Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
5268/21.6T8FNC-A.L1-2
Relator: PEDRO MARTINS
Descritores: RESPONSABILIDADES PARENTAIS
AUDIÇÃO DO MENOR
CONTRADITÓRIO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 09/14/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: DECISÃO REVOGADA
Sumário: I – A audição dos menores para exprimir a sua opinião sobre as questões que lhes dizem respeito (art. 4/1-c e 5/1 do RGPTC) é, em princípio, contraditória (com a presença dos advogados dos interessados), embora a presença dos advogados possa ser afastada se tal for justificado nos termos do art. 5/4-a do RGPTC.
II – A audição dos menores tem de ficar registada em acta (art. 155/7 do CPC) e, quando não tiver sido contraditória, deve ser dado conhecimento da mesma aos progenitores, sob pena de invalidade da decisão subsequente, e isso mesmo que os menores digam que não querem que esse conteúdo seja dado a conhecer aos progenitores. Não basta, pois, que, na decisão, o juiz refira que tomou em consideração a opinião dos menores.
III – Se a audição do menor, para além de expressar a sua opinião, tiver servido de meio de prova (art. 5/6-7 do RGPTC), o contraditório não podia ter sido afastado e, tendo-o sido, essa audição não pode servir de prova e a prova dos factos que se tiverem baseado nela fica prejudicada.
IV – Se não se alegam os factos necessários à conclusão de que existe uma separação de facto dos progenitores unidos de facto (separação que poderia ocorrer mesmo vivendo na mesma residência), não há lugar à regulação do exercício das responsabilidades parentais (artigos 1911/2 e 1905 do CC).
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa os juízes abaixo identificados:

A 16/11/2021, Ms, solteira, requereu contra o companheiro J, divorciado, residente na mesma morada, ao abrigo do disposto nos artigos 3/-c, 17 e 43 do Regime Geral do Processo Tutelar Cível, a regulação do exercício das responsabilidades parentais relativamente à filha de ambos, A, nascida a ___/2005.
Para o efeito alegou, em síntese [que inclui a reprodução integral de todos os factos alegados], que viveram ambos em união de facto entre 2005 e Junho de 2021, continuando a coabitar o mesmo imóvel desde então, imóvel que é propriedade do requerido; no início de Outubro de 2021, o requerido passou a pedir à requerente que abandonasse a casa; isto levou-a a propor neste tribunal uma acção especial de declaração judicial de dissolução de união e de facto e a requerer a atribuição da casa de morada de família mediante arrendamento, que deu entrada no dia anterior; no dia 14/11/2021, o réu anunciou à filha “arranjei advogado e a tua mãe vai ser obrigada a sair de casa e tu vais viver uma semana comigo e uma semana com a tua mãe”, o que deixou a filha perturbada e angustiada com o futuro da mãe e porque percebe que o comportamento do pai, que sempre foi ausente, mudou, na medida em que por diversas vezes trouxe-lhe algumas massas instantâneas do supermercado, levou-a a passear uma vez e levou-a duas vezes a comprar algumas roupas; a filha tem também alergia à lactose, pelo que a sua alimentação requer cuidados especiais e é um pouco mais dispendiosa; em face ao descrito, a requerente pretende e peticiona que - uma vez ouvida a sua filha menor, nos termos do disposto no artigo 5 do RGPTC – a filha fique à sua guarda e cuidados, na residência que mantiver e, bem assim, sejam fixados os períodos de convívio e visitas do progenitor à filha e ainda que seja estabelecida uma prestação de alimentos a pagar por ele à filha, não inferior a 150€ mensais, acrescida das despesas escolares, extracurriculares, médicas, medicamentosas e farmacêuticas, a transferir para a conta [x…].
Marcada a conferência de pais para 22/02/2022, nesse dia foi ouvida a filha, sem que conste que o resultado da audição (gravada) tenha sido dado a conhecer aos progenitores, ambos presentes e acompanhados cada um de advogado, e de seguida a Sr.ª Juíza “procurou que houvesse acordo entre os progenitores, o que não conseguiu, tendo estes prestado os esclarecimentos que entenderam necessários, tendo sido apurada a pendência de processo de atribuição de casa de morada de família 5259/21.7T8FNC – J2 e após ter sido obtida a concordância da Magistrada do Ministério Público, a Sr.ª Juíza ditou para a acta o seguinte:
Regime provisório:
Atenta a falta de acordo entre os progenitores, estando pendente a acção de atribuição de casa de família, há vontade séria e iminente uma alteração residencial, e o grande conflito entre os progenitores que não conseguem conversar em relação à vida filha que está muito fragilizada mas que mantém uma forte ligação com ambos os pais mas não consegue mais viver no meio das discussões entre os mesmos, segundo as suas declarações, e considerando que tem sido a progenitora quem tem mais habitualmente da vida da filha demonstra-se fundamental a aplicação de um regime provisório de modo a garantir estabilidade à jovem neste momento, sem prejuízo dos ulteriores termos processuais [sic].
Assim, nos termos dos artigos 28 e 38 do RGPTC, fixa-se provisoriamente o seguinte regime quanto ao exercício das responsabilidades parentais:
1º Destino: A, nascido(a) em 21-11-2005, fica entregue à guarda e cuidados da mãe, com esta habitualmente residente, a qual exercerá as responsabilidades parentais quanto aos actos da vida corrente, sendo as responsabilidades parentais exercidas por ambos os progenitores quanto aos actos de particular importância.
[…]
2º Regime de convívios: A jovem tem o direito de conviver com o progenitor, não se fixando dias e horas para o efeito, devendo os convívios serem acordados entre os progenitores, sem prejuízo dos respectivos horários de actividades escolares ou extracurriculares, de estudo e de descanso.
No futuro vivendo os progenitores em residências separadas a jovem tem direito a contactar telefonicamente com o progenitor com quem não reside habitualmente.
3º Alimentos: a) Considerando que a jovem está em idade escolar e tem alguns problemas alimentares acrescidos, as dificuldades de comunicação entre os progenitores e os rendimentos do progenitor espelhados no processo (que aufere cerca de 723€) o progenitor pagará, a título de pensão de alimentos para a jovem, com a quantia de 150.00€ mensais (que abrange todas as despesas da jovem), por transferência /deposito bancário para a conta da mãe, com o IBAN […] até ao dia 8 de cada mês, com início no próximo mês de Março.
b) A actualização da pensão de alimentos será feita anualmente em Janeiro, mediante a aplicação do índice de inflação a ser publicado pelo Instituto Nacional de Estatística, relativamente ao ano imediatamente anterior e com efeitos a partir de 2023.
Inexistindo elementos que permitam decidir a questão controvertida, e sendo certo que as partes não pretendem recorrer a mediação, remete-se as mesmas para audição técnica especializada pelo prazo máximo de 2 meses – artigo 38/-b, ex vi 42 do RGPTC.
Solicite ao ISSM, IP-RAM, a realização da diligência, remetendo cópia da PI e da presente acta para melhor esclarecimento.
A 10/03/2022, o requerido recorre deste despacho – para que seja revogado - terminando as suas alegações com as seguintes conclusões:
B) A menor, com 17 anos de idade, foi ouvida na audiência, mas sem a presença dos mandatários das partes.
C) Iniciada a audiência não foi disponibilizada aos mandatários das partes a gravação, nem foi reproduzido a gravação, ficando o pai, na audiência de julgamento, sem saber quais foram os factos alegados pela menor, bem como que factos ficaram provados.
D) Assim, foi violado o princípio do contraditório.
E) O pai propôs guarda partilhada.
F) A sentença é completamente omissa quanto à proposta apresentada pelo pai.
G) A sentença está ferida de nulidade por omissão de pronúncia, nos termos do artigo 608/2 do CPC.
H) O tribunal a quo fixou um regime provisório, e no ponto 3.º, condena o pai a pagar 150€ a título de prestação de alimentos à menor.
I) O tribunal a quo, na audiência e julgamento não perguntou ao pai qual o seu vencimento, e o vencimento líquido do pai é 689,71€, e não 723€, vide doc. 1.
J) O tribunal a quo não perguntou ao recorrente qual ou quais a suas despesas fixas.
K) E as despesas fixas e mensais do recorrente são as seguintes: o valor de 98,25€ a título de electricidade - doc.2; b) O valor de 30.27€ a título de água - doc.3; c) o valor de 42,64€ a título de telecomunicações - doc.4; d) o valor de 28,28€ a título de seguro/habitação - doc.5; e) o valor de 12,43€ a título de seguro/habitação - doc.6; f) o valor de 227,14€ a título de prestação/habitação - doc.7; g) o valor de 50€ a título de gasolina para a motociclo.
L) Totalizando, a título de despesa fixas e mensais, o valor de 489,01€.
M) E, como o vencimento líquido do pai é 689,71€, descontado o valor de 489.01€ (despesas fixas), sobra o valor de 200,70€, e pagando uma prestação de 150€, sobra o valor de 50€, o que dá o valor diário de 1,6€ para pagar alimentação, vestuário, saúde do recorrente.
N) A sentença é omissa sobre qual foi o critério utilizado para chegar ao valor de 150€.
O) O valor da pensão de alimentos fixada provisoriamente não é suportável pelo pai.
P) Ao decidir da forma esplanada na sentença proferida, violou, o  tribunal a quo, entre outros, o princípio da proporcionalidade, da adequação, da igualdade e da legalidade.
Q) A guarda partilhada da filha, com residências alternadas, é a solução que melhor permite a manutenção de uma relação de grande proximidade com os dois progenitores, promovendo amplas oportunidades de contacto com ambos e de partilha de responsabilidades, pelo que deve ser proferida sentença nesse sentido.
A mãe não contra-alegou.
Só dois meses depois de ter sido interposto recurso, foi determinado, a 30/05/2022,  que se notificasse o mesmo ao MP.
A 07/06/2022, o MP contra-alegou  no sentido da improcedência do recurso.
A 13/06/2022, foi proferido o seguinte despacho: Antes de mais notifique o recorrente para, em 10 dias, vir aos autos dar cumprimento ao disposto no artigo 637/1 do CPC [indicar a espécie, o efeito e o modo de subida do recurso interposto.].
A 20/03/2023 – mais de um ano depois de o recurso da decisão provisória ter sido interposto – foi proferido o seguinte despacho:
Pese embora o progenitor não tenha dado cumprimento ao disposto no artigo 637/1 do CPC (parte final) importa proferir despacho nos termos do disposto no artigo 641 do CPC.
Entendendo não ter sido cometida qualquer nulidade por violação do princípio do contraditório ou omissão de pronúncia, mantenho a regulação provisória do exercício das responsabilidades parentais proferida nestes autos nos seus precisos termos – artigo 617/1 do CPC.
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Questões a decidir: das nulidades invocadas; se a decisão recorrida fixou correctamente a regulação provisória do exercício das responsabilidades parentais.
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Os factos: não foram dados como provados, expressamente, quaisquer factos. O despacho recorrido tomou em consideração alguns factos implícitos que são os seguintes:
(i) está pendente um processo de atribuição de casa de morada de família 5259/21.7T8FNC – J2
(ii) há vontade séria e iminente uma alteração residencial [sic],
(iii) existe um grande conflito entre os progenitores que não conseguem conversar em relação à vida [sic – da filha?];
(iv) filha que está muito fragilizada
(v) mas mantém uma forte ligação com ambos os pais
(vi) mas não consegue mais viver no meio das discussões entre os mesmos [segundo as suas declarações],
(vii) tem sido a progenitora quem tem mais habitualmente da vida da filha [sic];
(viii) no futuro vivendo os progenitores em residências separadas [a contrario => actualmente vivem na mesma residência - TRL];
(ix) a jovem tem alguns problemas alimentares acrescidos;
(x) [existem] dificuldades de comunicação entre os progenitores;
(xi); o progenitor aufere cerca de 723€ [mensais];
Os factos que este acórdão tem em consideração são estes e as ocorrências processuais que constam do relatório supra.
[Note-se que este processo é um recurso que subiu em separado, o que, embora permita o conhecimento do processo principal através do citius, não permite o acesso à gravação da audiência nesse processo, pelo que não foi possível corrigir o despacho ditado para a acta; nem seria possível ter ouvido a gravação da audição da filha, o que de qualquer modo este tribunal não poderia fazer, pois que não pode utilizar elementos de prova sobre os quais os progenitores não tenham tido a oportunidade de se pronunciarem].
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Apreciação:
A nulidade da forma como se procedeu à audição da menor  [é assim que o pai põe a questão  no corpo das alegações, com a mesma base do que diz nas conclusões, embora aqui não a coloque como nulidade]:
A audição dos menores pode ter como objectivo a expressão da opinião deles sobre as decisões que lhes digam respeito, caso em que é regulada pelas normas dos artigos 4/1-c e 5, n.ºs 1 a 5, ambos do RGPTC, ou a prestação de depoimento para ser considerado como meio probatório nos actos processuais posteriores, incluindo o julgamento (art. 5, n.ºs 6 e 7 do RGPTC).
A opinião dos menores sobre as decisões que lhe digam respeito é um factor essencial a ser tido em consideração pelo juiz na avaliação do interesse do menor que é o critério de decisão na regulação do exercício das responsabilidades parentais (artigos 40/1 do RGPTC e 1906/5-8 do CC e n.ºs 52 a 79 do Comentário geral n.º 14 (2013) do Comité dos Direitos da Criança [das Nações Unidas] sobre o direito da criança a que o seu interesse superior seja tido primacialmente em consideração).
Como factor essencial a ser tido em conta na avaliação daquilo que vai servir de critério da decisão de uma questão, é um facto que, como qualquer outro, tem de ser obtido com observância do contraditório (artigos 415 do CPC e 25/3 do RGPTC), contraditório que é, por regra, prévio, ou seja, antes de ser decidida a questão (de facto): artigo 3 do CPC (2 - Só nos casos excepcionais previstos na lei se podem tomar providências contra determinada pessoa sem que esta seja previamente ouvida. 3 - O juiz deve observar e fazer cumprir, ao longo de todo o processo, o princípio do contraditório, não lhe sendo lícito, salvo caso de manifesta desnecessidade, decidir questões de direito ou de facto, mesmo que de conhecimento oficioso, sem que as partes tenham tido a possibilidade de sobre elas se pronunciarem).
Para não ser assim, tem de haver uma norma a afastar aquelas outras, como por exemplo, o art. 28/4 do RGPTC (4 - O tribunal ouve as partes, excepto quando a audiência puser em risco sério o fim ou a eficácia da providência.)
Ao contrário do que ocorre em França, Espanha e Alemanha, por exemplo, a lei portuguesa ainda não diz como é que se processa a audição dos menores, quanto à questão da presença dos advogados, enquanto visa obter a opinião da criança, pelo que, não havendo nenhuma norma que a exclua, a audição deve ser contraditória, e não em privado.
Mas o artigo 5/4-a do RGPTC dispõe: A audição da criança respeita a sua específica condição, garantindo-se, em qualquer caso, a existência de condições adequadas para o efeito, designadamente: A não sujeição da criança a espaço ou ambiente intimidatório, hostil ou inadequado à sua idade, maturidade e características pessoais.
A presença dos advogados dos progenitores pode, em condições concretas, originar um ambiente intimidatório, hostil ou inadequado à idade, maturidade e características pessoais do menor.
Quando for assim, o juiz pode determinar que a audição se processe sem a presença dos advogados, mas, naturalmente, para justificar a falta de observância da regra geral, terá de fundamentar a sua decisão (art. 154/1 do CPC) e dá-la a conhecer (com a fundamentação) aos interessados.
A falta de observância destas regras é uma irregularidade processual, que pode conduzir à nulidade da decisão (art. 195/1 do CPC), como acontecerá se nem depois disso tiver sido dada observância ao contraditório, caso em que “a irregularidade cometida pode influir no exame ou na decisão da causa.”
Mas as nulidades processuais têm de ser oportunamente deduzidas (art. 199 do CPC), isto é, no caso, até ao acto (conferência de pais) terminar, e perante o tribunal onde ela tivesse ocorrido, não em recurso.
Pelo que a questão é irrelevante (nem sequer se pode convolar o recurso em arguição de uma nulidade processual, pois que o recurso foi interposto fora do prazo da arguição, mesmo contando com o prazo de tolerância do art. 139/5 do CPC).
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Note-se entretanto, que, como o tribunal não disse qual foi o conteúdo da audição da menor, nem fundamentou a sua decisão quanto aos factos implícitos que serviram de base à definição do regime provisório, não se pode dizer que a audição da menor serviu apenas para o juiz ficar com a opinião da criança sobre as questões que lhe diziam respeito, pois que ela pode ter servido também como meio de prova daqueles factos implícitos. Aliás, segundo decorre do “facto vi” parte deles [se só o (vi), ou todos os anteriores, ou só alguns deles, não se sabe] terá sido fundamentado no que a menor disse. Assim, agora podemos ter a audição da menor como meio de prova de factos, mas ilícita, porque feita sem a presença de advogados (que é pressuposta, sem possibilidade de afastamento, na audição como meio de prova de outros factos: art. 5/6-7 do RGPTC).
O que antecede implicaria a anulação oficiosa da decisão, por falta da fundamentação da decisão de toda a matéria de facto e por possível utilização ilícita da audição da menor como meio de prova de toda a matéria de facto (art. 662/2-d do CPC), solução que não se vai seguir porque prevalece o fundamento de revogação da decisão de que se tratará a final.
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Da falta de disponibilização do resultado da audição:
Já quanto ao facto de o resultado da audição não ter sido disponibilizado aos mandatários, a solução terá de ser outra.
Impondo a lei, como um dos princípios orientadores dos processos tutelares cíveis, a audição e participação da criança, com capacidade de compreensão dos assuntos em discussão, sobre as decisões que lhes digam respeito, e que a opinião que transmite seja tida em consideração pelas autoridades judiciárias na determinação do seu superior interesse (arts. 4/1-c e 5/1 do RGPTC), o tribunal tem que demonstrar que teve em consideração essa opinião e essa demonstração não se basta com a afirmação de que a teve em consideração, pois que as afirmações não são a prova de nada, mas antes objecto de prova. Ora, a prova daquilo que a criança transmitiu como a sua opinião tem de ser feita através da sua documentação (art. 155/7 do CPC).
Por outro lado, a opinião da criança, seja como for que ela tenha sido transmitida, é alvo da apreciação do tribunal e por isso sujeita a possíveis erros que os progenitores têm de ter o poder de assinalar e só o podem fazer se lhes tiver sido dado conhecimento do conteúdo dessa opinião, onde estarão as fontes dos possíveis erros da apreciação. Pelo que o acesso é uma das condições do exercício do princípio do contraditório (art. 25 do RGPTC: “1 - As partes têm direito a conhecer as informações, as declarações da assessoria técnica e outros depoimentos, processados de forma oral e documentados em auto, relatórios, exames e pareceres constantes do processo, podendo pedir esclarecimentos, juntar outros elementos ou requerer a solicitação de informações que considerem necessárias.”). Isto apesar do carácter reservado do processo, que decorre, por força do art. 33/2 do RGPTC, do art. 88 da Lei de protecção de crianças e jovens em perigo - Lei n.º 147/99, que não tem nenhum relevo em sentido contrário) que inclui o direito de poder influenciar a decisão a tomar (no caso, a decisão sobre o sentido da opinião da criança), antes dela ser tomada, pronunciando-se sobre os factos que estão na base das conclusões que levarão à decisão (art. 3/3 do CPC). Ora, esse acesso só pode ser feito se houver alguma documentação do conteúdo dessa audição, pelo que se impõe que ela se faça.
De resto, no caso não houve dúvidas quanto a isto, já que a audição da filha foi gravada.
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Tendo de haver documentação das declarações, também se impõe, na caso da audição não ter sido contraditória, que a documentação seja facultada, oralmente ou por escrito, de preferência por escrito para não haver erros de transmissão: se os progenitores, apesar de haver uma documentação, não tiverem acesso a ela, não se podem pronunciar sobre o que foi dito pelas crianças. A necessidade desse acesso resulta claramente do art. 25 do RGPTC [por exemplo: Ac. do TRL de 02/05/2017, 14091/09.5T2SNE-A.L1-7: II – Pode […] afirmar-se o princípio segundo o qual as restrições de acesso e consulta do processo [de promoção e protecção – mas o mesmo é válido, já se viu, para o processo tutelar cível, até por maioria de razão - não abrangem os pais do menor que, à partida, o podem consultar sem restrições]. E não se argumente com o facto de a audição da criança, para ela manifestar a sua opinião, não ser um meio de obtenção de prova, porque é, pelo menos, um meio de prova do conteúdo daquilo que expressou como sua opinião, opinião que é um dos factores a ter necessariamente em conta pelo tribunal na sua decisão.
Assim sendo, se o tribunal, depois de ter ouvido as crianças, para ter conhecimento da sua opinião, não transmite, ao menos no essencial (tudo aquilo que for necessário para que os progenitores se possam pronunciar com um adequado conhecimento de causa, sobre o que foi dito, para poderem influenciar a decisão do tribunal sobre o sentido da opinião da criança), essa audição aos progenitores, o resultado prático é o mesmo, isto é, é como se a audição não existisse. E o mesmo acontece, logicamente, se o tribunal de primeira instância não dá a conhecer essas declarações na decisão final, para que, em eventual recurso, o tribunal de recurso possa ter conhecimento delas. 
Neste sentido, vai, por exemplo, o ac. do STJ de 05/04/2018, proc. 17/14.8T8FAR.E1.S2, que determinou a anulação do julgamento, para que, entre o mais, fosse ouvida a criança, num processo de promoção e protecção, apesar se de dizer que “É certo que a criança foi oficiosamente ouvida em sede de debate judicial, mas a este respeito nada se consignou na matéria de facto apurada, apenas constando na fundamentação da decisão proferida sobre os factos, lavrada no acórdão de 1ª instância, o seguinte: “(…) de uma forma espontânea e sincera respondeu às questões do Tribunal colocadas pelo Juiz social (psicólogo) corroborando o teor dos relatos trazidos ao processo pela técnica da associação das verdades escondidas, da comissão, da segurança social e da instituição.”, concluindo o STJ: Fica-se, assim, sem saber o que será o “seu querer”, “o seu sentir” […].”
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Sendo que na transmissão do conteúdo da audição nada pode ser omitido, apesar da vontade em contrário do menor, visto que as normas do artigo 25 do RGPTC (ou do art. 88 da LPCJP) não o permitem, sob pena de violação do princípio do contraditório. O menor tem de saber – e ser avisado disso – que tudo o que disser e que tenha relevância para a decisão, tem de ser dado a conhecer aos interessados.
E também não é pretexto para a não cedência de partes dessa documentação, o eventual perigo que delas hipoteticamente possa decorrer para o menor. Primeiro, porque esse perigo não decorrerá, em princípio, da transmissão da documentação, mas da situação transmitida; segundo porque quer num ou noutro caso, o juiz ou o MP, a convencerem-se da existência dele, terão de tentar acautelar o risco de outro modo, designadamente, se for possível, através do uso das providências cautelares do art. 28 do RGPTC ou através dos meios da LPCJP. Terceiro porque se o conteúdo ou parte do conteúdo dessa audição convencer da existência de um perigo para os menores, esse conteúdo ou parte não pode ter deixado de influenciar fortemente a convicção do juiz e, por isso, tem de ser sujeito ao contraditório. É principalmente quanto a acusações graves, que estão em causa quando alguém se convence da existência de um perigo, que mais se justifica a observância do contraditório (uma mãe não pode ficar sem a guarda do filho porque o filho diz que ela o maltrata fisicamente, sem que a mãe se possa defender disso; ou o pai não pode ficar sem poder conviver com a filha, porque a filha diz que ele abusa sexualmente dela quando estão sozinhos, sem que o pai se possa defender da acusação).
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Em França,  em que a audição para expressar a opinião não se faz com a presença dos advogados, não há qualquer dúvida da necessidade de se dar a conhecer o conteúdo dessa audição e da razão de ser da mesma (observância do contraditório).
Assim, Adeline Gouttenoir, Professeur à l’Université de Bordeaux, Directrice du CERFAPS et de l’Institut des Mineurs, e Julie Pierrot-Blondeau, avocat au Barreau de Paris, na parte de Points de Procédure et illustrations, com ampla referência de doutrina e jurisprudência no mesmo sentido, págs. 1063 a 1101 e segs, do Droit de la famille, sous la direction de Pierre Murat, Dalloz, 2019, especialmente páginas 1095 a 1098 [§§ 235.331 a 235.356]:
Começa por lembrar o teor do art. 338-12 do CPC francês [Création Décret n°2009-572 du 20 mai 2009, em vigor desde 25/05/2009]: Dans le respect de l'intérêt de l'enfant, il est fait un compte rendu de cette audition. Ce compte rendu est soumis au respect du contradictoire. => No respeito pelo interesse da criança, é feito um relatório dessa audição. Este relatório está sujeito ao princípio do contraditório. O artigo está a referir-se à L'audition de l'enfant en justice [A audição da criança na justiça] de que trata o Titre IX bis (Articles 338-1 à 338-12) do CPC francês, que regula o direito de audição da criança previsto no art. 388-1/§1 do CC francês: Dans toute procédure le concernant, le mineur capable de discernement peut, sans préjudice des dispositions prévoyant son intervention ou son consentement, être entendu par le juge ou, lorsque son intérêt le commande, par la personne désignée par le juge à cet effet. => Em qualquer procedimento que lhe diga respeito, o menor capaz de discernimento pode ser ouvido pelo juiz ou, quando o seu interesse o exigir, pela pessoa designada pelo juiz para esse efeito, sem prejuízo das disposições que prevêem a sua intervenção ou o seu consentimento [estas traduções e as subsequentes resultam de uma adaptação mínima e informal do resultado cruzado do que resulta das ferramentas de tradução do google e do chatgpt (chat.openai.com); note-se que as considerações da autora são muito mais extensas e todas com perfeita pertinência para o caso].
E desenvolve quanto ao teor de tal relatório: Il n'est […] pas obligatoire ni même souhaitable que soient retranscrits intégralement les propos de l'enfant au cours de l'audition, ce dont il faut sans doute se féliciter. La circulaire du 3 juillet 2009 va dans le même sens et considère que «le magistrat ou le tiers ne sont donc pas tenus de rapporter in extenso les dires de l'enfant. Il peut s'agir d'une synthèse, qui fait état de la teneur des sentiments exprimés par le mineur, dès lors qu'ils présentent une utilité par rapport à la prise de décision du juge.» On peut penser qu'un simple compte rendu oral satisfait les exigences du texte […]. La rédaction d'un compte rendu écrit semble privilégiée en pratique […]. => Não é […] obrigatório ou mesmo desejável que as declarações da criança durante a audiência sejam integralmente transcritos, o que é sem dúvida de saudar. A circular de 03/07/2009 vai na mesma direcção e considera que “o magistrado ou o terceiro não são obrigados a relatar na íntegra as declarações da criança. Pode ser uma síntese, que reflecte o teor dos sentimentos expressos pelo menor, desde que sejam úteis em relação à tomada de decisão do juiz. Pode-se pensar que um simples relato oral satisfaz as exigências da norma […]. A elaboração de um relatório escrito parece ser preferida na prática […].
E mais à frente: En précisant que le compte rendu de l'audition doit être effectué en tenant compte de l'intérêt de l'enfant, l'article 338-12 CPC permet en effet à la personne qui entend l'enfant d'édulcorer les propos de ce dernier et de ne pas insister sur les points qui pourraient porter atteinte aux relations de l'enfant avec l'un de ses parents. Certains auteurs vont plus loin en affirmant que ‘dans le respect de l'intérêt de l'enfant, l'auditeur peut être amené à formuler ou résumer certains propos de l'enfant, voire à taire certaines déclarations que l'enfant a voulues confidentielles de telle manière qu'il ne soit pas victime de violences ou rétorsions à la suite du compte rendu’. => Ao especificar que o relatório da audição deve ser realizado tendo em conta o interesse da criança, o artigo 338.º-12.º do CPC permite a quem ouve a criança suavizar as declarações desta e não insistir nos pontos que possam afectar a relação da criança com um dos seus progenitores. Alguns autores vão mais longe, ao afirmar que “no respeito pelo interesse da criança, o ouvinte pode ser levado a formular ou resumir certas declarações feitas pela criança, ou mesmo a calar certas declarações que a criança quis que fossem confidenciais, de forma a que ela não seja vítima de violência ou retaliação na sequência do relatório.” Mas ressalva : La conciliation du principe du contradictoire et de l'intérêt de l'enfant semble cependant rendre difficile le fait de passer totalement sous silence un point déterminant de l'audition de l'enfant. => A conciliação do princípio do contraditório e do interesse da criança, parece, porém, tornar difícil passar totalmente sob silêncio um ponto determinante na audição da criança.
Mais à frente diz que: Il convient de se féliciter de l'affirmation selon laquelle l'audition et le compte rendu dont elle fait l'objet n'échappent pas au principe du contradictoire. Cette affirmation devrait satisfaire les exigences de la Cour de cassation qui dans un arrêt du 3 décembre 2008 a affirmé qu’il doit ressortir de la décision attaquée ou du dossier de procédure que les parents des enfants ou leurs conseils ont été avisés de l'audition de l'enfant par le juge. […] => É de felicitar a afirmação de que a audição e o relatório de que é objecto não escapam ao princípio do contraditório. Esta afirmação deve satisfazer as exigências da Cour de Cassation [STJ francês] que, num acórdão de 03/12/2008, afirmou que deve constar da decisão recorrida ou do processo que os pais das crianças ou os seus advogados foram informados do relatório da audição da criança pelo juiz. […].”
A seguir diz: […] le juge doit porter à la connaissance des parties le compte rendu de l’audition, ce qui condamne les pratiques consistant à interdire aux parties l'accès au compte rendu écrit et a fortiori l'absence de compte rendu. Pour le reste, le texte n'impose aucune transmission écrite du compte rendu aux parties, ni à leur avocat, le principe du contradictoire pouvant parfaitement être respecté par une transmission orale du contenu général de l'audition ou une mise à disposition du compte rendu dans le dossier. => [… O] juiz deve informar as partes sobre o relatório da audição, o que condena as práticas consistentes em interditar às partes o acesso ao relatório  escrito e a fortiori a ausência de relatório. De resto, a norma não impõe qualquer transmissão escrita do relatório às partes, ou aos seus advogados, podendo o princípio do contraditório ser plenamente respeitado pela transmissão oral do conteúdo geral da audição ou pela disponibilização do relatório no processo.
A seguir esclarece: Il peut arriver que le mineur refuse que certains de ses propos soient mentionnés dans le compte rendu. Dans le cadre d'une audition indirecte, la personne chargée d'entendre le mineur peut accéder à sa demande mais en lui expliquant qu'elle ne peut alors transmettre ses propos au juge, le principe du contradictoire exigeant que les parties aient connaissance de tous les éléments transmis au juge. Dans le cadre d'une audition par le juge lui-même, la situation est très délicate et le juge devrait en théorie refuser de ne pas faire figurer dans le compte rendu, au moins de manière édulcorée, un propos de l'enfant dès lors que celui-ci peut exercer une influence sur sa décision. Il paraît en effet difficile pour le juge, de ne pas tenir compte d'un élément important révélé par le mineur dans sa décision au motif que l'enfant a refusé qu'il figure dans le procès-verbal. L'avocat de l'enfant est tenu d'avertir l'enfant qui souhaite être entendu par le juge qu'un compte rendu de l'audition sera rédigé et qu'il ne peut exiger le secret sur ses propos, ce dont certains déduisent que « la liberté de parole de l'enfant sera amoindrie […] => Pode acontecer que o menor se recuse a que algumas das suas declarações sejam mencionadas no relatório. No âmbito de uma audição indirecta, o encarregado de ouvir o menor pode aceder ao seu pedido, mas explicando-lhe que não pode depois transmitir as suas declarações ao juiz, pois o princípio do contraditório exige que as partes tenham conhecimento de todos os elementos transmitidos ao juiz. No âmbito de uma audição pelo próprio juiz, a situação é muito delicada e o juiz deveria, em princípio, recusar-se a não incluir no relatório, pelo menos de forma suavizada, uma declaração do menor quando esta possa influenciar a sua decisão. Parece, de facto, difícil para o juiz não levar em consideração na sua decisão um elemento importante revelado pelo menor sob o argumento de que o menor recusou que ele fosse incluído no relatório. O advogado da criança é obrigado a avisar a criança que deseja ser ouvida pelo juiz que será lavrado um relatório da audição e que não pode exigir o segredo sobre as suas declarações, o que leva alguns a deduzirem que "a liberdade de expressão da criança será reduzida […]”
Depois lembra que alguns autores defendem que [d]ans le cadre de l'assistance éducative, l'article 1187 CPC qui permet au juge des enfants, pour protéger l'enfant, d'écarter une pièce du dossier lorsque celui-ci est consulté par les parents, pourrait fonder l'exclusion du compte rendu de l'audition du mineur. Mas acrescenta: Toute fois, ‘ce qui peut être légitimé par l'intérêt supérieur de la protection de l'enfant ne l'est pas nécessairement dans un litige civil [devant le juge aux affaires familiales], ou a priori, les parents ne sont pas suspects de mettre l'enfant en danger mais seulement en désaccord sur les mesures qui le concernent. => no âmbito da assistência educativa, o artigo 1187 do CPC, que permite ao juiz de menores, para protecção do menor, excluir um documento dos autos quando este é consultado pelos pais, poderia fundamentar a exclusão do relatório da audição do menor. No entanto, o que pode ser legitimado pelo melhor interesse da protecção da criança não o é necessariamente numa disputa civil [perante o juiz de assuntos de família], onde, à partida, os pais não são suspeitos de colocar a criança em perigo, mas apenas discordam sobre as medidas que lhe dizem respeito.
Por fim, a autora diz que: Dans un arrêt du 20 octobre 2010, la Cour de cassation déduit de l'article 373-2-11 CC […] l'obligation pour le juge qui a pris en compte les sentiments de l'enfant exprimés dans le cadre de son audition d'en informer les parties par une mention dans la décision. […] Mas diz que: Tenir compte n'est pas rendre compte. L'exigence imposée par la Cour de cassation se limite à une exigence de forme : le juge doit faire part des éléments qui ont fondé sa décision et parmi eux, le cas échéant, l'audition de l'enfant, sans pour autant mentionner les sentiments de 1'enfant. Plusieurs décisions font cependant état des sentiments de l'enfant et de leur conformité à son intérêt. => Num acórdão de 20/10/2010, a Cour de Cassation deduziu do artigo 373-2-11 CC […] a obrigação, para o juiz que levou em consideração os sentimentos da criança expressos no âmbito da sua audição, de informar as partes por meio de uma menção na decisão. Levar em consideração não é dar conta. A exigência imposta pela Cour de Cassation limita-se a uma exigência formal: o juiz deve indicar os elementos em que se baseou sua decisão e entre eles, se for o caso, a audição da criança, sem contudo mencionar os sentimentos da criança. No entanto, várias decisões referem-se aos sentimentos da criança e à sua conformidade com o seu interesse.
Na Espanha, também sem audição contraditória mas com a presença do MP, a Ley Orgánica 8/2015, de 22 de julio, de modificación del sistema de protección a la infancia y a la adolescência (LO 1/1996 de 15 de enero = LOPJM), alterou o artigo 9/3 desse sistema, que passou a ter a seguinte redacção na parte final: […] En las resoluciones sobre el fondo habrá de hacerse constar, en su caso, el resultado de la audiencia al menor, así como su valoración. => Nas decisões sobre o mérito, haverá de fazer-se constar, quando aplicável, o resultado da audição do menor, bem como a sua valoração. E deu mais desenvolvimento ao art. 9/1 onde agora se lê, entre o mais: El menor tiene derecho a ser oído y escuchado […] En los procedimientos judiciales o administrativos, las comparecencias o audiencias del menor tendrán carácter preferente, y se realizarán de forma adecuada a su situación y desarrollo evolutivo, con la asistencia, si fuera necesario, de profesionales cualificados o expertos, cuidando preservar su intimidad […] => O menor tem o direito a ser ouvido e escutado […] Nos processos judiciais ou administrativos, as comparências ou audições do menor terão carácter preferencial, e serão realizadas de forma adequada à sua situação e desenvolvimento evolutivo, com a assistência, se necessário, de profissionais qualificados ou especialistas, tendo o cuidado de preservar a sua intimidade […].
Por outro lado, o art. 18 da Ley 15/2015, de 2 de julio, de la Jurisdicción Voluntaria, artigo este Título I. De las normas comunes en materia de tramitación de los expedientes de jurisdicción voluntaria, Capítulo II. Normas de tramitación, no seu n.º 4 dispõe: 
[…]
El Juez o el secretario judicial podrán acordar que la audiencia del menor o persona con capacidad modificada judicialmente se practique en acto separado, sin interferencias de otras personas, pudiendo asistir el Ministerio Fiscal. En todo caso se garantizará que puedan ser oídos en condiciones idóneas, en términos que les sean accesibles, comprensibles y adaptados a su edad, madurez y circunstancias, recabando el auxilio de especialistas cuando ello fuera necesario. => O Juiz […] pode[…] decidir que a audição do menor […] se realize em acto separado, sem interferências de outras pessoas, podendo assistir o Ministério Público. Em qualquer caso, será garantido que possa[…] ser ouvido[…] em condições adequadas, em termos acessíveis, compreensíveis e adaptados à sua idade, maturidade e circunstâncias, recorrendo sempre que necessário à ajuda de especialistas.
Del resultado de la exploración se extenderá acta detallada y, siempre que sea posible, será grabada en soporte audiovisual. Si ello tuviera lugar después de la comparecencia, se dará traslado del acta correspondiente a los interesados para que puedan efectuar alegaciones en el plazo de cinco días. => Do resultado da audição será lavrada acta detalhada/circunstanciada e, sempre que possível, [a audição] será gravada em suporte audiovisual. Se as alegações ocorrerem após a comparência [para audição], a respectiva acta será certificada aos interessados ​​para que possam fazer as suas alegações no prazo de cinco dias. Este número foi modificado em 2021 [Ley Orgánica 8/2021, de 4 de junio] para ter em conta o que foi dito pelo ac. do TC referido mais abaixo: Del resultado de la exploración se levantará en todo caso, acta por el Letrado de la Administración de Justicia, expresando los datos objetivos del desarrollo de la audiencia, en la que reflejará las manifestaciones del niño, niña o adolescente imprescindibles por significativas, y por ello estrictamente relevantes, para la decisión del expediente, cuidando de preservar su intimidad. Si ello tuviera lugar después de la comparecencia, se dará traslado del acta correspondiente a las personas interesadas para que puedan efectuar alegaciones en el plazo de cinco días.=> Do resultado da audição será sempre lavrada uma acta pelo Licenciado da Administração da Justiça, expressando os dados objectivos do desenvolvimento da audição, na qual reflectirá as manifestações da criança ou adolescente que sejam imprescindíveis por serem significativas e, portanto, estritamente relevantes, para a decisão do processo, com o cuidado de preservar sua intimidade. Se as alegações ocorrerem após a comparência [para audição], a acta correspondente será certificada aos interessados ​​para que possam fazer suas alegações no prazo de cinco dias.
E acrescentaram-se os seguintes dois §§:
Tanto el Ministerio Fiscal en su informe como la autoridad judicial en la resolución que ponga fin al procedimiento deberán valorar motivadamente la exploración practicada. => Tanto o Ministério Público em seu relatório quanto a autoridade judiciária na resolução que põe fim ao procedimento devem fazer uma avaliação fundamentada da audição realizada.
En lo no previsto en este precepto, se aplicará lo dispuesto en la Ley Orgánica 1/1996, de 15 de enero […] => Nas matérias omissas neste preceito aplicar-se-á o disposto na Lei Orgânica 1/1996.
No Tratado de derecho de família, Aspectos Sustantivos, Tirant lo Blanch, 2.ª ed., pág. 458, María Linacero de la Fuente dá notícia do acórdão do TC (Pleno), de 9 de mayo de 2019 (Tol 7223149): La intimidad del menor no se vulnera cuando tras una exploración judicial se da traslado del acta detallada a las partes => A intimidade do menor não é afectada quando depois de uma audição judicial se certifica às partes a acta detalhada [é o acórdão do Pleno do TC 64/2019, de 9 de mayo de 2019 e que trata da Cuestión de inconstitucionalidad 3442-2018].
E explica: El Pleno del Tribunal Constitucional ha desestimado por unanimidad la cuestión de inconstitucionalidad presentada por el Juzgado de Primera Instancia número 14 de Barcelona respecto del art. 18.2. 4ª último párrafo que recoge el deber de extender acta detallada del resultado de las exploraciones judiciales a los menores de edad y darle traslado a las partes para que puedan formular alegaciones. => O Plenário do Tribunal Constitucional rejeitou por unanimidade a questão de inconstitucionalidade apresentada pelo Tribunal de Primeira Instância n.º 14 de Barcelona relativamente ao art. 18.2. 4º último parágrafo que acolhe o dever de lavrar uma acta detalhada do resultado das audições judiciais de menores e certifica-las às partes para que possam formular alegações.
Agora directamente por este acórdão, o TC diz que “          Si se observan estrictamente estas reglas y cautelas, como es obligado en atención al interés superior del menor, se reduce al mínimo la incidencia en su intimidad: en cuanto reflejo de una exploración judicial en la que ya se han adoptado las medidas oportunas para preservar la intimidad del menor, el contenido del acta únicamente deberá detallar aquellas manifestaciones del menor imprescindibles por significativas, y por ello estrictamente relevantes, para la decisión del expediente. Así acotado el desarrollo de la exploración judicial y el consiguiente contenido del acta, en razón de esa misma relevancia, y por imperativo del principio de contradicción, el acta ha de ser puesta en conocimiento de las partes para que puedan efectuar sus alegaciones. => Se estas regras e cautelas forem rigorosamente observadas, conforme exigido pelo interesse superior do menor, a incidência na sua intimidade é reduzida ao mínimo: como reflexo de uma audição judicial em que já foram adoptadas as medidas adequadas para preservar a intimidade do menor, o conteúdo da acta deve detalhar apenas aquelas declarações do menor que sejam imprescindíveis por serem significativas e, portanto, estritamente relevantes para a decisão do processo. Com o desenvolvimento da audição judicial e o subsequente conteúdo da acta delimitados dessa forma, em razão dessa mesma relevância e por exigência do princípio do contraditório, a acta deve ser disponibilizada às partes para que possam apresentar as suas alegações.” Anote-se que o TC espanhol desenvolve com extensão as regras e cautelas que devem ser observadas.
Voltando à autora em causa, ela lembra também que o acórdão do TC disse: FJ 4. […] El acta de la exploración judicial del menor constituye el reflejo procesal, documentado, del derecho del menor de edad a ser “oído y escuchado” […] Entre otros aspectos, la citada reforma legal de 2015 refuerza la efectividad del derecho al disponer que, en las resoluciones sobre el fondo de aquellos procedimientos en los que esté afectado el interés de un menor, debe hacerse constar el resultado de la audiencia a éste y su valoración (art. 9.3 in fine de la Ley Orgánica 1/1996). => a acta da audição judicial do menor constitui o reflexo processual, documentado, do direito do menor de idade a ser 'ouvido e escutado. […] Entre outros aspectos, a referida reforma legal de 2015 reforça a efectividade do direito, ao dispor que, nas decisões sobre o mérito daqueles processos em que seja afectado o interesse do menor, deve fazer-se constar o resultado da audição deste e sua valoração.
Depois a autora lembra que o acórdão do TC reconhece que o próprio exercício desse direito [de ser ouvido e escutado] pode afectar outro direito fundamental do qual o próprio menor é titular: o direito à intimidade e que o TC entende que tal direito faz parte do estatuto jurídico inalienável dos menores, como norma de ordem pública, de observância obrigatória por todos os poderes públicos, sendo que a autora entende que a expressão utilizada pelo TC não destaca a verdadeira natureza do direito à audição dos menores enquanto direito fundamental e manifestação do livre desenvolvimento da sua personalidade, não incidindo [o TC] na dimensão ética da matéria. E contrapõe a posição do Tribunal Supremo que tem reiteradamente assinalado que tal audição pode ser recusada de forma fundamentada, sempre no interesse do menor.
Ou seja, diz este TRL, tem de ser elaborada uma acta detalhada da audição do menor, essa acta deve ser dada a conhecer aos interessados para alegações embora tal possa violar o direito à intimidade do menor o que é salvaguardado, segundo o TC espanhol, pelas normas respeitantes à forma como a audição deve ser feita e a acta elaborada e, segundo a autora citada, é ainda salvaguardado com a possibilidade de recusa do menor em depor, no uso do seu direito fundamental. Note-se que todas as considerações feitas acima, no regime espanhol, se estendem à audição seja para expressar opinião, seja como meio de prova, ou seja, não se pode dizer que elas sejam só válidas para a audição como meio de prova.
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Rui Alves Pereira, num artigo publicado na revista Julgar, Setembro de 2015, Por uma cultura da criança enquanto sujeito de direitos: o princípio da audição da criança, diz na página 8 que “registe-se, como menos positivo, o facto de o nosso legislador ter consignado a presença dos advogados nesta audição, com direito a perguntas adicionais” e na página 11, depois de dizer que “Quanto à presença de outras pessoas, o artigo 5.º RGPTC indica as pessoas que podem estar presentes, sendo que, como já afirmámos supra, os advogados não deviam estar presentes por representarem para as crianças a figura dos progenitores”, chega à conclusão que “cumpre em cada caso concreto aferir quem são as pessoas perante as quais a criança se sente mais à vontade para se expressar.”
Na página 15 diz: “Conforme já referido, reveste especial importância quem está presente na audição da criança, questão que está intimamente ligada à possibilidade de considerar o depoimento da criança completamente confidencial como acontece no sistema alemão. Com efeito, perante os tribunais alemães, a audição é realizada pelo juiz mas todos os dados colhidos têm carácter secreto, com o intuito de não se violar a relação de confiança estabelecida com a criança, pelo que não pode constar, de forma patente, da decisão a proferir. O princípio da confidencialidade do depoimento, que não é uso no nosso sistema jurídico, levaria igualmente a que o depoimento da criança não fosse reduzido a escrito, evitando as habituais repercussões nas relações com os pais quando estes têm acesso ao que foi dito pela criança.” Na pág. 9 dizia: “Conforme veremos mais à frente, em alguns países, como é o caso da Alemanha, a audição é realizada pelo juiz mas todos os dados colhidos têm carácter secreto. Parece que esta solução não poderia ser aceite no direito nacional, sempre se impondo ao juiz que indique todos os fundamentos das opções assumidas na sentença.”    
Em suma: bem ou mal, no sistema que está em vigor, em princípio os advogados estão presentes; só se for dito algo em contrário é que não estarão; o depoimento é reduzido a escrito e os dados não podem ser secretos, tendo que ser indicados na sentença.
O mesmo autor, como relator de um parecer do Conselho Geral da OA, de 24/01/2019, publicado na ROA 2019, II/III, Parecer do Conselho Geral — Processo n.º 29/2018-G. Admissibilidade, face à legislação em vigor, de restringir a presença dos advogados dos progenitores durante a audição das crianças e se essa restrição poderá, ou não, ser considerada um impedimento à participação em actos processuais, diz na página 32: somos, assim, da opinião que, em função do manifesto superior interesse da criança, a presença dos advogados durante a sua audição [para expressar a sua opinião - TRL] possa ser restringida [e o autor entende que deve ser restringida como se vê mais à frente], sem que tal se configure como um impedimento ilegítimo à prática de actos processuais. […] Acresce ainda que, se a criança não se sentir confortável para ser ouvida na presença dos advogados dos seus progenitores, consideramos que, mesmo na sua ausência, será possível as partes terem acesso, atenta a obrigatoriedade, legalmente prevista, de gravação destas declarações através de registo áudio ou audiovisual. Assim, ainda que sem o imediatismo resultante da presença física dos advogados no acto das declarações, é possível a audição das gravações, pelo que, quanto a este aspecto, cremos que não possamos sustentar qualquer violação do princípio do contraditório […]. Mais à frente, na pág. 35, diz: Não obstante as considerações expendidas, cumpre-nos fazer uma última ressalva para referir que defendemos a confidencialidade do teor audição das crianças, se for requerida por esta e desde que a audição seja levada a cabo pelo Juiz com a presença de um perito com formação adequada ou delegando neste, de forma a avaliar se estamos perante uma audição espontânea, genuína e não instrumentalizada.
Em suma: a presença dos advogados pode ser restringida, o que, este TRL acrescenta aqui, naturalmente pressupõe um despacho judicial nesse sentido, obviamente fundamentado; gravação da audição; conhecimento desta aos interessados; confidencialidade a pedido, como opinião pessoal do autor sem indicação de base legal. As conclusões não são assim substancialmente diferentes das defendidas por este TRL, excepto quanto à questão da confidencialidade, mas, quanto a esta, não se vê qualquer base legal que permita essa confidencialidade, em clara violação do princípio do contraditório, como já se explicou.
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O sistema alemão é invocado por Rui Alves Pereira para sustentar a defesa do secretismo / da confidencialidade da acta, mas sem indicações suficientes que permita a percepção suficiente do respectivo regime.  Por exemplo, o § 159, com vários números, da Gesetz über das Verfahren in Familiensachen und in den Angelegenheiten der freiwilligen Gerichtsbarkeit = Lei sobre procedimentos em questões de família e em questões de jurisdição não contenciosa, o único em concreto que foi invocado sobre a matéria, limita-se a dizer, na parte que poderia ter a ver com o caso, ao menos na redacção actual (consultada agora – redacção que estará em vigor desde 01/07/2021), o seguinte (1) O tribunal deve ouvir a criança pessoalmente e obter uma impressão pessoal da criança. […] (4) “[…] Deve ser dada oportunidade para que a criança se manifeste. Se o tribunal tiver designado um defensor do processo para a criança de acordo com o § 158, a audição pessoal e a obtenção de uma impressão pessoal devem ocorrer na presença desse defensor. Caso contrário, o formato da audição pessoal é deixado ao critério do tribunal.
Mas, numa notícia de um acórdão do Bundesverfassungsgericht, Nichtannahmebeschluss v. 5.6.2019 – 1 BvR 675/19 => Tribunal Constitucional Federal, decisão de não aceitar v. 05/06/2019 - 1 BvR 675/19, consta:
1\ Die Anwesenheit der Eltern bei der Kindesanhörung ist regelmäßig nicht sachgerecht (Bestätigung von BVerfG, FamRZ 1981, 124). A presença dos pais na audição da criança é regularmente inadequada (confirmação de […]).
2\ Das wesentliche Ergebnis der Kindesanhörung ist zu dokumentieren und den Eltern mit der Gelegenheit zur Stellungnahme bekanntzugeben. O resultado essencial da audição da criança deve ser documentado e comunicado aos pais, dando-lhes a oportunidade de se pronunciarem.
3\ Die Eltern haben auch keinen Anspruch darauf, die Kindesanhörung im Wege der Videoübertragung zu verfolgen. Os pais também não têm o direito de acompanhar a audição da criança através de transmissão de vídeo.
Quanto ao ponto 2, salvo erro, na parte que especialmente importa quanto ao suposto secretismo/confidencialidade do regime alemão diz-se no §18 do acórdão: (1) Sowohl die Möglichkeit der Eltern, sich über den verfahrensrelevanten Tatsachenstoff zu informieren, als auch diejenige, sich dazu äußern zu können, werden gewahrt. Denn ihnen wird das Ergebnis der Kindesanhörung mit der Gelegenheit zur Stellungnahme bekannt gegeben ([…]). Um eine dem Anspruch auf rechtliches Gehör genügende Information der Eltern über den Inhalt der in ihrer Abwesenheit erfolgten Kindesanhörung zu gewährleisten, bedarf es nach § 28 Abs. 4 Satz 1 und 2 FamFG einer Dokumentation des wesentlichen Inhalts der Anhörung in den Verfahrensakten ([…]). Diese Dokumentation, die in unterschiedlichen Formen erfolgen kann, muss von eigenen Wertungen des Gerichts über den Inhalt weitgehend freigehalten werden […]. => Tanto a possibilidade dos pais se informarem sobre os elementos [material fáctico] relevantes do processo, como a de expressarem a sua posição, são salvaguardadas. Pois, o resultado da audição da criança é comunicado aos pais com a oportunidade de apresentarem a sua posição […]. Para assegurar uma informação adequada aos pais sobre o conteúdo da audição da criança realizada na sua ausência, é necessário, de acordo com o § 28 (4) frases 1 e 2 da FamFG, uma documentação do conteúdo essencial da audição nos autos do processo […]). Essa documentação, que pode ser feita em diferentes formas, deve ser mantida amplamente livre de avaliações próprias do tribunal sobre o conteúdo […]. [O acórdão pode ser visto aqui: https://rewis.io/urteile/urteil/ik4-05-06-2019-1-bvr-67519/].
Assim sendo, está indiciado que também no direito alemão – e o contrário seria inesperado -, se observa o contraditório, dando-se a conhecer aos progenitores a acta com o conteúdo da audição dos menores.
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Em sentido contrário, Paulo Guerra entende que a audição para expressar a opinião não carece de ser gravada, podendo-o ser para uso exclusivo do juiz e  que o menor tem direito de contactar em confidencialidade com o juiz e o MP e o seu advogado, invocando para tal o disposto no art. 58/1h da LPCJP (anotação ao art. 4, páginas 85 e 86, do RGPTC anotado, coord. de Cristina Araújo Dias e outros, Almedina, 2021), mas a norma daquele art. 58/1h diz respeito a crianças em acolhimento e destina-se, naturalmente, a dar-lhes o direito de contactar com o juiz, o MP e o seu advogado sem serem impedidas pela instituição de acolhimento, nada tendo a ver com o direito de audição da criança previsto nos artigos 4/1-c e 5 do RGPTC. Ou seja, a base legal invocada não pode servir para contrariar as conclusões a que acima se chegou.
Ainda em sentido contrário, entre outros: o ac. do TRL de 06/06/2019, no proc. 3573/14.7T8FNC-C.L1-6, que se bastou com a simples afirmação do tribunal de que “foi ainda auscultada a opinião do menor”; o ac. do TRL de 10/11/2020, proc. 3162/17.4T8CSC.L1-7, que, para efeitos de tomada em consideração da opinião da criança, admite que a criança se possa opor a que a audição seja presenciada pelos seus pais e respectivos mandatários e possa optar ainda pela confidencialidade das declarações, isto com base na expressão ‘em privado’ que consta do art. 6/-b da CEEDC [quanto a isto falar-se-á a seguir]; mas, no caso, não estava em questão o desconhecimento das declarações das menores porque quem recorreu foram estas; o ac. do STJ de 29/04/2021, proc. 4661/16.0T8VIS-R.C1.S1, que segue nesta parte o ac. do TRL acabado de referir, embora no caso tenha constatado que o tribunal deu a conhecer aos pais a posição das crianças relativamente à questão que se discutia; e salientou que, para tomar posição acerca da fixação do regime provisório por si promovido o MP, na promoção exarada em acta, não se fundou em quaisquer outros factos resultantes das declarações e das cartas juntas aos autos pelas crianças; embora em simples obiter dictum, também o acórdão do TRL de 01/06/2017, proc. 653/14.2TBPTM-J.L1, publicado na base de dados da PGDL, aceita que se não tivesse sido observado o contraditório, ao que parece nem posterior, poderiam as declarações da criança ser valoradas na parte da expressão da sua opinião.
Quanto à expressão ‘em privado’ que consta do art. 6/-b da Convenção europeia sobre o exercício dos direitos das crianças (de 1996, com início de vigência na ordem internacional em 01/07/2000, aprovada e ratificada em Portugal em 2014), ([…] — Consultar pessoalmente a criança nos casos apropriados, se necessário em privado,  […]), ela só permite que a audição seja sem contraditório simultâneo, ou seja, sem a presença de advogados; mas não permite a confidencialidade a pedido dos menores.
Repare-se que o Regulamento (UE) 2019/1111 do Conselho de 25/06/2019 [Bruxelas II Ter], que substitui o Regulamento (CE) n.º 2201/2003 do Conselho, de 27/11/2003 [Bruxelas II Bis], elaborado muito depois da CEEDC, nada prevê quanto à confidencialidade da audição da criança no seu artigo 21 que trata do direito da criança expressar a sua opinião e a proposta inicial apresentada pela Comissão em 30/06/2016, tinha um art. 20 que dispunha: “Direito da criança a expressar a sua opinião. No exercício da sua competência ao abrigo da secção 2 do presente capítulo, as autoridades dos Estados-Membros devem assegurar que uma criança capaz de formar as suas próprias opiniões tenha a oportunidade real e efectiva de as exprimir livremente durante o processo. As referidas autoridades devem ter devidamente em conta as opiniões da criança, em função da sua idade e maturidade, devendo documentar na decisão as considerações tecidas.” Portanto, a Comissão não via na expressão ‘em privado’ do art. 6/-b da CEEDC qualquer ideia de confidencialidade [já agora anote-se que o Parecer da Comissão das Petições dirigido à Comissão dos Assuntos Jurídicos, do Parlamento Europeu, de 15/05/2017, quanto à gravação da audição dizia: “a fim de proteger os direitos fundamentais que estão em jogo, há que prever, em todo o caso, a gravação da audição da criança. É essencial que a audição da criança ofereça todas as garantias necessárias para preservar a sua integridade emocional e o seu superior interesse, pelo que tais audições devem envolver o apoio de mediadores profissionais em conjunto com psicólogos e/ou assistentes sociais e intérpretes. Desta forma, facilitar-se-á também a cooperação entre os dois progenitores e a posterior relação dos mesmos com a criança.”, o que também não aponta de modo algum quer para a não redução a escrito ou gravação quer para qualquer confidencialidade].
Há uma única fonte que fala em confidencialidade, mas que nunca é referida nesta parte apesar de ser o único suporte a tal ideia. É o Comentário 12 à CDC das NU, comentário de 2009, que diz no seu ponto 43: “A experiência mostra que a situação pode assumir a forma de uma conversa em vez de se utilizar o formato de um exame unilateral. É preferível que a criança não seja ouvida em audição pública mas sob condições de confidencialidade.” Vê-se que a confidencialidade se contrapõe a audição pública, sendo pois uma audição privada, nunca uma audição com resultados confidenciais. De qualquer forma, também esta CDC foi tida em conta no Regulamento (UE) 2019/1111 e não implicou a adopção da “confidencialidade” na audição.
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Posto isto,
No caso dos autos, a audição da menor foi feita, mas dela nada foi dado a conhecer aos progenitores para que se pudessem pronunciar sobre ela, se o achassem necessário, antes de ser proferida a decisão recorrida.
É certo que na decisão recorrida consta que “Atenta a falta de acordo entre os progenitores, estando pendente a acção de atribuição de casa de família, há vontade séria e iminente uma alteração residencial, e o grande conflito entre os progenitores que não conseguem conversar em relação à vida filha que está muito fragilizada mas que mantém uma forte ligação com ambos os pais mas não consegue mais viver no meio das discussões entre os mesmos, segundo as suas declarações […]” Só que, como se viu, primeiro, trata-se da indicação da fonte da prova, não do conteúdo desse prova; segundo, não se trata de dar a conhecer a opinião da filha, mas de a utilizar como meio de prova; e terceiro, a revelação de parte imprecisa da audição da filha, foi posterior ao contraditório, não prévio a ele.
Em suma, o conteúdo da audição da menor, no que refere à sua opinião, não foi dado a conhecer aos progenitores, não foi obtido com observância do contraditório, nem foi submetido ao contraditório posterior à audição e antes da decisão, e nem sequer consta da decisão recorrida. Há uma sucessão de vícios e de invalidade.
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O ac. do STJ de 14/12/2016, proc. 268/12.0TBMGL.C1.S1, esclareceu que: V - A falta de audição da criança afecta a validade das decisões finais dos correspondentes processos por corresponder a um princípio geral com relevância substantiva, não sendo adequado aplicar-lhe o regime das nulidades processuais.
Como já se sugeriu acima, se num processo não consta uma acta com o conteúdo da audição do menor, se aos interessados não foi dado a conhecer o conteúdo dessa audição (apesar de aparentemente estar gravado) e por isso sobre ele não se puderam pronunciar e esse conteúdo também não consta da decisão recorrida, é como se essa audição não existisse.
Neste sentido, também já foi referido, o ac. do STJ de 05/04/2018, proc. 17/14.8T8FAR.E1.S2, que determinou a anulação do julgamento, para que, entre o mais, fosse ouvida a criança, num processo de promoção e protecção, apesar se de dizer que “É certo que a criança foi oficiosamente ouvida em sede de debate judicial, mas a este respeito nada se consignou na matéria de facto apurada […]”. concluindo o STJ: Fica-se, assim, sem saber o que será o “seu querer”, “o seu sentir” […].”
Pelo que a decisão é inválida por falta de um pressuposto de validade da mesma e teria de ser anulada (o que não se fará, tendo em conta o vício mais forte que se segue).
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Quanto à nulidade por omissão de pronúncia sobre a residência alternada.
A proposta de residência alternada não era uma questão a decidir na decisão recorrida, era, sim, uma das formas pelas quais a decisão recorrida podia ter optado quanto a um dos pontos da regulação do exercício do poder paternal. Pelo que, tendo o tribunal optado por outra forma – residência apenas com um dos progenitores – pronunciou-se sobre tudo o que se tinha de pronunciar, embora em sentido desfavorável ao recorrente.
Pelo que não se verifica esta nulidade da decisão recorrida, mas sim um ponto com o qual o recorrente está em desacordo e sobre o qual podia ter incidido o recurso a título de erro de julgamento.
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A separação de facto como pressuposto da necessidade de regulação do exercício das responsabilidades parentais:
Por força do art. 1911/2 do CC (e do art. 43 do RGPTC invocado pela requerente), que remete para os artigos 1905 e 1909/2 do CC, a separação de facto dos unidos de facto é um pressuposto da necessidade da regulação do exercício das responsabilidades parentais relativamente aos filhos de ambos, equivalente alternativo ao divórcio, separação judicial de pessoas e bens, declaração de nulidade ou anulação de casamento (Maria Clara Sottomayor, em anotação ao art. 1911 e ao art. 1909 do CC, no CC anotado, Livro IV, Direito da Família, Almedina, 2020, páginas 936-937 e 933-934).
Separação de facto é uma coisa, existir “a eminência de uma alteração residencial” é outra.
A separação de facto, dos unidos de facto, implica, pelo menos, a cessação da convivência entre os progenitores” (art. 1911/2 do CC). Essa cessação da convivência pode ocorrer mesmo que haja uma residência comum (ac. do TRL de 13/09/2018, proc. 73/16.4T8CSC.L1-2: a separação de facto pode ocorrer debaixo do mesmo tecto), desde que se verifique realmente essa cessação de convivência, o que tem de ser alegado e demonstrado (Eva Dias Costa, no CC anotado, citado, em anotação ao art. 1782, páginas 542-543, lembra no mesmo sentido o acórdão do TRL de 19/02/2013, proc. 249/11.0TMLSB.L1-1, em que foram alegados e provados os factos necessários à conclusão da separação).
Maria Clara Sottomayor, obra citada, pág. 933, lembra no mesmo sentido o ac. do TRL de 06/12/1994, proc. 0082641: “Para que se verifique o pressuposto da separação de facto, como fundamento do pedido de regulação do exercício do poder paternal, não se exige que os pais residam em casas distintas, bastando que entre eles não exista qualquer comunhão de vida.”
Entretanto, este acórdão – que cita vária jurisprudência e doutrina sobre a questão - acrescenta: “a requerente, fazendo referência à ruptura conjugal alegou que ela e o marido vêm fazendo vidas separadas há cerca de dois anos mas a verdade é que o tribunal a quo só deu como provado que ambos residem na casa de morada de família […]. Por isso, embora os autos indiciem que não será muito saudável a vida conjugal, não se pode neste momento afirmar que entre os cônjuges exista uma verdadeira separação de facto que impeça o exercício harmónico do poder paternal por parte de ambos os progenitores. Bem andou, pois, o Sr. juiz, ao considerar não estar provada a separação de facto.”
Ora, quer no requerimento inicial, quer na decisão recorrida, não constam quaisquer factos dos quais se possa concluir que existe uma cessação de convivência.
Não estando provados os factos necessários para se concluir pela separação de facto, nem tendo eles sido alegados pela requerente no requerimento inicial - aliás, nem a própria separação de facto, mesmo que em termos conclusivos foi alegada -, tudo como se pode ver da transcrição feita no relatório deste acórdão da decisão recorrida e da síntese feita do requerimento inicial, o pedido de regulação tem de ser julgado improcedente.
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Pelo exposto, julga-se o recurso procedente - embora por fundamento diferente do alegado -, revogando-se a decisão recorrida e, em sua substituição julga-se agora o pedido improcedente.
Sem custas, quer na acção quer no recurso (visto que a requerente, que perde a acção e o recurso, beneficia da presunção da dispensa delas por via de apoio judiciário requerido e que não há notícia de ter sido indeferido apesar de terem decorrido mais de 21 meses do requerimento).

Lisboa, 14/09/2023
Pedro Martins
Nelson Borges Carneiro
Vaz Gomes