36 e nº 41 consta um manifesto lapso de escrita: nos termos do disposto no art. 249º do Código Civil, onde está escrito “585,00€” deve passar a estar escrito “535,00€”, conforme resulta dos art. 24 e 26 da p.i. e doc. 3 e 5 do mesmo articulado.”
Assiste razão à recorrente, pelo que se rectificam os aludidos pontos da matéria de facto provada nos termos requeridos.
1.8. Alega a recorrente: “Os factos constantes do art. 44 da p.i. estão impugnados no art. 18 da contestação, pelo que devem transitar do facto provado nº 38 para os factos não provados
É a seguinte a matéria em causa: “O Autor, como a Ré reconhecia, tinha e tem duas filhas, uma de 5 anos de idade e outra de 16 anos de idade, sendo que esta frequenta o ensino oficial, encontrando-se no 10º ano de escolaridade obrigatória.”
Este facto foi impugnado pela ré, sendo certo que a matéria relevante consta já do ponto 37º da matéria de facto provada, que não foi impugnado.
Assim, elimina-se o ponto 38º da matéria de facto provada.
1.9. Mais alega a recorrente: “Os factos considerados provados sob o nº 48 (com origem no art. 86 da p.i.), estão impugnados no art. 18º da contestação, pelo que devem passar a fazer parte do rol dos factos não provados.”
É o seguinte o teor do ponto 48 da matéria de facto provada: “Eram (e são) do conhecimento geral múltiplas imputações de gestão danosa, de dívidas de milhões de euros, de prejuízos irrecuperáveis causados ao erário público, duma situação prática de insolvência, de desmantelamento com vendas parciais, de despedimento coletivo, de incerteza quanto à sua viabilização e salvaguarda dos postos de trabalho.”
Trata-se de matéria conclusiva e irrelevante, além de impugnada, pelo que se elimina este ponto da matéria de facto provada.
1.10. Finalmente, alega a recorrente: “Não ficou provado que o A. tivesse restituído a viatura ao banco de forma “contrariada” e apenas por “dever de obediência”, conforme alegado no art. 65 da p.i., pelo que tais factos devem ser considerados no elenco dos factos não provados.”
A matéria em questão não foi levada aos factos provados nem aos factos não provados, nem se afigurando que tenha relevância suficiente para isso, pelo que se indefere o requerido neste ponto.
2. Da obrigação de pagamento em espécie (cedência de viatura)
2.1. Alega a recorrente:
“A decisão do A. de fazer terminar o contrato de trabalho que tinha com o Banco assentou em 3 argumentos, conforme resulta evidente do facto provado nº 49:
i) a retirada da viatura teria representado uma diminuição da retribuição em espécie devida ao A.;
ii) o Banco não procedeu a aumentos salariais em 2010;
iii) o Banco procedeu a "drásticas reduções na retribuição mensal em numerário, supostamente por efeito da lei do Orçamento do Estado de 2011, que ofende claramente normas e princípios constitucionais".
“Contudo, como a Senhora Juíza 'a quo' reconhece no início da 16ª folha da sentença, “o não cumprimento do referido ACT e as reduções do vencimento, por parte da Ré, fundamentaram-se na Lei nº 55-A/2010, de 31.12”, pelo que (conforme parte final das 20ª e 21ª folhas da sentença), “não se mostrando inconstitucional a disposição em causa, a redução operada pela Ré, na retribuição do Autor, mostra-se justificada”, restando apenas “apreciar da qualificação do complemento retributivo e cálculo da retribuição da isenção do horário de trabalho” bem como “apreciar da questão relativa à retribuição em espécie”.
“Quanto à qualificação do complemento retributivo e ao cálculo da retribuição da isenção do horário de trabalho, não constituem fundamento invocado pelo A. para a resolução do contrato de trabalho.
“Quanto à utilização da viatura como retribuição em espécie, a eliminação dos factos provados nº 27 e 29, nos termos ora preconizados pelo Banco, implicam necessariamente a conclusão que a viatura utilizada pelo A., para fins profissionais, não constitui qualquer tipo de retribuição em espécie, nos termos previstos no art. 259º do Código do Trabalho.
“Assim, tem que se concluir que não se verificou qualquer um dos 3 pressupostos em que o A. assentou a alegada justa causa para resolver o contrato de trabalho, pelo que a parte decisória da douta sentença recorrida deve ser alterada, declarando-se sem justa causa a resolução do contrato de trabalho efectuada pelo A., com a consequente absolvição do Banco do pedido.”
Relativamente a esta questão provou-se o seguinte:
27. A Ré proporcionou ao Autor um ligeiro de passageiros para seu uso exclusivo, na atividade profissional, que este também usava na sua vida privada, 24 horas por dia, feriados, folgas semanais, férias e qualquer outra ausência ao serviço, com conhecimento e aceitação da Ré, suportando esta todos os encargos da manutenção, combustível, seguros e impostos.
28. A Ré, por contrato de Outubro de 2007 com uma das empresas do seu Grupo, a E…, alugou uma viatura com a matrícula .. – EO - .., de Outubro de 2007, da marca Ford, modelo …, incluindo nesse contrato múltiplos serviços de assistência e encargos, abrangendo a manutenção, seguros e impostos, mediante um renda mensal de 600€, durante 36 meses, declarando já nesse contrato que o condutor habitual era o “DR. B…”, aqui Autor.
30. A Ré, juntamente com essa viatura, entregou também ao Autor um cartão “G…/Frota”, que permitia o abastecimento de combustível em qualquer posto de distribuição da G…, cartão que a Ré renovou anualmente.
31. No dia 28 de Março de 2011, através de correio electrónico, a Ré ordenou ao Autor que entregasse a “referida viatura e respetivos documentos e acessórios” até ao dia 5 de abril de 2011, o que foi cumprido pelo Autor.
32. A viatura custava à Ré pelo menos a já referida mensalidade de 600€ por mês.
34. A Ré regulava a atribuição, distribuição e utilização de viaturas automóveis nos termos da instrução de serviço nº 11/04 de 10.09.2010 junta a fls. 95 a 98 cujo teor se dá por reproduzido.
Argumentou-se na sentença sob recurso:
“No caso dos autos, o Réu atribuiu ao Autor um veículo ligeiro de passageiros para seu uso exclusivo, ou seja, de afectação pessoal, ficando todos os encargos, manutenção, seguros, portagens e combustível a cargo daquele. Concretamente, o Autor utilizava a viatura nas deslocações da sua residência para o local de trabalho, nos fins-de-semana e férias, sendo este uso, para efeitos pessoais.
“Assim sendo, a utilização do veículo nas deslocações entre a residência e local de trabalho, aos fins-de-semana, férias e feriados constitui um direito do trabalhador, ou seja, corresponde a benefício económico integrante da sua retribuição.
“Seguindo a orientação do douto Acórdão do STJ de 30.04.2014 proferido no processo n.o 714/11.0TTPRT desta secção (disponível em www.dgsi.pt) “...impõe-se concluir que a atribuição ao autor de veículo automóvel assume natureza retributiva, uma vez que a empregadora, ao conferir àquele o direito de utilização do veículo na sua vida particular, incluindo em fins de semana e férias, e ao suportar os respectivos encargos designadamente com a sua manutenção, seguros, portagens e combustível, ficou vinculada a efectuar, com carácter de obrigatoriedade, essa prestação.”
“Portanto, tal como se refere no douto aresto citado, da factualidade provada resulta que o Autor logrou provar que a atribuição de viatura foi feita a título de contrapartida da sua prestação laboral, ao serviço do Réu, afastando a presunção legal, e consequentemente, a determinação deste no sentido de a mesma lhe ser devolvida é ilegítima e ilegal.36 36 v. Ac. STJ de 24/09/2008 e Ac. Rel. Porto de 30/04/2012 in www.dgsi.pt.”
Nos termos do art. 258º do Código do Trabalho, (1) Considera-se retribuição a prestação a que, nos termos do contrato, das normas que o regem ou dos usos, o trabalhador tem direito em contrapartida do seu trabalho. (2) A retribuição compreende a retribuição base e outras prestações regulares e periódicas feitas, directa ou indirectamente, em dinheiro ou em espécie. (3) Presume-se constituir retribuição qualquer prestação do empregador ao trabalhador.
Mais se acrescenta no art. 259º, nº 1, do mesmo Código que a prestação retributiva não pecuniária deve destinar-se à satisfação de necessidades pessoais do trabalhador ou da sua família e não lhe pode ser atribuído valor superior ao corrente na região.
No mesmo sentido o art. 249º, nº 1 a 3, do Código do Trabalho de 2003: (1) Só se considera retribuição aquilo a que, nos ter- mos do contrato, das normas que o regem ou dos usos, o trabalhador tem direito como contrapartida do seu trabalho. (2) Na contrapartida do trabalho inclui-se a retribuição base e todas as prestações regulares e periódicas feitas, directa ou indirectamente, em dinheiro ou em espécie. (3) Até prova em contrário, presume-se constituir retribuição toda e qualquer prestação do empregador ao trabalhador.
Conforme se refere no acórdão do STJ de 9 de Fevereiro de 2006, processo 05B4187, acessível em www.dgsi.pt, citando Monteiro Fernandes, em Direito do Trabalho, 12ª Edição, págs. 459 e 460, “Saber se certa prestação tem carácter retributivo, interessa, não só, mas também, (...) “... em primeiro lugar, para a determinação do âmbito da vinculação do empregador com base no contrato de trabalho. Trata-se de responder, fundamentalmente, a esta pergunta: está o empregador obrigado a cumprir tal prestação enquanto vigorar o contrato? Esta pergunta visa, no seu momento lógico, separa a obrigação da liberalidade (o devido do facultativo); e num segundo momento, concretizar o âmbito da irredutibilidade que, nos termos do art. l22º [do Código do Trabalho de 2003], protege a retribuição.”
Face à matéria de facto provada e supra referida, não existem dúvidas de que a utilização do veículo pelo autor integrava a sua retribuição, constituindo, portanto remuneração em espécie, uma vez que a ré não ilidiu a presunção estabelecida nos referidos arts. 249º do Código do Trabalho de 2003 e 259º do Código do Trabalho de 2009 (acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 14 de Maio de 2012, processo 243/10.9TTPRT.P1, e o acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 7 de Dezembro de 2016, processo 1401/15.5T8TMR.E1, ambos acessíveis em www.dgsi.pt).
Conforme se refere no acórdão desta Secção Social do Tribunal da Relação do Porto de 17 de Setembro de 2012, processo 749/10.0TTPRT.P1, acessível em www.dgsi.pt, “sendo a retribuição a contrapartida da atividade prestada pelo trabalhador em sede de contrato individual de trabalho, ela é paga normalmente em numerário. Tal não impede que uma parte da retribuição, pelo menos, não possa ser paga em espécie, como sucede com a atribuição de alimentos, refeições, ou o uso de viaturas. Porém, a utilização de um veículo automóvel da empresa, com todos os custos a cargo desta, tanto pode configurar um mero instrumento de trabalho, porque é usada durante e por causa da prestação laboral, como pode configurar uma parcela da retribuição do trabalhador, quando o empregador autoriza o trabalhador a usar o veículo irrestritamente, para além do horário normal de trabalho, maxime, em fins de semana, feriados e férias. Nesta situação, evitando o trabalhador de adquirir viatura própria para se deslocar de e para o trabalho e em toda a sua vida pessoal e familiar, o empregador confere-lhe uma vantagem patrimonial, suscetível de avaliação em numerário, que integra a designada retribuição em espécie, como se tem entendido (Cfr. Júlio Manuel Vieira Gomes, in Direito do Trabalho, volume I, Relações Individuais de Trabalho, Coimbra Editora, 2007, págs. 775 a 777, Bernardo da Gama Lobo Xavier, com a colaboração de P. Furtado Martins, A. Nunes de Carvalho, Joana Vasconcelos e Tatiana Guerra de Almeida, in Manual de Direito do Trabalho, Verbo, 2011, pág. 550 e Maria do Rosário Palma Ramalho in Direito do Trabalho, Parte II – Situações Laborais Individuais, Almedina, 2006, págs. 551 e 552, nota 657. Na jurisprudência, cfr. in www.dgsi.pt os seguintes Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de: 2006-02-09, Processo 05B4187; 2006-03-22, Processo 05S3729; 2008-06-18, Processo 07S4480; 2009-11-04, Processo 4/08.5TTAVR.C1.S1 e 2011-01-12, Processo 1104/08.7TTSTB.E1.S1).”
No mesmo sentido o acórdão deste Tribunal da Relação do Porto de 17 de Dezembro de 2014, processo 568/10.3TTVNG.P1, ainda acessível em www.dgsi.pt, no qual se refere: “o uso de veículo automóvel atribuído ao trabalhador pelo empregador tem ou não natureza retributiva para o serviço e uso particular daquele, conforme se demonstre que essa atribuição é feita com carácter obrigatório ou como um acto de mera tolerância. No caso em apreço não estamos apenas perante uma mera tolerância de utilização da viatura fora do serviço profissional do autor, antes tendo tal cedência um carácter retributivo, mesmo que tacitamente aceite, mas que se demonstra pela prática de actos por parte da entidade empregadora. Desde logo, a manutenção do veículo corria por conta da ré, apenas tendo o autor que suportar o pagamento de portagens e combustível gastos no uso particular. Esta situação da utilização da viatura por parte do autor inculca a ideia de efectivamente estarmos perante um direito e não perante uma mera liberalidade, que integra a retribuição do trabalhador. E, o carácter regular e constante de tal atribuição da viatura, faz presumir, nos termos do disposto no art. 258º, nº 3, do Código do Trabalho, que a mesma reveste natureza retributiva. E existindo essa presunção caberia à ré fazer a prova de que tal atribuição não revestia carácter retributivo, mas era um acto de mera tolerância (artigo 344º, nº 1, do Código Civil).”
Para situação em tudo semelhante à presente veja-se ainda o acórdão do STJ de 30 de Abril de 2014, processo 714/11.00TTPRT.P1.S1, ainda acessível em www.dgsi.pt.
2.2. Na sentença recorrida considerou-se nos pontos 32 e 33 da matéria de facto provada que “A viatura custava à Ré pelo menos a já referida mensalidade de 600€ por mês e traduzia para o Autor um valor retributivo mensal de pelo menos idêntico valor” (ponto 32), e que “Em relação a Abril de 2011, a Ré deixou de pagar ao Autor pelo menos a retribuição de 300€ (600€/30*15), correspondentes ao equivalente (mínimo) monetário da privação da viatura do dia 5 ao dia 19 inclusive” (ponto 33).
Esta matéria foi, porém, alterada supra, tendo-se eliminado o ponto 33 da matéria de facto provada e alterando-se a redacção do ponto 32 para: “A viatura custava à Ré pelo menos a já referida mensalidade de 600€.”
Tal alteração resultou da circunstância de não haver acordo das partes relativamente ao valor da retribuição em espécie, constituída pela cedência da viatura, impondo-se que tal determinação se efectuasse em sede da apreciação jurídica da causa.
A única prova que existe nos autos é que a viatura custava à ré pelo menos a mensalidade de 600€.
Significa isto que o benefício do autor seria no máximo de €600,00 por mês, ou seja a quantia que ele mesmo teria que pagar pelo mesmo veículo, caso fosse ele próprio a celebrar o contrato de locação do mesmo.
Porém, o valor a considerar será o do uso pessoal do veículo, o que impõe que se considere na sua determinação, deduzindo-o, o valor correspondente ao uso profissional que o trabalhador teria que efectuar do mesmo veículo (conforme o acima referido acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 17 de Setembro de 2012 e o acórdão ainda do Tribunal da Relação do Porto de 4 de Dezembro de 2017, processo 14383/16.7T8PRT.P1, igualmente acessível em www.dgsi.pt).
A este propósito considerou-se no acórdão do STJ 27.05.2010, processo 684/07.9TTSTB.S1, acessível em www.dgsi.pt, que o valor pecuniário dessa retribuição em espécie “é o correspondente ao beneficio económico obtido pelo trabalhador, por via do uso pessoal da viatura, competindo ao trabalhador o ónus de alegar e provar aquele valor, nos termos do disposto no art. 342º, nº 1 CC. Quando não são apurados factos suficientes que permitam apurar o valor exato desse benefício económico, deve o tribunal proferir condenação ilíquida, com a consequente remissão do seu apuramento para a execução de sentença, mesmo quando o A. tenha formulado pedido líquido (vide Ac. desta Secção, datado de 22.03.2006, na revista n.º 3729/05; de 10.05.2006, revista n.º 3490/05 e de 08.11.2006, revista n.º 1820/06).”
Pelo exposto, importa relegar o valor em causa para ulterior liquidação, não podendo o valor a considerar ser superior aos apurados €600,00 por mês.
3. Licitude da resolução do contrato por justa causa.
3.1. Alega a recorrente:
“A Meritíssima Juíza aprecia a justa causa invocada pelo A. para resolver o contrato nos seguintes termos:
i) transcreve o teor do art. 394º do Código do Trabalho (folhas 22ª e 23ª da sentença);
ii) transcreve o teor da comunicação escrita do A. para o Banco de 18.04.2011 (folhas 23ª e 24ª da sentença);
iii) refere que “como é reconhecido na jurisprudência e na doutrina, o comportamento culposo da entidade patronal tem de tornar, imediata e praticamente impossível a subsistência da relação laboral” (final da folha 24ª da sentença);
iv) chama a atenção para a importância do dever do empregador de proceder ao pagamento pontual da retribuição ao trabalhador, ao abrigo do art. 127º, nº 1, alínea b), do Código do Trabalho (folha 25ª da sentença);
v) para logo concluir, sem mais, “que a redução do vencimento em espécie, já não em numerário, uma vez que se encontrava a coberto da LOE, tornaram legítima a resolução do contrato do trabalhador”.
“Pois bem, a o Banco não se conforma com a singeleza desta conclusão.
“O Banco não se conforma, em particular:
i) com a circunstância de a douta sentença recorrida não se pronunciar sobre a eventual “culpa” do Banco;
ii) com o facto de a douta sentença recorrida não apreciar a alegada “justa causa” nos termos previstos no nº 4 do art. 394º do Código do Trabalho, ou seja, “nos termos do nº 3 do art. 351º, com as necessárias adaptações”.
“Começando pela questão da “culpa”, é inequívoco que a douta sentença recorrida não esclarece se o Banco Incorreu na “falta culposa de pagamento pontual da retribuição” prevista na alínea a) do nº 2 do art. 394º do Código do Trabalho; ou se incorreu na “falta não culposa do pagamento pontual da retribuição” prevista na alínea c) do nº 3 da mesma disposição legal.”
Consta da sentença sob recurso:
“Como é reconhecido na jurisprudência e na doutrina o comportamento culposo da entidade patronal tem de tornar, imediata e praticamente impossível a subsistência da relação laboral.
“Como sabemos, a retribuição é a prestação que o trabalhador tem direito em contrapartida do seu trabalho (cfr. art. 258º, nº 1 do Código do Trabalho), estabelecendo-se uma relação sinalagmática entre as partes.
“Nesta conformidade, a obrigação fundamental a cargo do empregador é claramente o pagamento, no tempo e lugar acordados, da retribuição devida ao trabalhador.
“A lei prevê, como dever do empregador, o pagamento pontual da retribuição, que deve ser justa e adequada ao trabalho, conforme resulta do art. 127º, nº 1, al. b) do Código do Trabalho.
“Se o montante da retribuição não estiver à disposição do trabalhador na data do vencimento ou em dia útil anterior, o empregador pratica uma contra-ordenação grave, nos termos do disposto no art. 278º, nº 4 e 5 do Código do Trabalho.
“O princípio da irredutibilidade da retribuição conjuntamente com a indisponibilidade de cessão, de impenhorabilidade parcial, da incompensabilidade, e do privilégio creditório constituem um quadro legal de verdadeira proteção da retribuição.
“Por outro lado importa não esquecer que, principalmente em tempos de crise económica, a lei laboral confere à retribuição uma tutela efetiva pois que relacionada com o sustento do trabalhador e seus dependentes.
“Este aspecto é extremamente importante e faz toda a diferença na jurisdição laboral: não se trata apenas de uma mera contrapartida pela execução de uma prestação na medida em que está estritamente relacionada com a dignidade do ser humano enquanto pessoa que se realiza através do trabalho e dele obtém proventos para si e respectiva família.
“Ora, a redução do vencimento em espécie, já não em numerário uma vez que se encontrava a coberto da LOE, tornaram legítima a resolução do contrato pelo trabalhador.”
Nos termos do art. 394º, nº 1, do Código do Trabalho, ocorrendo justa causa, o trabalhador pode fazer cessar imediatamente o contrato.
Esclarece o nº 2 do mesmo preceito que: Constituem justa causa de resolução do contrato pelo trabalhador, nomeadamente, os seguintes comportamentos do empregador:
a) Falta culposa de pagamento pontual da retribuição;
b) Violação culposa de garantias legais ou convencionais do trabalhador;
d) Aplicação de sanção abusiva;
e) Falta culposa de condições de segurança e saúde no trabalho;
f) Lesão culposa de interesses patrimoniais sérios do trabalhador;
g) Ofensa à integridade física ou moral, liberdade, honra ou dignidade do trabalhador, punível por lei, praticada pelo empregador ou seu representante.
Dispõe, por outro lado, o art. 395º, nº 1, do Código do Trabalho, que o trabalhador deve comunicar a resolução do contrato ao empregador, por escrito, com indicação sucinta dos factos que a justificam, nos 30 dias subsequentes ao conhecimento dos factos.
A observância dos requisitos de natureza procedimental previstos neste normativo constituem condição de licitude da resolução, na medida em que dela depende a atendibilidade dos factos invocados pelo trabalhador para justificar a cessação imediata do contrato (neste sentido, Pedro Romano Martinez e outros, “Código do Trabalho”, 2005, pág. 721, citado no acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 26-3-2012, processo 1282/10.5TTBRG.P1, acessível em www.dgsi.pt/jtrp).
Efectivamente, na ação em que for apreciada a justa causa da resolução apenas são atendíveis os factos constantes da referida comunicação escrita (art. 398º, nº 3, do Código do Trabalho). Ou seja, a resolução, com invocação de justa causa, do contrato de trabalho pelo trabalhador, depende, em primeiro lugar, da observância dos requisitos de forma a que se reporta o mencionado preceito, formalidade esta que, como condição da licitude da resolução com justa causa, tem natureza ad substantiam, delimitando, o seu conteúdo, a invocabilidade, em juízo, dos factos suscetíveis de serem apreciados para tais efeitos (conforme referido no mesmo acórdão).
Provou-se que (ponto 49º da matéria de facto provada) o autor, através de carta datada de 18-04-2011, comunicou à Ré a sua decisão de fazer terminar de imediato o seu contrato individual de trabalho com justa causa, invocando os seguintes motivos justificativos ou fundamentos:
a) “(...) desde o início da relação de trabalho e até ao presente, conforme o acordado e como parte integrante da minha retribuição, o C… garantiu-me a utilização de modo exclusivo duma viatura para as actividades profissionais e uso na minha vida particular, sendo à conta do C… os respectivos encargos com combustível, manutenção, reparações e seguros...
b) (...) o meu orçamento familiar teve sempre em conta essa situação retributiva, não dispondo de qualquer outra viatura pessoal.
c) Por isso, revela-se intolerável a ordem que me foi dada, por escrito, datada de 28.03.2011, impondo-me a entrega da viatura no dia 05.04.2011, o que, por dever de obediência tive de fazer.
d) Foi ofendida a lei, o contrato e também o normal relacionamento entre as partes.
e) Senti-me desconsiderado e colocado numa situação de humilhação, de ofensa ao respeito e à consideração que me são devidos.
f) Foi chocante e inaceitável o modo e o repentismo da imposição unilateral da medida em causa, sem qualquer diálogo prévio, negociação ou sequer tentativa de acordo.
g) O descrito comportamento do C… inscreve-se na insuportável degradação da imagem e ambiente na Empresa, com reflexos públicos e que não deixam de atingir também, em certa medida, a minha própria imagem de trabalhador da empresa, sendo certo que o descrito ambiente se tem agravado dia a dia e afecta de modo significativo a segurança no trabalho, o meu bem estar e a minha própria realização pessoal relacionada com a actividade profissional.
h) Aquelas violações insuportáveis e este ambiente cada vez mais deprimente e aparentemente sem futuro, somam-se a outras duas medidas inesperadas e que, a meu ver, também não se coadunam de modo nenhum com o que era previsível e mesmo com imperativos éticos e com normas fundamentais do nosso ordenamento jurídico.
i) Refiro-me, por um lado, ao facto de que o C… não procedeu a quaisquer aumentos salariais em 2010.
j) E, por outro lado e apesar disso, o C… procedeu agora a drásticas reduções na minha retribuição mensal em numerário, supostamente por efeito da Lei do Orçamento do Estado para 2011, que ofende claramente normas e princípios constitucionais.
k) Foi a estas duas drásticas medidas que sucedeu, por decisão livre e unilateral do C…, aquela situação relativa à viatura.
l) Por tais razões e por se encontrar verificada a justa causa, declaro pôr termo imediato ao meu contrato individual de trabalho, ao abrigo das normas legais aplicáveis (art. 394, n. 1, 2-alíneas a/, b/, e/, f/, e n. 3-b, do Código do Trabalho de 2009).
m) Solicito e espero que me sejam pagos todos os créditos pecuniários devidos, incluindo a indemnização a determinar pelo menos na base de 30 dias de retribuição por cada ano de antiguidade, sem prejuízo de, na falta de pagamento voluntário e imediato, me reservar o direito de vir a exigir indemnização por todos os danos patrimoniais e não patrimoniais de valor superior (art. 396º do CT/2009)”.
Na sentença sob recurso foi considerado que “a redução do vencimento em espécie, já não em numerário uma vez que se encontrava a coberto da LOE, tornaram legítima a resolução do contrato pelo trabalhador”. Porém, antes desta afirmação, refere-se igualmente na sentença que “não se mostrando inconstitucional a disposição em causa, a redução operada pela Ré, na retribuição do Autor, mostra-se justificada. De qualquer forma importa aqui apreciar da qualificação do complemento retributivo e cálculo da retribuição da isenção do horário de trabalho.”
No entanto, a aludida não consideração do complemento remuneratório no cálculo do subsídio por isenção de horário de trabalho não foi invocado na carta de resolução, pelo que não há que considerar tal fundamento.
Assim, importa apreciar como causa justificativa para a resolução do contrato de trabalho a retirada do veículo atribuído ao autor para uso profissional.
3.2. Das alíneas a) a f) da carta de resolução apenas se provou o seguinte:
27. A Ré proporcionou ao Autor um ligeiro de passageiros para seu uso exclusivo, na atividade profissional, que este também usava na sua vida privada, 24 horas por dia, feriados, folgas semanais, férias e qualquer outra ausência ao serviço, com conhecimento e aceitação da Ré, suportando esta todos os encargos da manutenção, combustível, seguros e impostos.
28. A Ré, por contrato de Outubro de 2007 com uma das empresas do seu Grupo, a E…, alugou uma viatura com a matrícula .. – EO - .., de Outubro de 2007, da marca Ford, modelo …, incluindo nesse contrato múltiplos serviços de assistência e encargos, abrangendo a manutenção, seguros e impostos, mediante um renda mensal de 600€, durante 36 meses, declarando já nesse contrato que o condutor habitual era o “DR. B…”, aqui Autor.
30. A Ré, juntamente com essa viatura, entregou também ao Autor um cartão “G…/Frota”, que permitia o abastecimento de combustível em qualquer posto de distribuição da G…, cartão que a Ré renovou anualmente.
31. No dia 28 de Março de 2011, através de correio electrónico, a Ré ordenou ao Autor que entregasse a “referida viatura e respetivos documentos e acessórios” até ao dia 5 de abril de 2011, o que foi cumprido pelo Autor.
32. A viatura custava à Ré pelo menos a já referida mensalidade de 600€ por mês.
49. O Autor, através de carta datada de 18-04-2011, comunicou à Ré a sua decisão de fazer terminar de imediato o seu contrato individual de trabalho com justa causa, invocando os seguintes motivos justificativos ou fundamentos: (...)\
50. A Ré recebeu aquela carta do Autor no dia 19 de Abril de 2011, (...)
Conforme se referiu, constitui justa causa de resolução do contrato pelo trabalhador, nomeadamente, a falta culposa de pagamento pontual da retribuição (al. a) do nº 2 do art. 394º do Código do Trabalho), considerando-se culposa a falta de pagamento pontual da retribuição que se prolongue por período de 60 dias ou quando o empregador, a pedido do trabalhador, declare por escrito a previsão de não pagamento da retribuição em falta, até ao termo daquele prazo (nº 5).
Não se verifica, porém, nenhuma das circunstâncias previstas no nº 5 do referido art. 394º do Código do Trabalho.
A justa causa é apreciada nos termos do nº 3 do artigo 351º, com as necessárias adaptações (art. 394º, nº 4, do Código do Trabalho). Por sua vez, estabelece aquele normativo que, na apreciação da justa causa, deve atender-se, no quadro de gestão da empresa, ao grau de lesão dos interesses do empregador, ao caráter das relações entre as partes ou entre o trabalhador e os seus companheiros e às demais circunstâncias que no caso sejam relevantes.
A inexigibilidade de permanência do contrato de trabalho envolve um juízo de prognose sobre a viabilidade da relação laboral, a realizar segundo um padrão essencialmente psicológico – o das condições mínimas de suporte de uma vinculação duradoura (Acórdão do STJ de 27-11-2002, processo 02S2423, acessível em www.dgsi.pt).
Assim, é necessário que, além da verificação do elemento objetivo e subjetivo, se conclua que se tornou impossível a manutenção da relação laboral. A verificação de justa causa pressupõe, deste modo, a ocorrência dos seguintes requisitos: a) um de natureza objetiva – o facto material integrador de algum dos comportamentos referidos no art. 394º do Código de Trabalho (ou outro igualmente violador dos direitos e garantias do trabalhador); b) outro de caráter subjetivo – a existência de nexo de imputação desse comportamento, por ação ou omissão; c) outro de natureza causal – que o comportamento da entidade patronal gere uma situação de imediata impossibilidade de subsistência da relação laboral, tornando inexigível, em concreto e de acordo com as regras de boa fé, que o trabalhador permaneça ligado à empresa por mais tempo (Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 4-3-2013, processo 517/11.1TTGDM.P1, acessível em www.dgsi.pt).
Conforme salienta Monteiro Fernandes, “não se trata, evidentemente, de uma impossibilidade material, mas de uma inexigibilidade, determinada mediante um balanço in concreto dos interesses em presença – fundamentalmente o da urgência da desvinculação e o da conservação do vínculo (...). Basicamente, preenche-se a justa causa com situações que, em concreto (isto é, perante realidade das relações de trabalho em que incidam e as circunstâncias específicas que rodeiem tais situações), tornem inexigível ao contraente interessado na desvinculação o respeito pelas garantias de estabilidade do vínculo” (Direito do Trabalho, 2006, págs. 557 e 575).
Analisando o caso dos autos verifica-se que o único fundamento válido de resolução é a retirada do veículo, a qual ocorreu por apenas quinze dias, tendo a mesma valor patrimonial não superior a € 300,00, o que não pode justificar a justa causa de resolução.
Por outro lado, conforme salientado no acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 17 de Janeiro de 2013, processo 889/11.8TTLRA.C1, acessível em www.dgsi.pt, citando o acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 23 de Abril de 2008, “antes de tomar a iniciativa da resolução do contrato, deve informar o empregador das repercussões que a sua conduta está a ter na relação contratual, na sua vida e nos seus interesses patrimoniais, exigir o cumprimento da obrigação e depois reagir em conformidade com a atitude que este assumir. “A boa fé e a preservação da relação de confiança entre as partes, impõem que estas se informem mutuamente das ocorrências respeitantes ao contrato e, particularmente, dos efeitos que, da (in)execução ou incumprimento do contrato podem advir. E só depois, se esse incumprimento persistir, pode o trabalhador rescindir o seu vínculo contratual, por não ser exigível que o mesmo continue a trabalhar para quem está repetidamente a desrespeitar o contrato”.”
A falta de justa causa na resolução do contrato e incumprimento do pré-aviso do art. 400º, nº 1, do Código do Trabalho, torna o trabalhador incurso na obrigação de deve pagar ao empregador uma indemnização de valor igual à retribuição base e diuturnidades correspondentes ao período em falta, sem prejuízo de indemnização por danos causados pela inobservância do prazo de aviso prévio ou de obrigação assumida em pacto de permanência, prevista nos arts. 399º e 401º do Código do Trabalho.
Ora, “a indemnização correspondente à falta de aviso prévio opera automaticamente, como se se tratasse de uma cláusula penal, sem necessidade de alegação e prova de eventuais danos, não obstante a necessidade do pedido” (acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 23 de Fevereiro de 2015, processo 712/12.6TTPRT.P1, acessível em www.dgsi.pt.
Face a tal conclusão, procede igualmente o recurso relativamente à parte em que foi a recorrente condenada a pagar ao autor a quantia de € 3,250,78 de retribuições retiradas pela Ré em abril de 2011.
IV. Decisão
Pelo exposto, acorda-se em julgar parcialmente procedente a apelação e, em consequência:
a) altera-se parcialmente a decisão relativa à matéria de facto, embora sem relevância para a decisão final;
b) revoga-se a sentença recorrida, na parte em que condena a ré a pagar ao autor a quantia de €3,250,78 de retribuições retiradas pela Ré em abril de 2011, e a quantia de €3,250,78 de retribuições retiradas pela ré em abril de 2011 (retirada do veículo atribuído ao autor), condenando-se a mesma a pagar ao autor o valor correspondente a este, pelo referido período, a apurar em incidente de liquidação;
c) revoga-se a sentença na parte em que condenou a ré a pagar ao autor a quantia de €15.957,60 de indemnização pela resolução do contrato com justa causa;
d) no mais confirma-se a sentença sob recurso.
Custas na proporção do vencido.

Porto, 24-1-2018
Rui Penha
Jerónimo Freitas
Nelson Fernandes