Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
4883/07.5TTLSB.L1-4
Relator: SEARA PAIXÃO
Descritores: PACTO DE NÃO CONCORRÊNCIA
PREJUÍZO SÉRIO
ÓNUS DA PROVA
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 10/20/2010
Votação: UNANIMIDADE
Texto Parcial: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA A DECISÃO
Sumário: I- É admissível a celebração de um pacto de não concorrência desde que se verifiquem todos os pressupostos previstos no art. 6º da LCT (ou no art. 146º do CT/2003) entre os quais se prevê que “se trate de actividade cujo exercício possa efectivamente causar prejuízo ao empregador”.
II- Mas, “este prejuízo não é um qualquer prejuízo, o prejuízo causado por qualquer concorrente, mas sim um prejuízo especial, um prejuízo causado por um concorrente diferente dos demais pelo seu especial contacto com a clientela e o acesso a informações confidenciais”, ou seja, “há-de estar em causa o risco daquilo que a doutrina designa por “concorrência diferencial”, isto é, a especificidade da concorrência que um ex-trabalhador está em condições de realizar relativamente ao seu antigo empregador, por ter trabalhado para ele”.
II- A cláusula de não concorrência impede o trabalhador de exercer livremente uma actividade profissional e, por ser contrária aos direitos fundamentais do trabalhador, a proibição de concorrência deve ser proporcionada ao escopo prosseguido que reside na tutela dos interesses da empresa. Por isso, pode dizer-se que as cláusulas de não concorrência são válidas desde que sejam indispensáveis à protecção dos interesses da empresa.
IV- Cabe ao empregador que invoca em seu favor a cláusula de não concorrência demonstrar que os conhecimentos adquiridos pelo trabalhador no decurso do contrato implicam riscos particulares específicos para a empresa. Na falta de um interesse do empregador justificado pelo risco de uma concorrência diferencial a cláusula é nula.
V -Este interesse legítimo do empregador tem de ser alegado e provado pelo empregador, pois o mesmo não se presume, e, no caso concreto, não se deduz das funções legalmente atribuídas ao trabalhador.
VI -No caso vertente, a Autora, ora Recorrente, não cumpriu esse ónus de alegação pois, não alegou factos relativos aos conhecimentos específicos e perigosos a que teria acesso o R. a que know how acedeu, que segredos conheceu, que clientela poderia desviar.
(sumário elaborado pelo Relator)
Decisão Texto Parcial:Acordam na secção social do Tribunal da Relação de Lisboa:

Relatório

A... SA intentou processo declarativo comum, contra B... pedindo que o réu seja condenado no pagamento de 395.804,10€ (cláusula penal correspondente à remuneração de um ano do trabalhador réu por violação da cláusula 2ª da adenda ao contrato de trabalho onde se estabeleceu um pacto de não concorrência), acrescida de 4.353.845,10€ (correspondente à cláusula penal por violação da clausula 8ª da adenda ao contrato onde se estabeleceu pacto de não concorrência) e de 11.212,16€ (prejuízo decorrente da não entrega da viatura 25-41-VP); pede, ainda, a entrega desta viatura, acrescida do pagamento da renda de ALD mensal de 1.401,52€, e sanção pecuniária compulsória até entrega da viatura, além de juros de mora vencidos e vincendos.
Alega que celebrou com o réu, seu trabalhador (director do jornal C...), pacto de não concorrência a vigorar durante um ano após a cessação do contrato, e que, apesar disso, o réu revogou o contrato de trabalho e foi trabalhar, na qualidade de director, para empresa concorrente detentora do Jornal D.... Pretende assim accionar a cláusula penal por via da qual este se obrigou a pagar o valor correspondente a um ano de retribuição. Por outro lado, o réu obrigou-se também a abster-se de promover a contratação para empresas concorrentes de trabalhadores da autora. Ora, aquando da revogação do contrato, o réu levou consigo toda a sua equipa (secretária, subdirectores, jornalistas, editores, paginador, etc. …). Assim pretende a autora accionar a cláusula penal convencionada – um ano de retribuição do réu por cada trabalhador que foi trabalhar para o Jornal D..... Por último, quando revogou o contrato, o réu não devolveu a viatura automóvel que detinha para uso profissional e pessoal, apesar de lhe ter sido dada opção de compra tal como contratualmente assumido. Donde, pretende reaver o valor do prejuízo causado correspondente à renda mensal do contrato de ALD que continuou a pagar sem poder usufruir da viatura.

O réu contestou alegando, em suma, que ambas as cláusulas são nulas porque a actividade em causa não é susceptível de causar prejuízo sério à autora, porque o réu trabalhador não detinha o controlo de clientela (anunciantes de publicidade e leitores), nem acesso a informação privilegiada, além da cláusula oitava consubstanciar também uma limitação à liberdade de trabalho de terceiros. Aliás, o jornal C... continuou mesmo a subir o volume de vendas, não existindo qualquer prejuízo. E, mesmo que as cláusulas fossem válidas, não houve incumprimento do acordado, uma vez que a actividade que o réu veio a exercer não é concorrencial, porque os jornais C.... e D... dirigem-se a públicos diferentes, tendo linhas editoriais distintas, e, ainda, quanto à cláusula oitava, o réu não promoveu a saída de outros trabalhos, que tomaram opções individuais e negociaram os contratos com a GN.... Quanto à viatura automóvel, não a entregou porque havia ficado convencionado que, findo o período de três anos, teria direito de aquisição pelo valor residual, independentemente de o contrato de trabalho cessar por qualquer causa. Ficou a aguardar comunicação desse valor e do envio do próprio contrato de A.L.D. A ré nunca lhe entregou o contrato excepto na pendência da acção altura em que logo devolveu a viatura. A entrega do contrato de A.L.D. era indispensável para poder avaliar a opção de compra, até porque o valor residual que lhe foi comunicado (25.337,00€) era manifestamente excessivo considerando que o contrato de aluguer deveria ter apenas a duração de 3 anos, e o valor que já teria sido pago à empresa de aluguer nesse período.

Procedeu-se a julgamento de acordo com o formalismo legal.
Foi efectuada transacção sobre o pedido de entrega da viatura e respectiva sanção pecuniária compulsória.
            Elaborada a sentença foi proferida a seguinte DECISÃO:
“A) Declaro nulas as clausulas segunda, sétima, oitava e nona da adenda ao contrato de trabalho, e, em consequência, julgo totalmente improcedentes os pedidos da autora contidos nas alíneas a) e b);
B) Julgo improcedentes os pedidos contido na alínea c) e e) do pedido, absolvendo dos mesmos o réu, bem como dos pedidos acessórios de juros (g e h).”

            A Autora, inconformada, interpôs o presente recurso e termina as suas alegações formulando as seguintes CONCLUSÕES:
            (...)

           
            Admitido o recurso e remetidos os autos a este Tribunal da Relação, foram colhidos os vistos legais.
            Cumpre, agora, apreciar e decidir.
As questões que emergem das conclusões do presente recurso são as seguintes:
            - reapreciação da matéria de facto quanto aos pontos 12,13,14 e 11 da contestação e que o recorrente entende que deveriam ter sido julgados não provados, e quanto aos factos constantes dos art. 31 e 32 da petição inicial que o recorrente entende deverem ser julgados provados.
            - validade das cláusulas 2ª e 8ª da adenda ao contrato de trabalho celebrado entre A. e Réu, sua eventual violação por parte deste e se é devido o montante estabelecido, como cláusula penal, nas cls. 7ª e 9ª da mesma adenda.

Fundamentação de facto

A 1ª Instância considerou provados os seguintes factos:
Da petição inicial:
1º Em 1 de Janeiro de 2002, através de um Acordo de transferência de titularidade de contrato de trabalho celebrado entre a A., a E... SA (anterior entidade patronal do R.) e o R., este passou a prestar a sua actividade laboral à A., exercendo funções profissionais de Director de Jornal. (doc. 1 que se reproduz).
2ºO R. foi nomeado Director do jornal diário Jornal C.... ,propriedade da A..
3º Em 11 de Junho de 2002, A. e R. celebram uma “Adenda ao Contrato de Trabalho” (“Adenda” - cfr. doc. nº 2 anexo à PI), destinada ao estabelecimento de um pacto de não concorrência do R. após a cessação do vínculo laboral com a A. e às consequências para a sua violação.
4º e 5º Concretamente, de acordo com o disposto na cláusula 2ª da Adenda: “Em caso de cessação do contrato de trabalho, a qualquer título, o 2º outorgante obriga-se, pelo prazo de um ano, a não exercer actividade em qualquer publicação diária generalista, quer a título de trabalhador, quer de prestador de serviços, consultor, trabalhador independente ou outro, por via directa ou indirecta, que seja concorrencial com a actividade exercida, nesta data, pela 1ª outorgante e nas sociedades do Grupo nas quais o segundo outorgante tenha exercido quaisquer funções nos últimos 24 meses”.
6º Como compensação por esta limitação aceite pelo ora R., a A. assumiu a obrigação de lhe pagar, durante o referido prazo de um ano, o montante mensal de € 10.225,77 ou, se houvesse, entretanto, actualização do vencimento, 100% daquele que se mostrasse devido à data da cessação.
7º A autora assumiu a obrigação de proceder a esse pagamento na totalidade, mesmo que o 2º Outorgante (o ora R.) viesse a exercer qualquer outra actividade remunerada não abrangida pela limitação acordada, conforme cláusula sexta do doc. 2.
8º Em contrapartida foi estabelecido no mesmo acordo (cláusula 7) uma cláusula penal para o caso de incumprimento pelo 2º Outorgante (o ora R.) da obrigação referida.
9º O montante fixado a título de cláusula penal, reconhecido pelas partes como correspondendo ao prejuízo decorrente, para a A., da violação daquela obrigação assumida pelo R., foi o equivalente ao total de todos os valores recebidos pelo réu da autora a título de retribuição (fixa ou variável) nos 12 (doze) meses anteriores à sua saída.
10º Nos termos do mesmo acordo (doc. 2), o R. obrigou-se também na cláusula 8ª da Adenda :
“ Ainda em caso de cessação do contrato de trabalho, a qualquer título, o 2º outorgante obriga-se, durante o período de um ano, a não promover a contratação, qualquer que seja a forma que revista, de trabalhadores da 1ª outorgante ou de sociedades que com ela estejam em relação de grupo ou participação para sociedades que, directamente ou por relação de grupo ou participação, sejam concorrenciais com a actividade exercida, nesta data, pela 1ª outorgante”..
11º Também para o caso de incumprimento deste compromisso pelo ora R. foi estabelecida a seguinte cláusula penal (cláusula 9):
“ …fica este obrigado a pagar à 1ª outorgante, a título de cláusula penal, o montante equivalente a todos os valores recebidos a título de retribuição (fixa ou variável) até doze meses anteriores à data da saída, por cada violação, reconhecendo as partes ser este o valor do prejuízo decorrente dessa violação para a 1ª outorgante”.
12º Por carta datada de 15.02.2007 o R. comunicou à A. a sua “decisão de fazer cessar o contrato de trabalho…nos termos legais”, conforme doc. 3 que se reproduz.
13º Na mesma carta manifestou o R. que se encontrava “totalmente disponível para colaborar com a empresa no sentido de assegurar a maior eficácia do processo de transição que agora se iniciará”.
14º Por carta datada de 21.02.2007, a A. solicitou expressamente ao R. informação sobre se, no seguimento da declarada rescisão, iria integrar algum grupo ou produto concorrencial de CM..., o grupo empresarial em que se insere a A., doc. 4 que se reproduz.
16º O réu foi contratado pela empresa GN... e assumiu a direcção do Jornal D.....
17º Com data de 22.02.2007 a A. enviou ao R. a carta que se junta como doc. n.º 5 cujo conteúdo se dá como reproduzido, e onde comunicava, entre o mais: “Sendo manifesto que esta empresa deve encarar, sem delongas, a substituição de vossa V.Exa. no cargo de director do Jornal C...., vimos comunicar-lhe a sua demissão imediata deste cargo”.
18º O R. respondeu a esta carta com a sua carta datada de 28 de Fevereiro de 2007 que constitui o doc. n.º 6 que se reproduz, e onde comunica, entre o mais: “O cumprimento do prazo de aviso prévio… deixa de fazer qualquer sentido, razão pela qual comunico a V. Exa a imediata cessação do contrato de trabalho…”
20º Por carta de 2 de Março de 2007, a autora comunicou ao autor que iria “proceder em conformidade com o disposto no artigo 5 da Adenda ao Contrato de Trabalho, celebrado em 11 de Junho de 2002”, para o que seriam dadas instruções para ser processado o montante mensal que lhe deveria ser pago a título de compensação pela limitação de concorrência durante um ano, doc. 7 que se reproduz.
21º Datada de 2 de Março de 2007, respondeu o R. à carta da A. de 21.02.2007, doc 8, fls 28, que se reproduz.
23º No dia 12 de Março no Jornal D.... propriedade da empresa GN.... , o R. figurava como seu director.
24º Ambos os jornais — C... e D...— são publicações diárias generalistas.
27º O R. recebeu da A., desde 1 de Março de 2006 até 28 de Fevereiro de 2007, um total de € 395.804,10 (sem os pagamentos efectuados a título de subsídio de refeição), conforme doc.s n.ºs 9 e 10.
32º Com a saída do autor, os seguintes trabalhadores da autora denunciaram o seu contrato de trabalho e foram, com o R., trabalhar para a empresa proprietária do Jornal D.... :
(...)
33º Com a estipulação da cláusula 8ª da Adenda ao Contrato de Trabalho, a A. pretendeu evitar a saída “em massa” dos seus principais quadros, e a dificuldade de reorganizar rapidamente a estrutura do jornal.
35º É norma habitual os directores dos grandes jornais diários serem ouvidos pela administração sobre a escolha dos directores-adjuntos, redactor principal, e o editor executivo e secretária de direcção, e o autor também foi ouvido sobre tais escolhas.
41º Enquanto trabalhador da A., tinha sido por esta distribuído ao R., para uso em serviço e também para seu uso pessoal, uma viatura automóvel Mercedes CLK 200, com a matrícula ....
42º Após fazer cessar o seu contrato de trabalho, em 28.02.2007, o R. manteve em seu poder a referida viatura.
43º Em 8 de Junho de 2007, o réu dirigiu à A. a carta que se junta como doc. n.º 28, que se reproduz, e entre o mais, solicitava à A. a indicação do montante que teria de pagar pela aquisição da viatura, e ainda que tal comunicação fosse acompanhada por cópia do contrato celebrado com a empresa financiadora.
44º A A. Respondeu ao R. pela carta de 2 de Julho de 2007 que constitui o doc. n.º 29 que se reproduz, e na qual o informava de que o valor para a rescisão do contrato de aluguer operacional, com a opção de compra, era, naquela data, de € 25.337,00.
46º O R. não exerceu a opção de compra que reclamava, não pagou qualquer quantia à A. E manteve a viatura em seu poder até 18.06.08.
47º A viatura em causa é objecto de um contrato de ALD entre a A. e a empresa M...— contrato...— nos termos do qual a A. pagava, em Julho de 2007, pela disponibilidade da viatura, uma renda mensal de € 1.381,35 (vd. fls 215).
*
Da contestação:
1-
A A. é proprietária do jornal C...“” e, tal como a ET..., faz parte do Grupo empresarial detido pela CF..., SGPS, SA.
2 –  A intenção da A. com as obrigações que impôs ao R. era dissuadi-lo de aceitar um convite e, ainda, obstar a que, com uma sua eventual saída, outros trabalhadores saíssem também dos seus quadros.
3- O R. não tinha controlo da clientela da A. (entendida como os leitores do Jornal C.... , e os anunciantes).
4 –  O Jornal C.... é o jornal diário que tem disputado, desde que foi lançado no mercado, a primeira posição a nível de vendas no território nacional com o “Jornal E...”.
5 – Tem vindo, paulatinamente, a consolidar e aumentar as suas vendas, de acordo com os dados oficiais de circulação nacionais, posicionando-se hoje (dados do 3º trimestre de 2007) num lugar dianteiro (cfr. dados constantes do Doc. n º 1 fls 170 que se dá por reproduzido).
6 – Pela natureza da actividade que exercia, nunca o R. teve qualquer controlo sobre os leitores e anunciantes do jornal que lhe permitisse “fidelizá-los” à sua pessoa, com a consequente “transferência” para publicação concorrente para a qual fosse trabalhar.
7-  Os leitores do Jornal C.... escolhem o jornal pela sua linha editorial muito particular, que foi definida e se mantém desde o início da sua publicação em 19 de Março de 1979.
8-  E os anunciantes limitam-se a preferir os jornais/publicações de maior circulação, maximizando assim o seu investimento, ou aqueles que estejam mais vocacionados para o público a que querem dirigir a publicidade em causa.
9-  Sendo irrelevante, para a maioria deles, quem é o Director da publicação.
10-  A saída do R. não provocou nem a transferência de clientela e anunciantes para o Jornal D.... , nem a quebra de vendas do Jornal C...., que, pelo contrário, manteve a sua tendência de subida, conforme dados infra provados.
11- (…) ([1])
12 –  No mercado da imprensa diária generalista de circulação nacional, no âmbito dos jornais de informação geral, distinguem-se produtos diferenciados que se podem colocar num segmento de pendor “mais popular” – onde se inclui o Jornal C....– e num segmento mais dito de “referência” – onde se inclui o Jornal D.... “
13 – A diferenciação baseia-se na linha editorial distinta entre jornais de informação geral de referência – também denominada “imprensa de informação” – e os designados tablóides – também denominada “imprensa de sensação”.
14 – Os dois jornais em causa dirigem-se a públicos distintos, procurando abranger leitores com perfis diferentes, e, segundo os estudos de mercado, o público-alvo do Jornal C.... é classe C/D, e a do Jornal D.... é a classe A/B.
15 – A posição do Jornal C.... no ranking da APCT (Associação Portuguesa de Controle de Tiragens), entidade que oficialmente recolhe e difunde os dados de circulação/vendas das publicações nacionais, aparece reforçada nos 2º e 3º Trimestres de 2007 – semestre consecutivo à saída do R. da A.
16 –
E, de acordo com os elementos constantes do mapa que se junta como Doc. nº:
• no último trimestre de 2006 o Jornal C.... vendeu 113.531 exemplares;
• no primeiro trimestre de 2007 vendeu 113.529;
• no segundo trimestre de 2007 vendeu 117.917; e finalmente
• no terceiro trimestre de 2007 vendeu 121.203.
(ainda não existem dados disponíveis relativamente ao quarto
trimestre de 2007).
17- Como decorre do mapa Doc. nº 3 (“Bareme de audiências da Marktest”), que se dá por reproduzido, o Jornal C.... aumentou a sua audiência nas primeira e segunda vagas de entrevistas realizadas em 2007, ou seja, após a saída do R. da Direcção do referido jornal.
18 – Os trabalhadores da A. que se desvincularam na sequência da saída do R. fizeram-no guiados pelas suas motivações individuais e circunstâncias próprias.
19 – Na sequência da decisão de saída do R. para a direcção do Jornal D...., houve pessoas que decidiram também sair.
20 – E houve pessoas que, perante a possibilidade que lhes foi dada pela GN..., quiseram integrar o novo projecto do Jornal D.... e decidiram pôr termo ao contrato com a A.,
21 – Os contratos celebrados com ex-trabalhadores da A. foram negociados individualmente, entre os próprios e a GN...
22- No decurso do ano de 2007 e, após a saída do R., a A., conjuntamente com outras sociedades do Grupo CF..., contratou um conjunto de trabalhadores da GN..., a maioria dos quais pertencentes à sua área comercial.
23 - Foram eles:
(...)
24 –
Para além destes, mais outros nove trabalhadores transitaram, durante os anos de 2007 e 2008 da GN... para a empresa A. ou para outras empresas do Grupo CF..., a saber:
(...)
25 – Tinha sido acordado entre a autora e o R. que este, findo o prazo do contrato de Aluguer de Longa Duração (ALD) do veículo que utilizava, poderia optar por comprá-lo pelo valor remanescente, sendo que o mesmo se passaria caso o contrato de trabalho viesse a cessar por qualquer causa.
26 – O R. não entregou a viatura imediatamente, ficando a aguardar que a A. o informasse sobre os termos e o valor por que poderia, caso o desejasse, exercer a supra mencionada opção de compra.
27 – Isso mesmo foi formalizado na carta enviada à Administração da A... em 8 de Junho de 2007, na qual solicitava, igualmente, que lhe fosse entregue uma cópia do respectivo contrato de ALD (cfr. Doc. 28 junto à PI).
28- O contrato de ALD tinha como objecto a viatura que estava afecta ao R., e, segundo o acordado entre autora e réu, deveria ter a duração de 3 anos (36 meses) - Doc. nº 6, fls 176, que dá por integralmente reproduzida.
29 – O réu, considerando o tempo já decorrido de mais de três anos, e o valor das mensalidades de aluguer entretanto pagas pela autora, entendeu que o valor residual apresentado por esta não podia estar correcto.
30 – A autora não lhe entregou cópia do contrato de ALD, tal como lhe tinha solicitado na carta de 8 de Junho de 2007.
31- Assim, por estes motivos entendeu o R. que não devia exercer a opção de compra por um montante que considerava exagerado.
32 – Ficando a aguardar que lhe fosse enviada a referida cópia do contrato, o que aconteceu somente no decurso desta acção.
33 - A autora, apesar de ter acordado com o réu três anos de aluguer com opção subsequente de aquisição, acabou por contratar com a locadora um prazo de 48 meses (de 22.10.03 a 21.10.07), com prorrogação de seis meses em 30.11.07, conforme fls 214 a 217.
*

            Fundamentação de direito


            Quanto à reapreciação da matéria de facto
            (...)
Improcede, pois, a impugnação da matéria de facto, excepto em relação nº 11 da contestação que se elimina por conclusivo.

            Quanto às questões de direito
Está em causa a validade e eventual violação pelo Recorrido das cláusulas 2ª e 8ª da adenda ao contrato de trabalho celebrada entre as partes em 11 de Junho de 2002 e das respectivas cláusulas penais (cls. 7º e 9º).
A Cláusula 2ª é do seguinte teor:
“Em caso de cessação do contrato de trabalho, a qualquer título, o 2º outorgante obriga-se, pelo prazo de um ano, a não exercer actividade em qualquer publicação diária generalista, quer a título de trabalhador, quer de prestador de serviços, consultor, trabalhador independente ou outro, por via directa ou indirecta, que seja concorrencial com a actividade exercida, nesta data, pela 1ª outorgante e nas sociedades do Grupo nas quais o segundo outorgante tenha exercido quaisquer funções nos últimos 24 meses”.
E a Cláusula 8ª tem a seguinte redacção:
“Ainda em caso de cessação do contrato de trabalho, a qualquer título, o 2º outorgante obriga-se, durante o período de um ano, a não promover a contratação, qualquer que seja a forma que revista, de trabalhadores da 1ª outorgante ou de sociedades que com ela estejam em relação de grupo ou participação para sociedades que, directamente ou por relação de grupo ou participação, sejam concorrenciais com a actividade exercida, nesta data, pela 1ª outorgante”.
A Recorrente discorda da sentença recorrida que considerou nulas ambas as cláusulas (2ª e 8ª da adenda) bem como as respectivas cláusulas penais, por entender que as mesmas são válidas devendo o Recorrido ser condenado no valor das cláusulas penais estipuladas.

Antes de mais importa referir que à data da celebração da adenda onde foram estipuladas as referidas cláusulas estava, ainda, em vigor a LCT, aprovada pelo Dec-Lei 49.408 de 24.11.69, que acerca do pacto de não concorrência, no seu art. 36º, estipulava o seguinte:
1. São nulas as cláusulas dos contratos individuais de trabalho e das convenções colectivas de trabalho, que, por qualquer forma, possam prejudicar o exercício do direito ao trabalho, após a cessação do contrato”.
2. É lícita, porém, a cláusula pela qual se limite a actividade do trabalhador no período máximo de três anos subsequentes à cessação do contrato de trabalho, se ocorrerem cumulativamente as seguintes condições:
a) constar tal cláusula, por forma escrita, do contrato de trabalho,
b) tratar-se de actividade cujo exercício possa efectivamente causar prejuízo ao empregador;
c) atribuir-se ao trabalhador uma retribuição durante o período de limitação da sua actividade (…).
Esta norma foi, entretanto, revogada e substituída pelo art. 146º do Código do Trabalho, aprovado pela Lei 99/2003 de 27.08, que entrou em vigor em 1.12.2003, a qual reproduz, com pequenas alterações que ao caso não importam, a norma anterior.
E, actualmente, vigora o art. 136º do Código do Trabalho de 2009, aprovado pela Lei 7/2009de 12.02, com idêntica redacção.

No que toca à cláusula 8ª, concordamos com a sentença recorrida que julgou nula tal cláusula por indeterminação do seu objecto – 280º do CC, e porque, ainda que assim não fosse, a matéria provada não permite concluir que o réu tivesse “promovido” a contratação dos demais trabalhadores que denunciaram os contratos de trabalho e que foram contratados pela GN...
Acrescentaremos, contudo, na esteira do parecer subscrito por Júlio Gomes, junto aos autos, que a cláusula 8ª acima referida “não representa uma cláusula de não concorrência, constituindo antes um pacto restritivo da liberdade de trabalho alheia que julgamos proibido por força do nº 1 do art. 146” (cuja redacção corresponde ao nº 1 do art. 36º da LCT.
Com efeito, o disposto no nº 1 do art. 36º da LCT não se limita a tutelar a liberdade de trabalho do trabalhador em cujo contrato figura a cláusula, mas a liberdade de trabalho em geral, constituindo uma decorrência dos princípios consagrados nos arts. 47º, nº 1, e 58º, nº 1, da Constituição da República Portuguesa, especificamente enquanto deles deriva o direito a não ser impedido de exercer uma profissão para a qual se tenham os necessários requisitos.
Desta norma emerge a tutela da liberdade de trabalho como direito fundamental, que implica a inadmissibilidade de pactos restritivos ou prejudiciais a essa mesma liberdade, após a cessação do contrato.
Por isso, o pacto de não concorrência previsto no nº 2 do art. 36º da LCT, não pode deixar de ser visto como excepção ao princípio firmado no nº 1 do mesmo preceito, onde se tutela a liberdade de trabalho em geral.
Ora, a cláusula 8ª supra citada, sendo uma cláusula limitativa da liberdade de trabalho de terceiros não incluídos no contrato está abrangida pela proibição constante do nº 1 do art. 36º da LCT, sendo também por esta razão nula.
Mantém-se, pois, o entendimento de que tal cláusula é nula.

Quanto à cláusula 2ª supra referida.
A recorrente entende que tal cláusula é válida por se verificarem todos os pressupostos legalmente exigíveis para a sua admissibilidade, entendendo, também, que o prejuízo a que se alude na al. b) do nº 2 art. 6º da LCT (e igualmente na al. b) do nº 2 do art. 146º do CT/2003 não carece de ser alegado nem provado por quem invoca a obrigação de não concorrência.
Ora, no caso vertente, verifica-se que a cláusula 2ª da adenda que estipula o pacto de não concorrência, constava de acordo escrito, tinha o prazo de um ano a contar da data da cessação do contrato e estipulava uma compensação pelo período de limitação da actividade do trabalhador, cumprindo assim os requisitos exigidos pelas al. a) e c) do nº 2 do art. 36º da LCT.
Mas para que a cláusula de não concorrência seja válida é, ainda, necessário que se verifique o requisito constante da al. b) do citado preceito, ou seja, que “se trate de actividade cujo exercício possa efectivamente causar prejuízo ao empregador”.
Para que a cláusula de não concorrência seja legítima é necessário que tenha por finalidade impedir que o trabalhador, cessando o seu contrato de trabalho, possa no exercício da sua actividade causar prejuízos ao empregador, pelos conhecimentos e segredos que tenha obtida no exercício da actividade anterior e que possa agora vir a aproveitar no novo trabalho.
Mas, “este prejuízo não é um qualquer prejuízo, o prejuízo causado por qualquer concorrente, mas sim um prejuízo especial, um prejuízo causado por um concorrente diferente dos demais pelo seu especial contacto com a clientela e o acesso a informações confidenciais” ([2]).
Como se refere no Acórdão do TC, nº 256/2004 de 14.04.2004, disponível em www.tribunalconstitucional.pt), “Não basta o prejuízo comum de o empregador perder um seu trabalhador de qualidade para outra empresa concorrente. Há-de estar em causa o risco daquilo que a doutrina designa por “concorrência diferencial”, isto é, a especificidade da concorrência que um ex-trabalhador está em condições de realizar relativamente ao seu antigo empregador, por ter trabalhado para ele”.
A cláusula de não concorrência no contrato de trabalho visa obviar ou impedir a possibilidade de concorrência diferencial que se traduz na possibilidade de alguns trabalhadores pelas funções que exercem poderem arrastar consigo uma parte substancial da clientela ou divulgar segredos de fabrico ou informações confidenciais que podem ser prejudiciais para os interesses da sua anterior empresa, e que são igualmente dignos de tutela jurídica.
A cláusula de não concorrência impede o trabalhador de exercer livremente uma actividade profissional e, por ser contrária aos direitos fundamentais, a proibição de concorrência deve ser proporcionada ao escopo prosseguido que reside na tutela dos interesses da empresa.
Pode dizer-se que as cláusulas de não concorrência são válidas desde que sejam indispensáveis à protecção dos interesses da empresa. Por isso, cabe ao empregador que invoca em seu favor a cláusula de não concorrência demonstrar que os conhecimentos adquiridos pelo trabalhador no decurso do contrato implicam riscos particulares específicos para a empresa. Na falta de um interesse do empregador justificado pelo risco de uma concorrência diferencial a cláusula é nula ([3]).
Assim, podemos concluir que a licitude da própria cláusula de não concorrência passa pela existência (alegação e demonstração da mesma) por parte do empregador de um interesse legítimo em evitar a concorrência diferencial de um seu antigo colaborador.
Este interesse legítimo do empregador tem de ser alegado e provado pelo empregador, pois o mesmo não se presume, e, no caso concreto, não se deduz das funções legalmente atribuídas ao director de um jornal.
Discorda-se, pois, da Recorrente quando esta afirma que “a susceptibilidade de causar prejuízo à entidade patronal não tem de ser demonstrada, uma vez cessado o contrato, nem tão pouco alegada em acção em que se pretenda a reparação do incumprimento. O prejuízo terá de poder potencialmente verificar-se quando a cláusula é acordada, numa apreciação em abstracto”.
Segundo Júlio Gomes ([4]) “a introdução da cláusula (de não concorrência) no contrato de trabalho tem pois de corresponder a um interesse legítimo do empregador e é este interesse que ele terá de alegar e provar: nas palavras da lei há-de “tratar-se de actividade cujo exercício possa efectivamente causar prejuízo ao empregador” (al b) nº 2 do art. 146º)”.
No caso vertente, a Autora, ora Recorrente, não cumpriu esse ónus de alegação pois, como bem refere a sentença “não alegou factos relativos aos conhecimentos específicos e perigosos a que teria acesso o R. a que know how acedeu, que segredos conheceu, que clientela poderia desviar e como” e acrescenta “se o R. teve acesso a outras informações internas que poderiam prejudicar a autora caso chegassem à concorrência, o tribunal desconhece quais sejam, porque aquela não alegou os factos demonstrativos desse perigo de dano”.
Perante o incumprimento desse ónus de demonstração de um legítimo interesse em evitar a concorrência diferencial do trabalhador, podemos concluir, como concluiu a sentença recorrida, pela nulidade da cláusula 2ª.
Por outro lado, mesmo que se entendesse que a cláusula em questão era válida, também era sobre o empregador que recaia o ónus de demonstrar a violação da mesma por parte do ora Recorrido.
E a este respeito, verifica-se que a Recorrente também não fez prova do incumprimento dessa cláusula pelo Recorrido. Com efeito, por um lado, está provado que o R. não detinha qualquer influência ou controlo sobre a clientela, conforme resulta dos factos constantes dos nº 3, 6, 7, 8 e 10 da contestação, e, por outro lado, também não se demonstrou a existência de uma concorrência directa entre os dois jornais diários em questão (DN e CM), conforme resulta dos factos constantes dos números 12, 13, 14, 15 e 17 da contestação. Deste modo não está demonstrada a existência de uma situação de concorrência diferencial, e, consequentemente, a violação da referida cláusula por parte do Recorrido.
Assim, temos de concluir pela nulidade da referida cláusula, ou, pelo menos, temos de considerar que a mesma não foi violada pelo Recorrido.
Deste modo, também as cláusulas penais estabelecidas nas cls. 7ª e 9ª da adenda ao contrato de trabalho são nulas, de acordo com o disposto no art. 810º nº 2 do C.C, ou, pelo menos, não têm aplicação por não se verificar o incumprimento das cláusulas de não concorrência pelo Recorrido.
Improcedem, assim, as conclusões do recurso, sendo de confirmar a decisão recorrida.

Decisão
Nos termos expostos, acorda-se em julgar improcedente o recurso, confirmando-se a decisão recorrida.
Custas a cargo da Recorrente.

Lisboa, 20 de Outubro de 2010

Seara Paixão
Ferreira Marques
Maria João Romba
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[1] Eliminado por decisão deste acórdão. A redacção deste número era a seguinte: “Mesmo para um Director de um jornal, como o R., a recusa perante a sua entidade patronal em assinar um pacto de não concorrência trar-lhe-ia constrangimentos, desde logo pelo receio de tal recusa poder inculcar na A. a ideia de que estaria a pensar em pôr termo ao contrato.”
[2] Júlio Gomes, Parecer, fls. 561
[3] Cfr. Nota 14 do Parecer citado, pag. 561-562
[4] Parecer pag. 561.
Decisão Texto Integral: