Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
2075/20.7T8VFR-A.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: EUGÉNIA CUNHA
Descritores: DIVÓRCIO
ALIMENTOS ENTRE EX-CÔNJUGES
EQUIDADE
IMPUGNAÇÃO DA DECISÃO DE FACTO
Nº do Documento: RP202306262075/20.7T8VRF-A.P1
Data do Acordão: 06/26/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Indicações Eventuais: 5. ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - Impugnada a decisão de facto e baseando-se o pedido de reapreciação da prova em elementos de características subjetivas, como a prova testemunhal, o tribunal de 2.ª instância só deve alterar a decisão relativamente a matéria incorporada em registos fonográficos a convencer-se, com base em elementos lógicos ou objetivos, que houve erro na 1.ª instância, bem tendo o Tribunal a quo julgado não provados os factos ora impugnados por absoluta falta de prova.
II - Dependendo a reapreciação da matéria de direito do recurso da procedência da impugnação da decisão sobre a matéria de facto fixada, mantendo-se esta, o conhecimento daquela fica, necessariamente, prejudicado (nº2, do artigo 608º, ex vi da parte final, do nº2, do art. 663º, e, ainda, do nº6, deste artigo, ambos do CPC).
III - Sendo a regra a de após o divórcio “cada cônjuge prover à sua subsistência”, o princípio geral, em matéria de alimentos entre ex-cônjuges (cfr. art. 2009º, nº1, al. a), do CC), após o divórcio ou a separação judicial de pessoas e bens, que decorre da disciplina dos arts. 2016º e 2016º-A, do Código Civil, é o do seu carácter excecional, temporário e de natureza subsidiária, dependendo o direito a alimentos entre ex-cônjuges da verificação dos pressupostos gerais da “necessidade” e da “possibilidade” enunciados no art. 2004.º, do Código Civil, devendo ser fixado em quantum indispensável para o sustento, habitação e vestuário (art. 2003.º, n.º 1, do C. Civil), e ser, contudo, negado se “razões manifestas de equidade” isso demandarem.
IV - Não havendo lugar à fixação de alimentos a favor de ex-cônjuge que tenha possibilidade ou capacidade para adquirir meios de subsistência, por falta de verificação do requisito da “necessidade” de alimentos”, ao invés, a resultar provada, como ocorre nas circunstâncias do caso, total e absoluta falta de capacidade para os adquirir, dada a avançada idade e o estado de saúde, na verificação da possibilidade do outro ex-conjuge prestar, deve ser fixada, nessa medida.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo nº 2075/20.7T8VFR-A.P1
Processo da 5ª secção do Tribunal da Relação do Porto (3ª Secção cível)
Tribunal de origem do recurso: Juízo de Família e Menores de Santa Maria da Feira - Juiz 2

Relatora: Des. Eugénia Maria de Moura Marinho da Cunha
1º Adjunto: Des. Teresa Maria Sena Fonseca
2º Adjunto: Des. Maria de Fátima Almeida Andrade




Acordam os Juízes do Tribunal da Relação do Porto


Sumário (cfr nº 7, do art.º 663º, do CPC):
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I. RELATÓRIO

Recorrente: AA
Recorrida: BB

BB instaurou a presente ação declarativa de condenação, com forma de processo comum, contra o seu ex-cônjuge, AA, pedindo a condenação deste a pagar-lhe, a título de alimentos, a importância mensal de €360,00 (trezentos e sessenta euros), alegando, para tanto e em síntese, que ela e o réu contraíram casamento aos 21.02.1971 e se divorciaram em 27.09.2021, sendo que em solteira trabalhava como operária fabril mas depois de casar deixou de trabalhar e não mais exerceu qualquer atividade remunerada, passando a ocupar-se da vida doméstica, do cuidado dos três filhos e do cultivo da horta do casal, dedicando-se o Réu à sua carreira profissional. No decurso do casamento, o réu emigrou para a Alemanha, onde esteve durante dezasseis anos, regressando depois a Portugal, para a casa de morada de família, sita em ..., ..., continuando a caber à autora cozinhar para todos, limpar, tratar da roupa, ir buscar lenha e cultivar a horta, até que, aos 05.02.2020, o demandado saiu do domicílio conjugal, não mais regressando, tendo, a partir daí, o mesmo cessado qualquer contribuição para as despesas da casa e o sustento da autora, que nasceu em .../.../1951 e tem de escolaridade a quarta classe, encontrando-se reformada há mais de três décadas (primeiro por invalidez e depois por velhice) e não consegue arranjar uma atividade profissional que lhe permita auferir rendimentos, nem se afigura razoável que tal venha a suceder no futuro, sendo que, desde 05.02.2020, tem sobrevivido da sua reforma, no valor mensal de €287,00, e da ajuda e caridade de terceiros, pois que para a satisfação das necessidades básicas, que densifica, com gastos de €643,64, a sua reforma é insuficiente e não tem outras fontes de rendimento, tendo o réu possibilidade de lhe prestar alimentos, já que aufere, todos os meses, o montante global de €1.123,89.
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O Réu contestou pugnando pela improcedência da ação, pois que nem a autora necessita de alimentos nem ele tem condições de os prestar.
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Fixou-se o valor da causa e foi proferido despacho destinado a identificar o objeto do processo e a enunciar os temas da prova.
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Procedeu-se à audiência final, com a observância das formalidades legais.
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Foi proferida sentença com a seguinte parte dispositiva:
“Julgo a presente acção parcialmente procedente, por parcialmente provada, em consequência do que:
1. Condeno o réu a pagar à autora a quantia mensal de €280,00 (duzentos e oitenta euros), a título de alimentos definitivos, importância essa que lhe deverá entregar, através de qualquer meio idóneo de pagamento, até ao dia 8 (oito) de cada mês.
2. Declaro que a prestação referida em 1) é devida a partir da data da instauração da presente acção e decido que a mesma será anualmente actualizada, em Janeiro, em função da taxa oficial da inflação, condenando o réu a proceder em conformidade.
3. Condeno a autora e o réu no pagamento das custas, na proporção do decaimento de cada um deles, que fixo em 23% para a autora e em 77% para o réu”.
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Apresentou o Réu recurso de apelação, pugnando por que seja revogada a decisão e substituída por outra que, reapreciando a prova gravada, julgue improcedente a ação e absolva o Recorrido do pedido com base nas seguintes
CONCLUSÕES:
“1. A sentença proferida em primeira instância nos presentes autos, no dia 01 de Dezembro de 2022, que julgou a ação parcialmente procedente deve ser revogada, substituindo-se por outra que julgue a ação totalmente improcedente, por não provada.
2. Da prova produzida, entende a Recorrente que o Tribunal deveria ter dado como provados o ponto 18, com a seguinte redação: Dispõe do prédio que constituiu a casa de morada de família, onde reside, que recebeu em herança dos seus pais, tendo a quota-parte que cabia ao seu irmão no referido prédio sido comprada pela autora e pelo réu na constância do casamento, prédio esse susceptível de ser arrendado no todo ou em parte por um valor mensal entre €400-€500.
3. O ponto 19 da matéria de facto deveria ter sido dado como provado com a seguinte redação: A autora cria animais, nomeadamente galinhas, e cultiva vegetais, para consumo próprio e para venda a terceiros com lucro, com os gastos inerentes, cujo montante mensal se cifra em cerca de € 14,90 para os animais.
4. Resulta do depoimento da testemunha CC que a recorrida cuidava do campo e sempre teve galinhas coelhos e daí retirou proveitos e algum lucro, pelo que deveria ter sido dado como provado o ponto f) da matéria de facto.
5. Assim, os factos provados que constam dos pontos 18) e 19) deveriam ter a redação que consta das conclusões 2 e 3 e por outro lado, os pontos f) da matéria de facto não provada, deveriam ser dados como provados em face dos depoimentos das testemunhas DD e CC.
6. Impõe-se, perante tudo o que fica dito, uma reapreciação da prova gravada em sede de audiência final, decidindo-se sobre a matéria de facto considerada provada em conformidade com tal reapreciação e à luz dos apontamentos ora avançados, os quais demonstram, sem margem para dúvidas, que houve factos que foram considerados provados sem que a prova produzida sustentasse devidamente tal conclusão ou de forma diversa daquela factos não provados que, salvo melhor opinião, deveriam ter sido.
7. Deve, por isso, proceder-se à reapreciação da prova gravada nos termos melhor descritos acima.
8. No caso concreto, a recorrida não demonstrou quais os seus gastos efetivos, apenas se sabendo quanto ganha e que possui despesas de com alimentação, água, gás, electricidade, televisão e telefone, em montantes não concretamente apurados, desconhecendo-se se as despesas são superiores ao valor da sua pensão reforma, de 299,97 euros.
9. Por outro lado da prova produzida resulta que recorrente tem despesas mensais fixas comprovadas de montante elevado, pelo que a sua reforma é insuficiente para prover ao seu sustento e ainda auxiliar financeiramente a recorrida.
10. Não deverá o recorrente ficar obrigado ao pagamento de qualquer pensão de alimentos, nomeadamente de 280,00 euros, inclusivamente por motivos de equidade, tendo em atenção que a sua ex-cônjuge já antes do casamento não exercia qualquer actividade profissional remunerada.
11. A decisão final se fundou numa incorrecta interpretação e aplicação das normas jurídicas aplicáveis.
12. Termos em que deve ser revogada a sentença recorrida na parte em que julgou parcialmente procedente a ação, sendo substituída por outra que determine a improcedência da ação, com as legais consequências.
13. A sentença recorrida violou os artigos 2004º, 2009º, 2016º e 2016º-A do CC e não está fundamentada, devendo ser revogada, absolvendo-se o apelante de tudo o peticionado nos autos”.
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Apresentou-se a Autora a responder pugnando pela improcedência do recurso, apresentando as seguintes CONCLUSÕES:
“I. Recorrente e recorrida foram casados durante cinquenta anos. O recorrente foi agora condenado a pagar, à recorrida, a título de pensão de alimentos, a quantia mensal de €280,00. Concretizando-se tal pagamento, num país onde a retribuição mínima mensal garantida é de €760,00, a recorrida terá de sobreviver com €579,97 por mês. Ao recorrente, ainda restarão €865,92.
II. Quando interposto recurso da decisão sobre a matéria de facto, só formando, o tribunal ad quem, acerca dos factos em apreço, uma convicção firme e segura de que, quanto aos mesmos, existiu um erro de julgamento - não bastando um entendimento divergente – lhe cumpre modificar a decisão recorrida. É este o sentido do preceituado no n.º 1 do art. 662.º do Cód. de Proc. Civil.
III. A respeito da requerida alteração da decisão que recaiu sobre o facto provado n.º 18 da douta sentença, o depoimento de DD, parcialmente transcrito nas alegações de recurso, é completamente conclusivo e especulativo. Também não se vislumbra, na parte do depoimento da testemunha CC que o recorrente indicou, uma única palavra sobre o “anexo habitável” e respectivo arrendamento.
IV. A respeito da requerida alteração da decisão que recaiu sobre o facto provado n.º 19 e o facto não provado da al. f), ambos da douta sentença, o depoimento de DD, parcialmente transcrito nas alegações de recurso, ficou-se pela alegação de que a recorrida tem “galinhas, porcos e coelhos”, nada tendo referido sobre a venda de vegetais e animais. Quanto a CC, a testemunha referiu, no seu depoimento parcialmente transcrito nas alegações de recurso, não ter qualquer contacto actual com a sogra, ora recorrida, reportando-se apenas a episódios passados, sem qualquer relevância nesta sede.
V. Como se menciona da douta sentença, reportando às testemunhas inquiridas, «nenhuma delas primou pela total isenção, evidenciando, em geral, discursos emotivos e parciais, tentando descrever um quadro de vida mais ou menos positivo consoante o que se lhes afigurava favorável à defesa dos direitos da parte que as havia indicado». O DD e a CC, em concreto, «em muito pouco contribuíram para a formação da convicção do Tribunal» - cfr. págs. 9 e 10 da sentença.
VI. Pelo que os meios probatórios indicados pelo recorrente são manifestamente insuficientes para impor uma decisão diferente da que foi adoptada pelo Tribunal em relação aos factos provados n.ºs 18 e 19 e o facto não provado da al. f), todos da douta sentença.
VII. A conclusão n.º 8 do recurso deve improceder: as despesas da autora constam dos factos provados n.ºs 19 a 22, os quais não foram impugnados pelo recorrente. Sem embargo, são despesas “normais”, em produtos e serviços absolutamente necessários à subsistência de qualquer pessoa: água, electricidade, alimentação, gás, telecomunicações, medicamentos… Os montantes são, também, dentro do “normal”.
VIII. Deve, igualmente, improceder a conclusão n.º9 do recurso: a consideração de que as despesas mensais fixas do recorrente são «de montante elevado, pelo que a sua reforma é insuficiente para prover ao seu sustento e ainda auxiliar financeiramente a recorrida» é meramente conclusiva e não foi minimamente concretizada pelo impetrante.
IX. No que à conclusão n.º 10 concerne, a autora recorrida nunca foi “calaceira”, tanto que trabalhava antes de casar. Se deixou de trabalhar, foi porque o recorrente o exigiu. Também não consta dos autos que o recorrente se tenha queixado de a autora cuidar, sozinha, dos três filhos do casal. Nem de tratar da casa. Nem dos campos. Nem de permitir, ao então marido, ora recorrente, que o casal vivesse na casa dos pais dela, assim poupando rendas ou prestações de um mútuo bancário. Vide os factos provados n.ºs 6, 7 e 18 da douta sentença, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzidos.
X. Em suma, o recurso deve ser julgado totalmente improcedente, mantendo-se, in totum, a douta sentença proferida, assim permitindo, à recorrida, passar a viver condignamente, sem precisar, aos setenta anos de idade, de pedir esmolas a terceiros, como tem sucedido até aqui”.
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Após os vistos, cumpre apreciar e decidir o mérito do recurso interposto.
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II. FUNDAMENTOS

- OBJETO DO RECURSO
Apontemos as questões objeto do presente recurso, tendo presente que o mesmo é balizado pelas conclusões das alegações do recorrente, estando vedado ao tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que se imponha o seu conhecimento oficioso, acrescendo que os recursos não visam criar decisões sobre matéria nova, sendo o seu âmbito delimitado pelo conteúdo do ato recorrido – cfr. arts 635º, nº4, 637º, nº2 e 639º, nºs 1 e 2, do Código de Processo Civil.
Assim, as questões a decidir são, por ordem lógica, as seguintes:
1ª- Quanto à impugnação da decisão de facto:
1.1- Do erro na apreciação da prova e, consequentemente, se é de alterar a decisão da matéria de facto fixada pelo Tribunal a quo quanto aos pontos mencionados pelo Réu recorrente (pontos 18 e 19 dos factos provados e al. f) dos factos não provados);
2ª- Quanto à modificabilidade da decisão de mérito:
2.1- Da verificação ou não dos pressupostos determinativos da atribuição de alimentos à autora, a suportar pelo réu, na qualidade de ex-cônjuge daquela e, em caso afirmativo, em que medida.
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II.A – FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

1. FACTOS PROVADOS
São os seguintes os factos considerados provados, pelo tribunal de 1ª instância, com relevância, para a decisão (transcrição):
1. A autora BB nasceu no dia .../.../1950.
2. AA, então com 20 anos de idade, casou com BB, então também com 20 anos de idade, no dia 21 de fevereiro de 1971, sem precedência de convenção antenupcial.
3. O casamento celebrado entre autora e réu foi declarado dissolvido por sentença datada de 27 de setembro de 2021, transitada em julgado a 2 de novembro de 2021, proferida no processo principal.
4. Na sentença que decretou o divórcio decidiu-se que a autora e o réu estão separados de facto um do outro desde o dia 5 de fevereiro de 2020 e que os efeitos patrimoniais do divórcio decretado retroagem à data do começo da separação.
5. A autora e o réu tiveram três filhos na constância do casamento, todos eles já maiores de idade, EE, nascida a .../.../1972, DD, nascido a .../.../1974, e FF, nascido a .../.../1977.
6. No estado de solteira, a autora trabalhava como operária fabril no sector da cortiça.
7. Depois de casar a autora deixou de trabalhar por conta de outrem, passando a ocupar-se a tempo inteiro da casa e das lides domésticas, do cuidado dos três filhos do casal e do cultivo da horta do casal.
8. No decurso do casamento com a autora, o réu sempre exerceu atividade profissional e emigrou para a Alemanha, onde trabalhou durante 16 anos, após o que regressou a Portugal, para a casa de morada de família.
9. Quando o réu emigrou, e depois do seu regresso a Portugal, a autora continuou a cozinhar para a família, a limpar a casa, a tratar da roupa, a cultivar a horta e a cuidar dos três filhos.
10. O réu sempre assegurou o pagamento das despesas com a casa e com as lides domésticas, bem assim com o sustento dos três filhos do casal, o que fazia com os rendimentos auferidos pelo exercício da sua atividade profissional.
11. No dia 5 de fevereiro de 2020, o réu saiu da casa onde vivia com a autora, indo habitar permanentemente para outro imóvel, não mais tendo residido com a autora na que fora a casa de morada da família.
12. Desde o circunstancialismo de tempo referido no ponto que antecede, o réu cessou a prestação de qualquer contribuição, financeira ou em géneros, para as despesas da casa e para o sustento da autora.
13. A autora começou a auferir pensão de invalidez, que posteriormente foi convolada em velhice, com 29 anos de idade.
14. A autora tem, a esta data, os seguintes problemas de saúde ativos: síndrome depressivo de longa duração com componente ansioso relevante; síndrome de ombro doloroso com limitação funcional do membro superior direito; espondilodiscartrose cervical responsável por dor cervical ou membros superiores; hipertensão arterial com repercussão cardíaca, nomeadamente cansaço fácil e dor anginosa em esforço; hipotiroidismo com nódulo tiroideu; os problemas referidos limitam a capacidade para a execução de atividade física intensa ou moderada.
15. A autora não consegue, atualmente, exercer atividade profissional que lhe permita auferir rendimentos.
16. Actualmente, a autora é titular de uma pensão mensal de velhice do Centro Nacional de Pensões no valor líquido de €299,97.
17. Não lhe são conhecidos rendimentos relevantes de outra natureza, nomeadamente rendas.
18. Dispõe do prédio que constituiu a casa de morada de família, onde reside, que recebeu em herança dos seus pais, tendo a quota-parte que cabia ao seu irmão no referido prédio sido comprada pela autora e pelo réu na constância do casamento.
19. A autora cria animais, nomeadamente galinhas, e cultiva vegetais, para consumo próprio, com os gastos inerentes, cujo montante mensal se cifra em cerca de € 14,90 para os animais.
20. A autora tem as despesas comuns e correntes de subsistência, com alimentação, água, gás, eletricidade, televisão e telefone.
21. No mês de setembro de 2021 gastou € 15,21 com despesas de água; € 61,90 com despesas de eletricidade; € 24,00 com gás; no mês de outubro de 2021 pagou € 11,49 com a MEO e € 13,19 com a VODAFONE.
22. Tem despesas medicamentosas em montante médio mensal que, em concreto, não foi possível apurar, sendo que no mês de setembro de 2021 gastou, a este título, € 64,97, sendo € 20,40 sujeitos a ulterior comparticipação.
23. Continua a residir na que foi a casa de morada de família.
24. Desde o circunstancialismo de tempo em que o réu deixou de contribuir para o sustento da economia doméstica do casal, a autora recebe a ajuda financeira do seu filho FF e de vizinhos para assegurar a sua subsistência ou para custear despesas de saúde.
25. A autora não prosseguiu o seu percurso formativo para além do 4º ano do ensino primário, a previamente denominada “4ª classe”.
26. O réu aufere, mensalmente, o montante de € 687,92 a título de reforma de Portugal e o montante de € 458,00 a título de reforma da Alemanha.
27. Desde o dia 1 de agosto de 2020, depois de ter residido durante algum tempo em casa de um dos filhos, o réu reside em casa tomada de arrendamento a terceiro, pela qual paga a renda mensal de € 200,00 (duzentos euros).
28. O réu tem as despesas comuns e correntes de subsistência, com alimentação, água, gás, eletricidade, televisão, telefone, seguro (€ 166,33 anuais), inspeção automóvel (€ 31,49) e IUC (€ 18,42 anuais).
29. No mês de outubro de 2021, o réu gastou € 38,14 com despesas de água, no mês de novembro de 2021 gastou € 20,38 de eletricidade e € 25,00 em gás.
30. Despende montante mensal variável em combustível, numa média aproximada de cerca de € 38,00, para assegurar as suas deslocações para tomar as refeições, ir ao supermercado e a consultas médicas, já que sofre de dificuldades de locomoção.
31. Gasta € 24,00 com a quota anual da Associação de Socorros Mútuos....
32. Tem uma média aproximada de cerca de € 41,00 a título de despesas medicamentosas.
33. O réu é seguido em consulta de dor crónica desde 18 de março de 2021, no Centro Hospitalar de Vila Nova de Gaia/Espinho, acompanhamento que mantinha a 27 de maio de 2022; foi operado em 2014 por mielopatia cervical com lesão medular extensa pré-operatória, sofrendo de cervicobraquialgias; mantém actualmente queixas cervicalgia com irradiação MS esq; queixas de parestesias intensas com limitação da força.
34. O réu almoça diariamente num restaurante, o denominado “prato do dia” com um custo que previamente era de €5,50 e que, a esta data, é de €6,50, sendo o jantar efetuado ou no mesmo restaurante ou em casa, através do serviço de “take-away”, rondando sensivelmente o mesmo valor.
35. O réu paga mensalmente os serviços de limpeza com a sua casa e de prestação de cuidados à sua roupa (lavar e passar a ferro), num valor total de cerca de €125,00 mensais.
36. No dia 11 de fevereiro de 2020, o réu procedeu ao levantamento da quantia de €10.000,00 de conta bancária da qual era titular, que ficou, então, com um saldo disponível de € 737,16.
37. O réu encontra-se inscrito, desde 31 de março de 2022, e aguarda vez para ir para um lar em ... - O ... - Centro de Solidariedade Social ....
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2. FACTOS NÃO PROVADOS
Considerou o Tribunal de 1ª instância que se não provaram outros factos alegados com relevância para a decisão, concretamente os seguintes:
a) Que foi a pedido do réu que a autora deixou de trabalhar depois do casamento.
b) Que foi por decisão unilateral da autora, contra a vontade do réu, que aquela deixou de exercer atividade profissional depois do casamento.
c) Que a vida da autora sempre se tenha pautado por uma ausência de hábitos de trabalho, limitando-se a gastar os rendimentos auferidos pelo réu, ao ponto de deixar o casal sem qualquer aforro.
d) Que os problemas de saúde de que a autora padece, referidos nos factos provados, persistam há mais de trinta anos.
e) Pouco antes do divórcio, a autora levantou, de conta comum do casal, e fez sua, quantia superior a €5.000,00.
f) A autora procede à venda dos animais que cria.
g) O réu não tem força/capacidade física para cozinhar e para tratar da casa e da roupa.
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II.B - FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

1ª. Da impugnação da decisão de facto
1.1. Do erro de julgamento
Impugnada a decisão da matéria de facto, verifica-se que o impugnante observou os ónus legalmente impostos que, nessa sede, vêm enunciados nos arts 639º e 640º, do Código de Processo Civil, diploma a que pertencem todos os preceitos citados sem outra referência, os quais constituem requisitos habilitadores ao conhecimento da impugnação.
Com efeito, apresentou o Réu alegações, observando o ónus de alegar e de formular conclusões, consagrado no nº 1, daquele artigo, e deu, ainda, cumprimento aos ónus impostos pelo artigo 640.º, nº 1, als. a), b) e c) e nº2, pois que, nas conclusões das alegações, a delimitarem o objeto do recurso, faz referência aos concretos pontos da matéria de facto que considera incorretamente julgados e, nas suas alegações, indica, ainda, os elementos probatórios a conduzirem à alteração dos pontos impugnados nos termos si propugnados e a decisão que, no seu entender, deveria sobre eles ter sido proferida, mais indicando as passagens da gravação.
Apreciando, não podemos deixar de dar razão à apelada, adianta-se já, por bem ter o Tribunal a quo decidido livremente com base na análise crítica, conjunta e conjugada de toda a prova produzida, tendo este Tribunal ficado com a convicção de toda a prova, quer a prova indicada pelo apelante quer toda a restante produzida, não ser suficiente para dar uma resposta diversa aos factos não provados impugnados, improcedendo, por isso, a impugnação, nada se devendo acrescentar aos factos provados.
Na verdade, fundamenta o Tribunal a quo a resposta que deu aos factos não provados na ausência de prova que permita uma diversa.
Vejamos a motivação da decisão de facto, na parte que interessa para o que aqui nos prende - pontos 18) e 19), dos factos provados e al. f), da matéria de facto não provada – a qual tem o seguinte teor:
Os factos considerados provados e não provados decorreram da apreciação crítica e conjugada dos depoimentos prestados pelas testemunhas inquiridas, sempre em conjugação com as regras da experiência comum e com a documentação junta aos autos, sem prejuízo das declarações prestadas pelas partes.
(…) Concentrando-nos, agora, nas testemunhas inquiridas – porque das declarações prestadas pela autora e pelo réu nada de relevante há a salientar para além do que já se deixou dito -, cumpre reiterar que nenhuma delas primou pela total isenção, evidenciando, em geral, discursos emotivos e parciais, tentando descrever um quadro de vida mais ou menos positivo consoante o que se lhes afigurava favorável à defesa dos direitos da parte que as havia indicado.
As testemunhas GG, prima da autora, HH, dona do estabelecimento comercial na qual a autora adquire produtos de diversa natureza, e II, nora da autora e do réu, não relevaram particularmente para a formação da convicção do Tribunal, baseada, essencialmente, na documentação junta aos autos, apreciada criticamente nos termos previamente descritos.
Que era a autora quem, na constância do casamento, tratava da casa, dos filhos, da horta, foi afirmado pela própria e pela globalidade das testemunhas inquiridas, incluindo o filho do antigo casal, DD, não sendo facto posto em causa validamente pelo réu; em conformidade, aliás, com os parâmetros maioritariamente (mas não exclusivamente) vigentes para casamentos antigos celebrados entre pessoas da geração da autora e do réu.
Por essa razão resultou claramente não provado que a autora se tenha dedicado a uma vida sem hábitos de trabalho, na medida em que a prestação de cuidados da natureza dos concretizados pela autora trata-se, realmente, inequivocamente, de trabalho, ainda que não remunerado directamente, e que deve ser valorizado adequadamente. (…) Que a autora carece da ajuda de terceiros para custear as suas despesas, facto afirmado pelas referidas testemunhas, aceita-se como válido perante os rendimentos apurados da autora, insusceptíveis de assegurar a subsistência de quem quer que seja.
(…) As testemunhas DD, filho da autora e do réu, CC, com aquele casada, e JJ, conhecido do réu, também em muito pouco contribuíram para a formação da convicção do Tribunal, perante a evidência dos demais meios de prova,(…)
Os factos não provados decorreram da ausência de meios de prova que os sustentassem de forma razoavelmente segura”.
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Têm a seguinte redação os pontos provados impugnados:
18. Dispõe do prédio que constituiu a casa de morada de família, onde reside, que recebeu em herança dos seus pais, tendo a quota-parte que cabia ao seu irmão no referido prédio sido comprada pela autora e pelo réu na constância do casamento.
19. A autora cria animais, nomeadamente galinhas, e cultiva vegetais, para consumo próprio, com os gastos inerentes, cujo montante mensal se cifra em cerca de € 14,90 para os animais”.
E a redação da al. f) dos factos não provados, impugnada, é a seguinte:
Não provado que: “f) A autora procede à venda dos animais que cria”.
Entende o Recorrente que o Tribunal deveria ter dado como provados os referidos pontos 18 e 19, com a seguinte redação: 18. Dispõe do prédio que constituiu a casa de morada de família, onde reside, que recebeu em herança dos seus pais, tendo a quota-parte que cabia ao seu irmão no referido prédio sido comprada pela autora e pelo réu na constância do casamento, prédio esse susceptível de ser arrendado no todo ou em parte por um valor mensal entre €400-€500”; 19.“A autora cria animais, nomeadamente galinhas, e cultiva vegetais, para consumo próprio e para venda a terceiros com lucro, com os gastos inerentes, cujo montante mensal se cifra em cerca de € 14,90 para os animais” e, ainda, provada a matéria constante da referida al. f), dos factos não provados – que a Autora procede à venda dos animais que cria, com base nos depoimentos das testemunhas DD e CC.
Ora, na parte dos referidos factos que não foi considerada provada, bem entendeu o Tribunal a quo nenhuma prova haver que permita responder positivamente aos factos em causa que, por isso, foram julgados não provados, sendo, na verdade, de manter a decisão de facto por falta de prova.
Com efeito, o âmbito da apreciação do Tribunal da Relação, em sede de impugnação da matéria de facto, deve conter-se dentro dos seguintes parâmetros:
a)- o Tribunal da Relação só tem que se pronunciar sobre a matéria de facto impugnada pelo Recorrente (a menos que se venha a revelar necessária a pronúncia sobre facticidade não impugnada para que não haja contradições);
b)- sobre essa matéria de facto impugnada, o Tribunal da Relação tem que realizar um novo julgamento;
c)- nesse novo julgamento o Tribunal da Relação forma a sua convicção de uma forma autónoma, mediante a reapreciação de todos os elementos probatórios que se mostrem acessíveis (e não só os indicados pelas partes).
Dentro destas balizas, o Tribunal da Relação, assumindo-se como um verdadeiro Tribunal de Substituição, que é, está habilitado a proceder à reavaliação da matéria de facto especificamente impugnada pelo Recorrente, pelo que, neste âmbito, a sua atuação é praticamente idêntica à do Tribunal de 1ª Instância, apenas ficando aquém quanto a fatores de imediação e de oralidade.
Na verdade, este controlo de facto, em sede de recurso, tendo por base a gravação e/ou transcrição dos depoimentos prestados em audiência, não pode deitar por terra a livre apreciação da prova, feita pelo julgador em 1ª Instância, construída dialeticamente e na importante base da imediação e da oralidade.
A garantia do duplo grau de jurisdição da matéria de facto não subverte o princípio da livre apreciação da prova[1] (consagrado no artigo 607.º, nº 5 do CPC) que está atribuído ao tribunal da 1ª instância, sendo que, na formação da convicção do julgador não intervêm apenas elementos racionalmente demonstráveis, já que podem entrar também, elementos que escapam à gravação vídeo ou áudio e, em grande medida, na valoração de um depoimento pesam elementos que só a imediação e a oralidade trazem.
Com efeito, no vigente sistema da livre apreciação da prova, o julgador detém a liberdade de formar a sua convicção sobre os factos, objeto do julgamento, com base apenas no juízo adquirido no processo. O que é essencial é que, no seu livre exercício de convicção, o tribunal indique os fundamentos suficientes para que, através das regras da ciência, da lógica e da experiência, se possa controlar a razoabilidade da convicção sobre o julgamento do facto como provado ou não provado[2].A lei determina expressamente a exigência de objetivação, através da imposição da fundamentação da matéria de facto, devendo o tribunal analisar criticamente as provas e especificar os fundamentos que foram decisivos para a convicção do julgador (artigo 607.º, nº 4).
O princípio da livre apreciação de provas situa-se na linha lógica dos princípios da imediação, oralidade e concentração: é porque há imediação, oralidade e concentração que ao julgador cabe, depois da prova produzida, tirar as suas conclusões, em conformidade com as impressões recém-colhidas e com a convicção que, através delas, se foi gerando no seu espírito, de acordo com as máximas de experiência aplicáveis[3].
E na reapreciação dos meios de prova, o Tribunal de segunda instância procede a novo julgamento da matéria de facto impugnada, em busca da sua própria convicção - desta forma assegurando o duplo grau de jurisdição sobre essa mesma matéria - com a mesma amplitude de poderes da 1.ª instância. Impõe-se-lhe, assim, que analise criticamente as provas indicadas em fundamento da impugnação (seja ela a testemunhal seja, também, a documental, conjugando-as entre si, contextualizando-se, se necessário, no âmbito da, demais, prova disponível, de modo a formar a sua própria e autónoma convicção, que deve ser, também, fundamentada).
Ao Tribunal da Relação competirá apurar da razoabilidade da convicção formada pelo julgador, face aos elementos que lhe são facultados.
Porém, norteando-se pelos princípios da imediação, da oralidade, da concentração e da livre apreciação da prova e regendo-se o julgamento humano por padrões de probabilidade, nunca de certeza absoluta, o uso dos poderes de alteração da decisão sobre a matéria de facto, proferida pelo Tribunal de 1ª Instância, pelo Tribunal da Relação deve restringir-se aos casos de desconformidade entre os elementos de prova disponíveis e aquela decisão, nos concretos pontos questionados[4], devendo ser usado, apenas, quando seja possível, com a necessária certeza e segurança, concluir pela existência de erro de apreciação relativamente a concretos pontos de facto impugnados.
Assim, só deve ser efetuada alteração da matéria de facto pelo Tribunal da Relação quando este Tribunal, depois de proceder à audição efetiva da prova gravada, conclua, com a necessária segurança, no sentido de os depoimentos prestados em audiência, conjugados com a restante prova produzida, apontarem para direção diversa e imporem uma outra conclusão, que não aquela a que chegou o Tribunal de 1ª Instância.
Na apreciação dos depoimentos, no seu valor ou na sua credibilidade, é de ter presente que a apreciação dessa prova pelo Tribunal da Relação envolve “risco de valoração” de grau mais elevado que na primeira instância, em que há imediação, concentração e oralidade, permitindo contacto direto com as partes e as testemunhas, o que não acontece neste tribunal. E os depoimentos não são só palavras; a comunicação estabelece-se também por outras formas que permitem informação decisiva para a valoração da prova produzida e apreciada segundo as regras da experiência comum e que, no entanto, se trata de elementos que são intraduzíveis numa gravação.
Por estas razões, está em melhor situação o julgador de primeira instância para apreciar os depoimentos prestados uma vez que o foram perante si, pela possibilidade de apreensão de elementos que não transparecem na gravação dos depoimentos.
Em suma, o Tribunal da Relação só deve alterar a matéria de facto se formar a convicção segura da ocorrência de erro na apreciação dos factos impugnados.
E o julgamento da matéria de facto é o resultado da ponderação de toda a prova produzida. Cada elemento de prova tem de ser ponderado por si, mas, também, em relação/articulação com os demais. O depoimento de cada testemunha tem de ser conjugado com os das outras testemunhas e todos eles com os demais elementos de prova, designadamente a documental.
Quando o pedido de reapreciação da prova se baseie em elementos de características subjetivas – como declarações de parte e prova testemunhal -, a respetiva sindicação tem de ser exercida com o máximo cuidado e o tribunal de 2.ª instância só deve alterar os factos incorporados em registos fonográficos quando, efetivamente, se convença, com base em elementos lógicos ou objetivos, que houve erro na 1.ª instância.
Em caso de dúvida, deve aquele Tribunal, manter o decidido em 1ª Instância, onde os princípios da imediação e oralidade assumem o seu máximo esplendor, dos quais resultam elementos decisivos na formação da convicção do julgador, que não passam para a gravação.
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Invoca o Réu erro na apreciação da prova pretendendo que seja considerado provado o facto dado como não provado na alínea f) e que os factos provados 18. e 19. passem a ter a redação supra referida, alteração que conclui dever ser efetuada face ao depoimento das testemunhas DD e CC.
Começa por se dizer que assim não sucede.
Desde logo, não é, sequer, verdade que estas testemunhas tenham dito, de modo seguro e credível, que o prédio em causa, ou parte dele, é suscetível de ser arrendado por um valor mensal entre €400/€500. E não é, de todo, verdade que as referidas testemunhas tenham mencionado que, após o divórcio, a Autora venha a criar animais ou cultive vegetais para venda a terceiros com lucro.
Acresce que, de toda a prova produzida, não decorrem elementos que permitam convencer este Tribunal de assim suceder, sendo que bem resultou que a Autora habita o imóvel que sempre habitou, dele continuando a necessitar para aí residir, não podendo, sequer, ser equacionada suscetibilidade de arrendamento do que quer que seja a terceiro, tratando-se da casa de morada de família (que era dos pais da Autora e que foi onde, sempre, esta, residiu como os filhos e, mesmo, com o Réu, estando ele em Portugal) e a horta e animais que a Autora vai cultivando e criando meramente o vão sendo para consumo próprio. Nenhum interessado em possível arrendamento foi, sequer, revelado existir e valores, tão só falados pela testemunha DD, são mera opinião sua (“penso”), sem qualquer razão de ciência válida.
Outrossim, tal testemunha, como bem refere o Tribunal a quo, prestou um depoimento não isento, antes parcial e interessado em favorecer o seu pai, com quem vem mantendo convivência, estando incompatibilizado com a mãe, situação que ele próprio revelou vir-se já a arrastar há cerca de 4 anos. Com efeito, quer a testemunha DD quer a sua esposa, CC, que se não abstiveram de falar sobre os factos, bem deixaram transparecer de nada saberem da Autora relativamente aos três últimos anos e nenhuma preocupação mostraram terem tido no sentido de se inteirarem das dificuldades da mesma, nunca podendo afirmar (como, mesmo, não fizeram), que a mãe/sogra vende animais e vegetais, não podendo saber se os tem, sequer conhecendo da sua saúde para os criar e cultivar.
Nunca do depoimento destas duas testemunhas, lacónico, parcial e interessado, que, estando de bem com o Réu, estão incompatibilizados com a Autora, com quem não falam, pode resultar a prova dos factos que o Réu Recorrente vem pretender sejam considerados provados com base neles.
Tendo presentes os mencionados princípios orientadores, revisitada a prova e visa a fundamentação da decisão da matéria de facto, ficou-nos a convicção de, in casu, não existir qualquer erro de julgamento, ao invés a matéria de facto foi livremente e bem decidida, sendo que cada elemento de prova de livre apreciação, designadamente depoimentos de testemunhas, não pode ser considerado de modo estanque e individualizado. Há que proceder a uma análise crítica, conjunta e conjugada dos aludidos elementos probatórios, para que se forme uma convicção coerente e segura. Fazendo essa análise crítica, conjunta e conjugada de toda a prova produzida, e com base nas regras de experiência comum, não pode este Tribunal, com segurança, divergir do juízo probatório do Tribunal a quo.
Efetuou este Tribunal a análise crítica da prova e não há elementos probatórios produzidos no processo que imponham decisão diversa – como exige o artigo 662.º, n.º 1, do mesmo diploma, para que o Tribunal da Relação possa alterar a decisão da matéria de facto.
O Tribunal Recorrido decidiu de uma forma acertada quando considerou a referida factualidade, de acordo com a livre convicção que formou de toda a prova produzida.
Assim, tendo-se procedido a nova análise da prova, ponderando, de uma forma conjunta e conjugada e com base em regras de experiência comum, os meios de prova produzidos, que não foram validamente contraditados por quaisquer outros meios de prova, pode este Tribunal concluir que o juízo fáctico efetuado pelo Tribunal de 1ª Instância, no que concerne a esta matéria de facto, se mostra conforme com a prova, de livre apreciação, produzida, não se vislumbrando qualquer razão para proceder à alteração do ali decidido, que se mantém, na íntegra.
E, na verdade, não obstante as críticas que são dirigidas pelo Recorrente, não se vislumbra, à luz dos meios de prova invocados qualquer erro ao nível da apreciação ou valoração da prova produzida – sujeita à livre convicção do julgador –, à luz das regras da experiência, da lógica ou da ciência, bem não tendo sido considerada provada, por se verificar falta de prova, a matéria em causa, na parte impugnada. Nenhuma prova, minimamente credível e segura, foi feita no sentido de efetivamente, os mesmos se verificarem.
A convicção do julgador para as respostas negativas tem, a nosso ver, apoio nos ditos meios de prova produzidos e na ausência de prova que permita fundar resposta diversa, sendo, portanto, de manter a factualidade tal como decidido pelo tribunal recorrido, não sendo de aderir ao mero convencimento subjetivo do Réu apelante.
Não resultando erros de julgamento, antes convicção livre e adequadamente formada pelo julgador (ante a prova prestada perante si e, por isso, com oralidade e imediação), tem de se concluir pela improcedência da apelação, nesta parte.
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2ª. Da reapreciação da decisão de mérito:
2.1- Da verificação dos pressupostos determinativos da atribuição de alimentos à autora, a suportar pelo réu, na qualidade de ex-cônjuge daquela e, em caso afirmativo, em que medida.

Bem considerou o Tribunal a quo e dependendo o pedido de alteração do decidido na sentença proferida nos autos, no que à interpretação e aplicação do direito respeita, da prévia procedência da impugnação da decisão sobre a matéria de facto, não tendo o apelante logrado impugnar, com sucesso, tal matéria, que assim se mantém inalterada, fica, necessariamente, prejudicado o seu conhecimento, o que aqui se declara, nos termos do nº2, do art. 608º, aplicável ex vi parte final, do nº2, do art. 663º e do nº 6, deste artigo.
Sempre se dirá, contudo, que, como se decidiu no Ac. da RG de 30/5/2018, proc. 5713/15.0T8GMR.G1, em que a ora relatora interveio como adjunta “Com a atual redação dos nºs 1 a 3 do art. 2016º e 2016º-A, do C. Civil, introduzida pela Lei n.º 61/2008, de 31.10, o princípio geral, em matéria de alimentos entre ex-cônjuges, após o divórcio ou a separação judicial de pessoas e bens, que decorre da sequência dispositiva do art. 2016º, do CC, é o do seu carácter excecional, temporário e de natureza subsidiária, com base na nova regra de que “cada cônjuge deve prover à sua subsistência”, sendo que “Neste novo modelo, o referido direito depende da verificação dos pressupostos gerais da “necessidade” e da “possibilidade” enunciados no art. 2004.º do C. Civil (sendo que o primeiro, como decorre expressamente do texto do n.º 3 do art. 2016.º-A do C. Civil, já não é aferido pelo estilo de vida dos cônjuges durante a relação matrimonial) e deve cingir-se ao indispensável para o sustento, habitação e vestuário (art. 2003.º, n.º 1, do C. Civil), não se verificando, contudo, se “razões manifestas de equidade” levarem a negá-lo”. E mais aí se afirma “Mesmo não conseguindo manter o padrão de vida que possuía em sede de comunhão conjugal, basta que o ex-cônjuge tenha possibilidade ou capacidade para adquirir meios de subsistência, para que não haja lugar à fixação de alimentos a seu favor, por falta de verificação do requisito da “necessidade” de alimentos”.[5].
Com efeito, aí se considerou, o que relevo tem para a disciplina do caso:
“Nos termos do disposto no art. 2009º, n.º 1, al. a), do C. Civil, estão vinculados à prestação de alimentos, que compreende tudo o que é indispensável ao sustento, habitação e vestuário (art. 2003º, n.º 1, do C. Civil), entre outros, o cônjuge ou o ex-cônjuge.
O direito a alimentos pode ser pedido a qualquer momento, desde que se verifiquem os requisitos de que depende a sua fixação, isto é: a) a necessidade de alimentos do alimentando; e b) a possibilidade do obrigado a alimentos em prestar alimentos.
A medida dos alimentos é estabelecida, conforme dispõe o art. 2004º, do C. Civil, em função dos meios daquele que houver de prestá-los e da necessidade daquele que houver de recebê-los e atender-se-á à possibilidade de o alimentando prover à sua subsistência.
No que se refere a alimentos entre cônjuges ou ex-cônjuges explicita o atual art. 2016º-A, n.º 1, do C. Civil (emergente do art. 2º da Lei n.º 61/2008, de 31.10), que: “Na fixação do montante dos alimentos deve o tribunal tomar em conta a duração do casamento, a colaboração prestada à economia do casal, a idade e estado de saúde dos cônjuges, as suas qualificações profissionais e possibilidades de emprego, o tempo que terão de dedicar, eventualmente, à criação de filhos comuns, os seus rendimentos e proventos, um novo casamento ou união de facto e, de modo geral, todas as circunstâncias que influam sobre as necessidades do cônjuge que recebe os alimentos e as possibilidades do quem os presta.”
Porém, de acordo com o disposto no art. 2016º, n.º 1, do C. Civil, (na redação introduzida pela citada Lei n.º 61/2008, de 31.10) “cada cônjuge deve prover à sua subsistência, depois do divórcio.”; sendo certo que, “por razões manifestas de equidade, o direito a alimentos pode ser negado” (art. 2016º, n.º 3, do C. Civil).
De igual modo, resulta expresso do n.º 3 do mesmo art. 2016º-A, do C. Civil, que: “O cônjuge credor não tem o direito de exigir a manutenção do padrão de vida de que beneficiou na constância do matrimónio (sublinhámos).
Daqui resulta que, mesmo não conseguindo manter o padrão de vida que possuía em sede de comunhão conjugal, basta que o ex-cônjuge tenha possibilidade ou capacidade para adquirir meios de subsistência, para que não haja lugar à fixação de alimentos a seu favor, por falta de verificação do requisito de “necessidade” de alimentos do alimentando.
Diogo Leite de Campos[6], criticando alguma jurisprudência de então, já defendia, neste particular, que “o dever de alimentos não significa que um dos cônjuges se vá transformar vitaliciamente em pensionista do outro.
(…) O dever de alimentos deve durar só durante um curto período transitório. Durante o período necessário para a adaptação do ex-cônjuge mais necessitado, a uma vida economicamente independente, em que é da sua responsabilidade a angariação dos meios necessários à sua subsistência.
Nesta medida, na sequência das alterações introduzidas pela citada Lei n.º 61/2008, de 31.10, a maioria da nossa jurisprudência vem sufragando o entendimento de que, com a atual redação dos nºs 1 a 3 do art. 2016º e 2016º-A, do C. Civil, o princípio geral, em matéria de alimentos entre ex-cônjuges, após o divórcio ou a separação judicial de pessoas e bens, que decorre da sequência dispositiva do art. 2016º, do C. Civil, é o do seu carácter excecional, temporário e de natureza subsidiária, com base na regra de que “cada cônjuge deve prover à sua subsistência”.
Neste particular, salienta-se o Ac. STJ de 27.04.2017[7] cujo sumário consta, designadamente, que:
A Lei n.º 61/2008, de 31-10 – inspirada nos Princípios de Direito da Família Europeu Relativos a Divórcio e Alimentos entre ex-cônjuges publicados em 2004 – veio introduzir alterações significativas no regime dos alimentos entre ex-cônjuges no seguimento de divórcio, tendo esse direito passado a ter cariz excepcional.
Ao ter optado, claramente, por aderir ao princípio da auto-suficiência, o legislador passou a conferir ao direito a alimentos entre ex-cônjuges carácter temporário e natureza subsidiária, características estas que estão bem evidenciadas no art. 2016.º do CC.
Neste novo modelo – associado, em grande medida, ao divórcio desligado do conceito de culpa – o referido direito depende apenas da verificação dos pressupostos gerais da necessidade e da possibilidade enunciados no art. 2004.º do CC (sendo que o primeiro, como decorre expressamente do texto do n.º 3 do art. 2016.º-A do CC, já não é aferido pelo estilo de vida dos cônjuges durante a relação matrimonial) e deve cingir-se ao indispensável para o sustento, habitação e vestuário (art. 2003.º, n.º 1, do CC), não se verificando, contudo, se “razões manifestas de equidade” levarem a negá-lo.”[8]
Sendo assim, a principal questão em presença é a de saber se a ré recorrente está impossibilitada ou tem grave dificuldade, total ou parcial, de prover à sua subsistência, seja com os seus bens pessoais seja com o seu trabalho; situação a aferir pelo rendimento produzido pelo património, pelo rendimento de capital e pela sua capacidade de trabalho.
Só assim lhe assiste o direito a alimentos a suportar pelo seu ex-cônjuge, sendo certo que os necessários pressupostos legais terão que ser provados pela ré, por querer beneficiar do mesmo direito (arts. 342º, n.º 1 e 2004º, do C. Civil)”.
No caso, provada se encontra a impossibilidade da Autora de trabalhar e de prover à sua própria subsistência, não dispondo de rendimentos de património, designadamente de capital, nem de trabalho e, além da necessidade da Autora, demonstrada ficou a possibilidade do Réu, bem tendo o Tribunal a quo fixado, por as regras da equidade assim o reclamarem, os alimentos definitivos na importância mencionada.
Vejamos, mais em pormenor, o decidido, a manter dada a confirmação da decisão de facto e a autora ter logrado provar os factos constitutivos do seu direito a alimentos, como fundamenta, e bem, o Tribunal a quo.
Seguindo o Ac. TR Lisboa, de 11 de dezembro de 2019, proc. n.º 21/19.0T8AMD.L1-7, publicado em www.dgsi.pt, julgou o Tribunal a quo adequado e equitativo fixar, a título de alimentos a cargo do réu e a favor da autora, a quantia de 280,00 €, considerando:
“Depois do divórcio, cada cônjuge deve prover à sua subsistência – cfr. artigo 2016º/1 do Código Civil. Sem prejuízo do direito que pode ter a alimentos e do dever que pode ter de os prestar nos termos gerais, regulados nos artigos 2003º a 2014º do Código Civil, com as especificidades relativas ao montante, previstas no artigo 2016º-A do mesmo diploma legal. Assim será, independentemente do tipo de divórcio, cfr. artigo 2016º/2 do Código Civil.
A Lei n.º 61/2008, de 31 de Outubro, passou a atribuir cariz excepcional ao direito de alimentos entre cônjuges, sendo esta uma das principais mudanças introduzidas no campo dos efeitos do divórcio. O legislador optou por aderir ao chamado princípio da auto-suficiência, conferindo, como regra, ao direito a alimentos entre ex-cônjuges carácter temporário e subsidiário. As identificadas características estão bem evidenciadas no artigo 2016º do Código Civil, ao estabelecer que cada cônjuge deve prover à sua subsistência depois do divórcio, sem prejuízo de qualquer dos cônjuges poder ter direito a alimentos, independentemente do tipo de divórcio, verificados os gerais requisitos.
Este novo modelo reconhece ao cônjuge economicamente dependente um direito a alimentos menos intenso do que aquele que lhe era conferido no sistema de divórcio por violação culposa dos deveres conjugais (MARIA JOÃO TOMÉ, «Algumas reflexões sobre a obrigação de compensação e a obrigação de alimentos entre ex-cônjuges», Estudos em Homenagem ao Prof. Heinrich Hörster, 2012, Almedina, página 445).
O dever de solidariedade pós-conjugal na vertente do direito a alimentos não se verificará sequer se «razões manifestas de equidade» levarem a negá-lo (n.º 3, do artigo 2016º, do Código Civil).
O legislador não definiu o conceito desta «cláusula de equidade negativa», tendo optado por uma cláusula geral a concretizar casuisticamente pelo julgador por forma a abranger situações tão diversas que a sua previsão não lograria esgotar.
Segundo RITA LOBO XAVIER, “só poderá tratar-se de situações ligadas à conduta do ex-cônjuge necessitado, semelhantes às que a lei já refere para a cessação da obrigação alimentar, em geral, na alínea c), do artigo 2013º, e, em particular, na parte final do artigo 2019º: quando o credor violar gravemente os seus deveres para com o obrigado, ou quando se tornar indigno do benefício pelo seu comportamento moral” (Recentes alterações ao regime jurídico do divórcio e das responsabilidades parentais, 2009, Almedina, página 44). Razões associadas ao posterior comportamento do ex-cônjuge, como por exemplo, colocar-se deliberadamente numa posição de carência ou não diligenciar activamente pela sua auto-suficiência, podendo e devendo fazê-lo, querendo onerar o outro, apesar da sua aptidão para prover com autonomia à obtenção de meios para satisfação das suas necessidades, são susceptíveis de se reconduzir à referida «cláusula de equidade negativa»”.
Olhando às circunstâncias do caso - à idade da autora (que nasceu a .../.../1950, 72 anos de idade), às habilitações (apenas o 4º ano do ensino primário), à falta de qualificações profissionais (não trabalha desde a data do casamento, a 21 de Fevereiro de 1971) e ao seu estado de saúde (com os seguintes problemas de saúde ativos: síndrome depressivo de longa duração com componente ansioso relevante; síndrome de ombro doloroso com limitação funcional do membro superior direito; espondilodiscartrose cervical responsável por dor cervical ou membros superiores; hipertensão arterial com repercussão cardíaca, nomeadamente cansaço fácil e dor anginosa em esforço; hipotiroidismo com nódulo tiroideu; os problemas referidos limitam a capacidade para a execução de atividade física intensa ou moderada) - bem concluiu o Tribunal a quo não ter a Autora possibilidade de obter emprego ou de ingressar em atividade rentável, não sendo previsível que venha a ter essa possibilidade no futuro, pois que a idade, já septuagenária, vai continuar a avançar e os problemas de saúde a sofrer agravamento.
Mais se considerou que, provindo o sustento da família na vigência do casamento – de cinquenta anos de duração - do réu, beneficiou este dos cuidados que a autora prestou à casa, …, fosse para os filhos (enquanto esteve emigrado) fosse para ele mesmo quando em Portugal, residindo com a Autora na casa que era dos pais desta, bem justificando as regras da equidade seja fixado um quantum de alimentos já que o que a Autora recebe de pensão de velhice não é suficiente para fazer face às necessidades de alimentação, vestuário, higiene e saúde (médicas e medicamentosas), para não falar de transportes, de qualquer pessoa, por mais módica que seja (o que o Réu bem pode perceber, avaliando pelos seus próprios gastos, sendo a Autora uma pessoa como ele, e, por isso, com os normais gastos essenciais comuns a todo o ser humano), e atendendo ao normal custo dos produtos, dos bens e dos serviços, patente sendo que bem necessita, para sobreviver com o mínimo de dignidade, do quantum fixado, mais a mais, atento o seu estado de saúde.
Presentemente, conforme se fundamenta na sentença, tem a Autora:
“Despesas comuns e correntes de subsistência, com alimentação, água, gás, electricidade, televisão e telefone - no mês de Setembro de 2021 gastou € 15,21 com despesas de água; € 61,90 com despesas de electricidade; € 24,00 com gás; no mês de Outubro de 2021 pagou € 11,49 com a MEO e € 13,19 com a VODAFONE;
Despesas medicamentosas em montante médio mensal que, em concreto, não foi possível apurar, sendo que no mês de Setembro de 2021 gastou, a este título, € 64,97, destes € 20,40 sujeitos a ulterior comparticipação;
Cria animais, nomeadamente galinhas, e cultiva vegetais, para consumo próprio, com os gastos inerentes cujo montante mensal se cifra em cerca de € 14,90.
Em termos de rendimentos, a autora começou a auferir pensão de invalidez, que posteriormente foi convolada em velhice, com 29 anos de idade, e, actualmente, é titular de uma pensão mensal de velhice do Centro Nacional de Pensões no valor líquido de € 299,97. Não lhe são conhecidos outros rendimentos. Desde o circunstancialismo de tempo em que o réu deixou de contribuir para o sustento da economia doméstica do casal, a autora recebe a ajuda financeira do seu filho FF e de vizinhos para assegurar a sua subsistência ou para custear despesas de saúde”.
E “As despesas apuradas do réu são as seguintes:
Desde o dia 1 de Agosto de 2020, depois de ter residido durante algum tempo em casa de um dos filhos, o réu reside em casa tomada de arrendamento a terceiro, pela qual paga a renda mensal de € 200,00 (duzentos euros);
Despesas comuns e correntes de subsistência, com alimentação, água, gás, electricidade, televisão, telefone, seguro (€ 166,33 anuais), inspecção automóvel (€ 31,49) e IUC (€ 18,42 anuais). No mês de Outubro de 2021, o réu gastou € 38,14 com despesas de água, no mês de Novembro de 2021 gastou € 20,38 de electricidade e € 25,00 em gás;
Despende montante mensal variável em combustível, numa média aproximada de cerca de € 38,00, para assegurar as suas deslocações para tomar as refeições, ir ao supermercado e a consultas médicas, já que sofre de dificuldades de locomoção;
Gasta € 24,00 com a quota anual da Associação de Socorros Mútuos...;
· Tem uma média aproximada de cerca de € 41,00 a título de despesas medicamentosas;
· O réu almoça diariamente num restaurante, o denominado “prato do dia” com um custo de € 5,50, sendo o jantar efectuado ou no mesmo restaurante ou em casa;
· O réu paga mensalmente os serviços de limpeza com a sua casa e de prestação de cuidados à sua roupa (lavar e passar a ferro), num valor total de cerca de € 125,00 mensais.
Em termos de rendimentos, o réu aufere, mensalmente, o montante de € 687,92 a título de reforma de Portugal e o montante de € 458,00 a título de reforma da Alemanha, não havendo notícia nos autos de rendimentos de outra natureza”.
Concluiu o Tribunal a quo pela necessidade da Autora de que lhe sejam prestados alimentos pelo seu ex-cônjuge (art. 2009º, nº1, al. a), do Código Civil, e pela possibilidade deste de lhos prestar, no quantum supra referido (280€/mês), fundamentando:
O artigo 2016º-A/1 do Código Civil prescreve que na fixação do montante dos alimentos deve o tribunal tomar em conta a duração do casamento, a colaboração prestada à economia do casal, a idade e estado de saúde dos cônjuges, as suas qualificações profissionais e possibilidades de emprego, o tempo que terão de dedicar, eventualmente, à criação de filhos comuns, os seus rendimentos e proventos, um novo casamento ou união de facto e, de modo geral, todas as circunstâncias que influam sobre as necessidades do cônjuge que recebe os alimentos e as possibilidades do quem os presta.
Desligando-se do conceito de culpa, o direito a alimentos entre ex-cônjuges depende apenas da verificação dos pressupostos gerais da necessidade e da possibilidade enunciados no artigo 2004º do Código Civil:
1- Os alimentos serão proporcionados aos meios daquele que houver de prestá-los e à necessidade daquele que houver de recebê-los.
2- Na fixação dos alimentos atender-se-á, outrossim, à possibilidade de o alimentando prover à sua subsistência.
O conceito de necessidade está longe da manutenção do estilo de vida dos cônjuges durante a relação matrimonial, como decorre expressamente do texto do n.º 3, do artigo 2016º-A, do Código Civil, ao estabelecer que o cônjuge credor não tem direito de exigir a manutenção do padrão de vida de que beneficiou na constância do matrimónio.
A obrigação de prestar alimentos deve cingir-se ao indispensável para o sustento, habitação e vestuário (artigo 2003º, n.º 1, do Código Civil), procurando assegurar uma existência digna ao cônjuge economicamente carenciado depois da ruptura do vínculo do casamento, mas sem ter por finalidade proporcionar-lhe um nível de vida equiparado ou sequer aproximado ao que tinha na vigência da comunhão conjugal.
Afastou-se, inequivocamente, a possibilidade de o cônjuge carecido de alimentos vir a usufruir posição idêntica, do ponto de vista financeiro, àquela de que desfrutaria se o casamento não tivesse sido dissolvido”.
Neste conspecto, ponderando as circunstâncias do caso, as concretas caraterísticas do casamento de Autora e Réu, os rendimentos e despesas e os valores considerados razoáveis para assegurar uma existência digna no contexto dos rendimentos existentes, tendo ainda em conta que o réu tem de pagar a renda de um local onde viver (renda suscetível de aumento perante o contexto económico atual) e que a autora, contrariamente ao réu, pode criar, como cria, animais, nomeadamente galinhas, e cultivar, como cultiva, vegetais, para consumo próprio, embora com os gastos inerentes (cujo montante mensal se cifra em cerca de € 14,90 para os animais, necessariamente inferior ao custo da sua aquisição em estabelecimentos comerciais), julga-se, efetivamente, adequado e equitativo fixar a quantia mensal de € 280,00 (duzentos e oitenta euros), a título de alimentos a cargo do réu e a favor da autora.
Bem concluiu o Tribunal a quo pela verificação dos pressupostos de que depende a fixação de alimentos pelo ex-cônjuge a favor da Autora, pois que bem resultou que a mesma não tem possibilidade nem capacidade para adquirir meios de subsistência, verificando-se os pressupostos gerais da “necessidade” da Autora e da “possibilidade” do Réu, enunciados no art. 2004.º do C. Civil, e inexistem “razões manifestas de equidade” que devam conduzir à sua negação. Ao invés a equidade justifica a sua fixação, sempre tendo a Autora contribuído com o seu trabalho, embora não remunerado, e, mesmo, com a sua pensão, que recebe desde os seus 29 anos de idade, primeiro de invalidez e, posteriormente, de velhice e com imóvel de seus pais, que foi, sempre, a casa de morada de família, não podendo o Réu deixar de lhe prestar o que falta e é indispensável para assegurar o seu sustento (art. 2003.º, n.º 1, do C. Civil), bem tendo o quantum a tal essencial sido fixado em 280,00€.
Tendo a ex-cônjuge, requerente, logrado fazer prova da sua impossibilidade de trabalhar e de prover à sua subsistência, meramente tendo rendimento que sequer atinge 300€, resulta provado o pressuposto da “necessidade” de alimentos por parte daquela, verificando-se, também, o da “possibilidade” do outro ex-cônjuge, que recebe pensões que ascendem, mensalmente, a quase 1150€, tendo os gastos supra referidos, de prestar 280,00€ de alimentos, bem o tendo fixado o Tribunal a quo, num juízo de equidade, que este Tribunal mantém.
Improcedem, por conseguinte, as conclusões da apelação, não ocorrendo a violação de qualquer dos normativos invocados pelo apelante, devendo, por isso, a decisão recorrida ser mantida.
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III. DECISÃO
Pelos fundamentos expostos, os Juízes do Tribunal da Relação do Porto acordam em julgar a apelação improcedente e, em consequência, confirmam, integralmente, a decisão recorrida.
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Custas pelo apelante, pois que ficou vencido – art. 527º, nº1 e 2, do CPC.


Porto, 26 de junho de 2023
Assinado eletronicamente pelos Juízes Desembargadores
Eugénia Cunha
Teresa Fonseca
Fátima Andrade
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[1] Ac. RC de 3 de outubro de 2000 e 3 de junho de 2003, CJ, anos XXV, 4º, pág. 28 e XXVIII 3º, pág. 26.
[2] Teixeira de Sousa, Estudos Sobre o Novo Processo Civil, pág. 348.
[3] Lebre de Freitas, Código de Processo Civil, vol II, Almedina, pag.635.
[4] Ac. RP de 19/9/2000, CJ, 2000, 4º, 186 e Apelação Proc. nº 5453/06.3.
[5] Ac. da RG. de 30/5/2018, proc. 5713/15.0T8GMR.G1, Relator: António José Saúde Barroca Penha, acessível in dgsi.pt.
[6] Lições de Direito da Família e das Sucessões, 2ª edição, 2001, págs. 310-312.
[7] Proc. n.º 1412/14.8T8VNG.P1.S1, relatora Maria da Graça Trigo, disponível em www.dgsi.pt.
[8] No mesmo sentido, cfr., por todos, Ac. STJ de 23.10.2012, proc. n.º 320/10.6TBTMR.C1.S1, relator Hélder Roque; Ac. STJ de 20.02.2014, proc. n.º 141/10.6TMSTB.E1.S1, relator Granja da Fonseca; Ac. STJ de 03.03.2016, proc. n.º 2836/13.3TBCSC.L1.S1, relatora Fernanda Isabel Pereira; Ac. RG de 12.09.2013, proc. n.º 228/11.8TMBRG.G1, relator José Estelita de Mendonça; Ac. RP de 15.09.2011, proc. n.º 11425/08.3TBVNG.P1, relator Filipe Caroço; Ac. RC de 17.04.2012, proc. n.º 320/10.6TBTMR.C1, relatora Sílvia Pires; e Ac. RL de 17.09.2013, proc. n.º 13588/13.7T28NT-1, relator Afonso Henrique, todos acessíveis em www.dgsi.pt.