Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
5754/15.7T8LSB.L1-8
Relator: TERESA SANDIÃES
Descritores: TELECOMUNICAÇÕES
PRÁTICAS ANTICONCORRENCIAIS
OBRIGAÇÃO DE INDEMNIZAR
INÍCIO DA PRESCRIÇÃO
DECISÃO DO T.J.U.E APÓS RENVIO PREJUDICIAL
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 11/05/2020
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: 1. Perante as características da autonomia material, processual e sancionatória entre o direito de mera ordenação social e o direito penal e, sobretudo, das garantias próprias do direito penal, e atenta a natureza excepcional da norma do artº 623º do C.P.C., está vedada a aplicação analógica (artº 10º do CC), bem como a sua interpretação extensiva (artº 11º do CC) de molde a integrar a decisão proferida em processo de contra-ordenação.
2. Na data em que apresentou denúncia na autoridade nacional da concorrência a A. revelou, então, não só um conhecimento empírico dos factos constitutivos do direito, como os qualificou juridicamente, imputando a prática de abuso de posição dominante à ora R. X. TV, com concretização material de factos, devendo aquela data constituir o termo inicial da contagem do prazo de prescrição do artº 498º, nº 1 do CC.
3. A declaração final do acórdão proferido pelo T.J.U.E no âmbito do reenvio prejudicial solicitado nos autos, centra-se, não na inexistência de causa de suspensão ou interrupção do prazo prescricional em função estritamente/por efeito de ter uma autoridade da concorrência tomado medidas no âmbito de investigação ou de um processo relativo a infracção ao direito da concorrência com a qual a acção esteja relacionada, mas foca-se, pressupõe que inexista qualquer possibilidade de suspensão ou interrupção durante o procedimento tramitado na autoridade nacional da concorrência.
4. O TJUE forneceu os critérios de interpretação do direito da União Europeia para que o tribunal a quo pudesse decidir o litígio, aplicando ou afastando o direito nacional em função daqueles critérios e da interpretação do direito nacional, critérios de interpretação/premissas que, formulados de forma genérica, no sentido de equacionados em abstracto - prazo curto de prescrição, que prescinde do conhecimento do lesante e da extensão integral dos danos e que não preveja qualquer causa de suspensão ou interrupção do prazo prescricional durante o procedimento tramitado na autoridade nacional da concorrência -, possam ser usados por qualquer tribunal nacional de qualquer Estado-Membro.
5. O entendimento de que o TJUE impôs o afastamento do artº 498º, nº 1 do CC ou impôs que fosse considerada causa de suspensão do prazo prescricional por efeito da pendência de um processo tramitado na autoridade nacional da concorrência em que se investiga uma infracção ao direito da concorrência, e até à sua decisão definitiva conduziria, na prática, à aplicação retroactiva da Directiva 2014/104/UE e à Lei 23/2008, de 05/06, que a transpôs para o direito português, diplomas que contêm normas expressas que proíbem essa aplicação.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam os Juízes da 8ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa

C. , propôs a presente ação declarativa comum contra X, S.A. (1ª RÉ), Y, S.A. (2ª RÉ) e Z, S.A. (3ª RÉ), tendo formulado os seguintes pedidos:
“a) Ser declarado que as Rés violaram o artigo 102º do TFUE e/ou o artigo 6º da Lei n.º 18/2003, de 11.06;
b) Serem as rés condenadas, conjunta e solidariamente (no caso da 3ª Ré, apenas no que respeita o período a partir de 14 de novembro de 2007), a indemnizar a A. pelos danos decorrentes dos comportamentos anti concorrenciais, culposos e ilícitos, em causa, entre 3 de agosto de 2006 e 30 de março de 2011, especificamente:
i) pelos danos correspondentes ao excesso de preço pago pelos canais S.TV, no valor de EUR 9.148.011;
ii) pelos danos correspondentes à remuneração do capital não disponível por força deste excesso de preço, calculado por referência às taxas de rendibilidade de obrigações do tesouro divulgadas pelo Banco de Portugal, durante o período em causa e até à citação, que até ao final de janeiro de 2015 ascendiam a EUR 2.396.923; e
iii) pelos danos decorrentes da perda de negócio resultante das práticas anti concorrenciais da S. TV, em termos a determinar em fase de liquidação de sentença;
c) Subsidiariamente à alínea (b), serem as Rés condenadas, conjunta e solidariamente (no caso da 3ª Ré, apenas no que respeita ao período a partir de 14 de novembro de 2007), a devolver à A. os montantes de que se apropriaram indevidamente, correspondentes a (i) e (ii) da alínea anterior;
em qualquer caso, acrescendo juros de mora vincendos, à taxa legal, desde a citação até efetivo pagamento.”
Para tal alegou, em síntese, que a Autora é a empresa mãe de um grupo multinacional de empresas do sector das telecomunicações e dos media e, através das suas subsidiárias, adquiriu, em julho de 2006, a W., S.A., a qual veio a vender em 29.02.2012. Entre 3 de agosto de 2006 e 30 de março de 2011, a W. SA tinha como atividades principais a prestação de serviços de televisão por cabo, de serviço telefónico em local fixo, de serviço de acesso à internet e de aluguer de fibra ótica, em grande parte de Portugal continental. No âmbito da sua atividade de radiodifusão, a 1ª Ré, controlada conjuntamente pelas 2ª e 3ª Rés, praticou comportamentos anti concorrenciais, entre 03.08.2006 e 30.03.2011, consubstanciados, sinteticamente, no abuso de posição dominante, aplicando à Autora condições discriminatórias e não equitativas em contratos individuais, comportamentos esses que foram identificados pela Autoridade da Concorrência, na sua decisão de 14.06.2013, entretanto parcialmente confirmada pelo Tribunal da Concorrência, Regulação e Supervisão, entretanto também confirmada pelo o Tribunal da Relação de Lisboa (Acórdão de 11.03.2015, posterior à propositura da ação). Estes comportamentos concorrenciais resultaram em danos na esfera jurídica da Autora, correspondentes ao excesso de preço pago pelos canais S.TV, acrescido da remuneração do capital não disponível por força deste excesso de preço, e ainda em danos decorrentes da perda de negócio resultante das práticas anticoncorrenciais da X, SA.
As Rés apresentaram contestação.
A R. X, SA arguiu, além do mais, a prescrição do direito à indemnização invocado pela Autora dizendo, em síntese, que, devendo este direito fundar-se em responsabilidade extracontratual, o prazo prescricional de três anos que lhe é aplicável já se mostrava inteiramente verificado à data da propositura da ação, na medida em que os elementos constitutivos desse direito eram por aquela já conhecidos, pelo menos: em 30.04.2008, data da celebração de contrato de distribuição entre X, SA e W., SA, quando a Autora tomou conhecimento do alegado facto ilícito, da identidade do alegado infrator e do alegado prejuízo; em 30.07.2009, quando apresentou junto da Autoridade da Concorrência uma queixa por abuso de posição dominante, nomeadamente quanto à ora Ré; em 09.05.2011, quando a W., SA remete uma carta à Ré na qual, não só identifica a invocada infração das regras de concorrência, mas também já quantifica os prejuízos que entende daí resultarem para si; em 18.07.2011, quando ambas as entidades celebraram um aditamento ao contrato de distribuição de canal de televisão, pelo qual a cláusula referente à remuneração devida à X. SA foi alterada com efeitos retroativos a Abril de 2011. Em qualquer destes momentos a Autora revelou dispor do conhecimento dos elementos fundamentais e necessários à verificação do facto desencadeador do prazo de prescrição de três anos, pelo que tal prazo já estava completo à data de entrada da presente ação. Sendo que contra isto não colhe argumentar a circunstância de a Diretiva 2014/104/UE alargar o prazo de prescrição do direito – já porque esta Diretiva, mesmo depois de transposta, apenas é aplicável às relações jurídicas ainda subsistentes à data do seu início de vigência, nos termos gerais da aplicação da lei substantiva no tempo, já porque a própria Diretiva dispõe que a sua aplicação vigora apenas para o futuro, não sendo, portanto aplicável retroativamente. Para além disso, ainda que se tomasse como boa a alegação, da própria Autora, de que esta tomou conhecimento total dos prejuízos sofridos em 29.02.2012, a prescrição já estava verificada à data da propositura desta ação, considerando o disposto nos artigos 279º, c) e 323º, n.ºs 1 e 2 do Código Civil. Finalmente, improcede o argumento de que só com a decisão da Autoridade da Concorrência, de 04.06.2013, é que a Autora tomou conhecimento do direito que lhe assistia, dado estarem em confronto dois ramos do direito diferentes e o lesado não ter nem dever esperar pela aplicação de uma sanção para acionar o lesante no âmbito da responsabilidade civil.
A 1ª Ré invocou, também, a ilegitimidade processual da Autora, pois os danos, a terem existido, produziram-se na esfera jurídica da W., SA, sendo certo que não alegou nem demonstrou que lhe tenha sido transmitido algum direito desta última, e alegou que a Autora não cumpriu com o seu ónus de alegação dos factos constitutivos da sua causa de pedir, o que se verifica com especial incidência quanto ao pedido formulado na subalínea iii) da alínea b) da petição inicial. Impugnou parte da factualidade vertida na p.i.
Concluiu pedindo a sua absolvição do pedido por procedência da exceção perentória de prescrição, ou da instância, por verificação da exceção dilatória de ilegitimidade ativa, e, subsidiariamente, a procedência das exceções dilatórias referentes ao pedido formulado na subalínea iii) da alínea b) da petição inicial, por falta de causa de pedir e inadmissibilidade de pedido genérico; e, em todo o caso, a sua absolvição de todos os pedidos.
A Ré Y, SA também invocou a exceção de ilegitimidade processual ativa, por não ter sido na esfera jurídica da Autora (mas sim da W., SA) que os alegados danos se teriam verificado. Invocou, também, a sua ilegitimidade passiva, posto que apenas à 1ª Ré poderia ser imputada qualquer responsabilidade pela invocada prática de comportamentos anticoncorrenciais, já que esta sempre gozou de total autonomia na definição e concretização da sua atividade empresarial, sem qualquer interferência dos seus acionistas. Arguiu, ainda, a exceção de prescrição, porquanto aquando da denúncia apresentada à Autoridade da Concorrência, em 30.09.2009, a Autora soube identificar, não apenas um conhecimento empírico dos factos constitutivos do seu direito, mas também proceder à qualificação jurídica desses factos como ilícitos. À semelhança do que, aliás, fizeram as demais demandadas, a 2ª Ré evidenciou o paralelismo de regime, no que concerne à prescrição, entre a responsabilidade civil extracontratual e o enriquecimento sem causa, também invocado pela Autora na sua causa de pedir.
Pugnou ainda, pelo reconhecimento da violação, pela Autora, do seu ónus de alegação dos factos essenciais constitutivos da sua causa de pedir, ao invés de constantemente remeter para a decisão do Tribunal da Concorrência, Regulação e Supervisão. 
Concluiu pela sua absolvição do pedido, por procedência da exceção de prescrição; ou pela sua absolvição da instância, em face das exceções de ilegitimidade ativa e passiva; pela improcedência da ação e, ainda, pela condenação da Autora em sede de litigância de má fé, em multa e indemnização no valor de € 25.000,00.
A Ré Z., SA invocou as exceções dilatórias de ilegitimidade ativa e passiva, bem como a perentória de prescrição; aduziu o argumento de que o direito europeu da concorrência – seja no seu âmbito primário, nomeadamente o artigo 102º do TFUE, seja no direito derivado, concretamente a Diretiva 2014/104/UE, do Parlamento Europeu e do Conselho – não é aplicável à situação dos autos, pelo que o pedido da Autora e os fundamentos por si invocados para o seu direito a indemnização devem ser avaliados estritamente em função das regras aplicáveis de direito nacional, quer em matéria substantiva, quer em matéria adjetiva.
A 3ª Ré também impugnou a factualidade alegada na petição inicial – à semelhança das restantes demandadas, quanto às condutas ilícitas e culposas alegadas pela Autora, quanto aos danos por esta invocados e quanto à inexistência de enriquecimento sem causa.
Conclui pela sua absolvição da instância por ilegitimidade ativa e passiva, pela sua absolvição do pedido por prescrição e pela improcedência da ação.
A A., notificada para o efeito, apresentou resposta às exceções, pugnando pela sua improcedência.
Foi realizada audiência prévia, na qual foi pelo Tribunal entregue e discutido com as partes um projeto de despacho saneador, com pronúncia sobre as exceções dilatórias (ilegitimidade ativa e passiva e ineptidão da petição inicial quanto a um dos pedidos aí formulados) e perentória (prescrição), bem como de identificação do objeto do litígio e seleção dos temas da prova.
Na sequência da posição assumida pelas partes em tal sentido, o Tribunal a quo veio a proferir despacho de reenvio prejudicial ao Tribunal de Justiça da União Europeia, nos termos do disposto no artigo 267º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (TFUE), tendo formulado as seguintes questões:
“1 — Os artigos 9.º, n.º 1, 10.º, n.ºs 2, 3 e 4, da Diretiva 2014/104/UE de 26 de Dezembro de 2014 bem como as suas restantes disposições ou princípios gerais de direito da União Europeia aplicáveis, podem ser interpretados no sentido de que criam direitos para um particular (no caso uma sociedade comercial anónima sujeita à lei Canadiana) que este pode fazer valer judicialmente contra outro particular (no caso, uma sociedade comercial anónima sujeita à lei portuguesa) no contexto de uma ação para indemnização de alegados prejuízos sofridos em consequência de uma violação do direito da concorrência, em particular, quando à data da propositura da ação judicial em causa (27 de Fevereiro de 2015), ainda não tinha sequer terminado o prazo conferido aos Estados-membros para procederem à sua transposição para o direito nacional, nos termos do artigo 21.º, n.º 1, da Diretiva?
2 — O artigo 10.º, n.ºs 2, 3 e 4, da Diretiva, bem como as suas restantes disposições ou princípios gerais de direito da União Europeia aplicáveis, podem ser interpretados no sentido de que com eles seria incompatível uma disposição nacional como o artigo 498.º, n.º 1, do Código Civil Português que, ao ser aplicada a factos ocorridos antes da publicação, antes da entrada em vigor da Diretiva e antes da data estabelecida para a sua transposição, numa ação judicial proposta igualmente antes desta última data:
a) fixa um prazo de prescrição de 3 anos para um direito de indemnização fundado na responsabilidade civil extracontratual;
b) estabelece que esse prazo de 3 anos se inicia na data em que o lesado teve conhecimento do direito que lhe compete, ainda que com desconhecimento da pessoa do responsável e da extensão integral dos danos; e
c) desconhece qualquer norma que imponha ou autorize a suspensão ou interrupção daquele prazo em função estritamente de ter uma autoridade da concorrência tomado medidas no âmbito de uma investigação ou de um processo relativa a infração ao direito da concorrência com a qual a ação de indemnização esteja relacionada?
3 — O artigo 9.º, n.º 1, da Diretiva bem como as suas restantes disposições ou princípios gerais de direito da união europeia aplicáveis podem ser interpretados no sentido de que com eles seria incompatível uma disposição nacional como o artigo 623.º do Código de Processo Civil Português que, ao ser aplicada a factos ocorridos antes da entrada em vigor da Diretiva e da data estabelecida para a sua transposição, numa ação judicial proposta igualmente antes desta última data:
a) dispõe que uma condenação definitiva proferida em processo contraordenacional não produz efeitos em quaisquer ações civis em que se discutam relações jurídicas dependentes da prática da infração? Ou (dependendo da interpretação)
b) estatui que uma tal condenação definitiva em processo contraordenacional constitui em relação a terceiros apenas presunção ilidível no que se refere à existência dos factos que integram os pressupostos da punição e dos elementos do tipo legal, em quaisquer ações civis em que se discutam relações jurídicas dependentes da prática da infração?
4 — Os artigos 9.º, n.º 1, 10.º, n.ºs 2, 3 e 4, da Diretiva, o artigo 288.º, terceiro parágrafo, do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia, ou quaisquer outras normas de direito originário ou derivado, precedentes jurisprudenciais ou princípios gerais da União Europeia aplicáveis, podem ser interpretados no sentido de que com eles seria incompatível a aplicação de normas de direito nacional como os artigos 498.º, n.º 1, do Código Civil Português e 623.º do Código de Processo Civil Português que, ao incidir sobre factos ocorridos antes da publicação, da entrada em vigor e da data estabelecida para a transposição da Diretiva, numa ação judicial proposta igualmente antes desta última data, não tenham em linha de conta o texto e a finalidade da Diretiva e não visem atingir o resultado por ela prosseguido?
5 — Subsidiariamente, apenas para o caso de o TJUE vir a responder positivamente a qualquer das perguntas anteriores, o artigo 22.º da Diretiva, bem como as suas restantes disposições ou princípios gerais de direito da União Europeia aplicáveis, podem ser interpretados no sentido de que com eles seria incompatível a aplicação ao caso pelo tribunal nacional do artigo 498.º, n.º 1, do Código Civil Português ou do artigo 623.º do Código de Processo Civil Português na sua redação atual, mas interpretados e aplicados por forma a serem compatibilizados com as disposições do artigo 10.º da Diretiva?
6 — Em caso de resposta afirmativa à questão 5, pode um particular invocar o artigo 22.º da Diretiva contra outro particular perante um tribunal nacional em ação de indemnização de alegados prejuízos sofridos em consequência de uma violação do direito da concorrência? “
O Tribunal de Justiça proferiu Acórdão em 28.03.2019, junto a fls. 6393 e seguintes dos autos, tendo declarado que:
“1) O artigo 22. ° da Diretiva 2014/104/UE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de novembro de 2014, relativa a certas regras que regem as ações de indemnização no âmbito do direito nacional por infração às disposições do direito da concorrência dos Estados-Membros e da União Europeia, deve ser interpretado no sentido de que esta diretiva não se aplica ao litígio no processo principal.
2) O artigo 102.° TFUE e o princípio da efetividade devem ser interpretados no sentido de que se opõem a uma legislação nacional que, por um lado, prevê que o prazo de prescrição para as ações de indemnização é de três anos e começa a correr a partir da data em que o lesado teve conhecimento do seu direito de indemnização, embora com desconhecimento da pessoa do responsável pela infração, e, por outro, não prevê nenhuma possibilidade de suspensão ou de interrupção deste prazo durante o procedimento tramitado na autoridade nacional da concorrência.”
Após exercício do contraditório foi proferido despacho saneador, julgadas improcedentes as exceções de ilegitimidade ativa e passiva, procedente a exceção de ineptidão parcial da petição inicial e, em consequência, absolvidas as Rés da instância, no que concerne, ao pedido formulado na subalínea iii) da alínea b) da petição inicial. Mais, foi a ação julgada improcedente e, em consequência, absolvidas as Rés de todos os pedidos, por procedência da exceção de prescrição.
A A. recorre desta decisão, terminando a sua alegação com as seguintes conclusões, que aqui se reproduzem:
1. MATÉRIA DE FACTO
A. A Recorrente requer que seja dado como não provado, por manifestamente falso, o facto n.º 6 dado como assente pela Sentença recorrida. [Cfr. Alegações supra §§4 a 9]
 B. No que releva para a matéria em apreço no presente recurso, a Recorrente requer que sejam dados como factos assentes nos presentes autos, por não contestados, provados pelos documentos anexos à (ou citados na) Petição inicial e/ou de conhecimento público e notório, os factos alegados nos §§53 a 58, 60 a 66, 74, 76 e 94 da Petição inicial, sobre os quais não se pronunciou o Tribunal a quo. [Cfr. Alegações supra §10]
 C. No que releva para a matéria em apreço no presente recurso, a Recorrente requer que seja dado como facto assente nos presentes autos, por provado pelos documentos anexos à (ou citados na) Petição inicial e/ou de conhecimento público e notório, que os factos alegados pela Recorrente nos §§71, 121, 123 da Petição inicial, sobre os quais não se pronunciou o Tribunal a quo, basearam-se em informações confidenciais, que não constavam da denúncia da Recorrente à AdC, e a que a Recorrente não tinha acesso antes da adoção da Decisão PRC 2010/2 da AdC. [Cfr. Alegações supra §11]
2. MATÉRIA DE DIREITO
2.1. EXCEÇÃO DE INEPTIDÃO DA PETIÇÃO INICIAL
D. Na medida em que declara a Petição inicial inepta, no que concerne ao pedido formulado na subalínea iii) da alínea b) da petição inicial, a Sentença recorrida:
a) está insuficientemente motivada, não analisando o quadro factual relevante alegado na Petição inicial a este respeito; [Cfr. Alegações supra §§12 a 20]
b) incorre num erro manifesto de facto ao afirmar que a Petição inicial não inclui os factos essenciais que sustentam o pedido de indemnização pela perda de negócios, os quais constam dos §§100-106, 119-124, 129-134 e 139-157 da Petição inicial; [Cfr. Alegações supra §§13 a 16]
c) incorre num erro manifesto de facto e/ou erro de direito, ao afirmar que as Rés não demonstraram compreender a causa de pedir associada a este pedido, nos termos e para os efeitos do artigo 186.º(3) do CPC, compreensão essa que resulta dos §§58, 318, 367, 369, 387-388 da Contestação da NOS, e §617 et ss. da Contestação da 1ª R.; [Cfr. Alegações supra §§17 a 20]
d) incorre num erro de direito ao aplicar um teste de ineptidão da Petição inicial desconforme com o direito vigente (maxime, artigos 186.º(2)(a) e 552.º(1)(d) do CPC), considerando que:
(i) a Recorrente desenhou com suficiente clareza o pedido e a causa de pedir, em especial os factos que servem de fundamento ao pedido de perda de negócios, alegando claramente que a perda de negócios correspondia à não conquista de uma maior quota de mercado no mercado da televisão por subscrição em resultado das práticas anticoncorrenciais alegadas;
(ii) a posição do Tribunal a quo reconduz-se a obrigar a Recorrente a quantificar a perda de negócios, na própria Petição inicial, o que o próprio Tribunal a quo reconheceu não ser exigível, e não era possível neste caso concreto (por necessidade de acesso prévio a documentos na posse de terceiros);
(iii) a posição do Tribunal a quo impõe à Recorrente um ónus de alegação impossível ou desrazoável, e especialmente desconforme com a lógica dos temas da prova adotada na reforma do processo civil; e
(iv) ainda que o Tribunal a quo entendesse verificar-se uma incompletude ou imperfeição dos factos alegados na Petição inicial a este respeito, quod non, tal não se confunde com ineptidão, e deveria ter levado a um despacho de aperfeiçoamento da Petição inicial.
2.2. EXCEÇÃO PERENTÓRIA DE PRESCRIÇÃO
E. Além de vícios de fundamentação, o Tribunal a quo cometeu erros manifestos de facto e erros de direito ao concluir pela procedência da exceção perentória relativa ao prazo de prescrição. [Cfr. Alegações supra §§39 a 154]
 F. O Tribunal a quo cometeu erros manifestos de facto e erros de direito ao concluir ser inaplicável às práticas anticoncorrenciais sub judice o artigo 102.º do TFUE, sendo obrigatória a aplicação desta norma ao presente caso, considerando que: a) a Sentença não dá por provado ou não provado qualquer facto que seja relevante para a determinação da existência de um efeito nas trocas entre Estados-membros, não se debruçando sobre as múltiplas alegações e argumentos da Recorrente a este respeito (cfr. §§60-66, 74, 76, 80, 94, 221, 226 e 233 da Petição inicial), não lhe dando uma oportunidade de provar estes factos em julgamento, e invocando como única justificação uma sentença do TCRS que não o vincula; b) decorre dos factos – alegados pela Recorrente e que se solicita sejam ora dados por provados – que as práticas em causa, pelo menos indireta ou potencialmente, afetaram mercados onde se verificam importações e exportações entre Estados membros e onde estão presentes empresas de grupos com sede noutros Estados membros, e tal basta, nos termos da jurisprudência europeia, para que seja aplicável o artigo 102.º do TFUE; c) era supérflua uma análise detalhada no presente caso, por ser pacífico entre as Partes que as práticas abusivas alegadas pela Recorrente respeitam a serviços que abrangem a totalidade do território nacional, e por se aplicar nestes casos, por força da jurisprudência europeia, uma presunção de afetação do comércio entre Estados membros. [Cfr. Alegações supra §§41 a 54]
 G. O Tribunal a quo cometeu erros de direito, violando o artigo 102.º do TFUE em conjunto com o princípio da efetividade, e as obrigações decorrentes do Acórdão C (à luz do princípio da cooperação leal), bem como uma omissão de pronúncia, ao não chegar à conclusão que o direito europeu e o Acórdão C obrigam a concluir que os direitos reivindicados na presente ação não se encontram prescritos, considerando que:
a) o TJUE foi plenamente informado das características do ordenamento jurídico português, incluindo as possibilidades de suspensão/interrupção do prazo de prescrição, não se devendo presumir a desconsideração pelo TJUE das informações que lhe foram prestadas, e devendo-se interpretar o Acórdão no contexto dos esclarecimentos prestados durante o processo de reenvio, com a consequência de que a afirmação do TJUE de que o Código Civil português não prevê a possibilidade de suspensão ou interrupção do prazo durante a investigação da autoridade da concorrência deve ser entendida como referindo-se (na linguagem do despacho de reenvio) à ausência de suspensão/interrupção “em função estritamente” da investigação da autoridade de concorrência;
b) a pronúncia do TJUE no Acórdão C assenta no reconhecimento da especialidade das ações de indemnização por infrações concorrenciais, exigindo uma adaptação das regras gerais de prescrição a esta especialidade, e concluindo-se que o artigo 102.º do TFUE e o princípio da efetividade exigem que, neste tipo de ações, o prazo de prescrição se suspenda durante a investigação pela autoridade de concorrência (tal como o legislador europeu entendeu, ao incluir essa obrigação na Diretiva 2014/104/UE);
c) o Acórdão C deve ser interpretado no quadro mais amplo em que se insere, incluindo a adoção da Diretiva 2014/104/UE e o ensejo manifestado pelos recentes acórdãos do TJUE de promover a aplicação privada do direito da concorrência, sendo um precedente fundamental para o private enforcement em toda a União Europeia, já que, ao determinar que o prazo de prescrição das ações follow-on se deve suspender durante a investigação das autoridades de concorrência, salvou da prescrição milhares de ações nos anos vindouros por toda a Europa;
d) no Acórdão C, o TJUE não deixou ao tribunal nacional liberdade para decidir; o TJUE decidiu, específica e expressamente, no paragrafo 53, que “um prazo de prescrição (…) como o que está em causa no processo principal” (i.e., com as características do regime aplicável do Código Civil português, considerando todas as regras relevantes e não apenas o artigo 498.º(1)) viola o princípio da efetividade, estando os tribunais nacionais que decidem o caso sub judice vinculados por esta decisão. O tribunal nacional não pode, sem violar a sua obrigação de cooperação leal com as instituições europeias, decidir que a norma nacional é compatível com o direito europeu, depois de o TJUE ter afirmado não o ser. Se pretende decidir em sentido diverso ao para 53 do Acórdão C, o tribunal nacional tem de pedir o esclarecimento dessa questão ao TJUE, através de um novo reenvio prejudicial, e permitir-lhe a oportunidade de rever a sua anterior pronúncia;
e) caso o Venerando Tribunal entenda, quod non, que o TJUE adotou o Acórdão C com base numa interpretação errada do direito nacional, ou que pode concluir neste caso, apesar do Acórdão C, que o direito português não viola o direito europeu, isso demonstra que existem manifestas dúvidas de interpretação do Acórdão (concluindo-se algo que contraria a interpretação unânime da doutrina europeia), requerendo a Recorrente que seja feito um novo reenvio ao TJUE, para garantir o respeito pelo princípio da cooperação leal com as instituições europeias, nos seguintes termos:
Sugestão de questões prejudiciais: “O Acórdão do TJUE de 28 de março de 2019, C, C-637/17, EU:C:2019:263, deve ser interpretado no sentido de que, ao afirmar que “um prazo de prescrição como o que está em causa no processo principal, que, (…) não pode ser suspenso nem interrompido na pendência de um procedimento tramitado na autoridade nacional da concorrência, torna o exercício do direito de indemnização integral impossível, na prática, ou excessivamente difícil” (para 53), o TJUE partiu do pressuposto erróneo que o direito civil português não permite os casos de suspensão/interrupção do prazo de prescrição previstos nos artigos 318.º a 325.º do Código Civil?; Em caso de resposta negativa à questão anterior, o referido Acórdão vincula o tribunal nacional que decida subsequentemente o caso concreto quanto à conclusão de que o regime português de prescrição da responsabilidade extracontratual, no contexto das ações de indemnização por danos decorrentes de infrações aos artigos 101.º e 102.º do TFUE, é incompatível com o direito europeu?”.
f) caso se interprete, quod non, o Acórdão C no sentido em que o fez o Tribunal a quo, o resultado seria que o TJUE não esclareceu uma questão decisiva para a presente disputa, da ótica do direito europeu: saber se, antes da Diretiva 2014/104/UE, o artigo 102.º e o princípio da efetividade, aliados à especial complexidade das questões suscitadas nas ações de indemnização por infrações concorrenciais, já exigiam a suspensão do prazo de prescrição durante a investigação. Não se pode retirar do Acórdão C, a contrario, a resposta àquela pergunta. Aquela pergunta, que fora feita pelo tribunal de 1ª instância no reenvio original, teria ficado sem resposta pelo TJUE, continuando-se a justificar, tal como justificou no reenvio original, a submissão de uma questão prejudicial ao TJUE que a vise esclarecer, nos seguintes termos:
Sugestão de questão prejudicial: “o artigo 102.º do TFUE, em conjunto com o princípio da efetividade, significam que, atendendo às especificidades dos processos abrangidos pelo direito da concorrência e, mais especificamente, a circunstância de a propositura das ações de indemnização por infração ao direito da concorrência da União necessitarem, em princípio, da realização de uma análise factual e económica complexa, um regime de prazo de prescrição da responsabilidade extracontratual como o que se prevê no Código Civil português, que, por um lado, começa a correr a partir da data em que o lesado teve conhecimento do seu direito de indemnização, embora com desconhecimento da pessoa do responsável pela infração, e, por outro, não se suspende nem interrompe na pendência de um procedimento tramitado na autoridade nacional da concorrência, a não ser que o lesado solicite a notificação judicial do(s) infrator(es) da sua intenção de exercer o direito de indemnização, torna o exercício do direito de indemnização integral impossível, na prática, ou excessivamente difícil?”
g) independentemente do Acórdão C, e em alternativa à submissão da questão prejudicial formulada na alínea anterior, este Venerando Tribunal pode e deve considerar ser claro que o direito europeu deve ser interpretado no sentido de que a inexistência de suspensão ou interrupção do prazo de prescrição durante um procedimento numa autoridade da concorrência, por efeito desse procedimento, é suscetível de dificultar excessivamente o exercício de pretensões indemnizatórias decorrentes de infrações ao direito da concorrência, violando assim o artigo 102.º e o princípio da efetividade (não se tendo o Tribunal a quo pronunciado sobre esta questão, apesar de instado para o efeito pela Recorrente);
h) independentemente do Acórdão C, atendendo às características concretas do presente caso, o artigo 102.º do TFUE e o princípio da efetividade seria violado se se começasse a contar o prazo de prescrição antes de a Recorrida ter tido acesso às informações confidenciais que necessitava para confirmar a existência das práticas anticoncorrenciais alegadas, como fez o Tribunal a quo no presente caso;
i) suspendendo-se o prazo de prescrição durante a investigação pela AdC, é manifesto que, no presente caso, não foi ultrapassado o prazo de prescrição de 3 anos;
 j) a violação pelos tribunais portugueses das obrigações do direito da União Europeia, incluindo as obrigações decorrentes do Acórdão C, do artigo 102.º do TFUE e do princípio da efetividade, podem fazer o Estado português incorrer em responsabilidade extracontratual, por iniciativa do lesado, e dar azo a uma ação por incumprimento, por iniciativa da Comissão Europeia. [Cfr. Alegações supra §§40 e 56 a 100]
 H. Subsidiariamente ao anterior argumento, mesmo que a presente ação se regesse exclusivamente pelo direito nacional, os direitos reivindicados não se encontrariam prescritos. [Cfr. Alegações supra §§101 a 154]
I. Com efeito, o Tribunal a quo cometeu vícios de fundamentação, erros manifestos de facto e erros de direito na interpretação e aplicação do artigo 498.º(1) do CC, no que respeita ao momento de início da contagem do prazo de prescrição da responsabilidade extracontratual no presente caso, considerando que:
a) não identificou factos que permitem concluir que, à data da denúncia (ou noutro momento antes da Decisão da AdC), a Recorrente estava em posição de conhecer a existência da infração anticoncorrencial e dos direitos ora reivindicados, nem deu por provado qualquer um dos factos alegados pelas Rés a este respeito (a quem cabia o respetivo ónus da prova);
b) sem uma análise casuística da denúncia (e de outros factos contemporâneos), não é legítimo concluir-se que uma pessoa conhece a existência de uma infração só porque denuncia a uma autoridade as suas suspeitas da existência dessa infração, em especial quando – como no presente caso – a determinação da existência da infração depende do acesso a documentos confidenciais na posse de terceiros, e a denúncia tem justamente por propósito motivar a utilização dos poderes de autoridade para aceder aos documentos confidenciais e determinar a existência da infração;
c) a denúncia apresentada à AdC pelo grupo de que a Recorrente era empresa-mãe baseou-se exclusivamente – como não podia deixar de ser –, nas condições comerciais do seu próprio contrato, não se referindo um único facto sobre condições comerciais praticadas nos contratos com outros operadores, em especial com a TV… /Z…, porque essas condições eram confidenciais; a denúncia baseava-se no pressuposto de que as condições gerais que constavam do seu contrato também constavam do contrato com a TV…/Z…, e que não existiam outras características dessa relação comerciais que justificassem um tratamento diferenciado, mas só a confirmação destes pressupostos, dependente do acesso a documentação confidencial, permitiria dar por preenchidos os requisitos do ilícito de discriminação abusiva; e
d) a Petição inicial alegou factos indispensáveis à determinação da existência das infrações concorrenciais em causa, cujo conhecimento só foi possível à Recorrente graças à decisão da AdC de 14 de junho de 2013, e que a Sentença recorrida não decidiu se estavam provados ou não provados. [Cfr. Alegações supra §§102 a 132]
 J. Subsidiariamente aos anteriores argumentos, pelo menos no que respeita à 1ª Ré, porque a ação respeita a danos nascidos no contexto de uma relação contratual entre esta Ré e o grupo de que a Recorrente era empresa-mãe, mesmo que os danos reivindicados se enquadrem no âmbito da responsabilidade extracontratual, a jurisprudência nacional indica que eles também se enquadram, em simultâneo, no regime da responsabilidade contratual (artigo 309.º do CC), prevalecendo este regime por força da tese de consumpção da responsabilidade extracontratual pela responsabilidade contratual, aplicando-se o prazo de prescrição de 20 anos, que não foi ultrapassado. O Tribunal a quo incorreu em erro de direito ao não aplicar este regime. [Cfr. Alegações supra §§133 a 143]
 K. Subsidiariamente aos anteriores argumentos, o Tribunal a quo incorreu em omissão de pronúncia e em erro de direito (violação do artigo 473.º do CC), ao não responder ao pedido de repetição do indevido (alínea c) do pedido da Petição inicial) e ao não reconhecer que, pelo menos no que respeita à 1ª e à componente do sobrepreço (e à remuneração do respetivo capital), é aplicável aos danos em causa o regime de prescrição ordinário de 20 anos (artigo 309.º do CC) ou, quanto muito, o prazo de prescrição do artigo 310.º, alínea g), do CC. Em qualquer um dos casos, considerando estar em causa ilícitos permanentes que duraram até 30 de março de 2011, o direito à repetição do indevido não se encontra prescrito. [Cfr. Alegações supra §§144 a 154]
 Nestes termos e nos demais de direito que os Venerandos Desembargadores doutamente suprirão, deverá ser julgada procedente a presente apelação, revogando-se, consequentemente, a Sentença recorrida, declarando-se improcedentes as exceções relativas à ineptidão da petição inicial e à prescrição, e ordenando-se a descida dos autos ao Tribunal a quo, para que a ação prossiga na sua integralidade.”
A 1ª R. apresentou contra-alegações pugnando pela improcedência do recurso e requereu, subsidiariamente, a ampliação do âmbito do recurso, tendo formulado as seguintes conclusões atinentes à ampliação:
“a) O facto «A atividade exercida pela 1ª R. tem a limitação territorial prevista nas licenças de acesso à catividade de televisão concedidas pela ERC – Entidade Reguladora para a Comunicação Social, donde decorre, no caso dos serviços em causa nos autos, que a comercialização desses serviços pela 1ª R. se circunscreve ao território português» deve ser aditado à matéria de facto assente da Sentença recorrida, na medida em que é relevante para demonstrar que o comportamento da 1ª R. não é suscetível de afetar o comércio entre os Estados-Membros, foi alegado pela 1ª R. na sua contestação, designadamente nos artigos 545.º, 546.º, 548.º, 549.º, 761.º e 762.º, e resulta provado pelos Docs. 15, 16, 17 e 18 juntos a esse articulado.
b) No que respeita à sua utilidade para o julgamento do presente recurso de apelação, o facto referido na alínea anterior, cujo aditamento à matéria de facto assente se requer, permite sustentar as conclusões de Direito a que chegou o Tribunal a quo quanto à aplicabilidade do direito europeu ao caso dos autos, para a hipótese – que apenas se admite por mera cautela de patrocínio – de o Tribunal ad quem acolher o entendimento vertido nos §§ 41 a 49 das alegações de recurso.
c) O facto «No momento em que a W., SA/C apresentou junto da Autoridade da Concorrência (em 30/07/2009) uma queixa por abuso de posição dominante, nomeadamente contra a 1ª R., a W., SA/C já era conhecedora, e consciente, do alegado facto ilícito (consideração de número mínimo de subscritores para efeitos de remuneração e escalões remuneratórios) e da identidade do alegado infrator (a 1ª R.).» deve ser aditado à matéria de facto assente da Sentença recorrida, na medida em que é complementar do facto n.º 4 considerado provado na Sentença recorrida, é relevante para fundamentar, no que respeita à matéria de facto, a conclusão do Tribunal a quo no sentido de que a Recorrente tomou conhecimento do seu direito e da pessoa do lesante, para efeitos do disposto no artigo 498.º, n.º1, do Código Civil, em 30/07/2009, foi alegado pela 1ª R. na sua contestação, nomeadamente nos artigos 70.º e 71.º, e resulta provado pelo Documento n.º 9 junto à petição inicial, o qual não foi posto em causa por nenhuma das partes.
d) No que respeita à sua utilidade para o julgamento do presente recurso de apelação, o facto referido na alínea anterior, cujo aditamento à matéria de facto assente se requer, permite sustentar as conclusões de Direito a que chegou o Tribunal a quo quanto ao conhecimento demonstrado pela Recorrente dos elementos essenciais do seu direito, para efeitos do disposto no artigo 498.º, n.º 1, do Código Civil, e para a hipótese de o Tribunal ad quem decidir acolher o alegado pela Recorrente nos §§102 a 132 das suas alegações de recurso – no que não se concede e apenas por mera cautela de patrocínio se admite. 
 Termos em que, (i) Deve ser julgado totalmente improcedente o Recurso de Apelação interposto, mantendo-se a Sentença recorrida, com todas as legais consequências;
 Caso assim não se decida, o que se concebe por mera cautela de patrocínio, sem, contudo, conceder, (ii) Deve ser admitida a ampliação do âmbito do recurso, ao abrigo do disposto no artigo 636.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, e, em consequência, ser ampliada a matéria de facto assente da Sentença recorrida, com todas as legais consequências.”
A R. 2ª R. apresentou contra-alegações, tendo formulado as seguintes conclusões:
A. O despacho saneador-sentença recorrido não viola o direito europeu, nem o podia fazer, porque o direito europeu não é aplicável aos presentes autos. A Apelante, ao continuar a invocar o direito europeu, pretende, ostensiva e grosseiramente, ignorar:
os §§ 34 e 60 do Acórdão do Tribunal de Justiça, de 29 de março de 2019, no processo C637/17, ou seja e respetivamente, de que não somente “[...] o artigo 22.º da Diretiva 2014/104 deve ser interpretado no sentido de que esta diretiva não se aplica ao litígio no processo principal [...], como “afigura-se manifesto que a interpretação do artigo 102.º TFUE e dos princípios da efetividade e da equivalência [...] não tem nenhuma relação com a realidade ou com o objeto do litígio no processo principal [...]”;
 que não pode invocar a decisão que a AdC adotou, em 14 de junho de 2013, no âmbito do processo n.º PRC/2010/02 (a “decisão da AdC”), porquanto essa decisão — que, tenha-se bem presente, é uma decisão administrativa — foi objeto de recurso judicial, pelo que a mesma foi substituída, para todos os efeitos, pela decisão judicial que se lhe seguiu, a saber, a sentença do TCRS, prolatada, em 4 de junho de 2014, no âmbito do Proc. n.º 204/13.6YUSTR.L1 (a “Sentença do TCRS”), a qual, por sua vez, foi igualmente objeto de recurso mas totalmente confirmada pelo Acórdão do TRL, de 22 de março de 2015 (o “Acórdão do TRL”), sendo que a Sentença do TCRS julgou, expressamente, “não aplicável o art. 102º do TFUE, à conduta da arguida” (vide o seu dispositivo, ponto II; sublinhado nosso), o que não mereceu qualquer tipo de reparo ou alteração no Acórdão do TRL; e
que, portanto, já o Tribunal da Concorrência, Regulação e Supervisão (TCRS), o Tribunal da Relação de Lisboa (TRL) e, como visto, o próprio Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE) afirmaram, de forma expressa e categórica, que o direito europeu não tem aplicação nos autos.
B. No despacho saneador-sentença ficou corretamente assente o facto constante do § 6 do ponto II.A.1 da decisão recorrida, o qual, ademais, na sequência dos dois factos imediatamente anteriores e assentes, e onde se estabelece, e bem, que em 30.07.2009, a Autora apresentou junto da Autoridade da Concorrência (AdC) uma denúncia contra, entre outras, a 1ª Ré, alegando a existência de práticas restritivas da concorrência no domínio dos canais desportivos premium desenvolvidas por essas empresas e considerando que tais práticas consubstanciavam abuso de posição dominante e que essa denúncia deu origem ao processo contraordenacional n.º PRC 2010/2 daquela Autoridade. Consequentemente, e como muito bem o Tribunal a quo decidiu, pelo menos desde 30 de julho de 2009 que a aqui Apelante já estava na posse e detinha o conhecimento dos elementos necessários e suficientes para intentar uma ação indemnizatória contra os pretensos lesantes, mesmo que ainda não possuísse todos os dados relativos à extensão e quantificação dos danos.
C. Não pode a Apelante requerer que fossem dados como assentes, por não contestados, os factos alegados nos §§53 a 58, 60 a 66, 74, 76 e 94 da sua petição inicial, tal como que fosse considerado assente que os factos por si alegados nos §§71, 121 e 123 da petição inicial se basearam em informações confidenciais, que não constavam da sua denúncia à AdC e que, assim, alegadamente aos mesmos não tinha acesso antes da adoção da Decisão PRC 2010/2 da AdC, porque:
i. é falso que não tenham sido contestados: no § 302 da contestação da 2 R. está, preto no branco, o seguinte: “Pelo que vai dito impugna-se expressamente a factualidade vertida nos artigos 53.º, 54.º, 57.º a 63.º, 73.º a 75.º, 80.º, 85.º a 89.º, 91.º e 92.º, 100.º a 105.º, e 162.º a 169.º, todos, da PI”, e igualmente a impugnação da integralidade de tais factos (e muitos outros) resultam, expressamente, dos §§ 445 a 450 da referida contestação, que se dão por integralmente reproduzidos; e, para além disso,
ii. a Apelante pretenderia dar a quase totalidade de tais factos como provados fazendo uso de diversos meios de prova, como sejam, ou porque seriam factos “do conhecimento público”, ou porque constariam da decisão PRC 2010/2, ou ainda e até porque constariam da contestação da 1ª Ré, sendo que nenhum de tais factos pode ser considerado como facto do conhecimento público (p. ex., “A procura dos serviços em causa na presente ação é constituída pelos operadores de serviços de televisão por subscrição, como a W, SA/C” é um facto do conhecimento público!?! (cf. o § 10, c), das alegações da Apelante); e, mais, uma vez
iii. a Apelante pretenderia utilizar a decisão da AdC como elemento de prova quando é de Lei que havendo recurso de uma decisão da AdC, o TCRS conhece com “plena jurisdição” o recurso, isto é, substitui integralmente aquela que foi a apreciação da AdC e julga e decide o caso, como é de Lei, que “[d]as sentenças e despachos do Tribunal da Concorrência, Regulação e Supervisão cabe recurso para o tribunal da relação competente”, isto é, para o Tribunal da Relação de Lisboa — cf. art. 89.º, n.º 1 da LdC, pelo que não pode a Apelante querer dar factos como provados utilizando a decisão da AdC (decisão da autoridade administrativa na fase administrativa do processo contraordenacional, que foi impugnada), porque em sede da fase judicial de tal processo contraordenacional, foram produzidas as decisões judiciais competentes, a saber, a sentença do TCRS, de 4 de junho de 2014, no âmbito do Proc. n.º 204/13.6YUSTR.L1, a qual, por sua vez, foi igualmente objeto de recurso mas totalmente confirmada pelo Acórdão do TRL, de 22 de março de 2015.
D. No que respeita às suas considerações sobre a ineptidão da petição inicial, a Apelante não tem qualquer razão, limitando-se a arrazoar um conjunto de generalidades na sua tentativa de demonstrar que, afinal, apenas lhe faltaria “provar os factos já alegados”, insistindo na banalidade de referir que os factos essenciais são a alegação de práticas anticoncorrenciais abusivas com o efeito de a ter impedido de conquistar uma maior quota de mercado — cf. § 32 das sua alegações, e não percebendo que uma quota de mercado se afere em relação a um determinado mercado relevante e que é o resultado de um conjunto de negócios que fazem representar, na maior parte das vezes por aproximação ou de forma indiciária, a “posição” de dada empresa num dado mercado (o relevante). Foi isso que o Tribunal a quo referiu, e bem, quando constatou que a aqui Apelante não referiu um único — note-se, um único — concreto negócio que “teria deixado de efetuar, como decorrência de práticas anticoncorrenciais praticadas pela 1ª Ré, e que danos isso lhe teria causado (ainda que a apurar em sede de liquidação de sentença)”, e na sua Apelação volta a limitar-se a repetir o que havia alegado na P.I., pelo que, novamente, se fica nos queixumes genéricos de que: (i) não teve o negócio que queria ou achava que poderia ter; e (ii) a 1ª  R. foi condenada por abuso de posição dominante. Entre (i) e (ii), e a sua necessária ligação, remanesce um enorme “nada” e, portanto, uma clara ineptidão da P.I. da agora Apelante.
E. As considerações da Apelante sobre o prazo de prescrição à luz do direito europeu são, igualmente, totalmente desprovidas de fundamento, uma vez que (e já cansa repetir), o direito europeu — seja a Diretiva 2014/104 (Diretiva Private Enforcement), seja o próprio artigo 102.º do TFUE, e, por sua via ou consequência, os princípios da efetividade e da equivalência na aplicação do direito europeu — não é aplicável à situação dos presentes autos. Disse-o o Tribunal da Concorrência, Regulação e Supervisão, disse-o o Tribunal da Relação de Lisboa, e disse-o o próprio Tribunal de Justiça da União Europeia, sendo inadmissível a leitura que a Apelante tenta apresentar do Acórdão do Tribunal de Justiça, de 28 de março de 2019, no processo C-637/17, porque: 
(i) no seu Acórdão, e constatando que “a ação de indemnização da A. foi intentada em 27 de fevereiro de 2015, ou seja, antes do termo do prazo de transposição da Diretiva 2014/104 e antes da transposição desta diretiva para a ordem jurídica portuguesa pela Lei n.º 23/2018” (§31), e tendo em conta “que o artigo 22.º, n.º 1, da Diretiva 2014/104 proíbe a aplicação retroativa das disposições substantivas” (§33), o Tribunal de Justiça conclui, de forma clara e irrestrita, que “esta diretiva não se aplica ao litígio no processo principal”, afastando, in totum, a Diretiva 2014/104 do enquadramento jurídico que possa estar em análise no caso pendente;
(ii) o Tribunal de Justiça aceitou — e sem qualquer reserva — que o “Tribunal da Concorrência, Regulação e Supervisão [... considerou] que o artigo 102.º TFUE era inaplicável ao caso em apreço, com o fundamento de que não tinha sido demonstrado que a prática comercial em causa era suscetível de afetar o comércio entre os Estados Membros, na aceção deste artigo”, tendo o “Tribunal da Relação de Lisboa [... confirmado] a referida sentença por Acórdão de 11 de março de 2015” (§17), sendo que em momento prévio à audiência colocou às partes diversas questões para audiência, relacionadas, precisamente, sobre o enquadramento em que o TCRS e o TRL decidiram a não aplicação do artigo 102.º do TFUE e os poderes dos órgãos jurisdicionais nacionais para assim o fazerem, à luz do enquadramento jurisprudencial dado pelo seu anterior Acórdão Tele2 Polska (C-375/09), tendo assim o Tribunal de Justiça ficado totalmente esclarecido que os órgãos jurisdicionais nacionais (i.e., o TCRS e o TRL) decidiram corretamente pela inaplicabilidade do artigo 102.º do TFUE por os seus critérios de aplicação, concreta e materialmente, não se acharem preenchidos;
(iii) este aspeto dá ainda um mais profundo e cabal enquadramento à afirmação/esclarecimento, deveras importante, que, mais adiante, o Tribunal de Justiça fez no sentido de que “a interpretação do artigo 102.º TFUE e dos princípios da efetividade e da equivalência, solicitada no âmbito da terceira questão e da parte da quarta questão que incide sobre a compatibilidade de uma disposição nacional como o artigo 623.° do Código de Processo Civil com o direito da União, não tem nenhuma relação com a realidade ou com o objeto do litígio no processo principal (...)” (§60), ou seja, o Tribunal de Justiça “limitou” os efeitos da jurisprudência que estabelece sobre o princípio da efetividade a situações abstratas e não ao litígio concreto pendente e que originou o reenvio prejudicial;
(iv) na apreciação sobre o regime de prescrição estabelecido no artigo 498.º, n.º 1, do Código Civil (CC), o Tribunal de Justiça estabeleceu, no que ao princípio da equivalência concerne, e “no caso em apreço, que esse princípio não foi violado, uma vez que é facto assente que as regras nacionais relativas ao prazo de prescrição se aplicam tanto às ações de indemnização baseadas no direito da União como às baseadas no direito nacional e que a aplicabilidade das mesmas não depende da questão de saber se o direito de pedir a indemnização integral de um prejuízo decorre de uma violação das regras nacionais da concorrência ou do direito da concorrência da União” (§ 54);
(v) no que respeita ao princípio da efetividade, esclareceu que “uma legislação nacional que fixa a data a partir da qual o prazo de prescrição começa a correr, a duração e as regras de suspensão ou de interrupção deste[,] deve ser adaptada às especificidades do direito da concorrência e aos objetivos da execução das regras desse direito pelas pessoas envolvidas, a fim de não suprimir a plena efetividade do artigo 102.º TFUE” (§47), não podendo tal duração ser curta a ponto de tornar o exercício do direito de pedir a reparação excessivamente difícil (§48), assim entendendo que prazos curtos que comecem a correr mesmo antes de o lesado por uma infração ao direito da concorrência da União poder conhecer a identidade do autor da infração, são suscetíveis de tornar excessivamente difícil o exercício do direito de pedir a reparação (§§ 49 e 50), o mesmo sucedendo com um prazo prescricional curto que não possa ser suspenso ou interrompido durante os procedimentos no termo dos quais é proferida uma decisão definitiva pela autoridade nacional da concorrência ou por uma instância de recurso (§51), e concluiu que “a compatibilidade de uma disposição nacional como o artigo 498.º, n.º 1, do Código Civil com o direito da União que o artigo 102.º TFUE e o princípio da efetividade devem ser interpretados no sentido de que se opõem a uma legislação nacional que, por um lado, prevê que o prazo de prescrição para as ações de indemnização é de três anos e começa a correr a partir da data em que o lesado teve conhecimento do seu direito de indemnização, embora com desconhecimento da pessoa do responsável pela infração, e, por outro, não prevê nenhuma possibilidade de suspensão ou de interrupção deste prazo durante o procedimento tramitado na autoridade nacional da concorrência” (§55). Só que o Tribunal de Justiça teve o cuidado de deixar claro que este seu entendimento não é necessariamente aplicável ao litígio pendente no Tribunal nacional, e isso em várias passagens que merecem relevo, referindo, desde logo,
a) no § 50, que “para que o lesado possa intentar uma ação de indemnização, é indispensável que saiba quem é a pessoa do responsável pela infração ao direito da concorrência”; e
b) no § 14 do seu Acórdão, que “[e]m 30 de julho de 2009, a W, SA apresentou à Autoridade da Concorrência (Portugal) uma denúncia contra a D, SA, a E, SA, a 1ª R. e a D, SA, queixando‑se de práticas restritivas da concorrência no mercado dos canais de televisão desportivos premium, em especial, uma prática de discriminação de preços, que, no seu entender, consubstanciava um abuso de posição dominante”, ou seja, no concreto litígio nacional a questão de falta de conhecimento da pessoa do responsável pela infração ao direito da concorrência, nunca se colocou;
(vi) a propósito da análise da “compatibilidade de uma disposição nacional como o artigo 623.º do Código de Processo Civil com o direito da União”, ou seja, sobre se o “artigo 102.º TFUE e os princípios da efetividade e da equivalência se opõem a uma legislação nacional que prevê que a declaração definitiva da existência de uma infração ao direito da concorrência no âmbito de um processo sancionatório na autoridade nacional da concorrência não vincula a apreciação do juiz nacional chamado a conhecer de uma ação de indemnização no que respeita à existência de uma infração ao direito da concorrência ou apenas estabelece uma presunção ilidível a este respeito” (§ 56), o Tribunal de Justiça veio novamente recordar que “o [TCRS] anulou parcialmente a decisão da Autoridade da Concorrência de 14 de junho de 2013, com o fundamento de que o artigo 102.º TFUE era inaplicável ao comportamento da 1ª R., uma vez que não tinha sido demonstrado que a prática comercial em causa era suscetível de afetar o comércio entre Estados‑Membros, na aceção deste artigo. Em 11 de março de 2015, o [TRL] confirmou a sentença proferida pelo [TCRS]” (§ 58), de onde decorre que “o processo submetido ao órgão jurisdicional de reenvio não tem por objeto uma ação de indemnização intentada no seguimento de uma decisão definitiva em matéria de infração ao artigo 102.º TFUE” (§ 59) e, com especial relevância, concluiu que “a interpretação do artigo 102.º TFUE e dos princípios da efetividade e da equivalência, solicitada no âmbito da terceira questão e da parte da quarta questão que incide sobre a compatibilidade de uma disposição nacional como o artigo 623.º do Código de Processo Civil com o direito da União, não tem nenhuma relação com a realidade ou com o objeto do litígio no processo principal (...)” (§ 60);
F. Consequentemente, e em resultado do acórdão do Tribunal de Justiça, em que ficou totalmente afastada a possibilidade de aplicação, seja de forma direta ou mesmo indireta, por via de recurso ao princípio da interpretação conforme, da Diretiva 2014/104, tal como ficou estabelecido que não era aplicável, sequer, o artigo 102.º do TFUE, o Juiz nacional e o Tribunal a quo só deveria(m) aplicar na ação pendente apenas e somente normas de direito nacional, donde que o acórdão do Tribunal de Justiça não impedia, como não impediu, que no caso pendente fosse aplicado o artigo 498.º, n.º 1, do Código Civil tal qual, e o Tribunal a quo fez uma leitura corretíssima do Acórdão do Tribunal de Justiça para o caso concreto.
G. Também sobre as considerações da Apelante relativamente à apreciação do início de contagem do prazo de prescrição no direito português recai uma mesma apreciação de total falta de fundamento. Os lesados de um ilícito concorrencial podem intentar uma ação de responsabilidade civil extracontratual baseada na fundamental norma do artigo 483.º, n.º 1, do Código Civil, e, portanto, assente na violação ilícita do “direito de outrem ou qualquer disposição legal destinada a proteger interesses alheios”, e foi precisamente isso que fez ao apresentar a sua denúncia à AdC, em 30 de julho de 2009, e onde profusamente imputou factos à X, SA que, em seu entendimento, revelavam “[...] práticas discriminatórias, constitutivas de um abuso de posição dominante.” — cf. p. 50 da denúncia apresentada à AdC em 30 de julho de 2009. E, portanto, e bem, já na denúncia de 30 de julho de 2009 havia um profuso conhecimento dos factos que a Autora, e agora Apelante, aqui reapresentam como facto ilícito, i.e., como causa de pedir do seu pedido, sendo que nesse momento podia, ou melhor, devia ter igualmente intentado a competente ação de responsabilidade civil extracontratual.
H. A apreciação da Apelante do prazo de prescrição à luz da responsabilidade contratual é, a todos os títulos, inusitada: vendo que o artigo 498.º, n.º 1, do Código Civil conduz inelutavelmente à verificação da exceção perentória de prescrição, lembrou-se agora — assinale-se, agora! — de vir invocar o prazo prescricional de 20 anos da responsabilidade contratual. Mas como bem justificou o Tribunal a quo, a ação da agora Apelante funda-se no instituto da responsabilidade civil extracontratual, pelo que esta sua alegação sobre a responsabilidade contratual só pode ser sinónimo de total desespero e, até, de um venire contra factum proprium: a Apelante optou pelo regime da responsabilidade extracontratual, porque, se assim não fosse, não podia ter denominado a sua ação — como faz — de “ação de danos follow-on” (cf., por exemplo, o § 6 das suas Alegações), ou seja, uma ação de indemnização que “segue” e assenta numa decisão prévia de existência e condenação do lesante pela prática de um facto ilícito de natureza contraordenacional.
I. Por último, e sobre a pretensa omissão de pronúncia do Tribunal a quo relativamente ao pedido de repetição do indevido por si deduzido, refira-se que a Apelante aparenta desconhecer que a repetição do indevido é uma figura do instituto do enriquecimento sem causa e que, por isso, reveste natureza subsidiária, nos termos do artigo 474.º do Código Civil, e que, nos termos do artigo 482.º do Código Civil, “[o] direito à restituição por enriquecimento prescreve no prazo de três anos, a contar da data em que o credor teve conhecimento do direito que lhe compete e da pessoa do responsável [...]”. Tendo o Tribunal a quo declarado a verificação da exceção perentória da prescrição do único meio à disposição para pretender ser ressarcida (a responsabilidade extracontratual, o que, por si só, afasta a figura do enriquecimento sem causa), e tendo-o feito com base na evidência de que a agora Apelante sabia e tinha conhecimento, desde 2009, do seu (pretenso) direito e da identidade do lesante, não há, naturalmente, qualquer omissão de pronúncia, porquanto de outro modo a Apelante pretenderia que o Tribunal a quo declarasse duplamente a prescrição!
Nestes termos, e nos melhores de direito que v. exas., douta e atentamente, suprirão, deverá a presente apelação ser julgada totalmente improcedente, por ser infundada e ainda por estar manifestamente não provada, e, consequentemente, deverá ser confirmada in totum a decisão proferida pelo digníssimo tribunal a quo, assim se fazendo a inteira e costumada justiça!”
A 3ª R. apresentou contra-alegações e requereu a ampliação do âmbito do recurso, tendo formulado as seguintes conclusões:
“1.ª — Deve manter-se o ponto 6 dos factos assentes com a redação dele contante, porque corresponde à admissão de um facto feita pela própria A. em documento junto com a p.i..
2.ª — O Tribunal a quo não errou ao aparar a declaração da A. transcrita no ponto 6 dos factos assentes de considerações conclusivas e salientar a matéria de facto relevante nela inserida, relativa à afirmação do conhecimento dos alegados danos à data de 29.02.2012.
3.ª — Tendo em conta que a matéria de facto elencada a págs. 11 e 12 da douta sentença é, nos próprios termos dela constantes, a relevante para apreciação da exceção da prescrição, todos os factos e alegações que a A. pretende que sejam dados como assentes em nada interessam à apreciação dessa questão, pelo que deve improceder, logo por aí, a pretensão da A..
4.ª — De todo o modo, e com exceção da matéria do art. 55.º da p.i., em parte (nos termos ressalvados na presente alegação), nenhum fundamento existiria para se dar como assente a matéria invocada pela A., seja porque foi expressamente impugnada, seja porque não está plenamente provada por nenhum meio de prova, seja porque não tem a natureza de facto notório, seja ainda porque se trata de afirmações meramente conclusivas, tudo como melhor se detalha no corpo destas alegações de resposta.
5.ª — Também a pretensão de que seja dado como assente que a alegação feita nos arts. 71.º, 121.º e 123.º da p.i. se baseou em informações confidenciais deve ser rejeitada, porque essa matéria foi impugnada pelas Rés nas contestações, não está plenamente provada por nenhum meio de prova e não tem, manifestamente, a natureza de facto notório.
6.ª — Não merece censura a decisão de procedência da exceção da ineptidão da petição inicial na parte respeitante ao pedido formulado na subalínea iii) da alínea b) da p. i., em matéria de indemnização “pelos danos decorrentes da perda de negócio resultante das práticas anticoncorrenciais da 1ª R.”.
7.ª — A utilidade do recurso, nesta parte, está dependente do juízo que se faça sobre a questão da prescrição do suposto crédito indemnizatório da A., uma vez que se, como se entende ser de Direito, for confirmada a sentença proferida em Primeira Instância sobre a prescrição desse alegado crédito, então de nada servirá à A. a revogação da decisão na parte em que julgou inepta a petição, porque também o pedido de indemnização do alegado dano da perda de negócios está afetado por essa mesma prescrição.
8.ª — Conforme bem se afirma na douta sentença recorrida, a A. limitou-se a formular este pedido indemnizatório sem o ancorar na alegação de quaisquer factos que relativamente a ele pudessem servir como causa de pedir.
9.ª — Não são invocados quaisquer negócios que a W, SA, ou a A., pudessem ter perdido em resultado da alegada prática concorrencial ilícita da 1ª R. ou das suas acionistas — o que, como bem se afirma na sentença, seria essencial para dar corpo à alegação da A..
10.ª — A mera referência conclusiva e genérica a desvantagens concorrenciais, perda de eficácia de campanhas promocionais ou dificuldades para adotar estratégias de concorrência mais agressivas, e a extrapolação de que dessas estratégias poderiam resultar maiores volumes de negócios, são incapazes de servir de base a qualquer pedido indemnizatório, muito menos a um pedido assente na suposta perda de negócios.
11.ª — Sendo o vício de ineptidão da p. i., este não poderia ser sanado mediante um convite ao aperfeiçoamento do articulado.
12.ª — A sentença decidiu corretamente a exceção da prescrição, desde logo porque nem o artigo 102.º do TFUE é aplicável aos factos do presente caso nem o Tribunal de Justiça da União Europeia (“TJUE”), no seu acórdão de 28.03.2019 no processo C-637/17, (“Acórdão C.”), concluiu que o regime nacional em matéria de prescrição no âmbito da responsabilidade extracontratual (incluindo o disposto no artigo 498.º, n.º 1, do Código Civil) viola o direito europeu devendo, por isso, ser desaplicado.
13.ª — A sentença do Tribunal da Concorrência, Regulação e Supervisão (“TCRS”) no processo n.º 204/13.6YUSTR.L1 decidiu corretamente pela inexistência de afetação do comércio entre Estados-Membros nas circunstâncias concretas deste caso e, logo, pela não aplicação do artigo 102.º do TFUE ao mesmo (cf. págs. 343-347 da referida sentença).
14.ª — A circunstância de as práticas restritivas da concorrência (abuso de posição dominante) por que foi sancionada a 1ª Ré se estenderem a todo o território nacional não determina que se deva considerar, com base apenas nesse facto, ter existido um impacto sobre os fluxos comerciais entre Estados-membros, uma vez que se trata de presunção meramente ilidível (cf., por exemplo, acórdão do TJUE de 24.09.2009, Erste Group AG v. Comissão) e que o TCRS considerou estar ilidida com base numa análise circunstanciada dos 390 factos que considerou provados (cf. pág. 346 da sentença do TCRS).
15.ª — A Autoridade da Concorrência não recorreu da sentença do TCRS na parte em que este revogou a decisão sancionatória daquela por considerar não estarem preenchidos os pressupostos de aplicação do artigo 102.º do TFUE, conformando-se com esse resultado.
16.ª — A própria Comissão Europeia reconhece que, estando em causa um abuso de exploração (como foi entendido relativamente às condições remuneratórias incluídas pela X, SA nos contratos de distribuição dos seus canais), nomeadamente a imposição de preços discriminatórios entre clientes nacionais da 1ª Ré, tal não tem normalmente impacto sobre os fluxos de comércio entre Estados-Membros (cf. § 95 das Orientações da Comissão sobre o conceito de afetação do comércio entre Estados-Membros, 2004/C 101/07).
17.ª — A Recorrente, ainda que não invoque explicitamente o artigo 623.º do C.P.C., tenta prevalecer-se da sentença do TCRS para demonstração dos factos constitutivos do seu alegado direito a indemnização, mas não pode fazê-lo ignorando por completo os pontos em que aquela decisão judicial refutou e revogou a decisão inicial da Autoridade da Concorrência (nomeadamente quanto à aplicação do artigo 102.º do TFUE).
18.ª — Do ponto de vista material, é indiferente para um lesado por uma prática de abuso de posição dominante fundar a sua pretensão indemnizatória no regime jurídico nacional da concorrência (artigo 11.º da Lei n.º 19/2012) ou nas normas equivalentes de direito europeu (artigo 102.º do TFUE) uma vez que ambas as normas são substantivamente equivalentes, tendo, inclusivamente, uma redação muito próxima e em vários pontos idêntica, como é reconhecido pela generalidade da doutrina.
19.ª — A afetação do comércio entre Estados-Membros é um critério meramente “jurisdicional”, relacionado com o âmbito de aplicação do artigo 102.º do TFUE, mas não é um elemento constitutivo do ilícito jusconcorrencial de abuso de posição dominante.
20.ª — É incongruente que um lesado por abuso de posição dominante, dispondo já do apoio de uma decisão condenatória definitiva ao abrigo da norma nacional que pune o abuso de posição dominante (artigo 11.º da Lei n.º 19/2012 e, anteriormente, artigo 6.º da Lei n.º 18/2003), invoque também, e sem qualquer necessidade, uma violação da norma de direito europeu correspondente (artigo 102.º do TFUE) uma vez que essa opção apenas agrava o seu ónus de prova e é desnecessária à configuração da sua causa de pedir.
21.ª — Neste caso, aliás, a Recorrente optou por formular o seu pedido em termos alternativos – na parte em que pediu que fosse declarado “que as Rés violaram o artigo 102.º do TFUE e/ou o artigo 6.º da Lei n.º 18/2003, de 11 de junho” – o que bem demonstra a irrelevância de uma suposta afetação do comércio entre Estados-Membros para sua causa de pedir.
22.ª — Os factos mencionados pela Recorrente no § 46 das suas alegações, admitindo que não sejam conclusivos, dificilmente seriam aptos a permitir alguma conclusão quanto à afetação, ou não, do comércio entre Estados-Membros.
23.ª — A jurisprudência citada pela Recorrente no § 52 da sua alegação não contribui, por se reportar a circunstâncias de facto que em nada se confundem com as do presente caso (e, na maioria dos casos, a situações de aplicação do artigo 101.º do TFUE e não do respetivo artigo 102.º), para uma conclusão distinta nem permite que se conclua, diversamente, pela aplicação do artigo 102.º TFUE aos factos do presente caso.
24.ª — Quanto ao alegado no § 55 da sua alegação pela Recorrente, o mesmo não procede porque:
(i) a obrigação de notificação estabelecida pelo n.º 2 do artigo 15.º do Regulamento n.º 1/2003 recai sobre os Estados-Membros e não sobre os tribunais nacionais e;
(ii), por sua vez, a obrigação constante do artigo 94.-ºA da Lei n.º 19/2012 foi aditada pelo artigo 21.º da Lei n.º 23/2018, de 5 de junho, cujo artigo 24.º estatui que as respetivas disposições processuais não se aplicam a ações intentadas antes da sua entrada em vigor (tendo a presente ação sido proposta em fevereiro de 2015, é manifesto que o citado artigo 94.º-A da Lei da Concorrência não é aplicável, ratione temporis).
25.ª — O TJUE não condenou à desaplicação o artigo 498.º, n.º 1, do Código Civil, antes afirmou que, se o direito português aplicável tivesse certas características – entre as quais o desconhecimento de qualquer causa de suspensão ou interrupção da prescrição “durante” os procedimentos junto da autoridade nacional da concorrência –, o mesmo não seria compatível com o princípio da efetividade.
26.ª — A Juíza a quo, obtidos do TJUE os “elementos de interpretação úteis” que este lhe forneceu (considerandos e parte operativa), interpretou corretamente o pensamento e a decisão do TJUE e como lhe competiu, procedeu à aplicação da lei ao caso que tinha para julgar.
27.ª — Tomou em consideração não só o artigo 498.º, n.º 1, mas igualmente, entre outros, quer o disposto nos artigos 323.º e 327.º, todos do Código Civil, quer o Acórdão de Uniformização de Jurisprudência n.º 3/98.
28.ª — Julgou que a Autora demonstrou ter conhecimento dos elementos essenciais do seu direito quando a sua subsidiária integral W, SA, por sua instrução, tomou a iniciativa de apresentar a denúncia da 1ª Ré por abuso de posição dominante, o que também não é compaginável com o desconhecimento da identidade do infrator.
29.ª — E claramente atendeu à possibilidade legal de interrupção do prazo de prescrição durante os procedimentos administrativos nacionais, conforme o indicou na sua sentença, ao referir a disponibilidade e frequente utilização do pedido de notificação judicial avulsa.
30.ª — Não havendo fundamento para desaplicar a norma nacional pela sua não-incompatibilidade com o princípio da efetividade, tal como interpretado pelo TJUE, prevalece “in totum” o regime nacional consagrado no artigo 498.º do Código Civil.
31.ª — Também não existe qualquer inconsistência entre a fundamentação do acórdão do TJUE e, em particular o seu parágrafo 53, e a sua parte dispositiva: nunca, ao longo do acórdão, foi usada qualquer conexão causal entre a interrupção/suspensão da prescrição e a tramitação de procedimentos regulatórios ou judiciais, antes sempre ocorreu o recurso a vocábulos de conexão temporal – “durante” e “na pendência de”.
32.ª — A Recorrente pretende que acórdão seja interpretado como se dissesse:
“O artigo 102.º TFUE e o princípio da efetividade devem ser interpretados no sentido de que se opõem a uma legislação nacional que […] não prevê a possibilidade de suspensão ou de interrupção deste prazo por efeito do procedimento tramitado na autoridade nacional da concorrência.”
33.ª —Mas, o TJUE estabeleceu:
“O artigo 102.º TFUE e o princípio da efetividade devem ser interpretados no sentido de que se opõem a uma legislação nacional que […] não prevê nenhuma possibilidade de suspensão ou de interrupção deste prazo durante o procedimento tramitado na autoridade nacional da concorrência.”
34.ª — Recorda-se que o TJUE, no seu acórdão, modificou por sua iniciativa a questão prejudicial colocada, substituindo a ausência de suspensão “estritamente por causa” do decurso de procedimentos administrativos ou judiciais pela inexistência de qualquer (nenhuma) possibilidade de suspensão ou interrupção durante esses procedimentos.
35.ª — Até aí, nunca se discutiu se existiriam ou não outros modos de interromper a prescrição, pois que a questão suscitada ainda era outra: nunca se mencionou, oralmente ou por escrito, o instituto português da notificação judicial avulsa.
36.ª — Existiu alusão episódica e marginal ao regime português da suspensão (que não da interrupção) da prescrição nas Observações escritas da ora Recorrida mas apenas para contraste da legislação nacional com, num caso, as normas análogas da Diretiva e, no outro, os termos do acórdão Manfredi.
37.ª — E é falso que o TJUE se tenha debruçado (com atenção ou sem ela) sobre “as possibilidades de suspensão/interrupção da prescrição (incluindo a notificação judicial avulsa)”.
38.ª — Em conclusão, o TJUE considerou que o que poderia violar o princípio da efetividade não era a ausência de força interruptiva da prescrição dos procedimentos nacionais anteriores mas antes a ausência de qualquer forma de interrupção ou suspensão durante o curso (ou na pendência) dos mesmos
39.ª — Portanto, a juíza a quo socorreu-se imaculadamente dos elementos de interpretação do princípio da efetividade que lhe foram fornecidos e aplicou-os de forma correta, pelo que nada há a criticar na decisão recorrida quanto à forma como aí se interpretou e aplicou o acórdão do TJUE.
40.ª — E, muito menos haverá qualquer fundamento para formular nova questão prejudicial a submeter ao TJUE, pretensão da Recorrente que deve ser desatendida.
41.ª — A Recorrente ora pretende que (i) este Tribunal suspenda a instância e consulta de novo o TJUE, porque “é manifesto que existe uma dúvida sobre a interpretação do direito europeu nesta matéria” ora sustenta que (ii) este Venerando Tribunal pode e deve considerar que a interpretação desta questão de direito europeu é clara” e, assim sendo, pretende que determine que o princípio da efetividade seja entendido como exigindo uma nova causa de suspensão da prescrição no regime nacional de responsabilidade civil por factos ilícitos.
42.ª — Perante a resposta dada pelo TJUE, não subsistiu qualquer dúvida ao tribunal a quo, nem qualquer dúvida pode merecer a este Venerando Tribunal da Relação, pelos argumentos já transcritos.
43.ª — Contra os argumentos da Recorrente deve responder-se, em primeiro lugar, que o Tribunal de Justiça nunca poderia afastar-se de fornecer ao tribunal nacional a orientação necessária para que dirimisse o litigio concreto em prol do exercício ultra vires de uma função para-legislativa, o que redundaria numa inconcebível violação pelos juízes do Luxemburgo de vários princípios estruturantes da ordem jurídica estabelecida pelos Tratados da União, nomeadamente do princípio da atribuição.
44.ª — Em segundo lugar, a invocação da Diretiva 2014/104/EU e da Lei 23/2018 são abusivas pois que está perfeita e indubitavelmente decidido que a Diretiva não se aplica, ratione termporis, aos factos deste caso, e tanto esta como a Lei nacional de transposição proíbem expressamente a retroatividade das suas normas.
45.ª — Em terceiro lugar, a Diretiva não se limita a uma mera codificação de regras e princípios comuns já pré-existentes, pois que nenhum sentido faria proibir inequivocamente o efeito retroativo das disposições nacionais de transposição (ver, respetivamente, nos n.ºs 1 e 2 do seu artigo 22.º da Diretiva) se estas afinal se limitassem a reproduzir as soluções já consagradas no Direito da União.
46.ª — Em quarto lugar, uma coisa é afirmar que, em princípio, as ações de indemnização por delitos anticoncorrenciais exigem uma “análise factual e económica complexa”, outra que a mesma “análise factual e económica complexa” apenas se pode concluir após o fim dos procedimentos investigatórios ou sancionatórios nacionais.
47.ª — O Tribunal do Luxemburgo afirmou que um lesado poderia ficar impossibilitado de intentar ações baseadas numa decisão definitiva anterior se o prazo de prescrição não pudesse ser suspenso nem interrompido, de nenhuma forma, na pendência dos acima mencionados procedimentos.
48.ª — Só que pode! Como o afirmou muito bem a Juíza a quo: basta usar uma simples notificação judicial avulsa, expediente simples ágil e seguro, sob um regime generoso do ponto de vista da tutela da posição do credor, assegurando a interrupção do prazo de prescrição e acautelando o exercício tempestivo do seu direito.
49.ª — Em quinto e último lugar, não se pode confundir o momento do início do prazo com a sua suspensão ou interrupção (ou duração): o maior ou menor acesso a documentos e informações confidenciais não tem qualquer relevância para discutir a efetividade (ou falta dela) do regime da sua suspensão ou interrupção ou para interpretar a decisão do TJUE a este propósito.
50.ª — O princípio da responsabilidade civil dos Estados-Membros por violação do direito da União imputável a um órgão jurisdicional nacional é de aplicação excecional, que apenas opera nos casos de violação manifesta do direito da União pelo tribunal nacional (hipótese que claramente não se compadece com os factos no presente caso, em que não ocorre qualquer violação) e a instauração pela Comissão Europeia de um processo de incumprimento contra um Estado-Membro, por facto imputável a um tribunal nacional, com aplicação de sanções pecuniárias, é uma hipótese excecionalíssima que, em quase sessenta anos de história constitucional das Comunidades e da União, apenas se verificou uma única vez, em circunstâncias em nada semelhantes ao caso em apreço.
51.ª — Quanto à aplicação das normas de direito nacional em matéria de responsabilidade extracontratual, a sentença decidiu bem, e sem qualquer erro de facto ou de direito, o início da contagem do prazo de prescrição do direito invocado pela Recorrente, ao abrigo do artigo 498.º, n.º 1, do Código Civil.
52.ª — Como decidiu esse Tribunal da Relação de Lisboa em acórdão de 21.10.2013 (proc. n.º 2271/11.8TVLSB.L1-8), o conhecimento que a norma do artigo 498.º do Código Civil exige não é um conhecimento jurídico mas um mero conhecimento empírico dos factos constitutivos do direito: nesse sentido, basta que o lesado saiba que foi praticado um ato que lhe causou prejuízos e que esteja em condições de formular um juízo subjetivo sobre a existência de responsabilidade de outrem pelos danos sofridos.
53.ª — Na presente ação não subsistem dúvidas de que o processo já dispõe dos dados suficientes para concluir quando é que, segundo a própria alegação da Recorrente, estes pressupostos se teriam verificado e para determinar, com base nisso, o dies a quo do prazo prescricional.
54.ª — Neste âmbito, o Tribunal a quo concluiu corretamente que a apresentação à Autoridade da Concorrência, pela W, SA (à data participada da Recorrente), de uma denúncia contra a 1ª Ré por abuso de posição dominante em 30.07.2009, demonstra que, nessa data, a denunciante, bem como a sua acionista única (a ora Recorrente que, segundo a própria alega, teria inclusivamente dado instruções à W, SA para avançar com aquela denúncia – cf. artigo 23.º da p.i.) tinha total conhecimento de que estava a ser lesada por uma prática restritiva da concorrência.
55.ª — A denúncia em questão abarcou 524 páginas (cf. anexo II à p.i.) o que sugere um conhecimento muito detalhado das circunstâncias que, à data, traduziam o abuso de posição dominante que estaria a ser imposto à W, SA, segundo a própria com conhecimento da Recorrente.
56.ª — É a própria Recorrente que optou por qualificar esta denúncia como documento integralmente confidencial e secreto neste processo (apesar de a mesma ter sido apresentada em 2009, há 10 anos, pelo que a informação que dela consta é histórica) e, por isso, dificilmente a sentença recorrida poderia ter feito uma análise mais detalhada daquele documento quando a ora Recorrida e as restantes Rés nem sequer tiveram direito a contraditório quanto àquele documento.
57.ª — A Recorrente confunde o conhecimento dos factos constitutivos do seu direito com a prova desses factos, sendo manifesto que a mesma já tinha pleno conhecimento dos factos essenciais que integram a sua causa de pedir quando, em julho de 2009, foi apresentada a referida denúncia à Autoridade da Concorrência.
58.ª — Aliás, o pedido apresentado pela Recorrente no Tribunal da Relação de Lisboa em 9.01.2015 (cf. §§ 4 a 9 da sua alegação) – para ter acesso a elementos do processo n.º 204/13.6YUSTR.L1 – foi explicitamente fundamentado com a urgência em ter acesso aos elementos requeridos porque se aproximava a data de 1 de março de 2015 e, com ela, a prescrição do seu direito.
59.ª — Acrescem três razões para a improcedência da argumentação da Recorrente relativamente ao início da contagem do prazo de 3 anos previsto no artigo 498.º, n.º 1, do Código Civil, o primeiro dos quais é o de que uma análise da Decisão da Autoridade da Concorrência no processo contraordenacional PRC-2010/2 mostra que todos os operadores de televisão por subscrição (incluindo a W, SA) tinham conhecimento da natureza ilícita das condições remuneratórias praticadas pela 1ª Ré.
60.ª — Esse conhecimento resulta, a título de exemplo, do teor dos parágrafos 344, 515 e 516 da versão não confidencial da referida Decisão da AdC.
61.ª — Em segundo lugar, a circunstância de a Recorrente não ter tido acesso a um conjunto de elementos que alega teriam sido indispensáveis ao conhecimento dos factos constitutivos do seu direito foi, manifestamente, irrelevante, como o demonstra a propositura da presente ação apesar das dificuldades relatadas nos artigos 44 a 52 da p.i.
62.ª — Em terceiro lugar, o alegado ilícito jusconcorrencial que está em causa no presente processo (abuso de posição dominante por prática de preços excessivos e discriminatórios, i.e. abuso de exploração) resulta demonstrado exclusivamente com recurso às condições remuneratórias definidas nos contratos de distribuição celebrados com a 1ª R., não carecendo do conhecimento de quaisquer informações externas a esses contratos.
63.ª — Isto mesmo resulta do que vem alegado nos artigos 113, 118 e 119 da p.i., nomeadamente.
64.ª — A Recorrente invoca um prejuízo (alheio, é certo, uma vez que a ter sido sofrido o foi pela sua então subsidiária, W, SA) que consiste no facto de, por força de disposições contratuais que impunham um determinado “mínimo de assinantes” – designadamente através de uma taxa de penetração mínima (“TPM”) – os operadores de televisão por cabo mais pequenos terem sido obrigados a remunerar a 1ª Ré por um número de assinantes superior ao que realmente tinham.
65.ª — Ora, para chegar a esta conclusão, um operador de televisão por cabo que fosse cliente da 1ª Ré só precisava de conhecer: (i) a TPM que consta do seu próprio contrato de distribuição; (ii) o número total de casas passadas da sua própria rede; (iii) o número real dos seus clientes de televisão por subscrição que são também assinantes dos canais S. TV.
66.ª — Tudo isto são factos próprios de cada operador e não podiam ser desconhecidos da W, SA em 30.07.2009 quanto apresentou a sua denúncia à Autoridade da Concorrência.
67.ª — Todas as práticas alegadamente discriminatórias que foram inicialmente sancionadas pela Autoridade da Concorrência resultam diretamente das condições contratuais e da dimensão da base de assinantes (clientes de televisão paga) de cada operador, que era mensalmente monitorizado por cada um destes, incluindo pela W, SA.
68.ª — Nada obstou, assim, ao conhecimento pela W, SA (e, segundo a própria alega, pela sua acionista e ora Recorrente) de todos os factos relevantes constitutivos do seu alegado direito a indemnização, nos termos do artigo 483.º do Código Civil.
69.ª — Conclui-se assim que o direito a indemnização invocado pela Recorrente já se havia extinguido, por prescrição, quando a ora Recorrida foi citada para esta ação em março de 2015:
a) quer se considere como termo inicial a data da denúncia apresentada pela W, SA, em 30.07.2009 (hipótese em que o prazo de prescrição de 3 anos se terá completado em 30.07.2012),
b) quer se reporte o início da contagem daquele prazo ao momento em que o pretenso ilícito cessou, em 30.03.2011 (hipótese em que o prazo de prescrição de 3 anos se terá completado em 30.03.2014),
c) quer ainda se reporte aquele início à data de 27.02.2012, data em que a Recorrente admitiu (cf. facto assente n.º 6 da douta sentença recorrida) ter tido conhecimento do seu direito de indemnização (hipótese em que o prazo de prescrição de 3 anos se terá completado a 27.02.2015).
70.ª — Na situação sub judice, não há fundamento algum para se aplicar à suposta responsabilidade das Rés o regime da responsabilidade contratual.
71.ª — Não está em causa na ação qualquer contrato celebrado entre a A. e alguma das Rés, e também não está em causa, nem é invocado pela A., qualquer contrato com eficácia de proteção para terceiros de cujo círculo de proteção ela pudesse ser beneficiária.
72.ª — Por conseguinte, não há razão para se sujeitar o alegado direito indemnizatório da A. sobre as Rés por responsabilidade civil a outro prazo prescricional que não o prazo de 3 anos previsto para a responsabilidade extracontratual no art. 498.º do Código Civil.
73.ª — Em face da aparente omissão de pronúncia do Tribunal a quo sobre o pedido subsidiário de alegada repetição do indevido fundado no enriquecimento sem causa, poderá o Venerando Tribunal da Relação suprir a irregularidade que considere existir, apreciando ele próprio essa mesma questão (art. 661.º, n.º 1, do C.P.C.).
74.ª — Ora, o Tribunal dispõe de todos os elementos para, desde já, julgar improcedente este pedido subsidiário, porque também quanto ao alegado crédito à restituição daquilo que teria sido indevidamente recebido pela 1ª Ré procede a exceção da prescrição, oportunamente alegada pela 3ª R. na contestação (arts. 162.º ss., em especial arts. 216.º a 218.º da contestação).
75.ª — Isto porque, à luz do estabelecido no art. 482.º do Código Civil, verifica-se que os respetivos pressupostos, aliás muito similares aos do art. 498.º, estão preenchidos na situação em apreço: a A. já desde a data em que apresentou a denúncia junto da AdC, ou seja, 30.7.2009, que não podia ignorar a pretensa falta de causa para a retenção pela 1ª R. das quantias alegadamente recebidas em excesso e de que esta se teria apropriado indevidamente.
76.ª — Deve rejeitar-se, por violar a lei processual, a tentativa da A. de, em sede de recurso, alterar a causa de pedir (subsidiária) da ação que propôs para tentar escapar à aplicação do prazo prescricional do art. 482.º do Código Civil, pelo que não cabe agora conhecer do putativo direito de restituição fundado em suposta nulidade de cláusulas contratuais – sendo certo, de todo o modo, que a A. não seria pessoa legitimada a solicitar a restituição de prestações efetuadas com base em contratos celebrados entre a 1ª Ré e a W, SA, pois que tais contratos são, relativamente a ela, res aliena.
Ampliação do objeto do recurso:
77.ª — Prevenindo, por cautela e dever de patrocínio, a eventualidade de procedência de algum dos fundamentos do recurso, a R. requer, a título subsidiário, a ampliação do seu âmbito de modo a serem nele também conhecidas as exceções da ilegitimidade ativa (da A.) e da ilegitimidade passiva (da 3ª R.) para a presente ação, por si oportunamente invocadas na contestação e que foram desatendidas pelo Tribunal a quo, as quais, no seu entender, impõem também a sua absolvição (art. 631.º, n.º 1, do C.P.C.).
78.ª — A A. é parte ilegítima na ação a que respeita o presente recurso porque o direito à indemnização que a A. pretende exercer na ação, a existir, só poderia pertencer à W, SA e não à sua acionista.
79.ª — Tendo em conta que (i) o contrato que a A. invoca ter sido violado é um contrato entre a W, SA e a 1ª Ré, (ii) a infração que diz que teria sido cometida pela 1ª Ré, ao alegadamente impor preços discriminatórios por referência aos que cobrava à D, teria redundado em pagamentos excessivos feitos pela W, SA, e (iii) a conduta anticoncorrencial que alega ter-se-ia consubstanciado na referida imposição de um sistema discriminatório de preços e outras condições pela1ª Ré aos operadores de televisão, entre os quais a W, SA, verifica-se que o litígio que a A. trouxe a juízo, nos próprios termos em que é configurado pela A., respeita unicamente à W, SA.
80.ª — Os pretensos danos invocados pela A., a terem existido, teriam sido suportados pela W, SA, sendo a A. terceira relativamente a eles — quando muito, quanto a alguns desses danos, seria um lesado meramente indireto ou mediato, pelo que nunca poderia ter relativamente a eles qualquer pretensão indemnizatória.
81.ª — O facto de, alegadamente, a A. poder ter de responder por dívidas da sua subsidiária W, SA no período em que sobre ela exerceu o controlo não leva a que para ela se transmitam direitos que a sociedade dominada possa ter sobre terceiros.
82.ª — O que vem de se dizer vale também relativamente ao pedido subsidiário fundado no alegado enriquecimento injustificado da 1ª Ré pelo facto de ter cobrado preços alegadamente discriminatórios para prestações equivalentes, uma vez que o alegadamente empobrecido só poderia ser a W, SA e a A. é também terceira relativamente à relação litigiosa assim configurada.
83.ª — Assim, perante qualquer das causas de pedir invocadas pela A., deve concluir-se que esta é parte ilegítima na presente ação.
84.ª — O Tribunal a quo errou ao julgar improcedente a exceção da ilegitimidade passiva da 3ª R. com o fundamento de que, do modo como a A. configurou a ação, a 3ª R. poderia vir a ser responsabilizada por ter alegadamente dado ordens, instruções ou conselhos à 1ª R. no que respeita à atuação desta última.
85.ª — Não resultam claramente da p. i. as razões pelas quais a A. demanda a 3ª R. conjuntamente com a 1ª R., pelo que não é minimamente seguro que esse fundamento sejam as tais alegadas ordens, instruções ou conselhos à 1ª R..
86.ª — Sem prejuízo disso, não poderia resultar daí a legitimidade passiva da 3ª R., porque, não existindo entre a 3ª R. e a 1ª R. uma relação de grupo constituída por domínio integral inicial ou superveniente (arts. 488.º e 489.º do C.S.C.) ou pela celebração de um contrato de subordinação (art. 493.º do C.S.C.), nunca poderia também a responsabilidade da 3ª R. e a legitimidade para a presente ação resultar de quaisquer instruções ou ordens por esta emitidas (art. 503.º, n.º 1, do C.S.C., aplicável às situações de domínio total por força da remissão do art. 491.º do C.S.C.).
87.ª — Aquilo em que a A. procura fundar a pretensa responsabilidade da 3ª R. é na alegação de que esta estaria em condições de exercer uma influência decisiva sobre a 1ª R. (conjuntamente com a 2ª R.) e que exerceu efetivamente uma influência decisiva sobre a 1ª R., “em geral”.
88.ª — Sucede que o conceito de “influência decisiva” não logra qualquer reconhecimento no direito nacional ao nível do direito das sociedades e do mercado de capitais, não lhe atribuindo a lei qualquer relevo enquanto fonte de responsabilidade (subsidiária) de uma sociedade pelas obrigações contraídas por outra.
89.ª — Não vale à A. a invocação, a este respeito, do direito da concorrência, nacional e da União Europeia.
90.ª — Quanto ao direito nacional, é inequívoco que, ao tempo dos factos aqui em causa e da propositura da ação pela A., ele não continha qualquer regra com um teor idêntico, similar ou sequer vagamente aparentado, àquele a que a A. alude.
91.ª — Quanto ao direito da União Europeia, ele não é aplicável à situação sub judice, como se viu; mesmo que o fosse, porém, nem por isso daí poderia resultar a possibilidade de responsabilização da3ª R., atento o facto de não conter qualquer regra escrita sobre a responsabilidade de uma sociedade-mãe pelos danos causados a terceiros pelas suas subsidiárias decorrentes de infrações ao direito da concorrência nem nunca qualquer órgão judicial da União Europeia (Tribunal de Justiça ou outro), ou qualquer outra instituição da União Europeia, incluindo a Comissão Europeia, condenou uma sociedade-mãe ao pagamento de indemnização a terceiros (fossem eles concorrentes, clientes, fornecedores ou ex-acionistas de qualquer um deles) pelos danos causados pelas suas subsidiárias, decorrentes de infrações ao direito da concorrência.
92.ª — Também relativamente à causa de pedir subsidiária fundada no enriquecimento sem causa se verifica falta de legitimidade da 3ª R., tendo em conta que, a fazer fé na alegação da A., a enriquecida seria a 1ª Ré e apenas ela, sendo a 3ª R. alheia à relação material controvertida, nos próprios termos em que ela é configurada pela A..
93.ª — Face a todo o exposto, sempre deverá a 3ª R., na hipótese, que por dever de patrocínio se concebe, de procedência do recurso, julgada parte ilegítima na presente ação e dela absolvida.
94.ª — Ao julgar improcedentes as exceções da ilegitimidade ativa e da ilegitimidade passiva da 3ª R., o Tribunal recorrido violou, por errada interpretação e aplicação, a norma do art. 30.º do C.P.C.
Termos em que se deverá julgar improcedente o recurso e, consequentemente, confirmar-se a douta sentença recorrida.
Caso assim não se entenda, deverá conhecer-se da ampliação do objeto do recurso deduzida a título subsidiário e, consequentemente, julgar-se procedentes as exceções da ilegitimidade ativa e da ilegitimidade passiva da 3ª R., absolvendo-se a mesma da instância.”
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A decisão recorrida considerou como provada a seguinte matéria de facto, no tocante à decisão da exceção de prescrição:
“1. A Autora é a empresa mãe de um grupo multinacional de empresas ativas no sector das telecomunicações e dos media.
2. Através de suas subsidiárias, a Autora adquiriu a W, SA, aquisição essa que se tornou efetiva em 03.08.2006.
3. Por acordo de 29.02.2012, com efeitos na mesma data, a Autora vendeu a W, SA ao grupo F.
4. Em 30.07.2009, a Autora apresentou junto da Autoridade da Concorrência uma denúncia contra, entre outras, a 1ª Ré, alegando a existência de práticas restritivas da concorrência no domínio dos canais desportivos premium desenvolvidas por essas empresas e considerando que tais práticas consubstanciavam abuso de posição dominante.
5. Essa denúncia deu origem ao processo contraordenacional n.º PRC 2010/2 daquela Autoridade.
6. Nesse processo, a ora Autora declarou, além do mais, em requerimento junto a tais autos em 09.01.2015, que «a data de 29.02.2012 deve considerar-se a data em que a A., na sua qualidade de lesada, teve conhecimento do direito que lhe compete de reclamar os danos causados pelas práticas anticoncorrenciais da 1ª R.» - cf. doc. 3 junto com a contestação da 1ª Ré.
7. Tal processo foi concluído com a decisão da Autoridade da Concorrência, datada de 14.06.2013, que aplicou à 1ª Ré uma coima por abuso de posição dominante, tendo considerado que o comportamento desta última consubstanciava uma violação do artigo 6º da Lei n.º 18/2013 e do artigo 102º do TFUE.
8. De tal decisão a 1ª Ré recorreu para o Tribunal Judicial competente, o qual, por sentença de 04.06.2014, decidiu, além do mais, confirmar a prática de contraordenação pela ora 1ª Ré, tendo reduzido o montante da coima aplicada e concluído pela inaplicabilidade do disposto no artigo 102º do TFUE – proc. nº 204/13.6YUSTR do Tribunal da Concorrência, Regulação e Supervisão.
9. Por Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 11.03.2015, essa sentença foi confirmada integralmente.
10. A presente ação foi instaurada em 27.02.2015.”
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Importa, ainda, considerar a seguinte factualidade com relevo para o conhecimento do objeto do presente recurso, factualidade que decorre dos elementos constantes dos autos:
- as 1ª e 2ª RR. foram citadas em 25/03/2015 (cfr. fls. 4691 e 4690) e a 3ª R. em data não anterior a 24/03/2015 (data da elaboração da carta de citação pela secretaria).
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Sendo o objeto do recurso delimitado pelas conclusões das alegações, impõe-se conhecer das questões colocadas pela apelante e das que forem de conhecimento oficioso (arts. 635º e 639º do NCPC), tendo sempre presente que o tribunal não está obrigado a apreciar todos os argumentos apresentados pelas partes, sendo o julgador livre na interpretação e aplicação do direito (art.º 5º, nº3 do NCPC).
Assim, as questões a decidir são as seguintes:
1. Da impugnação da decisão de facto
2. Da ineptidão da p.i.
3. Da prescrição do direito invocado pela A.
4. Da ampliação do recurso, no caso de proceder algum fundamento do recurso.
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1. Da impugnação da decisão de facto
A decisão recorrida consignou os factos que considerou provados e pertinentes para conhecer da exceção de prescrição. Apenas estes devem ser objeto de impugnação, tendo em consideração que a decisão foi proferida em sede de despacho saneador. Face ao disposto no artº 595º do C.P.C. a apreciação da exceção pressupõe que a matéria pertinente não esteja controvertida, isto é, que não haja necessidade de produção de prova.
A recorrente impugna o facto provado sob o nº 6, pugnando para que seja considerado não provado, uma vez que não corresponde ao que resulta do documento nº 3 junto com a contestação da 1ª R., único fundamento referido na decisão recorrida.
O ponto 6 dos factos provados tem a seguinte redação:
 “6. Nesse processo, a ora Autora declarou, além do mais, em requerimento junto a tais autos em 09.01.2015, que «a data de 29.02.2012 deve considerar-se a data em que a A., na sua qualidade de lesada, teve conhecimento do direito que lhe compete de reclamar os danos causados pelas práticas anticoncorrenciais da 1ª R.» - cf. doc. 3 junto com a contestação da 1ª Ré.”
O doc. nº 3 junto à contestação da 1ª Ré, é um requerimento da apelante dirigido ao processo n.º 204/13.6YUSTR.L1 (o recurso da sentença do TCRS relativa à decisão da AdC que identificou o comportamento abusivo que está na base das pretensões da Recorrente na presente ação) - e não ao processo contraordenacional PRC 2010/2 da AdC.
Nesse requerimento, com vista à obtenção de acesso ao processo, consta, designadamente que:
 “Sucede que, de acordo com uma das possíveis interpretações das normas aplicáveis à pretensão de reparação dos danos em causa, segundo a qual estamos perante uma situação de responsabilidade extracontratual, o prazo de prescrição do direito da C. é de 3 anos. A isto acresce que, segundo uma possível interpretação do cálculo do prazo de prescrição, a data de 29 de fevereiro de 2012 deve considerar-se a data em que a C, na sua qualidade de lesada, teve conhecimento do direito que lhe compete de reclamar os danos causados pelas práticas anticoncorrenciais da X, SA. Nessa hipótese, o prazo de prescrição termina a 1 de março de 2015.” (sublinhado nosso).
E se é certo que no ponto 6 dos factos provados a transcrição deste documento não se mostra completa, impõe-se, nos termos do artº 607º, nº 4, ex vi do artº 663º, nº 2 do C.P.C. atender a que a A. admitiu que teve conhecimento do direito que lhe compete, de reclamar os danos causados pelas práticas anticoncorrenciais da 1ª R., em 29/02/2012 (cfr. artº 312º da petição inicial).
Com efeito, no artº 312º da p.i. a A., depois de apresentar argumentos para sustentar que o prazo de prescrição só se pode iniciar em 14 de junho de 2013, data da decisão da AdC, admite o seguinte:
“A isto acresce que a A. só passou a ter uma noção clara da perda de valor do negócio da W, SA, decorrente, inter alia, das práticas anticoncorrenciais em causa, e, portanto, dos prejuízos que teria de suportar, na data da venda do negócio, ou seja, a 29 de fevereiro de 2012, data em que se concluiu a transferência para a A. dos prejuízos correspondentes à perda de valor da W, SA, pelo que também não poderia o prazo de prescrição começar a correr antes desta data.” (sublinhado nosso)
Sobre esta matéria, nas contestações apresentadas pelas 3ª e 1ª RR. (cfr. artºs 210 e ss. e 80º e ss., respetivamente), afirma-se que a A. admitiu expressamente que teve conhecimento do direito que lhe compete de reclamar os danos causados pelas práticas anticoncorrenciais da 1ª R. em 29/02/2012. A 1ª R.  declarou aceitar esta confissão nos termos e para os efeitos do artigo 465.º, n.º 2, do CPC, ou, caso assim se não entenda, nos termos e para os efeitos do artigo 46.º do CPC.
A declaração constante do artº 312º da petição inicial constitui confissão expressa de factos feita pelo mandatário da A. que foi aceite especificadamente pela 1ª R., pelo que vincula a mandante nos termos do disposto nos artºs 46º e 465º do C.P.C.
Como refere Abrantes Geraldes “acrescem ainda as eventuais modificações que sejam o resultado da verificação de acordo das partes, de confissão relevante ou de documentos integrados nos autos e que ainda não tenham sido total ou parcialmente valorados, nos termos do artº 607, nº 4” (in Recursos no Novo Código de Processo Civil, pág. 316).
A pretensão de exclusão do facto nº 6 do elenco dos provados não pode, pois, proceder, devendo ser alterada a sua redação, em conformidade com o ora exposto.
*
Pugna a apelante para que sejam considerados provados os factos constantes nos artºs 53 a 58, 60 a 66, 74, 76 e 94 da p.i., por não contestados, provados por documentos e/ou de conhecimento público ou notório.
Os factos em causa são os seguintes:
§53: “Na presente ação, está em causa a disponibilização do sinal de canais de acesso condicionado com conteúdos ligados aos desportos de grande audiência ou desportivos premium, maxime da transmissão (em direto ou semidireto) de jogos de futebol realizados com regularidade ao longo do ano e em que participem equipas nacionais, produzidos e emitidos pela 1ª R. (canais de acesso condicionado com conteúdos desportivos premium)”
§54: “A prestação destes serviços integra-se numa cadeia vertical descrita, no seu essencial, na figura que se segue: (…)
§55: “A procura dos serviços em causa na presente ação é constituída pelos operadores de serviços de televisão por subscrição, como a W, SA/C.”;
 §56: “e a sua oferta é constituída pelos produtores de televisão com direitos de transmissão televisiva de canais com os conteúdos suprarreferidos,”;
§57: “sendo a 1ª R. o único agente da oferta destes serviços durante o período de referência”
§58: “Para que sejam produzidos e emitidos os canais com conteúdos desportivos premium, os respetivos direitos de transmissão televisiva têm de ser adquiridos pelos produtores de televisão interessados na difusão desses conteúdos”;
§60: “Devido à interdependência das várias atividades na cadeia vertical de abastecimento, as vendas de canais de acesso condicionado com conteúdos desportivos premium afetam, a montante, as vendas de direitos desportivos de transmissão televisiva”;
61: “os quais envolvem um volume significativo de importações, inter alia, de outros Estados-membros da União Europeia”;
§62: “já que a oferta dos serviços em causa implica a aquisição, direta ou indireta, de direitos de transmissão detidos por entidades sedeadas noutros Estados membros da União Europeia”;
63: “Os serviços em causa são adquiridos, nomeadamente, por empresas que se incluem em grupos (unidades económicas) com sede noutro Estado-membro da União Europeia”;
§64: “A jusante, os operadores de televisão por subscrição prestam serviços retalhistas que incluem os conteúdos desportivos premium aos utilizadores finais,”;
§65: “serviços prestados através de várias plataformas – por cabo, por ADSL, por satélite ou por outras plataformas –,”;
§66: “incluindo-se entre os utilizadores finais algumas empresas presentes em Portugal controladas por empresas com sede noutro Estado-membro da União Europeia (e.g. grupos hoteleiros)”;
§74: “Durante o período de referência, a 1ª R. deteve um monopólio de facto na oferta, em Portugal, de canais de acesso condicionado com conteúdos desportivos premium”;
76: “A AdC tem uma prática decisória constante de definição como mercados relevantes autónomos, à luz do método de definição de mercados do direito da concorrência, do «mercado de canais de acesso condicionado com conteúdos desportivos premium», com âmbito geográfico nacional”;
§94: “De acordo com a AdC e o TCRS, a 1ª R. teve, durante o período de referência, uma posição dominante no mercado nacional de canais de acesso condicionado com conteúdos desportivos premium”.
Alega a apelante que os factos constantes dos artºs 53º, 55º, 56º, 58º, 61º a 66º e 76º da p.i. não foram contestados.
Todavia, com exceção do artº 55º, todos os factos constantes dos referidos artigos foram objeto de impugnação nas contestações apresentadas pelas RR., nos termos do disposto no artº 574º do C.P.C.. Assim:
- os artºs 53º e 63º da pi. foram impugnados pela 2ª R. (artºs 302 e 450º da contestação) e 3ª R. (artº 403º da contestação); 
- o artº 56º da pi. foi impugnado pela 2ª R. (artº 449º da contestação); 
- os artºs 58º, 61º e 62º da pi. foram impugnados pela 2ª R.  (artº 302 da contestação) e 3ª R. (artº 405º da contestação); 
- os artºs 64º e 65º da pi. foram impugnados pela 2ª R. (artº 449º da contestação); 
- os artºs 66 º e 76º da pi. foram impugnados pela 2ª R. (artº 448º da contestação) e 3ª R. (artº 404º da contestação). 
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Defende a apelante que os factos alegados nos artºs 54º a 56º, 58º, 60º a 66º e 74º são de conhecimento público/notório.
Estabelece o artº 412º, nº 1 do C.P.C. que “não carecem de prova nem de alegação os factos notórios, devendo considerar-se como tais os factos que são do conhecimento geral.”
São "factos notórios apenas aqueles que sejam do conhecimento geral, ou seja, os que sejam do conhecimento da massa dos cidadãos portugueses regularmente informados, isto é, com acesso aos meios normais de informação" (Alberto dos Reis, in C.P.C. Anotado, vol. III, p. p. 261)
 “Como explicam Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, in “Código de Processo Civil Anotado”, Volume 2.º, 3.ª edição, Almedina, pág. 209, seguindo de perto a lição de Castro Mendes, “(S)ão notórios os factos do conhecimento geral, isto é, conhecidos ou facilmente cognoscíveis pela generalidade das pessoas normalmente informadas de determinado espaço geográfico, de tal modo que não haja razão para duvidar da sua ocorrência (…) No domínio do processo civil, a esfera social que o caracteriza tem de abranger as partes e o juiz da causa. Embora o âmbito da notoriedade apareça hoje consideravelmente alargado mercê dos meios modernos de comunicação de massas, tal não significa que deva ser considerado notório todo o facto divulgado pela imprensa, rádio ou televisão, pois se pode mesmo assim duvidar da sua ocorrência. Sendo, por definição, indiscutível a sua verificação, o facto notório não carece de prova nem é suscetível de prova contrária, sem prejuízo de poder impugnar-se a sua notoriedade.” (Ac.R.L. de 11-07-2019, in www.dgsi.pt).
“A quota de mercado de uma empresa e o seu posicionamento no mercado, não constituem factos notórios, para os efeitos a que alude o art. 514º, nº1 do C.P.C., impondo-se a sua alegação e prova pela parte a quem aproveitam.” (Ac.R.L. de 09-04-2013)
Os factos acima transcritos não se podem ter por factos do conhecimento geral, na aceção acima sufragada, pois não é do conhecimento dos cidadãos em geral, as relações entre empresas que prestam serviços em causa nos autos, o seu modo de operar no mercado (posição assumida, monopólio, oferta e procura dos serviços e dos direitos televisivos, etc.), pelo que não sendo notórios carecem de prova.
Analisemos, então se os meios de prova indicados pela apelante são aptos à finalidade pretendida.
Sustenta a apelante que os factos alegados nos artºs 53, 54, 57, 58, 60 a 62, 64 a 66, 74, 76 e 94 se mostram provados por documentos junto aos autos.
Compulsados os referidos documentos verifica-se que se trata de processo de contraordenação em que foi aplicada à aqui 1ª R. uma coima pela AdC, por decisão de 14/06/2013 (PRC 2010/2), da qual foi interposto recurso para o TCRS e da decisão por este proferida, em 04/06/2014, recurso para o Tribunal da Relação de Lisboa, que proferiu acórdão em 22/03/2015 (processo 204/13.6 YUSTR.L1), bem como decisão da AdC de 31/07/2014 (Ccent. 4/2013).
O artº 623º do C.P.C. dispõe que “A condenação definitiva proferida no processo penal constitui, em relação a terceiros, presunção ilidível no que se refere à existência dos factos que integram os pressupostos da punição e os elementos do tipo legal, bem como dos que respeitam às formas do crime, em quaisquer ações civis em que se discutam relações jurídicas dependentes da prática da infração.”
A norma é expressa no sentido de estabelecer uma presunção ilidível, mediante prova em contrário (artº 350º do C.C.).
Nenhuma das decisões referidas pela apelante tem a natureza de decisão penal, assumindo antes natureza contraordenacional. Em face das características da autonomia material, processual e sancionatória entre o direito de mera ordenação social e o direito penal e, sobretudo, das garantias próprias do direito penal, atenta a natureza excecional da norma prevista no artº 623º do C.P.C., está vedada a aplicação analógica (artº 10º), bem como a sua interpretação extensiva (artº 11º) de molde a integrar a decisão proferida em processo de contraordenação.
Assim, os factos que naquelas decisões foram considerados provados não gozam da presunção prevista no citado preceito (cfr. Ac.STJ de 05-04-2016, disponível em www.dgsi.pt), nem por essa via são factos notórios e muito menos as considerações delas constantes têm a força probatória que a apelante pretende atribuir-lhes.
Tais decisões não são aptas, por si, a sustentar a prova dos factos em causa.
Para prova do facto vertido no artigo 63 da p.i. vem indicado o doc. 23 anexo àquela peça processual, constituído por excerto de página wikipédia sobre a Vodafone.
O facto em causa foi impugnado, como sobredito. Também o documento nº 23 foi impugnado pelas 3ª e 2ª RR. (cfr. artºs 407º e 451º das respetivas contestações), pelo que não tem a virtualidade de sustentar, por si, a prova do facto.
Em suma, apenas o artº 55º da p.i., com exceção da referência à A., porque aceite com esta restrição nas contestações apresentadas pela 2ª R (artº 447º) e 3ª R. ( artº 408º), e não impugnado pela 1ª R., se pode considerar provado. 
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Defende, ainda, a apelante que seja dado como facto assente nos presentes autos, por provado pelos documentos anexos à (ou citados na) Petição inicial e/ou de conhecimento público e notório, que os factos alegados nos artºs 71, 121, 123 da petição inicial basearam-se em informações confidenciais, que não constavam da denúncia da Recorrente à AdC, e a que a Recorrente não tinha acesso antes da adoção da Decisão PRC 2010/2 da AdC, como resulta da natureza manifestamente sensível e confidencial dessa informação e das fontes dessa informação citadas nos respetivos artigos da Petição Inicial.
Os factos alegados nos artºs 71, 121 e 123 da p.i. têm o seguinte teor:
71.º  Durante o período de referência, os canais S TV tiveram o parque médio de subscritores indicado na Tabela 2 da Decisão PRC 2010/2, elaborada pela AdC com base em informação fornecida pela 1ª R., reproduzida de seguida na parte relevante (cfr. Decisão PRC 2010/2, Tabela 2; Proc. 204/13.6YUSTR.L1, fls. 17629) (…)”
 121.º  Com efeito, a D pagava um preço unitário efetivo estimado nos termos descritos na tabela seguinte (…)
Os valores em itálico correspondem a dados sujeitos a confirmação, mediante acesso a informação confidencial a cujo acesso prévio não foi possível.
O valor do pagamento total é calculado multiplicando-se o PVR pelos descontos respetiva e sucessivamente aplicáveis ao “número de subscritores usado para cálculo do preço”, de acordo com os escalões determinados pela 1ª R..
O valor do preço unitário é calculado dividindo o pagamento total pelo número de subscritores. [Cfr. Anexo 5 do contrato constante do Anexo 3, Anexo 10 e pp. 13-14 da Queixa à AdC; Decisão PRC 2010/2, §142 e Tabela 2]
123.º Resulta dos dados acima indicados que a W, SA/C. pagou constantemente um valor em excesso relativamente ao que lhe teria sido cobrado pela 1ª R. caso lhe fossem aplicadas as mesmas condições que eram aplicadas à D, nos termos indicados na tabela que segue (…)”
A apelante não pretende que os factos contidos nos citados artigos sejam considerados provados, mas que os mesmos se basearam em informações confidenciais, que não constavam da denúncia que apresentou à AdC, e a que não tinha acesso antes da adoção da Decisão PRC 2010/2 da AdC.
Este facto não foi alegado na p.i., mas apenas na resposta às exceções, conforme artº 36º, com o seguinte teor:
“(…) antes do acesso à decisão da Autoridade da Concorrência de 14 de junho de 2013, a Autora não conhecia os detalhes dos factos indicados nos Art.ºs 71.º, 121.º e 123.º da Petição Inicial, assim como estes factos também não eram conhecidos da sua então subsidiária W, SA, sendo esses factos centrais e indispensáveis para conhecer e exercer o direito ora em causa.”
Os factos em causa por dizerem respeito ao momento do conhecimento pela apelante não se podem ter como públicos ou notórios, atentas as considerações acima explanadas quanto ao conceito.
Indica ainda a apelante para prova do facto os documentos juntos ou citados na p.i.. Não cumpriu quanto a este particular aspeto o ónus exigido pelo artº 640º, nº 1, al. b) do C.P.C.
Uma vez alegado no último articulado, que não admite contraditório, não se pode considerar assente.
Sublinhe-se que a A. apenas alega que desconhecia “os detalhes” dos factos, o que desde logo afasta a sua relevância face ao disposto no artº 498º, nº 1 do CC, como infra melhor analisaremos.
Por último, como referido nas contra-alegações da 1ª R. “desde logo, o alegado pela Recorrente no §121 da sua petição inicial tem como fonte o “Anexo 5 do contrato constante do Anexo 3 da Queixa à AdC”, diretamente contradizendo a sua alegação de que não tinha conhecimento do seu conteúdo em momento anterior à Decisão PRC 2010/2. O alegado pela Recorrente no §123 da sua petição inicial é um quadro conclusivo sobre as informações vertidas nos dois artigos precedentes. Como supra exposto, os dados contidos no §121 provieram do “Anexo 5 do contrato constante do Anexo 3 da Queixa à AdC”; e os dados contidos no §122 provieram do “Anexo 6 do contrato constante do Anexo 3, Anexo 10 e pp. 13-14 da Queixa à AdC”. Fica, assim, contraditado, pela própria Recorrente, o seu desconhecimento prévio dos factos: a ora Recorrente confessa ter lançado mão dessas informações no momento da queixa à Autoridade da Concorrência (que, como se sabe e o Tribunal a quo considerou provado, é datada de 30/07/2009). Por sua vez, os dados refletidos sobre o §71 da petição inicial só poderiam eventualmente ser relevantes quanto aos subscritores da W, SA – facto pessoal da Recorrente, i.e., conhecia ou devia ter conhecimento desse facto – e da D. Os dados relativos aos subscritores D vêm refletidos no §121.º da sua petição inicial que, como vimos e confessou a Recorrente, foram utilizados na sua Queixa à Autoridade da Concorrência.”
Pelo exposto, procede parcialmente a impugnação da decisão de facto, nos seguintes termos:
- adita-se aos factos provados o seguinte:
 “A procura dos serviços em causa na presente ação é constituída pelos operadores de serviços de televisão por subscrição, como a W, SA”.
Mais decide-se alterar o teor do ponto 6, nos seguintes termos:
“6. No processo nº 204/13.6 YUSTR.L1, a ora Autora declarou, além do mais, em requerimento junto a tais autos em 09.01.2015, que “Sucede que, de acordo com uma das possíveis interpretações das normas aplicáveis à pretensão de reparação dos danos em causa, segundo a qual estamos perante uma situação de responsabilidade extracontratual, o prazo de prescrição do direito da C. é de 3 anos. A isto acresce que, segundo uma possível interpretação do cálculo do prazo de prescrição, a data de 29 de fevereiro de 2012 deve considerar-se a data em que a C., na sua qualidade de lesada, teve conhecimento do direito que lhe compete de reclamar os danos causados pelas práticas anticoncorrenciais da X, SA”; data essa da venda do negócio e em que a A. tinha “uma noção clara da perda de valor do negócio da W, SA, decorrente, inter alia, das práticas anticoncorrenciais em causa, e, portanto, dos prejuízos que teria de suportar, data em que se concluiu a transferência para a C. dos prejuízos correspondentes à perda de valor da W, SA.”
*
Em desenvolvimento dos factos provados, mormente do ponto 4, e ao abrigo do disposto no art. 607º, nº 4, ex vi do art. 663º, nº 2 do CPC, importa aditar a seguinte factualidade, constante da denúncia apresentada pela W, SA à autoridade da concorrência (versão não confidencial junto com a p.i. sob o nº 11, que não vem impugnado):
 “4 A. Concretamente a A. afirmou nessa denúncia, o seguinte:
O conjunto das práticas do Grupo D que aqui se descrevem, visam e têm por consequência a exclusão dos concorrentes, nomeadamente da W, SA, do mercado da prestação de serviços de televisão por subscrição e, portanto, a diminuição do nível de concorrência e um prejuízo para os consumidores. (pág. 9)
A fixação contratual de uma taxa de penetração acima da real significa, na prática que a W, SA se compromete a remunerar a X, SA como se a proporção dos clientes da W, SA que correspondem a essa taxa de penetração fossem todos subscritores dos canais S. TV, ainda que tal não corresponda à realidade, como se tem verificado (pág. 12).
A perda de margem da W, SA tem sido, sempre, do conhecimento da X, SA, senão vejam-se os Anexos 15, 16, 17 e 18 (confidencial) relativos as negociações para a celebração do contrato, presentemente em vigor. (pág. 12)
A W, SA entende que as ofertas promocionais praticadas pelo Grupo D, referidas na secção 1.2 da presente Queixa, consubstanciam um abuso de posição dominante, na forma de preços predatórios.
As condições contratuais que a X, SA. tem imposto e, muito especialmente, pretende impor relativas à remuneração pela disponibilização do sinal dos canais S. TV, nomeadamente a taxa de penetração são abusivas por configurarem uma situação de esmagamento de margens (pág. 46)
A W, SA entende que as condições contratuais impostas pela X, SA no contrato para disponibilização do sinal relativo aos canais S. TV, bem como a recusa da X, SA em disponibilizar o acesso ao canal S. TV 1 em formato HD (agora canal S. TV HD), revelam, ainda, práticas discriminatórias, constitutivas de um abuso de posição dominante. (pág. 50)
A prática mais flagrante a nível de imposição de condições discriminatórias é a tabela de percentagem do preço recomendado para [CONFIDENCIAL] elaborada pela X, SA no seu contrato, que vai determinar o desconto aplicável no preço a cada operador.
De facto, e como demonstrado, devido a uma escala de operação menor, a percentagem máxima de desconto, em média, alcançada pela W, SA é de [CONFIDENCIAL] (…). Ora, parece claro que o único operador em Portugal que consegue alcançar o último escalão é a D.
Atente-se em especial à elevada progressividade da escala de desconto, desenhada para beneficiar, ainda mais, a D. (pág. 50)
Assim, o Contrato X, SA, sob a veste de prática não discriminatória, impõe uma fórmula de cálculo do preço que apenas beneficia a D (…). (pág. 50)
À tabela de descontos devemos acrescentar, mais uma vez, a imposição de uma remuneração por uma taxa de penetração mínima fixa, aplicável a todos os operadores, mas que se situa a um nível, sempre, superior em relação à taxa de penetração real da W, SA. Esta entende, porém, que de igual dificuldade não padece a D. (pág. 50)
A prática de discriminação em relação aos operadores não está conforme aos compromissos assumido aquando da decisão sobre a operação de concentração PPTV/PT…/X, SA, pelos quais, a X, SA deverá, “no relacionamento comercial com os diferentes operadores de televisão por cabo, obedecer a condições não discriminatórias, no que concerne a marketing, promoções e disponibilização do sinal”. (…) (pág. 50-51)
De facto, e como se vê, as condições apresentadas pela X, SA são discriminatórias e não obedecem a critérios economicamente proporcionais.”
2. Da ineptidão parcial da p.i.
Insurge-se a apelante contra a decisão de nulidade, por ineptidão parcial da p.i. relativamente ao pedido elencado na subalínea iii) da alínea b), por entender que alegou os factos essenciais que sustentam o pedido de indemnização pelos danos da perda de negócios.
Na alínea b), subalínea iii) a A formulou o seguinte pedido:
“b) Serem as Rés condenadas, conjunta e solidariamente (no caso da 3ª Ré, apenas no que respeita ao período a partir de 14 de novembro de 2007), a indemnizar a A. pelos danos decorrentes dos comportamentos anticoncorrenciais, culposos e ilícitos, em causa, entre 3 de agosto de 2006 e 30 de março de 2011, especificamente:
(…)
 iii) pelos danos decorrentes da perda de negócio resultante das práticas anticoncorrenciais da X, SA, em termos a determinar em fase de liquidação de sentença.”
É do seguinte teor a decisão recorrida quanto a esta exceção:
“(…) não vislumbramos, realmente, factualidade suficientemente consistente, suscetível de fundamentar tal pedido, considerando que, para atingir tal desiderato, relevaria, principalmente, que concretos negócios a Autora teria deixado de efetuar, como decorrência de práticas anticoncorrenciais praticadas pela 1ª Ré, e que danos isso lhe teria causado (ainda que a apurar em sede de liquidação de sentença). A Autora, porém, limita-se a formular este pedido indemnizatório, sem que o suporte em factos. E não corrigiu essa sua deficiência na resposta que ofereceu aos autos: aí, quanto a esta matéria, a Autora limitou-se a alegar que a petição é inteligível, que todos os factos necessários à respetiva prova se encontram alegados e que, para efeitos do disposto no artigo 186º, n.º 3 do C.P.C., as Rés demonstraram, nas suas contestações, terem interpretado convenientemente a petição inicial e estiverem em condições de apresentar os seus contra-argumentos. Ora, o que não se alcança – e a Autora não logrou esclarecer, nem na petição inicial, nem no seu articulado de resposta às exceções – é que de que forma pretenderia densificar o seu pedido, no que se refere ao dano da perda de negócio suscetível de ser indemnizado, limitando-se a alegar genericamente esse dano e, quiçá, esperando que o mesmo viesse a ser demonstrado de outras formas que não a decorrente de objetiva alegação de factos constitutivos de tal pretensão.”
Estabelece o artº 186º do C.P.C. que:
1. É nulo todo o processo quando for inepta a petição inicial.
2. Diz-se inepta a petição:
a) Quando falte ou seja ininteligível a indicação do pedido ou da causa de pedir;
b) Quando o pedido esteja em contradição com a causa de pedir;
c) Quando se cumulem causas de pedir ou pedidos substancialmente incompatíveis.
3. Se o réu contestar, apesar de arguir a ineptidão com fundamento na alínea a) do número anterior, a arguição não é julgada procedente quando, ouvido o autor, se verificar que o réu interpretou convenientemente a petição inicial.
4. No caso da alínea c) do n.º 2, a nulidade subsiste, ainda que um dos pedidos fique sem efeito por incompetência do tribunal ou por erro na forma do processo.
A ineptidão da petição inicial constitui vicio gerador de nulidade, que integra exceção dilatória determinante de absolvição da instância, tudo conforme o disposto nos artigos 186º n.º 1, 576º n.º 1 e 2, 577º alínea b) e 578º todos do Código de Processo Civil.
Como se refere no Ac. R.L 30-06-2011, in www.dgsi.pt: “A ineptidão não é uma qualquer deficiência da petição, mas de não se poder determinar em face do articulado qual o pedido e a causa de pedir, por falta absoluta da sua indicação ou por estar ela feita em termos inaproveitáveis por insanavelmente obscuros ou contraditórios, de não ser possível saber por aí qual a ideia do Autor quanto a rasgos essenciais da ação e é segundo esta diretiva geral que deve entender-se a ineptidão por contradição entre o pedido e a causa de pedir.”
O vício gerador da nulidade determinante da absolvição da instância por ineptidão da petição inicial por falta de causa de pedir pressupõe que tenha ocorrido uma absoluta falta de alegação quanto aos factos constitutivos da causa de pedir dos pedidos deduzidos.
O princípio do dispositivo, vertido nos arts. 5º e 552º, nº 1, alínea d) do CPC, determina que ao autor cabe alegar os factos que segundo a norma substantiva, servem de pressuposto ao efeito jurídico que pretende alcançar pela ação, ou seja os factos concretos (não conclusivos) constitutivos do direito invocado e integradores da causa de pedir, sendo certo que o tribunal só pode pronunciar-se quanto ao que tenha sido alegado pelas partes.
Há, pois, que averiguar se a petição inicial, nos termos em que se encontra redigida, integra explanação da causa de pedir do referido pedido.
Alberto dos Reis, Código de Processo Civil Anotado, Volume I, 3ª edição, pág. 309, define a causa de pedir como “o ato ou facto jurídico em que o autor se baseia para enunciar o seu pedido".
Antunes Varela, Bezerra e Sampaio e Nora, Manual de Processo Civil, págs. 234-235, ensinam que causa de pedir é o facto concreto que serve de fundamento ao efeito jurídico pretendido, pelo que, se o autor não mencionar esse facto concreto, a petição será inepta. Assim, não basta, para o preenchimento da exigência legal, a indicação vaga ou genérica dos factos em que o autor fundamenta a sua pretensão.
Por seu turno, Artur Anselmo de Castro, Direito Processual Civil Declaratório, I, págs. 207 e segs., salienta que se encontra consagrada na lei processual civil a teoria da substanciação, tendo o autor, na p.i., de expor “os factos e as razões de direito que servem de fundamento à ação”, ou seja, de fazer a indicação dos factos concretos constitutivos do direito, não se podendo limitar à indicação da relação jurídica abstrata.
Retornando ao caso dos autos, e atendo-nos ao conteúdo da petição inicial temos que a A. não alega quaisquer factos concretos passíveis de, uma vez provados, levarem o tribunal a concluir pelo direito a ser indemnizado pela ”perda de negócio”.
Com efeito, só há obrigação de indemnizar se estiverem reunidos os pressupostos, e todos os pressupostos, previstos no art. 483º, nº 1, do Código Civil (facto voluntário, ilicitude do facto, culpa do agente, dano, nexo de causalidade entre o facto e o dano, nexo de imputação do facto ao lesante), para a responsabilidade civil extracontratual.
Ora, para que o Tribunal ficasse habilitado a aferir do preenchimento dos pressupostos legais do direito a indemnização pelo “dano de perda de negócio”, teria a A. de alegar factos concretos passíveis de serem subsumidos em cada um de tais pressupostos, o que não ocorre.
Os factos alegados nos artºs 100 a 106, 119 a 124, 129 a 134, 139 a 157 da p.i., mencionados nas alegações de recurso como integrantes da causa de pedir não se reportam a qualquer negócio em concreto, antes às práticas anticoncorrenciais abusivas com “referência conclusiva e genérica a desvantagens concorrenciais, perda de eficácia de campanhas promocionais ou dificuldades para adotar estratégias de concorrência mais agressivas, e a extrapolação de que dessas estratégias poderiam resultar maiores volumes de negócios, são incapazes de servir de base a qualquer pedido indemnizatório, muito menos a um pedido assente na suposta perda de negócios.” (alegação da 1ª R., com a qual concordamos inteiramente).
Temos, portanto, que não são alegados factos que, a serem provados, permitam concluir pela existência do direito que a A. se arroga, o que configura uma situação de ausência de causa de pedir.
E nem se diga que as RR. ao contestarem revelaram que foi convenientemente entendida ou interpretada a causa de pedir invocada (artº 186º, nº 3 do C.P.C.), pois resulta daquelas peças processuais, mormente da contestação da 1ª R. (cfr. artºs 135 a 140 e 811 a 820), que arguiu esta exceção, que não decifrou em que consistia concretamente a perda de negócio.
Assim, a sentença recorrida decidiu com total acerto na verificação da ineptidão parcial da p.i., por inexistência de causa de pedir e, tendo em conta que tal vício não é suscetível de aperfeiçoamento, uma vez que não estamos perante uma mera insuficiência ou imprecisão na exposição ou concretização da matéria alegada (cf. art. 590º, nºs 2 e 3 do CPC), estava vedado tal convite.
3 Da prescrição
A decisão recorrida qualificou a ação como de indemnização por responsabilidade civil extracontratual e julgou prescrito o direito nos termos do artº 498º, nº 1 do CC.
C. intentou a presente ação de indemnização de danos decorrentes de práticas anticoncorrenciais imputadas à 1ª R., controlada pelas 2ª e 3ª RR.. Funda os pedidos nos artºs 102º do TFUE e/ou artºs 4º e 6º da Lei 18/2003, de 11/06.
Em sede de recurso a apelante veio defender que estamos em presença de responsabilidade civil extracontratual e contratual, sendo que por via da consunção esta sobrepõe-se à primeira.
Citou algumas decisões proferidas pelos nossos tribunais superiores, sem, contudo, aduzir argumentos concretos a favor da sua tese.
É entendimento pacífico na doutrina e jurisprudência que “na rubrica da responsabilidade civil cabe tanto a responsabilidade proveniente da falta de cumprimento das obrigações emergentes dos contratos, de negócios unilaterais ou da lei (responsabilidade contratual), como a resultante da violação de direitos absolutos ou da prática de certos atos que, embora lícitos, causam prejuízo a outrem (responsabilidade extracontratual)” - Antunes Varela, “Das Obrigações em Geral”, Coimbra, Almedina, 4ª edição, vol. I, pág. 440.
Para a qualificação em causa é imperioso atender ao enquadramento efetuado na petição inicial – pois é nesta que se alega a causa de pedir, cuja alteração apenas é possível nos termos do disposto nos artºs 264º e 265º do C.P.C.  
Lida e relida a petição inicial forçoso é concluir que a A. estruturou a ação em sede de responsabilidade civil extracontratual, ainda que não o tenha expressamente assumido (nem a tenha qualificado como contratual).
Ao longo da p.i. a A. caracteriza a ação como de “seguimento” (follow-on action), intentada na sequência de uma prévia decisão proferida por uma autoridade de concorrência que declarou uma infração ao direito da concorrência, com vista ao ressarcimento dos danos sofridos em consequência dessa infração, designadamente de abuso de posição dominante.
Com efeito, a A. não imputa às RR. a violação de qualquer obrigação contratual – nem se vislumbra como poderia fazê-lo, desde logo, em relação às 2ª e 3ª RR., mas também perante a 1ª R., pois nenhum contrato celebrou com nenhuma delas -, assentando o seu pedido indemnizatório na violação das regras do direito da concorrência.
No Considerando 19 da Diretiva 2014/104/UE de 26 de novembro de 2014, esclarece-se que “O direito à reparação é reconhecido a qualquer pessoa singular ou coletiva — consumidores, empresas e autoridades públicas, sem distinção –, independentemente de existir uma relação contratual direta com a empresa infratora e de ser previamente declarada a infração por uma autoridade da concorrência.”
Este entendimento ficou expressamente consagrado na Lei 23/2018, de 05/06, que procedeu à transposição da Diretiva 2014/104 (cfr. artº 3).
Também o TJUE considera que a responsabilidade por danos causados por práticas anticoncorrenciais se enquadra no âmbito da responsabilidade extracontratual (Ac. de 21/05/2015, Hydrogen Peroxide, C-352/13, disponível em https://eur-lex.europa.eu).
E cremos ser também a posição maioritária dos tribunais nacionais (v. a título de exemplo, Ac.RL de 31/01/2013, in www.dgsi.pt).
Concluímos, pois, como na sentença recorrida, que na presente ação a A. reclama indemnização com fundamento em responsabilidade civil extracontratual.
Na alegação de recurso (parágrafos 146 e ss.) e na conclusão K) a A. pugna pela nulidade de cláusulas contratuais para sustentar o pedido de restituição do indevido, sujeito ao prazo de prescrição ordinário de 20 anos ou de 5 anos previsto no artº 310º, al. g) do CC, mormente no que respeita à 1ª Ré e à componente do sobrepreço (e à remuneração do respetivo capital).
Tal alegação constitui alteração da causa de pedir e do pedido fora do âmbito de aplicação dos artºs 264º e 265º do C.P.C., pelo que lhe estava vedado fazê-lo em sede de alegação de recurso.
“Não têm de ser consideradas, na fase de recurso, alterações do pedido e/ou da causa de pedir só deduzidas nesta fase.
“Aos tribunais de recurso não cabe conhecer de questões novas […] mas apenas reapreciar a decisão do tribunal a quo, com vista a confirmá-la ou revogá-la.” Isto sem prejuízo dos “[o]s tribunais de recurso pode[rem], […] conhecer de questões novas que sejam de conhecimento oficioso […]” (Ac. RL de 11-07-2013, disponível em www.dgsi.pt.
Com efeito, na p.i. a A. não formulou qualquer pedido de declaração de nulidade de contrato ou de cláusulas contratuais, nem peticionou restituição de prestações efetuadas ao abrigo de contratos ou de cláusulas contratuais nulas.
A repetição do indevido configurado na petição inicial circunscreve-se ao instituto do enriquecimento sem causa – e não aos efeitos da declaração de nulidade (artº 289º CC).
A apelante pugna pela aplicação do artº 102º do TFUE aos presentes autos e entende que o tribunal a quo não podia ter concluído não haver efeitos nas trocas entre os Estados-membros, que a sentença recorrida não dá por provado ou não provado qualquer facto que seja relevante para a determinação da existência de um efeito nas trocas entre Estados-membros, e deu como certa ou partiu do pressuposto de uma conclusão de direito baseada em matéria factual disputada entre as Partes, relativamente à qual não deu como provado, ou sequer analisou, qualquer facto relevante, e que não fundamentou de qualquer modo, para além da referência a uma decisão do Tribunal da Concorrência, Regulação e Supervisão (TCRS) no processo contraordenacional.
Estabelece o artº 102 do TFUE que:
“É incompatível com o mercado interno e proibido, na medida em que tal seja suscetível de afetar o comércio entre os Estados-Membros, o facto de uma ou mais empresas explorarem de forma abusiva uma posição dominante no mercado interno ou numa parte substancial deste.
Estas práticas abusivas podem, nomeadamente, consistir em:
a) Impor, de forma direta ou indireta, preços de compra ou de venda ou outras condições de transação não equitativas;
b) Limitar a produção, a distribuição ou o desenvolvimento técnico em prejuízo dos consumidores;
c) Aplicar, relativamente a parceiros comerciais, condições desiguais no caso de prestações equivalentes colocando-os, por esse facto, em desvantagem na concorrência;
d) Subordinar a celebração de contratos à aceitação, por parte dos outros contraentes, de prestações suplementares que, pela sua natureza ou de acordo com os usos comerciais, não têm ligação com o objeto desses contratos.”
Relativamente à aplicação do artº 102º do TFUE a sentença recorrida é do seguinte teor:
Tendo-se chegado à conclusão, segura, de que não há lugar à aplicação de direito da União na situação fáctico-jurídica vertente, forçoso é também concluir que não há que fazer valer tal princípio da efetividade – como bem salienta a 3ª Ré, pela simples razão de que apenas faria sentido questionar se as regras de direito português aplicáveis, e concretamente as normas sobre a prescrição dos créditos indemnizatórios, tornam, na prática, impossível ou excessivamente difícil o exercício dos direitos que resultam para os particulares do efeito direto do artigo 102º do TFUE, se esse mesmo normativo fosse aplicável.
É certo que a aplicação deste artigo 102º do TFUE foi já afastada pelo Tribunal da Concorrência, Regulação e Supervisão, na sentença proferida no processo de contraordenação, por, em suma, não estar em causa o comércio entre Estados-membros.”
A decisão recorrida não considerou provados factos que permitam concluir pela inaplicabilidade do artº 102º do TFUE, designadamente por não estar em causa o comércio entre Estados Membros. Aliás, tal como mencionado pela apelante, no despacho proferido pela 1ª instância em 25/07/2017, que determinou o reenvio prejudicial para o TJUE, escreveu-se “ainda nem sequer existem factos provados relativamente à existência de comércio entre Estados-membros, isto é, ainda não existe qualquer prova relativa à existência de importações ou exportações e quais os agentes da oferta e procura. Assim sendo, a colocação desta questão, por ora, é prematura (…). … pressupõe a aplicação do art. 102.º do TFUE, o que implica que se tenha de dar como provado a existência de comércio entre Estados-membros, o que como suprarreferido tais factos são controvertidos e terá a Autora de fazer prova dos mesmos em sede de julgamento”.
Na decisão recorrida o tribunal aplicou o regime jurídico português da prescrição por entender não estar em causa o comércio entre Estados-membros. Ainda assim ponderou o disposto no artº 102º do TFUE e princípio da efetividade, de acordo com decisão do TJUE, emitida no processo de reenvio prejudicial solicitado nos presentes autos.
É pressuposto de aplicação do artº 102º do TFUE que a prática anticoncorrencial de abuso de posição dominante seja suscetível de afetar o comércio entre os Estados-Membros.
É entendimento na jurisprudência comunitária (cfr. Ac TJUE de 24/10/1995, processo C-266/93, e Ac TGUE de 22/10/1997, in curia.europa.eu) que no caso da prática anticoncorrencial ocorrida em todo o território de um Estado Membro se presume a afetação do comércio entre Estados Membros. Todavia, trata-se de presunção ilidível por prova em contrário – tal como decidido pelo TCRS - pelo que tendo as RR. impugnado de forma motivada os factos alegados pela A., carecem os mesmos de produção de prova.
Neste sentido pronunciou-se o TJUE, por acórdão de 24/09/2009, Erste Group AG c. Comissão (disponível em https://eur-lex.europa.eu).
Ou seja, não é possível considerar que a conduta da 1ª R. afeta ou não as trocas entre os Estados Membros, por os respetivos factos se mostrarem controvertidos.
O tribunal a quo concluiu que, face ao regime do Código Civil Português, à data da instauração da presente ação, estava prescrito o direito reclamado pela A.. Embora conclua pela inaplicabilidade do direito europeu, v.g. do artº 102º do TFUE, por entender que a conduta em causa não afeta o comércio entre os Estados Membros, ponderou a situação inversa (pressupondo que a conduta da 1ª R. afeta o comércio entre os Estados membros) e concluiu que o direito da União Europeia não é aplicável aos autos por não se mostrar verificada uma das premissas exigidas pelo Ac. C. nº C-637/17, proferido no âmbito do reenvio prejudicial suscitado nos presentes autos.
O que equivale a afirmar que para qualquer das duas soluções (aplicação do direito nacional ou aplicação do direito da U.E., v.g. artº 102º do TFUE e princípio da efetividade) a prova dos alegados factos é irrelevante.
Na fundamentação de direito a decisão recorrida alude à parte da decisão do TCRS de 04/06/2014, mantida pelo Ac.R.L. de 11/03/2015, que não aplicou o artº 102º do TFUE. É certo que tais decisões não vinculam o tribunal a quo nem este Tribunal. Todavia, apenas no caso de se entender, como a apelante, que o Ac. C.  determina a aplicação do artº 102º do TFUE e princípio da efetividade, de molde a afastar o regime prescricional do Código Civil Português, por o prazo se ter de suspender durante/por efeito da investigação das práticas anticoncorrenciais em causa pela Autoridade da Concorrência, se mostra necessário apurar se a conduta imputada à 1ª R. afeta o comércio entre Estados Membros, a implicar o prosseguimento dos autos para julgamento por os respetivos factos se mostrarem, nesta fase, controvertidos. 
Sendo líquido que a Diretiva 2014/104 não se aplica aos presentes autos (cfr. Ac. C. e artº 22º da Diretiva) e que a Lei 23/2018, de 05/06 que a transpôs para o ordenamento jurídico português, expressamente dispõe que não tem aplicação retroativa (artº 24º) importa analisar o regime da prescrição no direito civil português, concatenando com o Acórdão do TJUE .
O artº 498º, nº 1 do C. Civil estabelece para o direito de indemnização o prazo de prescrição de três anos, contados "da data em que o lesado teve conhecimento do direito que lhe compete, embora com desconhecimento da pessoa do responsável e da extensão integral dos danos, sem prejuízo da prescrição ordinária se tiver decorrido o respetivo prazo a contar do facto danoso".
E a prescrição interrompe-se pela citação ou notificação judicial avulsa de qualquer ato que exprima, direta ou indiretamente a intenção de exercer o direito (artº 323º, nº 1 do C.C.) - o que é corroborado pelo nº 2 do artº 259º do C.P.C. ao estabelecer que o ato de propositura da ação não produz efeitos em relação ao réu, senão a partir da citação, salvo disposição legal em contrário.
Importa, pois, apurar qual é o termo inicial do prazo prescricional a que o direito da apelante se encontra sujeito, determinado este, se à data da citação das RR. o mesmo já tinha decorrido e, neste caso, se foi praticado em tempo algum ato que tenha interrompido esse prazo, assente que aos autos não se aplica qualquer das causas de suspensão previstas nos artºs 318º e ss.  do C.C..
O prazo prescricional conta-se a partir “da data em que o lesado teve conhecimento do direito que lhe compete, embora com desconhecimento da pessoa do responsável e da extensão integral dos danos”.
E o conhecimento do direito determinante do início do prazo da prescrição reporta-se ao conhecimento dos factos que integram os pressupostos do direito de indemnização fundado na responsabilidade civil extracontratual, o momento em que o lesado sabe ter direito à indemnização pelos danos que sofreu, ainda que desconheça a sua extensão integral.
A decisão recorrida considerou o início do prazo de prescrição em 30/07/2009, data da apresentação da denúncia pela W, SA, na qual imputou à 1ª R. práticas anticoncorrenciais de abuso de posição dominante, melhor discriminadas supra.
A apelante insurge-se defendendo, em síntese, que apenas com a prolação da decisão da Adc, de 14/06/2013, teve conhecimento do direito que lhe assiste e que reclama nos presentes autos, que da mera apresentação de denúncia junto da Adc não decorre tal conhecimento, que só posteriormente teve acesso a elementos de prova essenciais à instauração da ação.
Estes argumentos não colhem. A denúncia que apresentou discrimina diversos comportamentos imputados às denunciadas, com detalhe factual e suporte documental demonstrativo do grau de conhecimento que a A. tinha naquela data, independentemente do acesso posterior a outros elementos, como atestam as transcrições efetuadas na matéria de facto provada aditada por este Tribunal.
Mas também resultam da própria decisão da Adc de 14/06/2013, junta com a p.i. sob o nº 10, como segue:
“II.3 Práticas denunciadas
114. Em carta datada de 30 de julho 2009, a W, SA, através dos seus representantes legais, apresentou à AdC uma queixa contra a I, S.A., a D, S.A., X, SA e a E, SA por eventuais práticas anticoncorrenciais desenvolvidas por estas empresas no domínio dos média e conteúdos e das comunicações eletrónicas.
115. Em particular, veio a W, SA denunciar eventuais práticas restritivas da concorrência no domínio dos canais desportivos premium desenvolvidas pela empresa X, SA, considerando que tais práticas consubstanciam abusos de posição dominante por parte da empresa.
116. As práticas denunciadas pela W, SA reconduzem-se, desde logo, às alegadas condutas de definição, pela X, SA, de uma fórmula de cálculo da sua remuneração associada ao serviço de cedência do direito de distribuição dos canais S. TV não adequada e cujo objetivo único seria beneficiar a D, o que, segundo a W, SA, pode ser considerada como um indício da aplicação de condições de transação discriminatórias relativamente a prestações equivalentes.
117. Mais alega a denunciante que a X, SA solicita, no âmbito da cedência do direito de distribuição dos canais S. TV, informações confidenciais da W, SA não necessárias para efeitos dos seus serviços grossistas; que a X, SA exige que a W, SA obtenha autorização prévia para a realização de campanhas promocionais associadas à oferta do serviço de acesso aos canais S. TV no âmbito de ofertas retalhistas disponibilizadas pela W, SA; e que a W., SA transmita publicidade integrante dos conteúdos dos canais S. TV.
118. Invoca, ainda, a denunciante a existência de alegadas margens negativas estimadas associadas à oferta do serviço de acesso aos canais S. TV no âmbito de diversas ofertas retalhistas da D. e das campanhas promocionais associadas às mesmas o que, segundo o entendimento da W, SA, pode ser considerado como indício da prática de preços predatórios e da prática de esmagamento de margens.
119. No entender da W. SA, os suprarreferidos comportamentos são suscetíveis de excluir empresas operadoras do mercado de televisão por subscrição e, como tal, implicarem uma diminuição do nível de concorrência e um prejuízo para os consumidores.
 120. Por Decisão do Conselho da AdC datada de 31 de dezembro de 2010, adotada no âmbito do processo contraordenacional sob a referência PRC - 04/2003, que correu termos nesta Autoridade, procedeu-se à apensação da denúncia apresentada pela W, SA à AdC, em 21 de julho de 2005, aos autos do presente processo, nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 24.º do CPP e no n.º 1 e no n.º 2 do artigo 29.º do mesmo diploma legal, aplicáveis, subsidiariamente e com as devidas adaptações, ex vi do artigo 41.º do RGCO e dos artigos 19.º e 22.º, n.º 1, da Lei n.º 18/2003, de 11 de junho.
121. A denúncia ora em foco reporta-se, igualmente, a eventuais práticas restritivas da concorrência, designadamente de discriminação, desenvolvidas no âmbito do acesso aos direitos de transmissão do canal S. TV (atual canal S. TV 1), vindo a W, SA alegar que a X, SA adotava uma conduta nos termos da qual impunha condições não razoáveis no âmbito da cedência dos direitos de distribuição do canal em causa.
122. Na sequência do Despacho do Conselho da AdC datado de 15 de dezembro de 2011, procedeu-se, igualmente, à apensação do processo contraordenacional sob a referência PRC 01/2010 ao presente processo uma vez que “a análise efetuada, pela AdC, (…), no âmbito desses processos de contraordenação permitiu, em particular, verificar a existência de um caso de conexão entre os mesmos [as práticas em causa são reconduzíveis a uma ação única], de acordo com as disposições contidas na alínea a) do n.º 1 e n.º 2 do artigo 24.º do CPP e nos n.ºs 1 e 2 do artigo 29.º do mesmo diploma legal, aplicáveis, subsidiariamente e com as devidas adaptações, ex vi do artigo 41.º do RGCO e do artigo 19.º e do n.º 1 do artigo 22.º da Lei n.º 18/2003, de 11 de Junho. (…)
É, pois, manifesto que a A. em 30/07/2009, tinha conhecimento dos pressupostos do seu direito a indemnização, isto é, que a ora 1ª R.  praticava condutas ilícitas e culposas, das quais resultavam danos para a denunciante, ainda que não estivesse totalmente ciente da sua extensão.
O argumento relativo ao acesso a documentos confidenciais apenas pode assumir relevância no tocante à extensão dos danos – e a lei prescinde desse conhecimento para o início da contagem do prazo prescricional.
Mas resulta também da decisão da AdC que a A. forneceu diversos documentos para comprovar as denúncias:
“123. A W, SA apresentou à AdC, em sede das denúncias em referência, um conjunto de elementos que considerou constituírem elementos de prova, a serem tomados em consideração por esta Autoridade no âmbito da análise das práticas denunciadas pela mesma, destacando-se os seguintes elementos:
(i) contratos celebrados, em 19 de dezembro de 2006 e em 30 de abril de 2008, entre a X, SA e a W, SA no âmbito dos canais S. TV, bem como aditamentos aos mesmos, celebrados em 30 de abril de 2008, em 06 de junho de 2008 e em 21 de junho de 2009;
(ii) troca de comunicações escritas entre a X, SA e a W, SA sobre as condições de cedência pela X, SA do direito de distribuição dos canais S. TV;
(iii) informação sobre a penetração dos canais S. TV nas ofertas contratadas pelos consumidores da W, SA;
(iv) faturas da X, SA referentes à prestação do serviço de cedência do direito de distribuição dos canais S. TV para os períodos entre janeiro de 2008 e junho de 2009;
(v) apresentação elaborada pela W, SA sobre uma reunião, realizada em 31 de março de 2008, entre representantes da W, SA e representantes da X, SA referente às condições de cedência pela X, SA do direito de distribuição dos canais S. TV, datada de 02 de abril de 2008.
A A. revelou, então, não só um conhecimento empírico dos factos constitutivos do direito, como os qualificou juridicamente, imputando a prática de abuso de posição dominante à ora 1ª R., com concretização material de factos.
No acórdão desta Relação de 31/10/2013, base de dados citada, proferido em ação de indemnização por violação do direito da concorrência, e em que se discutia se a contagem do prazo prescricional se devia iniciar com a apresentação de denúncia à autoridade da concorrência, escreveu-se “do texto legal (art. 498º, nº1, C. Civil), podemos e devemos retirar, pois, um conjunto de imposições que são determinantes para aferir, em concreto, qual esse termo inicial de contagem (art. 9º do C. Civil).
Desde logo, ao referir-se à data em que o lesado teve conhecimento do direito que lhe compete, diz-nos o Legislador que não está em causa, nessa determinação do «termo inicial» de contagem do prazo de prescrição, saber em que momento um hipotético lesado, abstrato, agindo com ideal ou média diligência, poderia ter-se apercebido do direito a ser indemnizado, mas sim apurar quando é que dele efetivamente se apercebeu o concreto lesado que vem pedir a indemnização a Tribunal.
Sendo relevante o conhecimento do lesado concreto, significa isso que esse conhecimento não implica conhecimento jurídico, bastando um conhecimento «empírico» dos factos constitutivos do direito, ou seja, é suficiente que o lesado saiba que foi praticado um ato que lhe provocou prejuízos, e que esteja em condições de formular o juízo subjetivo que lhe permita qualificar aquele ato como gerador de responsabilidade pelos danos que sofreu.
A questão de determinar o «termo inicial de contagem» do prazo de prescrição implica, pois, essencialmente, a ponderação da factualidade denunciada, mediante recurso a regras da vida e experiência comum, de modo a poder ser formulado o juízo sobre o momento em que o concreto lesado teve conhecimento do direito que lhe compete.
Ressuma, pois, que o momento inicial de contagem do prazo de prescrição coincide com o momento do «conhecimento empírico dos pressupostos da responsabilidade» pelo lesado concreto, conhecimento que deve enraizar suficientemente nos factos noticiados e deve potenciar ao lesado o exercício do seu direito.
Neste conspecto, no dia 17 de outubro de 2003, data em que a recorrente apresentou queixa ao E…, tinha já «conhecimento empírico dos pressupostos da responsabilidade», não vingado a tese que apresenta de exigência de «consciência da verificação dos pressupostos da responsabilidade extracontratual».
Como se refere no Ac. STJ de 23/06/2016, disponível em www.dgsi.pt  “o lesado tem o ónus de agir judicialmente a partir da sua perceção dos pressupostos da responsabilidade civil. Nada permite afirmar que a contagem do prazo pode ser diferida para o momento em que for judicialmente reconhecida a existência da ilicitude da conduta do agente. A ilicitude do agente constitui um dos diversos pressupostos do direito de indemnização e, por isso, faz todo o sentido que seja apreciado no âmbito da ação em que seja reclamado o ressarcimento dos danos imputados a uma conduta ilícita do agente».”
Ou seja, a apelante tinha conhecimento dos pressupostos do seu direito à data da apresentação da denúncia na autoridade da concorrência e não carecia da respetiva decisão para “confirmar” a ilicitude, podendo e devendo instaurar a ação cível no prazo de três anos.
Ora, o prazo de três anos completou-se em 30/07/2012, muito antes da instauração da ação.
Mas ainda que a A. não tivesse tido conhecimento do direito que lhe assiste à data da apresentação da denúncia (nesta data conhecia a identificação da autora do facto lesante, a ora 1ª R. a quem imputou a prática de abuso de posição dominante), está assente, por confessado pela A., que tinha “uma noção clara da perda de valor do negócio da W, SA, decorrente, inter alia, das práticas anticoncorrenciais em causa, e, portanto, dos prejuízos que teria de suportar, na data da venda do negócio, ou seja, a 29 de fevereiro de 2012, data em que se concluiu a transferência para a A. dos prejuízos correspondentes à perda de valor da W, SA”. (cfr. facto provado nº 6 supra).
A presente ação foi instaurada em 27/02/2015, as 1ª e 2ª RR. foram citadas em 25/03/2015 (cfr. fls. 4691 e 4690) e a 3ª R. em data não anterior a 24/03/2015 (data da elaboração da carta de citação pela secretaria).
Dispõe o artº 323º do C.C. que:
“1. A prescrição interrompe-se pela citação ou notificação judicial de qualquer ato que exprima, direta ou indiretamente, a intenção de exercer o direito, seja qual for o processo a que o ato pertence e ainda que o tribunal seja incompetente.
2. Se a citação ou notificação se não fizer dentro de cinco dias depois de ter sido requerida, por causa não imputável ao requerente, tem-se a prescrição por interrompida logo que decorram os cinco dias.
3. A anulação da citação ou notificação não impede o efeito interruptivo previsto nos números anteriores.
4. É equiparado à citação ou notificação, para efeitos deste artigo, qualquer outro meio judicial pelo qual se dê conhecimento do ato àquele contra quem o direito pode ser exercido.”
Assim, decorreram mais de três anos entre a data em que a A. confessa ter tido conhecimento do direito à indemnização (considerando qualquer uma das mencionadas datas) e a citação das RR.. Importa sublinhar que não opera a citação ficta prevista no nº 2 do citado preceito legal, a qual pressupõe a verificação de três requisitos (cumulativos): o prazo prescricional ainda se encontrar em curso e assim se manter nos cinco dias posteriores à instauração da ação; a citação não ter sido realizada nesse prazo de cinco dias; o retardamento da citação não ser imputável ao autor.
Não vem alegada, nem se mostra comprovada qualquer causa de interrupção do prazo prescricional, v.g, as elencadas nos artºs 323º e ss. do C.C..
Impõe-se, pois, concluir, como o fez a sentença recorrida, que face ao direito nacional se mostra prescrito o direito a indemnização peticionado pela A..
Supondo que se verifica o pressuposto de aplicação do artº 102º do TFUE e princípio da efetividade que rege o direito comunitário, o de a atuação da 1ª R. afetar o comércio entre Estados Membros, importa analisar se e em que medida o TJUE considerou que aqueles se opõem a uma legislação nacional que não prevê qualquer possibilidade de suspensão ou interrupção do prazo prescricional curto, de três anos, durante o procedimento tramitado na autoridade nacional da concorrência.
Ora, é precisamente quanto ao declarado no Ac. C. que as partes dissentem em absoluto.
O acórdão foi proferido no âmbito de reenvio prejudicial solicitado pelo Tribunal a quo, ao abrigo do artº 267º do TFUE, que, para o efeito, formulou 6 questões. À época ainda não havia sido transposta para o direito nacional a Diretiva 2014/104, centrando-se significativa parte das questões colocadas ao TJUE nos seus efeitos.
O TJUE foi perentório ao decidir que a Diretiva 2014/104 não se aplica ao litígio deste processo (resposta às 5ª e 6ª questões), declarando que “o artigo 22.° da Diretiva 2014/104/UE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de novembro de 2014, relativa a certas regras que regem as ações de indemnização no âmbito do direito nacional por infração às disposições do direito da concorrência dos Estados-Membros e da União Europeia, deve ser interpretado no sentido de que esta diretiva não se aplica ao litígio no processo principal.”
No que concerne o artº 102º do TFUE e o princípio da efetividade o TJUE considerou que “uma legislação nacional que fixa a data a partir da qual o prazo de prescrição começa a correr, a duração e as regras de suspensão ou de interrupção deste deve ser adaptada às especificidades do direito da concorrência e aos objetivos da execução das regras desse direito pelas pessoas envolvidas, a fim de não suprimir a plena efetividade do artigo 102.º TFUE (§47), a duração do prazo de prescrição não pode ser curta a ponto de, quando conjugada com as outras regras de prescrição, tornar o exercício do direito de pedir a reparação impossível, na prática, ou excessivamente difícil (§48), prazos de prescrição curtos, que começam a correr antes de o lesado por uma infração ao direito da concorrência da União poder conhecer a identidade do autor desta infração, são suscetíveis de tornar impossível, na prática, ou excessivamente difícil o exercício do direito de pedir a reparação (§ 49), o mesmo sucedendo com um prazo prescricional curto que não possa ser suspenso ou interrompido durante os procedimentos no termo dos quais é proferida uma decisão definitiva pela autoridade nacional da concorrência ou por uma instância de recurso (§51). Com efeito, a adequação de um prazo de prescrição, tendo em conta os requisitos do princípio da efetividade, reveste especial importância tanto no que diz respeito às ações de indemnização intentadas independentemente de uma decisão definitiva de uma autoridade nacional da concorrência como às ações intentadas na sequência dessa decisão. No que se refere a estas últimas, se o prazo de prescrição, que começa a correr antes da conclusão dos procedimentos no termo dos quais é proferida uma decisão definitiva pela autoridade nacional da concorrência ou por uma instância de recurso, for demasiado curto face à duração desses procedimentos e não puder ser suspenso nem interrompido na pendência destes, não se pode excluir que esse prazo de prescrição expire mesmo antes de terminarem os referidos procedimentos. Nesse caso, qualquer pessoa que tenha sofrido danos fica impossibilitada de intentar ações baseadas numa decisão definitiva em matéria de infração às regras de concorrência da União. (§52).
Considerou, ainda, o Tribunal de Justiça que “um prazo de prescrição de três anos como o que está em causa no processo principal, que, por um lado, começa a correr a partir da data em que o lesado teve conhecimento do seu direito de indemnização, embora com desconhecimento da pessoa do responsável pela infração, e, por outro, não pode ser suspenso nem interrompido na pendência de um procedimento tramitado na autoridade nacional da concorrência, torna o exercício do direito de indemnização integral impossível, na prática, ou excessivamente difícil (§ 53).
Concluiu, assim, respondendo à segunda questão e parte da quarta questão que “a compatibilidade de uma disposição nacional como o artigo 498.°, n.° 1, do Código Civil com o direito da União que o artigo 102.° TFUE e o princípio da efetividade devem ser interpretados no sentido de que se opõem a uma legislação nacional que, por um lado, prevê que o prazo de prescrição para as ações de indemnização é de três anos e começa a correr a partir da data em que o lesado teve conhecimento do seu direito de indemnização, embora com desconhecimento da pessoa do responsável pela infração, e, por outro, não prevê nenhuma possibilidade de suspensão ou de interrupção deste prazo durante o procedimento tramitado na autoridade nacional da concorrência.” (§55).
O TJUE considerou, ainda, que “o Tribunal da Concorrência, Regulação e Supervisão anulou parcialmente a decisão da Autoridade da Concorrência de 14 de junho de 2013, com o fundamento de que o artigo 102.° TFUE era inaplicável ao comportamento da X, SA, uma vez que não tinha sido demonstrado que a prática comercial em causa era suscetível de afetar o comércio entre Estados-Membros, na aceção deste artigo. Em 11 de março de 2015, o Tribunal da Relação de Lisboa confirmou a sentença proferida pelo Tribunal da Concorrência, Regulação e Supervisão (58). Daqui decorre que o processo submetido ao órgão jurisdicional de reenvio não tem por objeto uma ação de indemnização intentada no seguimento de uma decisão definitiva em matéria de infração ao artigo 102.°TFUE, proferida por uma autoridade nacional da concorrência ou por uma instância de recurso.(59) Assim, afigura-se manifesto que a interpretação do artigo 102.° TFUE e dos princípios da efetividade e da equivalência, solicitada no âmbito da terceira questão e da parte da quarta questão que incide sobre a compatibilidade de uma disposição nacional como o artigo 623.° do Código de Processo Civil com o direito da União, não tem nenhuma relação com a realidade ou com o objeto do litígio no processo principal e que, por conseguinte, essas questões são inadmissíveis.(60)”
Esta conclusão assume particular importância pois não só a decisão definitiva proferida em instância de recurso, na sequência da decisão da autoridade nacional da concorrência – no caso, o acórdão deste Tribunal da Relação de 11/03/2015 -  é posterior à instauração da presente ação, como nessa decisão está afastada a infração ao artº 102º do TFUE.
Inquestionável, assim, que a presente ação não é, ao invés do que a A. sempre defendeu, de seguimento, instaurada na sequência de uma decisão definitiva de autoridade da concorrência.
Da fundamentação do Acórdão C. é inequívoca a preocupação em garantir que os lesados que tenham sofrido danos não fiquem impossibilitados de intentar ações baseadas numa decisão definitiva em matéria de infração às regras de concorrência da União, impondo-se a adaptação de regimes nacionais em que o lesado esteja desprotegido, quer por desconhecer a pessoa do lesante quer por inexistir causa de suspensão ou interrupção do prazo da prescrição durante o procedimento na autoridade da concorrência – o que não é o caso.
O TJUE procedeu à reformulação da 2ª questão e da 1ª parte da 4ª questão, nestes termos:
Com efeito, resulta da decisão de reenvio que o Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa se interroga mais especificamente sobre a questão de saber se o artigo 102.°TFUE e os princípios da efetividade e da equivalência devem ser interpretados no sentido de que se opõem a uma legislação nacional que, por um lado, prevê que o prazo de prescrição para as ações de indemnização é fixado em três anos e começa a correr a partir da data em que o lesado teve conhecimento do seu direito de indemnização, embora com desconhecimento da pessoa do responsável pela infração e da extensão integral dos danos, e, por outro, não prevê nenhuma possibilidade de suspensão ou de interrupção deste prazo durante o procedimento tramitado na autoridade nacional da concorrência.” (sublinhado nosso).
Recorde-se que nas 2ª e 4ª questões o Tribunal a quo perguntava da compatibilidade do artº 498º, nº 1 do CC com os preceitos e princípios da União Europeia, frisando, nomeadamente, que o direito nacional “desconhece qualquer norma que imponha ou autorize a suspensão ou interrupção daquele prazo em função estritamente de ter uma autoridade da concorrência tomado medidas no âmbito de uma investigação ou de um processo relativa a infração ao direito da concorrência com a qual a ação de indemnização esteja relacionada”. (sublinhado nosso).
Reformulação que se afigura essencial para a declaração final que se centra, não na inexistência de causa de suspensão ou interrupção do prazo prescricional em função estritamente/por efeito de ter uma autoridade da concorrência tomado medidas no âmbito de investigação de um processo relativo a infração ao direito da concorrência com a qual a ação esteja relacionada, mas se foca, pressupõe que inexista qualquer possibilidade de suspensão ou interrupção durante o procedimento tramitado na autoridade nacional da concorrência.
Ora, como discorrido na decisão sob recurso, o direito nacional prevê uma causa de interrupção do prazo prescricional, a notificação judicial avulsa, regulada no artº 256º do CPC, de que a apelante se podia ter socorrido, durante o processo contraordenacional, pelo que o artº 102 do TFUE e o princípio da efetividade, na interpretação dada pelo Acórdão C., não determinam o afastamento do artº 498º, nº 1 do CC, por não se verificar uma das suas premissas.
“A notificação judicial avulsa pela qual se manifesta a intenção do exercício de um direito é meio adequado à interrupção da prescrição desse direito, nos termos do n.º 1 do artigo 323.º do Código Civil” – Acórdão de Uniformização de Jurisprudência nº 3/98, publicado no Diário da República n.º 109/1998, Série I-A de 1998-05-12.
Em suma, ainda que se viessem a demonstrar os factos integradores do requisito de aplicação do artº 102º do TFUE e do princípio da efetividade, não se mostra verificado o pressuposto da declaração do Acórdão C. relativo à incompatibilidade do direito nacional com aquele preceito, sublinha-se, de inexistência de causa de suspensão ou interrupção do prazo prescricional durante o procedimento tramitado na autoridade nacional da concorrência.
E assim por aplicação do artº 498º, nº 1 do CC e pela não verificação de qualquer causa de interrupção da prescrição, designadamente por não ter a A. se socorrido do meio processual de que dispunha, a notificação judicial avulsa, a prescrição ocorreu em 30/07/2012 (ou em 27/02/2015), tendo as RR. sido citadas para a presente ação em data posterior.
Registe-se que a apelante não aduziu qualquer argumento no sentido de a notificação judicial avulsa não possuir a virtualidade interruptiva durante o procedimento na autoridade nacional da concorrência.
O TJUE forneceu os critérios de interpretação do direito da União Europeia para que o tribunal a quo pudesse decidir o litígio, aplicando ou afastando o direito nacional em função daqueles critérios e da interpretação do direito nacional, critérios de interpretação/premissas que, formulados de forma genérica, no sentido de equacionados em abstrato - prazo curto de prescrição, que prescinde do conhecimento do lesante e da extensão integral dos danos e que não preveja qualquer causa de suspensão ou interrupção do prazo prescricional durante o procedimento tramitado na autoridade nacional da concorrência -, possam ser usados por qualquer tribunal nacional de qualquer Estado-Membro.
O entendimento sufragado pela apelante de que o TJUE impôs o afastamento do artº 498º, nº 1 do CC ou impôs que fosse considerada causa de suspensão do prazo prescricional por efeito da pendência de um processo tramitado na autoridade nacional da concorrência em que se investiga uma infração ao direito da concorrência e até à sua decisão definitiva, conduziria, na prática, à aplicação retroativa da Diretiva 2014/104/UE e à Lei 23/2008, de 05/06, que a transpôs para o direito português, diplomas que contêm normas expressas que proíbem essa aplicação.
O princípio da efetividade e o artº 102º do TFUE não podem conduzir à aplicação retroativa das normas da Diretiva 2014/104/EU, estando em causa factos ocorridos anos antes da sua publicação e entrada em vigor.
Como se refere no Parecer, pág. 9 e ss., junto pela 2ª R. “O que daqui resulta é que ao recordar que “o artigo 22.°, n.° 1, da Diretiva 2014/104 proíbe a aplicação retroativa das disposições substantivas do direito português adotadas em aplicação do seu artigo 21.°, [e que] há que considerar que esta diretiva não é, em todo o caso, aplicável ratione temporis ao litígio no processo principal”, o TJ está também a afirmar os limites ao princípio da interpretação conforme, impedindo que o Tribunal de reenvio interprete o direito nacional conformemente à Diretiva 2014/104 porque isso conduziria, desde logo, à sua aplicação retroativa. E esses limites são, também eles, inerentes ao sistema do Tratado e fundados em princípios superiores àquele da interpretação conforme - ou de outra forma não lhe serviriam de limites - donde que a não aplicação da Diretiva 2014/104, bem como a proibição do Juiz nacional interpretar o direito português conformemente a tal diretiva, no caso do processo nacional, constituem uma obrigação decorrente do próprio direito europeu.
Em conclusão, da resposta dada pelo TJ às quinta e sexta questões prejudiciais resulta que no litígio principal não pode ser aplicada a Diretiva 2014/104, seja de uma forma direta, seja de forma indireta através de uma interpretação conforme à mesma que se pretendesse fazer do direito nacional. (…)
E é nesse quadro que o entendimento do TJ relativamente ao prazo de prescrição  estabelecido no artigo 498.°, n.° 1, do Código Civil forçosamente também tem de ser lido, ou seja, em que se constata que no processo principal no Tribunal nacional não se encontra estabelecido que seja aplicável in concreto o art. 102° TFUE - muito pelo contrário, o que se verifica é uma presunção de inaplicabilidade do art. 102.° TFUE atenta a sentença do Tribunal da Concorrência, Regulação e Supervisão e o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa -, donde que também não se pode extrair do Acórdão em estudo que o TJ tenha considerado que a aplicação in casu do artigo 498.°, n.° 1, do Código Civil ferisse o referido princípio da efetividade.”
A apelante veio requerer que este Tribunal determine novo reenvio prejudicial caso se entenda que o TJUE proferiu o acórdão C. com base numa interpretação errada do direito nacional ou se concluir que o direito português não viola o direito europeu, por existirem manifestas dúvidas de interpretação daquele acórdão; ou caso se interprete o acórdão C. no mesmo sentido que o tribunal a quo, por daí resultar que o TJUE não esclareceu uma questão decisiva para a disputa, da ótica do direito europeu.
Juntou parecer sustentando esta sua posição.
Nos termos do artº 104º do Regulamento de Processo do Tribunal de Justiça, o artigo 158.º, relativo à interpretação dos acórdãos e despachos, não é aplicável às decisões proferidas em resposta a um pedido de decisão prejudicial.
Acresce que, não subsistindo dúvidas quanto à aplicação do direito nacional e ao teor do acórdão C., nos termos sobreditos, sempre se mostra prejudicado o pedido de novo reenvio prejudicial requerido pela apelante.
Nas conclusões G) e K) refere a apelante a “omissão de pronúncia”, por não ter a sentença recorrida entendido que o direito europeu e o Acórdão C. obrigam a concluir que os direitos reivindicados na presente ação não se encontram prescritos (al. G) e alínea K: “subsidiariamente aos anteriores argumentos, o Tribunal a quo incorreu em omissão de pronúncia e em erro de direito (violação do artigo 473.º do CC), ao não responder ao pedido de repetição do indevido (alínea c) do pedido da Petição inicial) e ao não reconhecer que, pelo menos no que respeita à 1ª Ré e à componente do sobrepreço (e à remuneração do respetivo capital), é aplicável aos danos em causa o regime de prescrição ordinário de 20 anos (artigo 309.º do CC) ou, quanto muito, o prazo de prescrição do artigo 310.º, alínea g), do CC..
A apelante imputa, em simultâneo, omissão de pronúncia e erro de direito, o que logicamente não tem qualquer sustentação, uma vez que se excluem mutuamente.
A omissão de pronúncia é um dos casos de nulidade da sentença, taxativamente previstos no artº 615º do C.P.C.
A apelante não arguiu qualquer nulidade da sentença, e nada requereu no sentido de ser a mesma declarada nula, como se impunha.
Sempre se dirá que a primeira situação se reconduz aos fundamentos de direito sufragados. Não ter a sentença concluído no mesmo sentido que a apelante não constitui qualquer omissão de pronúncia.
Já quanto ao alegado na al. K) está em causa pedido formulado pela A. a título subsidiário – isto é, “o pedido que é apresentado ao tribunal para ser tomado em consideração somente no caso de não proceder um pedido anterior” (artº 554º, nº 1 do C.P.C.).
Tal pedido subsidiário assentou na seguinte alegação efetuada nos artºs 313º e ss. da p.i., de que se destacam:
II.6. Do enriquecimento sem causa
 313.º Subsidiariamente, caso o tribunal discorde do preenchimento de qualquer um dos requisitos da responsabilidade civil, nos termos sustentados na secção anterior, realça-se que, no que respeita aos danos correspondentes ao excesso de preço pago pelos canais S. TV, estão igualmente preenchidos os requisitos do enriquecimento sem causa.
 314.º Nos termos do artigo 473.º do Código Civil, “[a]quele que, sem causa justificativa, enriquecer à custa de outrem é obrigado a restituir aquilo com que injustamente se locupletou”, tendo esta obrigação de restituir “de modo especial por objeto o que for indevidamente recebido”.
 315.º Tendo sido demonstrado que a cobrança pela 1ª R. à W, SA/C. das quantias contratualmente fixadas era ilícita, na parte em que se mostravam discriminatórias, ou seja, na medida em que excediam o que teria sido cobrado à D em condições de igualdade, forçoso é concluir pela ilegitimidade da cobrança desses montantes em excesso. O mesmo é dizer que o excesso de preço pago pelos canais S. TV foi cobrado sem causa justificativa lícita, tendo-se a 1ª R. injustamente locupletado dessa quantia. (…)
319.º Assim sendo, a obrigação de restituição no presente caso abrange não apenas o excesso de preço pago pelos canais S. TV, mas também a remuneração do capital não disponível por força deste excesso de preço, contada desde o termo da conduta ilícita permanente, tanto mais que a 1ª R. beneficiou da remuneração do capital correspondente aos montantes de que indevidamente se apropriou.
 320.º No que respeita ao cálculo da prescrição do direito à restituição, nos termos do artigo 482.º do CC, remete-se para os argumentos já expostos na secção II.5.”
A sentença recorrida qualificou a fonte da obrigação de indemnizar na responsabilidade civil extracontratual e julgou o direito prescrito, pelo que a aplicação do instituto do enriquecimento sem causa, objeto do pedido subsidiário, ficou prejudicada. Não estava verificado o pressuposto do conhecimento do pedido subsidiário.
Olvida, ainda, a apelante que o próprio instituto tem natureza subsidiária (art. 474.º do CC), apenas aplicável quando inexista causa justificativa para a deslocação patrimonial – o que não sucede, uma vez que é aplicável o instituto da responsabilidade civil.
Ainda que se impusesse o conhecimento do pedido subsidiário, verificar-se-ia a prescrição, nos termos acima assinalados, atenta a semelhança dos preceitos (cfr. artºs 498º, nº 1 e 482º do CC).
Pelo exposto, julga-se improcedente a apelação, mantendo-se a decisão recorrida.
Custas do recurso a cargo da apelante.

Lisboa, 5 de Novembro de 2020                                                      Teresa Sandiães
Ferreira de Almeida
Alexandrina Branquinho