Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
5660/20.3T8PRT.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: CARLOS PORTELA
Descritores: CONTRATO-PROMESSA DE COMPRA E VENDA
ERRO-VÍCIO
ESSENCIALIDADE DO ERRO
ANULAÇÃO DO NEGÓCIO
Nº do Documento: RP202306155660/20.3T8PRT.P1
Data do Acordão: 06/15/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Indicações Eventuais: 3. ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - O erro-vício consiste na ignorância (falta da representação exacta) ou numa falsa ideia (representação inexacta), por parte do declarante, acerca de qualquer circunstância de facto ou de direito que foi decisiva na formação da sua vontade, por tal maneira que se ele conhecesse o verdadeiro estado das coisas não teria querido o negócio, ou pelo menos não o teria querido nos precisos termos em que o concluiu.
II - O contrato promessa pode ser anulado por erro sobre o objecto do negócio, se o declaratário conhecia ou devia conhecer a essencialidade para o declarante do elemento sobre que incidiu o erro
III - Prometendo-se vender um imóvel que, na perspectiva do promitente-vendedor, conhecida do promitente-comprador e documentalmente confirmada, tem uma área de 35,46 m2, está a declaração negocial do promitente-vendedor ferida de erro sobre o objecto – de erro sobre uma qualidade/elemento identitário do terreno, que se prefigura como relevante/influente para a determinação do seu valor – quando se vem apurar que o mesmo tem na realidade a área útil de 26,47 m2.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Apelação nº 5660/20.3T8PRT.P1
Tribunal recorrido: Tribunal Judicial da Comarca do Porto
Juízo Local Cível do Porto

Relator: Carlos Portela
Adjuntos: António Paulo Vasconcelos
Judite Pires



Acordam na 3ª Secção do Tribunal da Relação do Porto


I. Relatório:
A..., Lda. veio intentar a presente acção declarativa com processo comum contra AA na qual pede que seja declarado anulado o contrato promessa de compra e venda celebrado entre a Autora e a Ré e se condene a Ré a pagar à Autora a quantia de €25.000, que foi paga a título de sinal, acrescida de juros de mora vencidos e vincendos, contados até efectivo e integral pagamento.
Após contestação da Ré os autos prosseguiram os seus termos processuais, realizando-se a final a audiência de discussão e julgamento no culminar da qual foi proferida sentença onde se julgou a acção provada e procedente, condenando-se a Ré AA a pagar à Autora A..., Lda. a quantia de € 25.000 (vinte e cinco mil euros), acrescida de juros de mora contados desde 4 Abril de 2019 até efectivo e integral pagamento, sendo os juros devidos à taxa legal que em cada momento vigorar, através da portaria prevista no artigo 559º do Código Civil.
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A Ré veio interpor recurso desta decisão, apresentando desde logo e nos termos legalmente prescritos as suas alegações.
A Autora contra alegou e formulou um “pedido subsidiário de ampliação do objecto do recurso.”
Foi proferido despacho onde se considerou o recurso tempestivo e legal e se admitiu o mesmo como sendo de apelação, com subida imediata, nos autos e efeito meramente devolutivo.
Recebido o processo nesta Relação emitiu-se despacho onde se teve o recurso como o próprio, tempestivamente interposto e admitido com efeito e modo de subida adequados.
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
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II. Enquadramento de facto e de direito:
Ao presente recurso são aplicáveis as regras processuais da Lei nº41/2013 de 26 de Junho.
É consabido que o objecto do recurso, sem prejuízo das questões que sejam de conhecimento oficioso obrigatório, está definido pelo conteúdo das conclusões vertidas pela ré/apelante nas suas alegações (cf. artigos 608º, nº2. 635º, nº4 e 639º, nº1 do CPC).
E é o seguinte o teor dessas conclusões:
1 – A Recorrente não se conforma com a sentença proferida, por um lado, por considerar que a matéria de facto provada foi incorrectamente julgada, houve factos que foram alegados pelas partes e não foram julgados provados por erro na apreciação da prova e omissão de pronúncia e por outro lado, não existiu correcta aplicação do Direito.
2 – Quanto à seguinte matéria de facto, considera a Recorrente que são essenciais para a descoberta da verdade e boa decisão da causa, uma vez que constituem aspectos determinantes sobre a forma como decorreu a negociação e foi celebrado o contrato promessa de compra e venda, seu aditamento e estipulação do preço, bem como, são essenciais para apurar o conhecimento que a Recorrente detinha quanto à área da fracção, concretamente os seguintes factos alegados pela Ré e que não mereceram pronúncia expressa de julgamento pelo Tribunal a quo: artigos 21º, 25º, 26º, 31º, 48º, 49º, 50º, 51º, 57º, 61º, 70º, 71º, 72º, 73º, 77º, 79º, 80º, 81º, 82º, 83º, 84º, 85º, 87º, 91º, 94º da contestação.
3 - O não conhecimento e omissão de pronúncia sobre o julgamento de tais factos constitui nos termos da al. d), do nº1 do artigo 615º do CPC nulidade, a qual se argui para os devidos e legais efeitos e requer seja declarada.
4 – Entende a Recorrente que tais factos deveriam ter sido considerados todos provados, concretamente os factos alegados nos artigos 21º, 24º, 25º, 26º, 49º, 50º, 51º, 57º, 65º, 70º, 77º, 79º, 81º, 82º alegados na contestação.
5 – Com efeito, impunha-se ao Tribunal a quo considerar provados tais factos, considerando os seguintes meios de prova:
- Documento 1 da PI;
- Documentos 4 e 5 da contestação;
- Declarações de parte da Ré;
- Testemunhas BB, CC e DD;
Acresce que,
6 - A Recorrente entende que foram incorrectamente julgados provados os pontos 6º), 8º), 9º), 10º), 13º), 28º) e 34º) da matéria de facto que consta da douta sentença recorrida, os quais deveriam ser considerados não provados.
Concretamente,
7 - O documento nº2 junto com a petição, o documento nº7 apresentado com a contestação, depoimento da testemunha BB, o depoimento da testemunha EE em conjugação com o documento nº3 junto com a petição inicial, as claras divergências das medições constantes da perícia realizada com as áreas constantes da medição indicada no documento nº3 junto pela Autora, o depoimento da testemunha DD, o documento nº8 junto pela Recorrente na contestação, a certidão predial e a caderneta predial da fracção em causa nos autos, bem como, a total ausência de prova sobre tal matéria, impunham decisão diversa da recorrida, pelo que deveriam tais pontos de facto serem considerados não provados.
Sem prescindir, caso assim não se entenda,
8 – Deverão, relativamente aos referidos pontos da meteria de facto, apenas ser considerado provado que:
6º) no dia 20MAR2019, através de e-mail, a Autora enviou um e-mail à Mandatária da ré, FF, acusando a recepção do seu e-mail com o agendamento da outorga do contrato de compra e venda por documento particular autenticado para o dia 25 de Março de 2019, pelas 11h., no seu escritório sito na r. de ..., ... andar, no Porto.
8º) Entretanto o representante legal da Autora foi visitar pela primeira vez o imóvel.
28º) Atenta a falta de iniciativa da autora em interpelar a ré para a marcação da escritura de compra e venda, tomou a Ré iniciativa de proceder à interpelação da autora, tendo para o efeito enviado carta com aviso de recepção datada de 01.03.2019
34º) Na certidão permanente da conservatória do registo predial e na caderneta predial urbana consta que a área da fracção tem área bruta privativa de 34,46m2”, como impõe a prova produzida.
9 - Inexiste qualquer valor legal ou conotação legalmente valida decorrente da expressão área real de determinada fracção.
10 - Igualmente, no que respeita à impugnação do ponto 10º provado, o douto Tribunal Recorrido, nele dá igualmente como provado, em esclarecimento e resposta explicativa, os resultados da medição alcançada pela perícia realizada nos autos, por forma a suportar um facto que não foi alegado pela Autora, pois que, a mesma nos seus articulados não alegou qualquer medida em concreto de área útil, nem de área bruta e muito menos da área bruta dependente.
Acresce ainda que,
11 - Entende, assim, a Recorrente que existe incorrecta aplicação na lei na inclusão pelo douto Tribunal Recorrido do resultado aferido na perícia quanto à medição das áreas da fracção prometida vender como esclarecimento ou resposta explicativa, por violação do princípio do contraditório e boa-fé processual, o que constitui nulidade processual de prolação de decisão surpresa, nulidade que se argui para os devidos e legais efeitos.
12 - Bem assim, um erro notório na apreciação da matéria de facto provada por excesso de pronúncia pela utilização que foi dada à referida prova pericial no sentido de a mesma suportar a demonstração do facto em que assenta o vício erro em discussão, a área da fracção ou discrepância área que não foi alegada pela Autora, a quem incumbia a sua prova, como decorre do artigo 5º, nº1 do CPC.
Da subsunção dos Factos ao Direito
13 - Julgando procedente a alteração da matéria de facto conforme pugna a Recorrente, impõe-se necessariamente a absolvição da Ré.
De todo o modo e sem conceder,
14 - ainda que assim não se entenda, também face à matéria de facto provada impunha-se decisão e enquadramento diverso do que resultou da sentença recorrida, fazendo igualmente improceder o pedido formulado pela Autora.
15 - Uma vez que, o quadro factual proposto na acção é o de um vicio na formação da vontade da Autora, importava por conseguinte averiguar se a Autora provou a existência de erro, na modalidade de erro-vicio, sendo que este, a existir, foi um erro que incidiu sobre o objecto do negócio, nos termos constantes dos artigos 251º e 247º do Código Civil.
16 - Para fundamentar a existência de erro sobre o objecto refugiou-se a douta sentença recorrida remetendo para a fundamentação ínsita no Acórdão da Relação de Coimbra de 14.12.2010, Processo 3973/05.3TBLRA.C1, in www.dgsi.pt
17 - Ora, contrariamente ao que refere o douto Tribunal Recorrido não alcança a Recorrente qualquer semelhança entre os factos em apreciação no referido Acórdão e os factos em discussão nos presentes autos.
18 - O douto Tribunal Recorrido a propósito da existência de erro sobre o objecto e seus pressupostos limita-se a referir: “No caso dos autos, ficou demonstrado que o imóvel objecto do contrato promessa de compra e venda possui 26,47m2 como área útil e 33,82m2 como área bruta total ao passo que nos documentos oficiais surge a área de 35,46m2 (pontos 10) e 34) dos factos provados)”.
19 - Mais referindo, que “E ficou ainda demonstrado que a Autora, com base nessa discrepância, comunicou à Ré que pretendia a anulação do contrato promessa de compra e venda que havia sido celebrado, tendo exigido a devolução em singelo do montante que havia pago a título de sinal e princípio de pagamento, ou seja, €25.000. Cabe aqui um parêntesis para referir que a discrepância de área ascende a 28,5%, pelo que não se pode considerar juridicamente inócua ou irrelevante”.
19 - Cumpre lembrar o que a Autora na sua petição inicial alega no vertido no seu artigo 4. e 16.:“4. Tanto através do anúncio que publicitava a venda do imóvel, como durante a negociação prévia à celebração do contrato promessa, a Ré comunicou à Autora que a fracção (T0) tinha uma área de 36m2, tendo entretanto a Ré verificado que a área constante da certidão do registo predial era de 35,46m2, pelo que foi com base nessa área que a autora formou a sua vontade de contratar e acordou o preço a pagar à Ré.”. Conforme resulta do vertido no artigo 4 da petição inicial., tendo todavia, o douto Tribunal recorrido dado como não provado tal matéria no ponto 1) dos factos não provados da douta sentença recorrida.
20 - Mais tendo alegado a Autora no artigo 16 da petição inicial que: “16. O levantamento topográfico realizado veio, efectivamente, a real da fracção prometida vender era, na verdade, de 26,47 m2 ou seja, menos 10 m2 que a área invocada pela Ré aquando das negociações havidas tendo em vista a celebração do CPCV”.
21 - Donde resulta, como é bom de ver, que não foi por base na discrepância indicada na fundamentação da sentença recorrida que a Autora comunicou à Ré que pretendia a anulação do contrato promessa de compra e venda que havia celebrado.
22 - Donde a base de divergência que a promessa foi entre a área bruta de 29,56m e a área de 35,46m2 de área bruta constante na caderneta predial da fracção facultada pela Ré.
23 - Pelo que, a essencialidade do erro apontado pela Autora é entre áreas brutas e não entre área bruta e útil, como faz corresponder erradamente o douto tribunal a quo.
24 - Acresce ainda dizer, que foi requerida perícia no âmbito dos presentes autos tendo por objecto saber qual a área real, área bruta e área útil da fracção, esclarecendo o Senhor Perito, a negrito no relatório pelo mesmo elaborado, que procedeu no dia da inspecção ao local, a medições e elaborou uma planta, com as áreas interiores da habitação (áreas uteis) e do exterior, apenas a área da varanda.
25 - Tendo resultado das medições efectuadas pelo perito, justificado parcialmente, a resposta contida ao ponto 10) dos factos provados.
27 - Sem prejuízo do alegado quanto ao ponto 10) provado, na impugnação da matéria de facto do presente recurso, isto é, quanto à duvida que se oferece a indicação na perícia quanto à área útil da fracção, quer ainda quanto à exactidão da aferição precisa da área bruta, sempre e em todo o caso se dirá, que a comparação de qualquer eventual divergência existente entre áreas, é apenas possível de se fazer quanto a áreas que são passiveis de ser comparáveis, ou seja, da área bruta privativa que se encontra mencionada na caderneta predial (35,46m2) e a área bruta total (33,82m2) indicada na perícia realizada nos autos.
28 - Não sendo possível, como faz o douto tribunal a quo, fazer-se a comparação de qualquer divergência entre área útil e área bruta da fracção, pois que correspondem a conceitos distintos, conforme decorre do artigo 67º, nº2 do RJEU.
29 - Certo é, tal área útil não consta em nenhum documento “oficial” ou legal da fracção que tenha sido entregue pela Ré.
30 - Pois que, quer da caderneta predial, quer da certidão predial não existe qualquer referência à área útil da fracção, mas tão somente à área bruta privativa de 35,46m2.
31- Posto isto, sem margem para quaisquer dúvidas, a conclusão a que se chega é a de que, da comparação entre a área bruta indicada na perícia (33,82m2) e a área bruta privativa indicada na caderneta predial e reflectida na certidão predial (35,46m2), a divergência apurada entre ambas as medições é de 1,64m2, isto é, de 4,62%.
32 - Valor percentual muito distante do valor indicado como discrepância de área de 28,5% pelo Meritíssimo Juiz a quo.
33 - O qual, evidentemente, por mero lapso, erroneamente comparou o valor indicado como área útil de 26,47m2 de acordo com a medição feita pelo gabinete contratado pela Autora, com a área bruta privativa que consta da caderneta predial.
34 - Divergência apurada como vimos ascende outrossim a 1,64m2, que se encontra dentro do tal mencionado desvio-padrão referido pela testemunha DD, e que explica a divergência entre o valor medido pela empresa B... de 35,46m2 e a encontrada pelo perito de 33,82m2.
35 - Tendo em consideração o depoimento da testemunha DD, Arquitecto que assinou o projecto de arquitectura e elaborou as plantas dúvidas não podem restar que não existe qualquer divergência de área, sendo a área bruta da fracção objecto do contrato promessa precisamente aquela que o Arq. DD, indicou de 35,46m2. Devendo o seu depoimento que sopesar sobre o resultado da medição apurada na perícia.
36 - Assim, ao abrigo do princípio da descoberta da verdade material, do princípio do contraditório e da livre apreciação da prova, deveria o douto tribunal a quo ter dado como provado que a área bruta da fracção prometida vender à Autora é de 35,46m2, princípio da livre apreciação das provas que se encontra consagrado no artigo 655º do C.P.C.
Sem prescindir,
37 - Em todo o caso, e para o caso de considerarem V. Exas. como provado que entre a área bruta constante da perícia e a constante da caderneta predial entregue pela Ré á mediadora BB existe divergência, a mesma sempre será do valor, já insistentemente reiterado, de 1,68m2, ou seja, uma divergência de área de 4,62%.
38 - Assim, o que está verdadeiramente em causa nos autos, é a promessa de uma compra e venda de uma fracção com uma eventual, mas não provada, simples divergência de área.
39 - A qual nos termos do regime da venda de coisas Determinadas previsto no artigo 888º do Código Civil não daria sequer lugar, por inferior a um vigésimo, a uma redução do preço ou aumento proporcional. Bem como, nos termos do artigo 28º-A do Código do Registo Predial não impediria a realização da escritura, por inferior a 10%.
40 - Da sentença recorrida não ficou provado que a Ré conhecia, ou pelo menos que não devia ignorar que para a Autora apenas fosse essencial para decidir adquirir a fracção esta ter a área de 35,46m2. Para que assim fosse, necessário era que a A. tivesse feito prova que a Ré, sabia ou devia saber constituir um elemento essencial para a A. a área de 35,46m2 da fracção.
41 - Bem como, não resulta dado como provado qualquer facto que demonstre a essencialidade do erro para o declarante, ou seja, não se provou que a Autora nunca teria celebrado o negócio se soubesse que a área bruta não era de 35,46m2, mas de 33,82m2, como resulta da perícia.
42 - Resultando de todo o acervo fáctico, designadamente, a falta de menção da área em m2 da fracção no contrato promessa e das qualidades pessoais e profissionais de cada uma das partes, precisamente o inverso.
43 - De modo, que atenta a reflexão e análise critica dos factos, é indiscutível a afirma Ré não sabia da alegada essencialidade da área para a Autora, pois que não teve contacto com a mesma, nem discutiu qualquer elemento do negócio que não o preço, Tal como, não conhecia qualquer alegada divergência de áreas, pois que nunca mediu o quadrados da sua fracção.
44 - Como consequência, entende a Recorrente não haver fundamento para devolução do sinal entregue à Ré, por não ter sido feita prova pela Autora dos pressupostos do erro sobre nos termos dos artigos 251º e 247º do código Civil, pelo que deve improceder a pretensão da Autora.
45 - O douto Tribunal Recorrido violou as normas dos Artigos 411.º, 413.º e 607.º do Código de Processo Civil, Artigo 251º e 247º do Código Civil, Artigo 40º do Código do IMI, Artigo 67º, nº2 do Regulamento Geral das Edificações Urbanas (RGEU) e Artigo 7º do código do Registo Predial.
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E é o seguinte o teor das conclusões das contra alegações da Autora:
1. Nos termos e ao abrigo do disposto no artigo 639º, n.º 1 do CPC, quando o apelante interpõe recurso fica automaticamente vinculado à observância de dois ónus: (i) O ónus de alegação, onde o apelante analisa e critica a decisão recorrida, levantando erros de facto e ou de direito, que, na sua perspectiva, enferma essa decisão; e (ii) o ónus de concisão ou de conclusão – que se traduz na necessidade de finalizar as alegações com a formulação sintética de conclusões, resuma ou condense os fundamentos pelos quais pretende que o tribunal ad quem modifique ou revogue a decisão proferida pelo tribunal a quo.
2. A mera repetição, nas conclusões, do que é dito na motivação, traduz-se em falta de conclusões, pois é igual a nada, repetir o que se disse antes na motivação – aliás, a Ré apresenta 205 conclusões!
3. Nos termos do n.º 2 al. b) do artigo 641.º do mesmo Código, a falta absoluta de alegações ou de conclusões gera o indeferimento do recurso, - Não estamos perante conclusões “deficientes, obscuras e complexas “, mas sim perante uma verdadeira ausência de conclusões, já que a mera reprodução integral do arrazoado do corpo das alegações para um outro capítulo intitulado de “conclusões“, traduz, do ponto de vista substancial, uma forma encapotada de omitir a total ausência de conclusões (com os efeitos do n.º 2, al. b), do artigo 641.º do CPC).
4. O douto Tribunal a quo goza do princípio da imediação, que se caracteriza pelo contacto pessoal entre o juiz e as diversas fontes de prova, isto é, existe uma relação de contacto directo, pessoal, entre o julgador e as pessoas cujas declarações valorou, com as coisas e documentos que serviram para fundamentar a decisão da matéria de facto, permitindo-lhe que se aperceba de todos os factos pertinentes para a resolução do litígio e uma valoração da prova expurgada, pelo menos tendencialmente, dos factores de falseamento e erro que as transmissões de conhecimento podem envolver – e foi nesse contexto que justificou, um a um, cada um dos factos provados, nomeadamente, referindo qual a prova testemunhal e documental que serviu de base para a comprovação de cada um dos pontos dados por provados.
5. A Autora formou a sua vontade de contratar, e acordou o preço a pagar à Ré, com base na área de cerca de 36 m2, concretamente, nos termos da certidão predial entretanto apresentada, de 35.46 m2 -calculando o preço por m2, apresentou a proposta – que veio a ser aceite pela Ré –, de Euros: 125.000,00.
6. A Ré não podia ignorar que a área foi fundamental na formação da vontade de contratar da Autora, a qual sabia, como confessou, que a Autora pretendia adquirir o imóvel numa mera perspectiva de investimento, sendo a área e o preço por m2 um factor determinante na decisão de contratar, com o intuito de revender – Aliás, sendo a área sempre um factor determinante na atribuição do preço, é ainda mais determinante em imóveis com tipologias pequenas, mormente um T0 (loft!) – em que a área é sempre um aspecto essencial do negócio.
7. Não é razoável ou comum que a diferença entre a área bruta e a área útil de um imóvel seja de 30%, nem é espectável que o comprador espere essa diferença – sendo este valor ainda mais importante quando falamos de um loft T0 com uma área real de 21m2 mais varanda.
8. Conforme resulta da perícia realizada nos presentes autos, a Área útil habitável era, na verdade: 21,90 + 3,15 = 25,05m2 – ou seja, quase 30% mais pequena que a área anunciada (se incluída a varanda, caso contrario, a diferença é ainda maior).
9. A área do imóvel torna-se tanto mais importante, quanto mais pequeno é o mesmo – tratando-se de um loft – T0, evidentemente, mais 10 m2 ou menos 10m2, é uma diferença extremamente relevante – e muito diferente, por exemplo, de haver uma diferença de 10 ou 15 m2 num T4 com 200 m2. Sendo que para a Autora, a área foi um factor determinante para formar a sua vontade de contratar e definir as condições negociais – é uma diferença de quase 30% da área, pelo que tampouco se pode invocar haver um engano, ou ser uma discrepância ligeira.
10. A diferença na área significava que o imóvel, na verdade, tinha um preço de cerca de Euros: 5.000,00 por m2, o que, a menos que se trate de um T0 no centro de Nova Iorque ou Londres, é um preço desproporcionado, fora dos preços do mercado, e com o qual é impossível fazer negócio numa revenda
11. A Autora sempre considerou por certo que a área do imóvel era a alegada área de 36 m2, pelo que o preço acordado correspondia a Euros: 3.472,22/m2.
12. No dia 22 de agosto de 2019, a Ré celebrou uma escritura de compra e venda através da qual vendou o imóvel a um terceiro, sem qualquer aviso prévio à Autora, sem qualquer devolução do sinal, ou justificação, pelo preço de Euros: 105.000,00 – ou seja, o preço efectivamente ajustado à área real do imóvel.
13. O erro, expressando ignorância de algo, atende ao desenvolvimento do fenómeno psíquico que conduz à declaração negocial, ou seja, à formação de uma decisão para a qual concorrem vários factores – a enorme divergência de áreas consideradas, refere-se ao sentido identitário expresso nas qualidades do próprio bem – não foi aquilo que se prometeu vender.
14. O Factor utilizado na avaliação de imóveis, por regra, segue as regras da determinação dos custos de construção, que tem por referência os montantes aplicados à habitação a custos controlados e rendas condicionadas, nos termos da Portaria 353/2013, que é anualmente actualizada, e define o preço da habitação p/ m2 de área útil.
15. Uma rápida consulta do idealista e do site portal INE demonstra que, actualmente, o preço médio do m2 naquela mesma União de freguesias ..., é de Euros: 3.500,00 / m2 – ou seja demonstrando ser razoável o preço por metro quadrado de Euros: 3.472,22/m2, caso o imóvel tivesse a área anunciada na conservatória – mas em 2018 até era 2.900,00.
16. A Autora não pretende obter um proveito indevido com o presente processo, nem mesmo incrementar o seu património, apenas peticionando a colocação na situação em que estaria caso o contrato promessa não tivesse sido celebrado – devolução em singelo, dos montantes pagos a título de sinal e princípio de pagamento.
17. A Autora não recebeu qualquer resposta à sua carta de anulação – nem mesmo dizendo não aceitar a anulação operada, interpelando, em alternativa, admonitoriamente a Autora para o cumprimento – A carta que foi alegadamente enviada a 16 de Abril 2019 nunca foi recebida, não tendo sido produzida qualquer prova nesse sentido (não é junto sequer qualquer aviso de recepção assinado pela Autora Recorrida, ou qualquer outro comprovativo de recepção) cabendo à Autora produzir essa prova – o que não sucedeu.
18. A Ré nunca respondeu à carta da Autora de anulação do contrato e tratando-se de uma declaração receptícia, a eficácia da comunicação depende do conhecimento pelo destinatário – Não tendo havido recebimento esta só podia ser considerada eficaz caso se provasse ser culpa do destinatário a não recepção.
19. A falta de resposta tem apenas duas possíveis consequências: (i) Ou a Ré aceitou a anulação do CPCV estando automaticamente obrigada a devolver o sinal; (ii) Ou não aceitava a anulação, considerando o CPCV ainda em vigor – sendo que neste segundo caso, devia ter interpelado a Autora para o cumprimento do mesmo, com a cominação admonitória de considerar o CPCV incumprido caso não aparecesse.
20. Mesmo que a carta tivesse sido recebida (o que não se aceita), a simples não comparência da Autora não é configurável como incumprimento definitivo, antes incorrendo em mora, mas não lhe confere o direito de, sem mais, proceder unilateralmente à resolução do contrato – A mora só se converte em incumprimento definitivo se o credor, em consequência da mora, perder objectivamente o interesse que tinha na prestação; ou se esta não for realizada, pelo devedor, dentro do prazo que razoavelmente for fixado pelo credor, com a advertência expressa de se considerar a obrigação como definitivamente incumprida – art.º 808.º do C. Civil.
21. Não tendo feito qualquer interpelação admonitória, foi na verdade a Ré, ela própria, quem incumpriu o contrato promessa ao celebrar a escritura com um terceiro.
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Perante o antes exposto, resulta claro serem as seguintes as questões suscitadas no recurso interposto pela Ré:
1ª) A impugnação da decisão da matéria de facto;
2ª) A nulidade da sentença;
3ª) A procedência da acção.
E é a seguinte a questão suscitada no recurso subsidiário interposto pela Autora:
1ª) O aditamento à matéria de facto provada de um novo facto.
2ª) A eliminação do ponto 30 dos factos provados.
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É o seguinte o teor da decisão de facto proferida:
Factos provados:
1. A Autora é uma pessoa colectiva que se dedica com escopo regular e lucrativo à actividade de mediação imobiliária e compra e venda de imóveis.
2. No âmbito do exercício da sua actividade, no dia 15OUT2018, a Autora celebrou com a Ré um contrato promessa de compra e venda, através do qual prometeu comprar à Ré, e esta prometeu vender-lhe, a fracção autónoma designada pela letra “N”, correspondente a uma habitação do tipo T0, no 4º andar do prédio urbano em regime de propriedade horizontal sito na rua ..., ..., Porto, descrito na conservatória do Registo Predial do Porto, sob o nº ...35, da União de freguesias ..., ..., ..., ..., ... e ... e inscrito na matriz predial urbana sob o artigo ...48, com a licença de utilização nº ...4..., emitida pela Câmara Municipal do Porto em 28ABR2014, fracção essa de que a Ré era, à data, proprietária.
3. Através do referido contrato, a Ré prometeu vender à Autora o mencionado imóvel pelo preço global de €125.000, sendo que a Autora, no momento da celebração do contrato promessa de compra e venda, pagou à Ré, a título de sinal, o montante de €25.000.
4. A negociação inicial, bem como a visita ao imóvel, foi levada a cabo por um funcionário da Autora, sendo que o representante legal da Autora nunca se deslocou ao mesmo, nem mesmo na data da celebração do contrato promessa de compra e venda.
5. No dia 14DEZ2018, as partes celebraram um aditamento ao contrato promessa, através do qual prorrogaram o prazo limite para a realização da escritura para o dia 28FEV2019.
6. No dia 20MAR2019, através de e-mail, a Autora procedeu à marcação da outorga do contrato de compra e venda para o dia 25MAR2019, pelas 11 horas, no escritório da Advogada da Ré, a Senhora Dra. FF, sito na rua ..., Porto, sendo que o mesmo se ia realizar através de documento particular autenticado.
7. A escritura pública que se encontrava marcada para o dia 25MAR2019 não se realizou porque a Ré não levou a cabo as diligências necessárias para realização atempada do anúncio do direito de preferência à Câmara Municipal do Porto e Direcção de Cultura do Norte, a que havia lugar, atenta a localização do imóvel, com a necessária antecedência de 10 dias, razão pela qual a outorga do contrato de compra e venda foi adiada para data posterior.
8. Nesse entretanto, o representante legal da Autora foi visitar, pela primeira vez, o imóvel, para, entre outras coisas, perceber que tipo de obras seria necessário levar a cabo no mesmo, e, também, para levar a cabo um estudo de viabilidade de exploração e comercialização do apartamento a nível turístico.
9. Nessa deslocação ao imóvel, o representante legal da Autora desconfiou que a sua área real não correspondia à área anunciada, porquanto lhe pareceu que não ser possível o imóvel possuir, efectivamente, uma área de 35.46 m2.
10. A Autora contratou o gabinete de engenharia C..., Lda. para fazer um levantamento topográfico do imóvel, através do qual se pudesse certificar da área do mesmo e, de acordo com o mesmo, a área útil da fracção prometida vender ascendia a 26,47 m2, apresentando a fracção como Au (Área útil habitável: 21,90 + 3,15): 25,05 m2; como Ad (Área bruta dependente Varanda): 3,52 m2; e como Abt (Área bruta total: 30,30 + 3,52): 33,82m2 – esclarecimento e resposta explicativa por nós aditado ao abrigo do disposto no artigo 607º, nº 4 do Código de Processo Civil e com base no relatório pericial elaborado nestes autos.
11. É prática generalizada no mercado que o preço do imóvel se define, para além de outros factores como a localização e a tipologia, com base na área do mesmo, calculando-se o preço por referência aos metros quadrados
12. No dia 4ABR2019, através de carta registada com aviso de recepção, a Autora procedeu à anulação do contrato promessa de compra e venda que havia sido celebrado, exigindo a devolução em singelo do montante que havia pago a título de sinal e princípio de pagamento, ou seja € 25.000.
13. A Autora não recebeu qualquer resposta.
14. A Autora, no dia 24ABR2019, interpelou novamente a Ré, através de carta registada, a exigir a devolução do valor pago a título de sinal.
15. A Autora teve conhecimento que a Ré, no dia 22AGO2019, celebrou escritura de compra e venda através da qual vendeu o imóvel em causa nos autos a um terceiro, sem qualquer aviso prévio à Autora e sem qualquer devolução do sinal.
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16. A Ré, em finais de SET2018, decidiu vender a fracção autónoma referida no ponto 2) dos factos provados.
17. Inicialmente, tentou fazê-lo sem recorrer a qualquer imobiliária, mas sem sucesso, pelo que procurou a ajuda de BB [BB, doravante e para evitar esforço ocular], pessoa que já havia intermediado outros negócios imobiliários da Ré e com quem esta sempre manteve boas relações e que exercia funções de mediadora na agência imobiliária que utiliza o nome comercial D..., a qual é detida pela sociedade por quotas E..., Lda., que tem aquela e GG como sócios e gerentes.
18. Para o efeito, a Ré combinou com a mediadora BB visitar a fracção e forneceu-lhe a documentação do apartamento de que dispunha, entre as quais a caderneta predial e certidão predial da fracção, entregando-lhe também umas chaves da fracção, por forma a que se realizassem visitas com potenciais interessados.
19. A Ré comunicou a BB o preço pelo qual pretendia vender a sua fracção.
20. Volvidos uns dias, aquela BB entrou em contacto telefónico com a Ré, anunciando que tinha um interessado para a compra da sua fracção, a ora Autora.
21. BB apresentou à Ré uma proposta no valor de € 125.000, em nome da Autora.
22. A Ré aceitou-a.
23. A Ré recebeu de BB a minuta do contrato promessa de compra e venda, que assinou a 15OUT2018, altura em que procedeu à entrega de um cheque, no valor de € 5.000, a BB, cheque esse a favor da sociedade “E..., Lda.” e para pagamento da comissão.
24. A Ré, posteriormente, recebeu uma via do original do contrato promessa de compra e venda assinado pelo legal representante da promitente compradora, através da referida BB.
25. Até essa data a Ré não teve qualquer contacto o representante legal da Autora, apenas e tão só com a mediadora BB.
26. Em data que a Ré não consegue precisar, mas próximo da data limite para a outorga do contrato promessa, BB solicitou à Ré o adiamento da data da outorga da escritura de compra e venda por o representante legal da promitente compradora se encontrar ausente do país,
27. pedido que foi aceite pela Ré, sob a exigência de a promitente compradora assumir o pagamento do valor mensal da prestação bancária do financiamento que esta contraiu para a aquisição de uma outra fracção e se encontrava a pagar, bem assim, o pagamento do IMI relativo ao ano de 2019.
28. A Ré enviou à Autora a missiva datada de 1MAR2019, junta aos autos e cujo teor se dá aqui por reproduzido, e que foi devolvida ao remetente.
29. A Ré, alguns dias depois, recebeu missiva da Autora a comunicar-lhe a alteração de morada para a avenida ..., ... Vila Nova de Gaia.
30. A Ré, através de carta registada datada de 16ABR2019, enviada quer para a morada que consta na certidão da conservatória do registo comercial quer para a morada indicada pela própria Autora, insistiu com a Autora para outorgar o contrato definitivo, indicando para o efeito o dia 6MAI2019, no Cartório Notarial do Dr. HH.
31. A Autora não compareceu.
32. O gabinete B... é reputado na cidade do Porto e a nível internacional, tendo ganho vários prémios, entre quais pelo projecto do edifício onde se insere a fracção.
33. E, inquirido sobre a área da fracção, referiu, em e-mail de 16ABR2019, que apresenta como área bruta de construção 36 m2 e, como área útil, 28 m2, acrescentando que “os valores apresentados nas cadernetas prediais são sempre referentes à ABC (Área bruta de construção)”.
34. Provado apenas que na certidão permanente da conservatória do registo predial e na caderneta predial urbana consta que a área da fracção ascende a 35,46 m2.
35. Esses documentos foram entregues à mediadora BB, para efeitos de proceder à comercialização do imóvel.
*
Todos os restantes factos descritos nos articulados, bem como os aventados na instrução da causa, distintos dos considerados provados – discriminados entre os “factos provados” ou considerados na “motivação” (aqui quanto aos instrumentais) –, resultaram não provados, designadamente:
1. Que tanto através do anúncio que publicitava a venda do imóvel, como durante a negociação prévia à celebração do contrato promessa, a Ré comunicou à Autora que a Fração (T0) tinha uma área de 36 m2, tendo a Ré, entretanto, verificado que a área constante da certidão do registo predial era de 35,46 m2, pelo que foi com base nessa área que a Autora formou a sua vontade de contratar e acordou o preço a pagar à Ré (artigo 4º da petição inicial);
2. Que a Ré havia realizado obras no local recentemente (artigo 27º da petição inicial);
3. Que os documentos que suportaram a aquisição do imóvel pela Ré à sociedade F..., Lda. foram entregues à empresa mediadora F&O, Lda. (artigos 65º e 66º da contestação);
4. Que no hiato que decorreu entre a outorga do contrato promessa e a data limite para a celebração do contrato definitivo de compra e venda, a Autora fez várias visitas ao imóvel com potenciais compradores (artigo 93º da contestação).
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Como antes já vimos, no recurso a Ré enquadra da seguinte forma o seu recurso da decisão de facto:
- Considera que se incorreu em omissão de pronúncia por não terem sido considerados os factos alegados nos artigos 21º, 25º, 26º, 31º, 48º, 49º, 50º, 51º, 57º, 61º, 70º, 71º, 72º, 73º, 77º, 79º, 80º, 81º, 82º, 83º, 84º, 85º, 87º, 91º e 94º da contestação;
- Entende que deveriam ter sido dados como não provados, total ou parcialmente, os factos inscritos nos pontos 6, 8, 9, 10, 13, 28 e 34 dos factos provados;
- Considera que se incorreu em excesso de pronúncia na resposta dada no ponto 10 dos factos provados, por se ter considerado como provada matéria que não foi alegada pela Autora nos seus articulados.
Vejamos, pois do fundamento de tal alegação.
Como todos sabemos, na primeira parte da alínea d) do nº1 do art.º 615º do Código de Processo Civil, estão previstos os casos que a doutrina apelida de omissão de conhecimento (cf. Antunes Varela e outros, Manual de Processo Civil, 2ª edição, pág.690).
Como referem tais autores “ a primeira série de casos desta categoria – a que Alberto dos Reis chama omissão de pronúncia – consiste no facto de a sentença não se pronunciar sobre questões que o tribunal devia conhecer, por força do disposto no art.º 660º, nº2” (actual 608º, nº2).
Nos autos constata-se que foi fixado como objecto do litígio o seguinte:
“A Autora pretende, com a presente acção declarativa sob a forma comum, se declare anulado o contrato promessa de compra e venda celebrado entre a Autora e a Ré e a condenação deste pagamento de € 25.000 pagos a titulo de sinal, acrescido de juros de mora vencidos – que à data da instauração da petição inicial se calculam em € 1.1673, 29 – e vincendos contados até efectivo e integral pagamento.”
Mais se verifica que na mesma diligência foram fixados como temas de prova os seguintes:
- Saber se o imóvel descrito no art.º 2º da petição inicial tem área de 35.64 m2 ou se tem a área de 26,47 m2.
- Qual o circunstancialismo envolvente á celebração do contrato referido no art.º 2º da petição inicial, designadamente e a título meramente indicador se pelo teor do anúncio que publicitava a venda do imóvel e/ou se durante a negociação prévia, a Ré comunicou à Autora que a fracção tinha uma área de 35,46 m2 e se tal informação foi decisiva para a Autora contratar, atenta a finalidade da sua aquisição.”
Por fim, constata-se que tal decisão não foi objecto de qualquer reclamação das partes litigantes, transitando assim em julgado sem qualquer reparo.
Por outro lado e agora da leitura da contestação da Ré e mais concretamente dos artigos melhor identificados por esta na conclusão 2 das suas alegações, o que se extrai é o seguinte:
Desde logo, que vários desses artigos não contêm matéria que importe ser considerada na decisão final a proferir, tendo em conta o que na audiência prévia ficou definido quer quanto ao objecto do litígio quer quanto aos temas de prova.
Por outro lado, que outros deles são constituídos por matéria eminentemente conclusiva e que por isso não pode nem deve ser tida em conta na decisão de facto a proferir.
Nestes termos, cabe concluir que não padece a decisão de facto proferida do vício que lhe vem apontado.
Mais ainda, nenhum fundamento existe para considerar como provado o que foi alegado pela Ré nos referidos artigos da contestação.
Sendo assim, não merece pois provimento, nesta parte, o recurso interposto que a mesma aqui veio interpor.
Agora em relação aos pontos 6, 8, 9, 10, 13, 28 e 34 dos factos provados.
Como antes já vimos, a Ré fundamenta esta sua pretensão nos seguintes argumentos:
“6. A Recorrente entende que foram incorrectamente julgados provados os pontos 6º), 8º), 9º), 10º), 13º), 28º) e 34º) da matéria de facto que consta da douta sentença recorrida, os quais deveriam ser considerados não provados.
Concretamente,
7. O documento nº2 junto com a petição, o documento nº7 apresentado com a contestação, depoimento da testemunha BB, o depoimento da testemunha EE em conjugação com o documento nº3 junto com a petição inicial, as claras divergências das medições constantes da perícia realizada com as áreas constantes da medição indicada no documento nº3 junto pela Autora, o depoimento da testemunha DD, o documento nº8 junto pela Recorrente na contestação, a certidão predial e a caderneta predial da fracção em causa nos autos, bem como, a total ausência de prova sobre tal matéria, impunham decisão diversa da recorrida, pelo que deveriam tais pontos de facto serem considerados não provados.
Sem prescindir, caso assim não se entenda,
8 – Deverão, relativamente aos referidos pontos da meteria de facto, apenas ser considerado provado que:
6º) no dia 20MAR2019, através de e-mail, a Autora enviou um e-mail à Mandatária da ré, FF, acusando a recepção do seu e-mail com o agendamento da outorga do contrato de compra e venda por documento particular autenticado para o dia 25 de Março de 2019, pelas 11h., no seu escritório sito na r. de ..., ... andar, no Porto.
8º) Entretanto o representante legal da Autora foi visitar pela primeira vez o imóvel.
28º) Atenta a falta de iniciativa da autora em interpelar a ré para a marcação da escritura de compra e venda, tomou a Ré iniciativa de proceder à interpelação da autora, tendo para o efeito enviado carta com aviso de recepção datada de 01.03.2019
34º) Na certidão permanente da conservatória do registo predial e na caderneta predial urbana consta que a área da fracção tem área bruta privativa de 34,46m2”, como impõe a prova produzida.
9 - Inexiste qualquer valor legal ou conotação legalmente valida decorrente da expressão área real de determinada fracção.
10 - Igualmente, no que respeita à impugnação do ponto 10º provado, o douto Tribunal Recorrido, nele dá igualmente como provado, em esclarecimento e resposta explicativa, os resultados da medição alcançada pela perícia realizada nos autos, por forma a suportar um facto que não foi alegado pela Autora, pois que, a mesma nos seus articulados não alegou qualquer medida em concreto de área útil, nem de área bruta e muito menos da área bruta dependente.
Acresce ainda que,
11 - Entende, assim, a Recorrente que existe incorrecta aplicação na lei na inclusão pelo douto Tribunal Recorrido do resultado aferido na perícia quanto à medição das áreas da fracção prometida vender como esclarecimento ou resposta explicativa, por violação do princípio do contraditório e boa-fé processual, o que constitui nulidade processual de prolação de decisão surpresa, nulidade que se argui para os devidos e legais efeitos.
12 - Bem assim, um erro notório na apreciação da matéria de facto provada por excesso de pronúncia pela utilização que foi dada à referida prova pericial no sentido de a mesma suportar a demonstração do facto em que assenta o vício erro em discussão, a área da fracção ou discrepância área que não foi alegada pela Autora, a quem incumbia a sua prova, como decorre do artigo 5º, nº1 do CPC.”.
Como nos era imposto, analisamos os meios de prova agora referidos pela Ré, sendo certo que no que toca aos depoimentos prestados pelas testemunhas agora referidas, procedemos à audição da gravação onde os mesmos ficaram registados.
E depois desta análise chegamos à conclusão de que a Ré não tem razão nesta sua pretensão, valendo sim a fundamentação que sustenta a decisão de facto proferida pela 1ª instância, a qual subscrevemos nos seus elementos mais relevantes e que agora passamos a reproduzir para um melhor esclarecimento, realçando a “negrito” os segmentos correspondentes à matéria em discussão.
Assim:
“Motivação
A decisão da matéria de facto resultou da admissão de factos por acordo – confirmada pelos documentos juntos, tendo-se presente o disposto nos artigos 414º e do Código de Processo Civil e 342º, nº 1 do Código Civil – e, quanto à matéria controvertida, da prova pericial, dos depoimentos prestados e dos documentos juntos (artigos 389º, 391º, 396º do Código Civil e 607º, nº 5 do Código de Processo Civil).
Quanto aos factos não provados, a decisão resultou da ausência de prova quanto aos mesmos.
*
A Ré não questionou o objeto social da Autora e daí a prova do ponto 1) dos factos provados.
O contrato promessa de compra e venda e a certidão permanente da Conservatória do Registo Predial, apresentados com a petição inicial, serviram de prova aos pontos 2) e 3) dos factos provados.
Os depoimentos testemunhais de BB e de CC serviram de prova ao ponto 4) dos factos provados.
O documento nº 4, apresentado com a contestação, serviu de prova ao ponto 5) dos factos provados.
Por sua vez, o e-mail que integra o documento nº 2 apresentado com a petição serviu de prova ao ponto 6) dos factos provados.
O depoimento testemunhal de BB serviu de prova ao ponto 7) dos factos provados.
Este depoimento também serviu de prova aos pontos 8) e 9) dos factos provados.
O depoimento testemunhal de EE, em conjugação com o teor do documento nº 3 que acompanha a petição inicial, serviu de prova ao ponto 10) dos factos provados, sendo que o relatório pericial realizado justificou o esclarecimento e a resposta explicativa.
Quanto ao ponto 11) dos factos provados:
Os depoimentos prestados neste âmbito revelaram-se unânimes: na verdade, EE, CC, BB e DD referiram que, para além da localização e tipologia, a área é um dos fatores que define o preço de um imóvel, tanto na perspetiva da sua venda como da sua aquisição. A última testemunha referida, que é arquiteto de profissão, aludiu, para além daqueles fatores, a dois outros, como sejam a exposição solar e o estado de conservação.
O Tribunal, no que toca ao ponto 12), considerou o documento nº 4 apresentado com a petição inicial.
No que toca ao ponto 14), o Tribunal considerou o documento nº 5 da mesma peça processual.
Conjugando a realidade demonstrada nos pontos 12) e 14), é possível concluir, à luz da experiência comum e das máximas da vida, a verificação da realidade a que se refere o ponto 13) dos factos provados.
Quanto ao ponto 15), aqui, o Tribunal considerou o teor do documento nº 6 apresentado com a petição inicial, sendo que a Ré, em declarações de parte, também reconheceu tal alienação.
A Ré prestou declarações de parte e esclareceu, desde logo, a factualidade a que se referem os pontos 16) e 17), sendo que, quanto a este último ponto, a testemunha BB confirmou-o e, adicionalmente, foi tido em conta o teor do documento nº 1 apresentado com a contestação.
Quanto ao ponto 18), idem, ou seja, atendeu o Tribunal às declarações de parte da Ré, corroboradas pelo depoimento testemunhal de BB.
O que também se verificou a respeito da factualidade retratada nos pontos 19), 20), 21), 22), 23), 24), 25), 26) e 27), sendo que, quanto a este último ponto, também se considerou o teor do e-mail de 21MAR2019, trocado entre as partes, o qual se encontra no documento nº 7 apresentado com a contestação.
O documento apresentado com a mesma peça processual com o nº 5 serviu de prova ao ponto 28).
O documento apresentado nos mesmos termos com o nº 6 serviu de prova ao ponto 29).
O documento apresentado como o nº 8 da contestação serviu de prova ao ponto 30).
O documento nº 9 da contestação serviu de prova ao ponto 31).
As declarações de parte da Ré, a par do depoimento testemunhal prestado pelo arquiteto DD, potenciaram a prova do ponto 32) dos factos provados.
Quanto ao ponto 33), aqui o Tribunal atendeu ao depoimento testemunhal prestado pelo arquiteto DD e ao documento nº 11 apresentado com a contestação.
A resposta restritiva ao ponto 34) adveio da consideração objetiva da realidade consignada quer na certidão permanente da fração apresentada com a petição inicial como documento nº 2, quer na caderneta predial urbana, apresentada pela Ré em 8JUL2020 e na ausência de qualquer outro suporte probatório.
Quanto ao ponto 35), que, na prática, duplica a realidade já adquirida com o ponto 18) dos factos provados, a decisão do Tribunal funda-se na consideração das declarações de parte da Ré, corroboradas pelo depoimento testemunhal de BB.
*
BB, à data dos factos, integrava os quadros de uma imobiliária e descreveu de forma pormenorizada a sua intervenção no negócio em causa nos autos, desde o momento inicial em que foi abordada pela Ré para proceder à comercialização da fração, até ao momento em que as partes incumbiram os respetivos advogados, altura em que cessou a sua atividade de mediadora, tendo incluído no seu depoimento os episódios mais relevantes a nível do relacionamento entre as partes e que a factualidade dada como provada evidencia.
Depoimento coerente e convincente.
CC colaborava, à data dos factos, com a Autora em projetos do ramo imobiliário e recordava-se de ter visitado a fração em causa, na companhia da anterior testemunha, que referiu ser a mediadora deste negócio, e da sua proprietária. Acrescentou que o preço de venda da fração, posteriormente, se reduziu, tornando assim o negócio da sua compra competitivo e terá sido por isso que a Autora avançou para a sua compra. A testemunha, pouco tempo depois da visita à fração abraçou outro projeto profissional, desconhecendo qualquer outro facto com relevo para os autos. Não deixou de dizer, com base na sua experiência no ramo imobiliário, que a área de um imóvel, a par da sua idade, localização e estado de conservação, é um dos principais fatores que define o seu preço e que, no tocante às áreas, há sempre uma discrepância entre as áreas reais e as áreas que constam da documentação oficial, designadamente na caderneta predial urbana, discrepância essa que se cifra em quatro, cinco ou seis metros quadrados.
Depoimento coerente e convincente.
EE, que presta serviços na área da engenharia, foi contratado pela Autora para levar a cabo uma medição de áreas num apartamento que havia adquirido, descrevendo em audiência o resultado alcançado.
Depoimento coerente e convincente.
DD, arquiteto, integra o gabinete de arquitetura que levou a cabo a reabilitação do imóvel onde se situa a fração em causa.
Quantificou em audiência, com base nessa obra, a área bruta e a área útil, nos termos que constam do ponto 33) dos factos provados, ou seja: área bruta de construção: 36 m2; área útil: 28 m2.
Analisou criticamente o relatório pericial, com base na sua formação académica e por referência à sua concreta experiência profissional, traduzida, como se referiu, na obra de reabilitação do imóvel e considerou o mesmo como tecnicamente correto, sem qualquer reparo à medição (seja da área bruta, seja da área útil), ainda que reconheça que há sempre um desvio-padrão de um, dois ou três metros quadrados.
Por fim, aludiu à área de um imóvel como um dos fatores que influencia o preço de um imóvel – e ainda, no seu caso particular, o custo dos seus honorários –, em conjugação com outros fatores, como sejam a qualidade de construção, a exposição solar, o grau de certificação energética.
Depoimento coerente e convincente.
II, arquiteto, levou a cabo uma medição do interior da fração, a pedido da Ré, que referiu ser sua amiga, alcançando por essa via o valor de 28,61 m2 (área útil). A nível de área bruta, aqui incluindo paredes, encontrou, já por estimativa, o valor de 35 m2.
Depoimento coerente e convincente.
Vejamos agora o relatório pericial:
Afigura-se-nos que o mesmo foi elaborado de forma minuciosa, denotando empenho e rigor na obtenção dos resultados alcançados, permitindo assim o cabal esclarecimento das partes e do Tribunal.
E as medições realizadas conduziram ao seguinte resultado:
- Au (Área útil habitável): 21,90 + 3,15 = 25,05 m2;
- Ad (Área bruta dependente Varanda): 3,52 m2;
- Abt (Área bruta total): 30,30 + 3,52 = 33,82 m2.
O que justifica a resposta contida no segundo segmento do ponto 10) dos factos provados.
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Quanto a JJ, marido da Ré, o seu depoimento não se mostrou relevante, desde logo por não demonstrar conhecer diretamente qualquer facto em discussão nos autos.
Adicionalmente, optou por abraçar um discurso de vitimização, sem qualquer base ou sustentação em factos concretos.
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Uma nota final:
Teve-se em conta que a prova nunca é certeza lógica, mas tão-só o (alto) grau de probabilidade, tido por suficiente para as necessidades práticas da vida.
Por isso que, quando houve, quanto à realidade de alguns factos, divergências nos diversos depoimentos produzidos, e quando não mereceu maior credibilidade um que outro, suscitando-se assim uma dúvida relevante, houve que fazer recurso ao critério estabelecido no artigo 414º do Código de Processo Civil.
Todos os “meios de prova” foram entrecruzados e confrontados entre si, fazendo-se sobrelevar os seus pontos de coerência e, da sua ponderação global, retirando-se – sempre que adequado – as inerentes ilações e pertinentes presunções judiciais.”
Concluindo:
A prova produzida nos autos valorada como se impõe, de forma coerente e concertada, justifica a decisão proferida pelo Tribunal “a quo”, mormente no que toca aos pontos de facto agora impugnados.
Por isso, nenhum fundamento existe para alterar o que, quanto aos mesmos, ficou decidido.
Em relação ao alegado excesso de pronúncia que no entendimento da Ré vicia a resposta dada ao ponto 10 dos factos provados, o que cabe dizer é o seguinte:
É verdade que na petição inicial não foi feita uma referência expressa “à área útil, “à área bruta” e à “área bruta independente”, aludindo-se apenas à área real do imóvel dos autos.
No entanto já todos vimos que independentemente da alegação ou não de tal matéria nos autos pela Autora, a verdade é que foi fixado como um dos temas de prova pelo Tribunal “a quo” o seguinte:
Saber se o imóvel descrito no art.º 2º da petição inicial tem área de 35.64 m2 ou se tem a área de 26,47 m2.
Sendo assim, resulta evidente que transitando tal decisão, impunha-se esclarecer as dúvidas que se mantinham sobre a área do imóvel.
E o que foi feito constar no ponto 10 dos factos provados mais não é do que a resposta a tal interrogação, tudo isto sem qualquer violação das regras impostas no nº2, ultima parte do art.º 608º do CPC.
Por outro lado e atento o exposto, ao decidir-se como se decidiu não se violaram quaisquer princípios processuais que impunha respeitar, como são entre outros os do contraditório e da boa-fé processual, nem se proferiu qualquer decisão surpresa que vicie a sentença recorrida.
Face ao exposto, impõe-se pois negar provimento ao recurso da decisão de facto interposto pela Ré.
Quanto ao recurso (subsidiário) interposto pela Autora, o que se impõe dizer é o seguinte:
Como se verificou a Autor sugere que o seguinte facto seja aditado aos factos provados:
“A Autora formou a sua vontade de contratar com base na área do imóvel.”
E fundamenta esta sua pretensão na ideia de “reforçar” em factos o entendimento que subjaz à decisão proferida.
Salvo melhor opinião, consideramos que tal pretensão se justifica, já que a matéria em apreço e apesar do seu manifesto relevo, não resultou referida de modo expresso na motivação da decisão da decisão de facto.
A ser assim adita-se aos factos provados um novo ponto com a seguinte redacção:
36. A Autora formou a sua vontade de contratar com base na área do imóvel.
Quanto à eliminação do ponto 30 dos factos provados consideramos não ter fundamento a pretensão da Autora.
Isto porque ao contrário do que a mesma refere e bem se fez notar da motivação da decisão de facto, a factualidade inscrita no mesmo se mostra comprovada pela prova documental junta com a contestação sob o nº8.
A ser assim não se concede, nesta parte, provimento ao recurso da Autora, mantendo o identificado ponto 30 nos factos provados.
Quanto à fundamentação jurídica e face ao antes decidido, nenhum fundamento existe para alterar o que foi decidido pela 1ª instância.
Como sabemos, a (eventual) existência do erro gera a anulação do negócio e prejudica a declaração da resolução do contrato.
Segundo o art.º 251º do Código Civil, “o erro que atinja os motivos determinantes da vontade, quando se refira à pessoa do declaratário ou ao objecto do negócio, torna este anulável nos termos do artigo 247º”.
É consabido que o erro que determina a formação da vontade real, o erro-vício ou erro-motivo, segue o regime do erro que origina uma divergência entre a vontade real e a vontade declarada (erro obstativo ou erro obstáculo) previsto no art.º 247º do CC.
Sabe-se, igualmente, que nestes casos a declaração é anulável desde que o declaratário conhecesse ou não devesse ignorar a essencialidade, para o declarante, do elemento sobre que incidiu o erro.
Diversamente do que ocorre no erro-obstáculo ou erro na declaração, há no erro-vício conformidade entre a vontade real e a vontade declarada.
Aqui a vontade real formou-se em consequência do erro sofrido pelo declarante.
Se não fosse ele, a pessoa não teria pretendido realizar o negócio, pelo menos nos termos em que o efectuou.
Ao remeter para esta disposição legal, o art.º 251° exige para a relevância do erro os seguintes requisitos:
- Que ele incida sobre o objecto do negócio;
- Que o declaratário conhecesse ou não devesse ignorar a essencialidade, para o declarante, do elemento sobre que incide o erro (ou seja sobre o objecto).
Nestes termos só releva o erro essencial e próprio.
O erro-vício consiste na ignorância (falta da representação exacta) ou numa falsa ideia (representação inexacta), por parte do declarante, acerca de qualquer circunstância de facto ou de direito que foi decisiva na formação da sua vontade, por tal maneira que se ele conhecesse o verdadeiro estado das coisas não teria querido o negócio, ou pelo menos não o teria querido nos precisos termos em que o concluiu.
Nas palavras de Manuel de Andrade “trata-se pois de um erro que se insinua na motivação da vontade negocial do declarante, que recai sempre nos motivos determinantes dessa vontade. Pode portanto chamar-se-lhe, com os alemães chamam, erro-motivo (Motivirrtum).” (Teoria Geral da Relação Jurídica, Almedina, 1974, Vol. II, pág. 233).
O erro-vício incidente sobre o objecto do negócio pode recair sobre a sua identidade ou sobre as qualidades desse objecto.
A essencialidade exigida pela norma legal consiste em ter tido o erro um papel decisivo na determinação da vontade do declarante, de modo que, se ele conhecesse o verdadeiro estado das coisas, não teria querido de modo nenhum concluir o negócio.
Erro essencial é pois o que deu causa ao negócio.
O erro essencial é aquele que, isoladamente ou ainda que em colaboração com alguma outra circunstância, levou o errante a concluir o negócio, em si mesmo e não apenas nos termos em que foi concluído (cf. Manuel de Andrade, ob. cit., págs. 237 e 238).
Assim, deve entender-se que o erro é essencial quando o declarante não teria realizado o negócio ou teria realizado um negócio essencialmente diferente, de outro tipo, se conhecesse o erro (cf. Mota Pinto, Teoria Geral do Direito Civil, 3ª Ed., pág. 509 e Ewald Horster, A Parte Geral do Direito Civil Português, Teoria Geral do Direito, pág. 560).
Por outro lado, a essencialidade do erro deve ser analisada sob o aspecto subjectivo do errante ou do contraente enganado, ou seja daquele que haja sido levado a formular uma ideia inexacta acerca do objecto do negócio, sem a qual a declaração negocial não teria sido emitida nos precisos moldes em que o foi.
No entanto, todos aceitam que o negócio só é anulável se o declaratário conhecesse ou não devesse ignorar a referida essencialidade; ou seja se soubesse ou devesse saber que sem o erro-vício o declarante não teria celebrado o negócio, ou teria concretizado negócio essencialmente diferente.
Este conhecimento ou cognoscibilidade respeita à essencialidade e não ao erro.
É pois indiferente que o declaratário conheça ou não o erro (cf. Luís A. Carvalho Fernandes, Teoria Geral do Direito. Civil, edição de 1983, 2.°, pág.285).
Por fim, impõe-se não esquecer que o ónus da prova da verificação dos requisitos do erro incumbe ao "deceptus" designadamente que o declaratário (deceptor) conhecia, ou não deveria ignorar, a essencialidade do elemento sobre que incidiu o erro (cf. os artigos 251°, 247° e 342º, nº 1 do CC) (neste sentido cf. o acórdão da Relação de Guimarães de 23.04.2015, processo 6482/09.8TBBRG.G1, relatado pelo Desembargador Filipe Caroço, em www.dgsi.pt).
Com particular relevância para o caso dos autos, o referido no acórdão desta Relação do Porto de 15.11.2018, processo 376/17.0T8PVZ.P1, relatado pelo Desembargador Leonel Serôdio, em www.dgsi.pt.:
“A nossa jurisprudência tem decidido ser relevante o erro sobre o objecto como fundamento para a anulação do contrato-promessa.
Neste sentido, os Acs. do STJ de 03.06.2003, relator Cons. Alves Velho, Colectânea de Jurisprudência, Tomo II/2003, pág. 93 com o sumário (na parte relevante): “III - Nesse caso (ónus ou encargos não existentes na altura da sua celebração.) porém, o contrato promessa pode ser anulado por erro sobre o objecto do negócio, se o declaratário conhecia ou devia conhecer a essencialidade para o declarante do elemento sobre que incidiu o erro, não obstando à anulabilidade a circunstância do vício se verificar em momento posterior ao do contrato promessa” e de 05.06.2008, relator Cons. Mota Miranda, Colectânea de Jurisprudência, Tomo II/2008, pág. 108, com o sumário: “ I - Está-se perante erro vício ou erro sobre os motivos determinantes da vontade quando o declarante tem uma representação inexacta de circunstâncias que foram determinantes para a realização do negócio. II - Existe erro sobre circunstância relativa ao objecto do negócio, que leva à anulação do contrato, quando o declarante, em contrato promessa de cessação de quotas, indica como sendo da sociedade valores que vêm a verificar-se ser bastante inferiores aos anunciados.”
Da Relação de Coimbra de 14.12.2010, processo n.º 3973/05.3TBLRA.C1, relator Telles Pereira, publicado no sítio da CJ, com o sumário: “Prometendo-se vender um bem que, na perspectiva do promitente-vendedor, conhecida do promitente-comprador, é um terreno com a área de 9.920 m2, está a declaração negocial do promitente-vendedor ferida de erro sobre o objecto - de erro sobre uma qualidade/elemento identitário do terreno, que se prefigura como relevante/influente para a determinação do seu valor - no caso do bem ter na realidade a área de 23.800 m2; erro que torna a promessa anulável (251.º e 247.º do C. Civil).” Também publicado no sitio do ITIJ, ainda que com diferente sumário.”
Na situação concreta, ficou provado que a Ré não podia ignorar que a área útil do imóvel a adquirir era um facto fundamental para a Autora.
E isto porque tratando-se, como se tratava, de uma compra destinada a revenda, se mostrava relevante para a Autora conseguir um preço que lhe permitisse conseguir um bom negócio numa futura venda.
A ser assim, no caso o preço por m2 precisava de ser inferior ou pelo menos igual aos preços por m2 praticados naquela área da cidade do Porto.
Ou seja, a Autora formou a sua vontade de contratar e acordou o preço a pagar à Ré, tendo por base na área de 36 m2, mais concretamente nos 35,46 m2 que constavam da certidão predial a que teve acesso.
E foi com base nesta área que calculando o preço por m2 apresentou à Ré a proposta de compra pelo preço de € 125.000,00.
Como todos aceitam a área é sempre em factor determinante na atribuição do preço, sendo ainda mais relevante em imóveis com tipologias pequenas, como é o caso do imóvel dos autos.
Nestes termos e estando verificados todos os pressupostos de facto e de direito exigidos por lei, bem decidiu o Tribunal “a quo” quando anulou o contrato promessa melhor identificado em 2 dos factos provados e, em consequência condenou a Ré a restituir à Autora o valor de € 25.00,00 correspondente ao sinal entregue por esta última, acrescido de juros de mora contabilizados nos termos definidos na sentença recorrida e até efectivo e integral pagamento.
Pelas razões referidas só resta negar provimento ao recurso interposto pela Ré e sem mais, confirmar a sentença proferida pela 1ª instância.
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Sumário (cf. art.º 663º, nº7 do CPC):
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III. Decisão:
Pelo exposto, julga-se improcedente o recurso interposto pela Ré e, em consequência, confirma-se a decisão recorrida.
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Custas a cargo da ré/apelante (cf. art.º 527º, nºs 1 e 2 do CPC).
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Notifique.


Porto, 15 de Junho de 2023
Carlos Portela
António Paulo Vasconcelos
Judite Pires