Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa | |||
Processo: |
| ||
Relator: | CRISTINA SILVA MAXIMIANO | ||
Descritores: | CÔNJUGES MAIOR ACOMPANHADO OBRIGAÇÃO DE ALIMENTOS CESSAÇÃO DE ALIMENTOS ACÇÃO INTENTADA PELO ACOMPANHANTE | ||
Nº do Documento: | RL | ||
Data do Acordão: | 05/30/2023 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Texto Parcial: | N | ||
Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | IMPROCEDENTE | ||
Sumário: | I - A obrigação de alimentos devida entre ex-cônjuges, de pagamento mensal de uma quantia pecuniária, pese embora se enquadre numa relação creditícia que se encontra funcionalmente associada a uma relação familiar, constitui uma prestação de carácter patrimonial, isto é, apresenta como característica a patrimonialidade, sendo avaliável, determinável, em dinheiro. II – Por isso, a acompanhante do maior acompanhado - obrigado a prestar alimentos à sua ex-cônjuge - que foi judicialmente cometida para administrar os seus bens, tem poderes para intentar, em representação daquele, acção de cessação de alimentos. III – Actualmente, o direito de alimentos entre ex-cônjuges tem carácter excepcional, temporário e meramente subsidiário, vigorando a regra de que “cada cônjuge deve prover à sua subsistência”, como resulta do artigo 2016º, nº 1 do Código Civil. IV – Provando-se que o ex-cônjuge alimentante viu agravada a doença incapacitante e irrecuperável de que padece e que, por via disso, as suas despesas ultrapassam os proventos que recebe, verifica-se a impossibilidade de continuar a prestar alimentos à sua ex-cônjuge. Em tal caso deve ser declarada a cessação deste dever. | ||
Decisão Texto Parcial: | |||
Decisão Texto Integral: | Acordam na 7ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa: I - RELATÓRIO CA, representado pela sua irmã e curadora, HAM, intentou a presente acção de cessação da pensão de alimentos contra ECS, pedindo a cessação da obrigação do Autor prestar alimentos em favor da Ré. Alegou, em síntese útil, que: o Autor padece da doença de Huntington, tendo sido declarado inabilitado e nomeada a sua irmã, HAM, sua curadora com poderes de representação na administração do seu património; no âmbito do divórcio por mútuo consentimento entre Autor e Ré, foi acordado que aquele pagaria à Ré uma pensão de alimentos mensal, actualmente, no valor de €204,90; devido ao agravamento do seu estado de saúde, o Autor deixou de poder viver sozinho e deu entrada em Lar, pelo qual paga uma mensalidade no valor de €1.250,00; actualmente, o A. suporta despesas mensais fixas mínimas de € 1.354,18, a que acrescem as despesas de roupa e calçado, em valor não inferior a €50,00 por mês, bem como as despesas não incluídas na mensalidade do lar (cortes de cabelo, fisioterapia, transporte, etc.), tendo uma reforma mensal no valor líquido de €925,49, a que acresce a renda da casa que tem arrendada, no valor de €358,00, pelo que deixou de ter possibilidades económicas para continuar a pagar a pensão de alimentos à Ré; por sua vez, a Ré vive na casa que Autor e Ré doaram ao filho comum, da qual tem o usufruto vitalício, residindo com o mesmo, tendo ainda mais três filhos a quem poderá recorrer caso necessite de alimentos, além de que já se deverá ter reformado. A Ré contestou: (i) excepcionado a ilegitimidade activa da curadora do Autor, por considerar que a obrigação de alimentos não integra o património do alimentante sujeito à administração da curadora nomeada; (ii) sustentando que a instauração da presente acção está dependente de autorização do tribunal, devendo ocorrer a suspensão da instância até que seja obtida tal autorização; (iii) defendendo a improcedência da acção, por considerar que a capacidade financeira do Autor é superior à indicada e a alteração da sua vida resultou de uma escolha desacertada da sua curadora quanto ao Lar, além de que a Ré vive com graves dificuldades económicas acentuadas com a crise pandémica em curso e com a interrupção do recebimento da pensão de alimentos, ocorrida em Março de 2021, sendo a pensão de alimentos fixada indispensável ao sustento da alimentada e não ocorrendo impossibilidade de continuação da prestação de alimentos pelo alimentante. Foi proferido despacho saneador, que: (i) julgou improcedentes as excepções e a pretensão de suspensão da instância suscitadas pela Ré; (ii) fixou o objecto do litígio, com indicação dos factos assentes e selecção dos temas da prova. Realizou-se audiência final, tendo sido proferida sentença, julgando procedente a acção e declarada cessada a pensão de alimentos a pagar pelo Autor a favor da Ré. A Ré interpôs a presente apelação, na qual recorre: (i) das decisões interlocutórias proferidas no despacho saneador sobre as excepções que deduziu e sobre o seu pedido de suspensão da instância; (ii) da sentença, requerendo a sua revogação e substituição por outra que “absolva a R. do pedido”; terminando as suas alegações de recurso com as seguintes Conclusões: “1) Por despacho saneador proferido em 11/2/2021, o tribunal a quo, conhecendo da excepção de incapacidade do A e irregularidade da representação do mesmo, da excepção de ilegitimidade activa do A e do pedido de suspensão da instância por falta de autorização da representante do A. para a instauração da presente acção, arguidas pela apelante na sua contestação, veio a julga-las improcedentes, declarando regular a representação do A. pela sua tutora, a capacidade judiciária e legitimidade activa do mesmo e indeferiu o pedido de suspensão da instância. 2) A presente acção foi instaurada pelo A., representado pela sua curadora. 3) O A. foi declarado inabilitado por sentença proferida em 18/2/2015, tendo sido por ela privado dos poderes de administração do seu património. passando tal administração a ser efectuada em sua representação pela curadora, que foi posteriormente nomeada, e que é a pessoa que em representação do A. intentou a presente acção. 4) Tendo a mesma emitido, nessa qualidade, procuração forense a favor da Ilustre Mandatária subcritora da PI. 5) Não obstante tal limitação, o A. tem capacidade para, por si só, se apresentar a juízo para a acção com vista à declaração de cessação de prestação de alimentos a cônjuge, não havendo necessidade de qualquer meio de suprimento de incapacidade para tal fim 6) A prestação de alimentos tem, na sua origem, uma relação jurídico-familiar, decorrente do dever recíproco dos cônjuges de assistência como efeito do casamento. – art.º 1675º nº 1 CC. 7) O direito aos alimentos, em caso de divórcio, assiste a qualquer um dos cônjuges e ancora-se nesse dever de assistência que perdurará para além da extinção do próprio casamento. 8) A obrigação de alimentos integra-se nas chamadas obrigações não autónomas, pressupondo a existência de um vínculo jurídico especial entre os sujeitos e em função dela, no caso, o casamento. 9) Ora, considerando o teor da sentença que decretou a inabilitação do A., e o bem jurídico pretendido proteger com tal decisão, entende a apelante que a cessação daquela obrigação não autónoma não integra o elenco dos actos de administração do património que foram confiados à curadora do A. 10) No caso, ao A. não foi reconhecida a incapacidade de gerir a sua pessoa sem auxílio de outrém, mas, a incapacidade apenas circunscrita à gestão do seu património. 11) A fixação de alimentos em causa foi livremente determinada pelo A. 12) A decisão sobre a sua manutenção, redução ou cessação nada respeita ao património do A. apesar de, naturalmente, se repercutir na sua disponibilidade financeira. 13) O A. não ficou sujeito a representação geral. 14) Ora, não se integrando a pretendida cessação de prestação de alimentos, qualquer acto de administração do património de CA, não pode HAM intentar a presente acção em representação daquele, sendo a instauração da presente acção, porque extravasando os seus poderes da representação legais, absolutamente ineficaz nos termos do art.º 268º CC, por aplicação analógica, para o inabilitado, assim como ineficaz é a emissão da procuração e a constituição do mandato forense da ilustre Advogada subscritora da petição inicial. 15) HAM é absolutamente estranha á relação material controvertida tal como configurada na Petição Inicial, pelo que a mesma, em seu nome próprio, é parte ilegítima para a sua instauração. 16) Consequentemente, à luz do disposto no art.º 268º CC, e considerando que a acção foi intentada pela sua curadora, em representação do A., e que nessa qualidade terá conferido mandato forense á Ilustre Advogada subscritora da PI, tais actos – constituição de mandatário forense e instauração de acção – são ineficazes. 17) Não sendo a subscritora da procuração junta aos autos e a putativa representante do A. nos autos, parte na relação material controvertida nos mesmos, a sua ilegitimidade activa é, igualmente, evidente. 18) A decisão que assim não o considerou, violou o disposto no art.º 26º nº 6, da Lei 49/2018, e art.º 147º nº 1, 145º nº 1 e nº 4 CC, assim como o disposto no art.º 19º nº 1 e art.º 30º nº 1, nº 3 CPC 19) Acresce que, ainda que assim não se considerasse, sempre a interposição da acção presente, como de qualquer outra, estaria, à partida, sujeita a prévia autorização judicial, á luz do disposto no art.º 1938º nº 1 al. e) CC, que regula o regime da tutela. 20) Não foi junta aos autos qualquer autorização judicial para a instauração da presente acção pelo alimentante. 21) Logo, sempre o tribunal a quo teria de, imediatamente, determinar a suspensão da instância até a obtenção da devida autorização, nos termos do artº 1940º Nº 3 CC. 22) Não o fazendo, e considerando que não se verifica qualquer circunstância que determinasse a dispensa de tal autorização judicial, não poderia a acção prosseguir. 23) A decisão que assim não o considerou violou o disposto em tais dispositivos legais. 24) Consequentemente, deve ser revogada por outra que, reconhecendo a capacidade judiciária do A. e a legitimidade do mesmo, e pondere não ter o mesmo intervindo na acção por si próprio mas, ilicitamente representado, determine a absolvição da R. da instância, nos termos do art.º 576º nº 1, nº 2 , 278º nº 1 al. d) e al. e) e 577º CPC. 25) Ou, quando assim não se entenda, seja julgada procedente a exepção dilatória de falta de constituição de advogado nos termos do 40º nº 1 al a) e 48º nº 2 e 278º nº 1 al e) e 576º nº 1 e nº 2, 577º CPC. 577º al. h) CPC, determinando-se a absolvição da R da instância 26) Ainda que assim não se entenda, considerando a omissão de prévia autorização judicial para a interposição da presente acção pela curadora do A, o que constitui condição necessária de prosseguimento da mesma, pelo menos, após a sua arguição pelas partes, e, consequentemente, uma excepção dilatória , deve ser a mesma declarada verificada e, consequentemente absolvida a R da instância, nos termos do art.º 278º nº 1 al e) e 576º nº 1 e nº 2 , 577º CPC. 27) O A. formulou a pretensão de cessação da obrigação de prestação de alimentos á R., sua ex-mulher, alegando, apenas, como causa de pedir, a alteração das circunstâncias quanto á sua capacidade de cumprimento de tal obrigação, tal como consta do relatório da sentença em crise. 28) Ou seja, o A. não alegou qualquer facto respeitante à alteração da necessidade da alimentada R. 29) Na sentença em crise, veio o tribunal a quo a dar como provados, para além do mais, o que grafou sob os pontos 69) a 96) respeitantes à situação financeira e patrimonial actual da requerente, tal como dos filhos da mesma. 30) Acresce que, no elenco das questões a resolver, na sentença em crise indicou-se como sendo uma delas saber se a R. tem condições para prover à sua própria subsistência. 31) Considerando a falta de alegação de qualquer facto quanto à situação financeira, económica ou patrimonial da R por parte do A., e considerando que tais factos constituem factos principais da pretensão deduzida pelo mesmo, a sentença em crise ao deles conhecer, incorreu em vício de pronúncia indevida previsto no art.º 615º nº 1 al d) 2ª parte C.P.C, constituindo o mesmo , causa de nulidade da sentença ajuizada, o que se invoca para todos os efeitos legais. 32) Atento o disposto no art.º 2013º C.C., a cessação da obrigação alimentar cessa, para além de outras que ao caso não interessam, por uma das seguintes causas: - Quando o obrigado não possa continuar a prestar aos alimentos ou quando o alimentado deixe de precisar dos alimentos; 33) Determina o art.º 5º nº 1 CPC, incumbir às partes alegar os factos essenciais que constituem a causa de pedir e os que baseiam as excepções invocadas. 34) Pode, para além desses factos, o tribunal considerar os factos instrumentais, concretizadores ou complementares, para além dos notórios ou os que o tribunal deva conhecer em razão das suas funções, nos termos expressos no art.º 5º nº 2 CPC 35) Os factos essenciais são aqueles que integram a causa de pedir ou o fundamento da excepção e cuja falta determina a inviabilidade da acção ou da excepção; 36) O conceito de causa de pedir é delimitado pelos factos jurídicos dos quais procede a pretensão que o demandante formula, cumprindo às partes a alegação desses factos, apenas nos quais o juiz funda a sua decisão, embora possa atender, ainda que ex officio, aos instrumentais, que resultem da instrução e da discussão e aos que sejam complemento ou concretização de outros. 37) Considerando os termos da PI, a pretensão formulada pelo A. é a cessação da obrigação de prestar alimentos do mesmo em favor da R., logo, são factos essenciais nucleares, cuja alegação pelo A., é imprescindível para o seu conhecimento pelo tribunal, os que integram os fundamentos legais da pretendida cessação, seja, os elencados naquele supra citado art.º 2013º nº 1 CC. 38) O A. apenas articulou factos respeitantes à alteração superveniente da sua capacidade de continuar a prestar os alimentos. 39) Embora, constitua, também, facto essencial nuclear para a cessação da obrigação alimentar, a desnecessidade superveniente do alimentado, ou , por outra palavras, que o alimentado adquiriu, posteriormente à fixação dos alimentos, condições para prover à sua própria subsistência, o A. nada alegou a tal propósito, como lhe impendia alegar, caso quisesse invocá-lo como fundamento do se pedido, nos termos do art.º 5º nº 1 e 552º nº 1 al d) CPC, sendo que a utilização como residência da casa de que é usufrutuária pela R. alegada não constitui facto superveniente, como facilmente se extrai do facto 2 do elenco dos factos provados e a existência de 4 filhos da R. que pudessem prestar alimentos à mesma, não é facto que fundamente a pretendida cessação da obrigação alimentar. 40) Os factos essenciais, a que se refere o art.º 5º nCPC, têm necessariamente de ser complementares ou concretizantes de outros factos essenciais oportunamente alegados em fundamento do pedido ou da excepção. 41) Essa complementaridade ou concretização tem de ser aferida pela factualidade alegada na petição inicial, isto é, pela causa de pedir invocada pelo autor, ou pela factualidade que fundamenta a excepção invocada na contestação. 42) Logo, aqueles factos, ainda que considerados como factos concretizadores do facto essencial nuclear da desnecessidade superveniente da alimentada, conquanto não tendo sido alegados, ou alegado aquele facto essencial nuclear por quem impendia o ónus alegatório, não podem ser conhecidos pelo tribunal a quo. 43) É que, ainda que considerados os mesmos, como factos que que concretizadores que, assim, participam de uma causa de pedir, não tendo tal causa de pedir sido alegada pelo A., não podem ser conhecidos, por violação do princípio do dispositivo e o disposto no art.º 5º nº 2 al b) CPC. 44) A questão enunciada na sentença de se a R. “tem condições para prover à sua própria subsistência “não podia o tribunal solucionar porque não foi alegado por quem tinha o ónus de alegar. 45) Logo, ao conhecê-la, e ao conhecer os supra citados factos, a sentença em crise violou o princípio do dispositivo, e incorreu em pronúncia indevida, que constitui causa da nulidade da mesma. 46) Em suma, o conhecimento dos factos elencados sob os n.ºs 69 a 96 dos factos provados na sentença, integra uma nulidade da sentença por excesso de pronúncia, por se tratar de uma questão (de facto) de que o tribunal a quo não podia tomar conhecimento, nos termos da al. b), nº1 do artigo 615º do CPC, o que importa a sua eliminação do elenco dos factos apreciados pelo juiz para o efeito de o dar como provado ou como não provado, o que se requer seja declarado, ora, em apelação. 47) A sentença em crise não tomou apenas em consideração as possibilidades do A. para continuar a prestar alimentos á R., mas também, a necessidade da continuação da mesma pela R., sendo ambos os juízos que determinaram a declarada cessação da pensão de alimentos. 48) Excluídos que sejam do elenco dos factos a considerar, os supra referidos factos ilegalmente conhecidos, não será possível ponderar a decisão final, dado o percurso lógico percorrido pelo julgador naquela que foi proferida. 49) Consequentemente, deve ser anulada a sentença em crise, e determinada a baixa dos autos ao tribunal da 1ª instância, para aí se proceder à reforma da decisão, após a eliminação daqueles factos. 50) O tribunal a quo deu como provado o que consta no ponto 75 dos factos provados, erradamente. 51) Na verdade, não resulta da prova produzida nos autos, sequer da elencada na fundamentação da sentença impugnada, que JCM seja filho da R. 52) O referido sujeito não é filho da R., o que a R. sublinhou no seu requerimento de 20/6/2022. 53) Não foi solicitada qualquer informação ao ISS, IP respeitante a tal sujeito. 54) Assim, por total ausência de prova, mas também pela irrelevância do facto para o objecto da acção, o facto elencado sob aquele número 75 dos factos provados, deve ser excluído do elenco dos mesmos. 55) O tribunal a quo deu como provado o que consta no ponto 68 dos factos provados, erradamente. 56) As únicas provas obtidas a propósito dos rendimentos do A. nos anos de 2013, 2019, 2020 e 2021, foram as provas documentais juntas aos autos. 57) De tais documentos apenas pode resultar provado o que ali está grafado. 58) E dos mesmos resulta provado que, 59) “Na demonstração de liquidação de IRS do ano de 2019 do A. consta como rendimento global o valor de 15.294,30€ 60) No modelo 3 de declaração de rendimentos do A referente ao ano de 2013 consta como rendimentos das categorias A/H no quadro 4 do anexo A o valor de 21.567,08€ 61) Na demonstração de liquidação de IRS do ano de 2013 do A. consta como rendimento global o valor de 21.567,08€ 62) No modelo 3 de declaração de rendimentos do A referente ao ano de 2020 consta como rendimentos das categorias A/H no quadro 4 A do anexo A o valor de 15.380,26€ e como rendimentos da categoria F no quadro 4.1 do anexo F o valor de 3.938€ e no campo F do anexo F do mesmo, foi aposta uma cruz na opção “ não “ à questão “ opta pelo englobamento dos rendimentos indicados nos quadros 4.1, 4.2, 4.3 e 5? “ 63) Na demonstração de liquidação de IRS do ano de 2020 do A. consta como rendimento global o valor de 15.380,60€ 64) No modelo 3 de declaração de rendimentos do A referente ao ano de 2021 consta como rendimentos das categorias A/H no quadro 4 A do anexo A o valor de 15.380,26€ e como rendimentos da categoria F no quadro 4.1 do anexo F o valor de 1.074€ e no campo F do anexo F do mesmo, foi aposta uma cruz na opção “ não “ à questão “ opta pelo englobamento dos rendimentos indicados nos quadros 4.1, 4.2, 4.3 e 5?“ 65) Na demonstração de liquidação de IRS do ano de 2021 do A. consta como rendimento global o valor de 15.380,60€” 66) Consequentemente, por evidente falta de prova do demais, designadamente que o A. tenha auferido um rendimento global para efeitos de IRS nos montantes que ali se escreveram, a decisão sobre a referida factualidade daquele ponto 68 deve ser revogada e alterada nos termos supra constantes. 67) O tribunal a quo deu como provado o que consta no ponto 49 dos factos provados, e conclui não terem resultado quaisquer outros factos com relevância para a decisão da causa, erradamente. 68) Realizado o depoimento de parte da curadora do A. na sessão de audiência de julgamento ocorrida em 22/9/2022, foi feita assentada de parte do mesmo, em cumprimento do disposto no art.º 463º nº 1 CPC, reduzindo-se ali a escrito a parte do depoimento que comportou confissão do A, 69) Não foi feita qualquer outra prova a propósito de tal factualidade respeitante ao tema da prova elencado sob o nº 25, muito menos de valor probatório superior capaz de abalar tal confissão. 70) Assim, o facto constante no ponto 49 dos factos provados, deve ser alterado ficando dado como provado que: 71) O imóvel referido no ponto 43 dos factos provados foi colocado à venda por 120.000,00€, após ter sido inicialmente avaliado em 125.000,00€ por parte dos agentes imobiliários e ter chegado a ser promovida a venda por tal valor, que, por não ter surgido interessado, a imobiliária sugeriu que baixassem para os referidos 120.000,00€” 72) Na sentença em crise, relatou-se não resultarem provados quaisquer outros factos com relevância para a decisão da causa, erradamente. 73) A presente acção especial de cessação de alimentos foi apensa aos autos de divórcio do A. e R., nele constando certidões de nascimento da R. e de casamento da R. com o A. 74) Resulta das mesmas que a R. nasceu em 1/11/1954. 75) Tratam-se de facto que o tribunal podia e devia ter conhecido, nos termos do art.º 5º nº 2 al. c) CPC, pois que o seu conhecimento resulta do exercício da sua função jurisdicional. 76) A idade presente da R. é um factor a ponderar na decisão de cessação dos alimentos de que a mesma beneficia. 77) Assim, deve ser aditado ao elenco dos factos provados o seguinte: A R. nasceu em 1/11/1954. 78) Alterada a matéria de facto nos termos supra alegados, é bem de concluir que a mesma, subsumida na previsão legal ao abrigo da qual o A. clama a sua pretensão, não preenche o que ali se define como requisitos para o efeito jurídico pretendido. 79) O A. pretende unicamente, com a presente acção, a declaração judicial da cessação da obrigação de prestar alimentos à R. que se encontra vinculado e não a sua alteração, designadamente a sua redução 80) Tal pretensão aponta para o previsto no art.º 2013º CC, norma que, aliás, o A. invoca como argumento da sua pretensão na PI. 81) O A. invoca, como único argumento, a impossibilidade de continuar a prestar à R os alimentos fixado, alegando o disposto no art.º 2013º nº 1 al. b) CC, transcrevendo-o no art.º 19º da PI. 82) Atentos os factos provados dever-se-á concluir que, não obstantes as alterações subsequentes à fixação dos alimentos quanto à sua capacidade de os prestar, não ocorre uma impossibilidade de continuar a cumprir com tal obrigação para a R. 83) Dos factos provados resultam despesas com a subsistência do A. na ordem de 1.358,26€ mensais à data da interposição da acção – factos 18, 19, 23, 24, -; e de mais 75€ desde Junho de 2022 (por período futuro indefinido) – facto 31 e 32. 84) O que resulta em despesas anuais de 16.299, 12 €, desde a data da entrada da acção até Junho de 2022 e de 17.199,12€ desde esta data até à data da prolação da sentença. 85) E dos factos provados resultam que o A. auferia à data da interposição da presente acção (11/12/2020) 925,49€ x 14, a título de pensão de reforma (12.956,86 € /ano), 105,90€ x 14 a título de complemento por dependência (1.482,60€/ ano) e 358€ x 12 a título de renda proveniente do arrendamento do imóvel descrito no facto 43 (4.296€/ ano). vg. Factos 34, 35 e 44, concluindo-se que, à data da interposição da presente acção, o A. auferiu o valor anual líquido de 18.735,46€ 86) Sendo as suas despesas anuais de 16.299,12€, resulta um “saldo positivo” de 2.436,34€. 87) Não se crê, atentas as regras da experiência da vida e da lógica, que nas condições de internamento provadas, o A. tenha outras despesas anuais para além daquelas que se consideraram provadas, que consumissem tal saldo. 88) A pensão de alimentos fixada foi no montante de 200 € mensais actualizaveis anualmente de acordo com o índice da inflação– facto 2. 89) Não se demonstra, assim, a impossibilidade do pagamento da pensão de alimentos à R. 90) É sobre o A. que impende o ónus de alegação e prova da alteração das circunstâncias superveniente que determinam a impossibilidade da continuação do cumprimento da obrigação alimentar em causa, mas não alegou e nem provou, a sua situação financeira existente na data em que se fixaram os alimentos, impedindo, assim, o julgador de apreciar se houve ou não alterações na capacidade do devedor e se as alterações são de molde a concluir pela impossibilidade da manutenção da obrigação alimentar. 91) Quanto à situação existente à data da prolação da sentença recorrida a conclusão é semelhante. 92) Dos factos provados resulta que o A. auferia em 2022, 1.107,59 (bruto)€ x 14, a título de pensão de reforma (15.504,30€/ano), 106,96€ x 14 a título de complemento por dependência (1.497,44€/ ano) e 450€ x 12 a título de renda proveniente do arrendamento do imóvel descrito no facto 43 (5.400 €/ ano). vg. Factos 34, 35 e 53 93) Atento o documento 4 e 5 juntos pelo A com o requerimento de 12/10/2022, afere-se que o rendimento liquido mensal correspondente ao somatório dos valores auferidos a titulo de pensão de reforma e de complemento de dependência, ambos pagos pela CGA, é de 1041,09€, logo, o rendimento liquido anual do A em 2022 é de 19.975,26€ 94) Sendo as suas despesas anuais de 17.199,12€, resulta um “saldo positivo” de 2.776,14 €. 95) Não se demonstra, assim, a impossibilidade do pagamento da pensão de alimentos á R. em 2022, data da prolação da sentença em crise. 96) Acresce que, o A. é, igualmente, proprietário de um imóvel que tem um valor de mercado de, pelo menos, 120.000€, sem ónus ou encargos, que pode ser transacionado para obtenção de rendimentos, se necessário. 97) O A. era titular de uma conta de depósito a prazo na CGD com um saldo de 6.000€ entretanto por si utilizado. 98) No caso vertente, os factos apurados não permitem concluir que houve efetivamente uma alteração de circunstâncias quanto à capacidade do A., como alimentante, de tal modo que o mesmo ficou sem recursos para continuar a prestar alimentos à R., independentemente do caracter temporário de tal direito. 99) Formulado pedido de cessação dos alimentos através de alguma das vias processuais legalmente admissíveis, é sobre o obrigado que recai o ónus de alegar e de provar que, por virtude “de circunstâncias supervenientes, não está em condições de continuar a prestar os alimentos acordados. 100) Considerando o supra exposto quanto aos factos essenciais nucleares alegados pelo A. na PI e quanto à causa de pedir por ele indicada, competiria ao mesmo provar a falta de recursos do devedor (ele) para cumprir (aquele que os presta não possa continuar a prestá-los); provar que, por circunstâncias supervenientes, não está em condições de continuar a prestar os alimentos acordados, o que não cumpriu. 101) Ainda que se considere, na decisão da causa, a actual necessidade da R, o que não se aceita ; sempre seria de concluir que, atenta a precariedade do seu vinculo laboral presente, num futuro muito próximo, é de admitir como muito provável que à R. reste apenas como rendimento mensal a pensão por velhice de 346,79€ , valor francamente inferior ao IAS e, naturalmente, indigno e insuficiente para suprir as suas necessidades básicas e correntes com os serviços essenciais, alimentação, higiene e saúde. 102) Também por aqui, a sentença recorrida não fez uma justa e certa aplicação da Lei, sendo certo que o alimentado (a R.) carece de continuar a receber os alimentos fixados. 103) A sentença em crise, violou o disposto no art.º 2013º nº 1 al. b) e art.º 342º, n.º 2 do CCivil devendo, por isso, ser revogada e substituída por outra que, julgando procedente a apelação, absolva a R. do pedido.”. O Autor apresentou contra-alegações, nas quais pugna pela improcedência total do recurso. De seguida, foi proferido despacho (sob a Referência Citius nº 143904076), que, para além de receber o presente recurso, decidiu sob o ponto I: “Por constatar que a sentença proferida nos autos padece de manifesto lapso material, e ao abrigo do art.º 614.º, n.º 1 do CPC, determino a eliminação do facto n.º 75, por ter ocorrido lapso na identificação do indivíduo ali mencionado, o qual não é filho da R. Mais determino o desentranhamento de fls. 147 a 150, respeitante ao extracto de remunerações remetido pela Segurança Social e que versa sobre pessoa estranha ao processo, devendo a Secção proceder à sua destruição.” Notificadas deste despacho, as partes nada requereram. Colhidos os vistos, cumpre decidir. II - QUESTÕES A DECIDIR De acordo com as disposições conjugadas dos art.ºs 635º, nº 4 e 639º, nº 1 do Cód. Proc. Civil, é pelas conclusões da alegação do Recorrente que se delimita o objecto e o âmbito do recurso, seja quanto à pretensão do Recorrente, seja quanto às questões de facto e de direito que colocam. Esta limitação objectiva da actuação do Tribunal da Relação não ocorre em sede de qualificação jurídica dos factos ou relativamente a questões de conhecimento oficioso, desde que o processo contenha os elementos suficientes a tal conhecimento (cfr. art.º 5º, nº 3 do Cód. Proc. Civil). De igual modo, também o tribunal de recurso não está adstrito à apreciação de todos os argumentos produzidos em alegação, mas apenas de todas as questões suscitadas que se apresentem como relevantes para conhecimento do respectivo objecto, exceptuadas as que resultem prejudicadas pela solução dada a outras (cfr. art.º 608º, nº 2 do Cód. Proc. Civil, ex vi do art.º 663º, n.º 2 do mesmo diploma). Acresce que, não pode também este Tribunal conhecer de questões novas que não tenham sido anteriormente apreciadas, porquanto, por natureza, os recursos destinam-se apenas a reapreciar decisões proferidas - cfr., neste sentido, Abrantes Geraldes, in “Recursos no Novo Código de Processo Civil”, 5ª Ed., Almedina, 2018, p. 114-116. Nestes termos, as questões a decidir são: A) Quanto às decisões proferidas no despacho saneador: 1º - excepção de (in)capacidade judiciária do Autor e (ir)regularidade da representação do mesmo; 2º - excepção de (i)legitimidade activa do Autor; 3 – suspensão da instância por falta de autorização do tribunal para a representante do Autor intentar a presente acção; B) Quanto à sentença proferida: 1º - existência de nulidade da decisão por enfermar da nulidade prevista na segunda parte da al. d) – excesso de pronúncia - do nº 1 do art.º 615º do Cód. Proc. Civil; 2º - a impugnação da decisão sobre matéria de facto; 3º - o mérito da sentença recorrida. III - FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO A sentença sob recurso considerou provados os seguintes factos: 1. O divórcio entre o Autor e a Ré foi decretado por sentença proferida em 2 de Dezembro de 2013, no âmbito do divórcio sem o consentimento do outro cônjuge convolado em divórcio por mútuo consentimento no processo n.º 9847/13.7T2SNT, que correu termos pela 4.ª Secção do Juízo de Família e Menores de Sintra da extinta Comarca da Grande Lisboa-Noroeste. 2. No âmbito do divórcio por mútuo consentimento, Autor e Ré acordaram que a casa de morada de família (da qual tinham ambos o usufruto) ficava atribuída à Ré e o Autor pagaria à Ré uma pensão de alimentos mensal no valor de €200,00, até ao dia 25 de cada mês, actualizável anualmente no mês de Janeiro, mediante a taxa de inflação publicada pelo INE, excepto se a reforma se mantivesse inalterada ou sofresse uma redução. 3. O Autor padece da doença de Huntington, a qual consiste numa patologia degenerativa do foro neurológico, de natureza permanente e irreversível. 4. Em consequência de tal doença limitativa correu termos no J4 da 1ª. Secção Cível, da Instância Central do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa Oeste – Sintra o processo judicial de inabilitação do A. sob o nº. 8070/13.5T2SNT; 5. … no âmbito do qual foi proferida a sentença, transitada em julgado em 18/02/2015, cuja parte decisória se transcreve parcialmente: 6. A irmã do Autor, HAM foi nomeada sua curadora no âmbito do referido processo. 7. Tendo ali apresentado a seguinte relação de bens do Autor: 8. A doença degenerativa do Autor referida em 3. evoluiu e o seu estado de saúde piorou; 9. O Autor tem sofrido quedas sucessivas; 10. E apresenta aumento da dificuldade em se movimentar, vestir-se, sentar-se e engolir; 11. Necessitando de ajuda na satisfação das suas necessidades básicas do dia-a-dia. 12. O Autor necessita de cuidados de saúde e de acompanhamento permanente. 13. Após o Autor ter ficado doente, a sua irmã, HAM, tem vindo a zelar pelos cuidados ao mesmo, acompanhando-o nas suas rotinas diárias. 14. Pelo facto referido em 8., o Autor deixou de poder viver sozinho; 15. Pelo facto referido em 8. e por ser doente cardíaca e oncológica, entre outras patologias, e se encontrar desgastada emocionalmente, a sua irmã, HAM, deixou de lhe conseguir prestar os cuidados e acompanhamento de que necessita. 16. Pelos factos referidos em 8. a 12., o Autor deu entrada no Lar Sociedade Espanhola de Beneficiência, em Lisboa; 17. … onde permanece desde Outubro de 2020; 18. … e pelo qual paga uma mensalidade no valor de 1.250,00€. 19. O A. suporta ainda despesas mensais com: a) I.M.I., que em 2020 foi de 20,32€ (243,80€:12 meses); b) Condomínio, que em 2020 foi de 30,00€; c) Medicamentos, no valor médio de 30€; d) Seguro da casa, que em 2020 foi de 5,37€ (64,49€:12 meses); e) Produtos de higiene, de montante concretamente não apurado; 20. Bem como despesas de roupa e calçado, de montante concretamente não apurado; 21. E despesas não incluídas na mensalidade do lar, como: cortes de cabelo; fisioterapia e transporte. 22. Por deliberação de 6.07.2020, o Autor tem de pagar uma quota extra, no valor de 15,57€ mensais, durante 30 meses, referente ao condomínio da fracção de que é proprietário. 23. O Autor corta o cabelo uma vez por mês; 24. Cada corte de cabelo custa 7€. 25. Por sugestão do lar, a curadora adquiriu um capacete de protecção para o Autor; 26. … com um custo de 95€. 27. Actualmente, o Autor está acamado; 28. Pelo facto de ter partido uma perna, desloca-se ao hospital todas as semanas; 29. Cada deslocação, efectuada em veículos para pessoa com mobilidade reduzida, custa 45€; 30. … suportando ainda o custo de 13€ pelo regresso do colaborador do Lar que o acompanhou ao hospital. 31. Desde Julho de 2022, o Autor iniciou o uso de fraldas; 32. As fraldas adquiridas para uso do Autor têm o custo mensal de cerca de 75€. 33. Em 2020, o Autor pagou € 76,13 de I.R.S. 34. O Autor aufere uma pensão de reforma da Caixa Geral de Aposentações, que foi de: a) 1.063,07€ (valor ilíquido), em 2014; 1.098,59€ (valor ilíquido), correspondente ao valor líquido de 925,49€, em 2020; 1.107,45€ (valor ilíquido), em 2022; 35. E recebe Complemento por Dependência, desde 01.10.2020, no valor mensal de: 105,90€, em 2020; 106,96€, em 2022. 36. A curadora do Autor solicitou ajuda na Junta de Freguesia e junto das assistentes sociais do Cacém para obter uma vaga em Lar para o Autor; 37. Assim como procurou através da Internet encontrar uma vaga em Lar para o Autor; 38. Não tendo sido encontrada vaga para integração do Autor em Lar da rede pública; 39. … nem em lar com um custo mensal mais reduzido. 40. A avaliação técnica efectuada ao caso pelas Assistentes Sociais era de que o Autor tinha critérios para integração num lar e que a integração devida ocorrer com urgência; 41. ... devido ao estado de saúde do Autor e à situação de esgotamento da irmã e respectiva família para cuidar do Autor. 42. A única vaga que as Assistentes Sociais indicaram à curadora do Autor ter encontrado foi no Lar referido em 16. 43. O Autor tem inscrita a seu favor a propriedade do imóvel correspondente à fracção autónoma designada pela letra “I”, correspondente ao 2º. Dtº. com arrecadação no sótão do prédio urbano sito na Rua … nº. 5 e Rua … nº. 6, freguesia de Rio de Mouro, concelho de Sintra, descrita na 2ª. Conservatória do Registo Predial de Sintra sob o nº. … e inscrita na respectiva matriz sob o artigo …. 44. À data da instauração da acção, o referido imóvel encontrava-se arrendado por 358€ mensais; 45. A inquilina costumava pagar metade da renda no dia 1 e a outra metade no dia 16; 46. … e, pelo menos, uma vez, atrasou-se no pagamento da totalidade da renda. 47. O respectivo contrato de arrendamento foi cessado em 30/4/2021, tendo a curadora do Autor, em representação deste, se oposto à renovação do contrato, mediante comunicação escrita dirigida em 15/10/2020 à arrendatária. 48. Quando a anterior inquilina deixou a casa, a curadora do Autor fez obras na mesma para a poder arrendar novamente. 49. A curadora do Autor chegou a colocar o imóvel à venda pelo preço de 125.000,00€; 50. Na altura, a reforma do Autor encontrava-se penhorada; 51. E a curadora do Autor estava a utilizar do seu próprio dinheiro para fazer face às despesas do Autor. 52. Face à demora na concretização da venda, a curadora do Autor decidiu voltar a arrendar o imóvel. 53. Desde Maio de 2022, o referido imóvel encontra-se arrendado pelo valor mensal de 450€. 54. Até o referido imóvel ser novamente arrendado, a curadora do Autor recorreu às suas próprias poupanças para conseguir pagar as despesas do Autor. 55. Entre Junho de 2021 e Abril de 2022, a curadora do Autor teve dificuldades no pagamento atempado das despesas do Lar. 56. O Departamento de Saúde e Assistência na Doença (DSAD) da Polícia de Segurança Pública (PSP) comparticipa as despesas resultantes do internamento em lar/casa de repouso dos seus beneficiários, de acordo com critérios legalmente definidos quanto à situação médico-social e capitação do agregado familiar do beneficiário. 57. Estas comparticipações não são cumuláveis com o Complemento por Dependência da Segurança Social. 58. A Divisão de Saúde do DSAD da Direcção Nacional da PSP emitiu um Parecer Médico, datado de 16.06.2021, que considera encontrarem-se justificados, clinicamente, os pressupostos necessários para o internamento do Autor em lar/casa de repouso; 59. De acordo com a declaração de rendimentos de IRS do Autor do ano de 2020, a capitação do seu agregado familiar foi calculada pelo DSAD/PSP em 1.103,90€; 60. O limite máximo de capitação para que tal entidade comparticipasse as despesas resultantes do internamento do Autor em lar/casa de repouso foi de 1.064€ para o ano de 2021. 61. Pelos factos referidos em 59. e 60., o DSAD/PSP indeferiu o pedido de comparticipação das despesas com o internamento do Autor no lar para o ano de 2021. 62. O Autor não recebeu qualquer comparticipação relativa a assistência médica ou transporte pelo seu subsistema de saúde, em virtude de não ter sido apresentado qualquer documento ou despesa. 63. O Autor recebeu comparticipações pelo seu subsistema de saúde relativamente a Meios Complementares de Diagnóstico e Terapêutica realizados nas sociedades CINTRAMÉDICA II – Serviços de Saúde, Lda., Centro Medicina Laboratorial Germano de Sousa, S.A. e CARDIOTESTE – Clínica Cardiológica, S.A. 64. A conta identificada na verba n.º 2 da relação de bens referida em 7. foi encerrada em 13.11.2015. 65. A conta identificada na verba n.º 3 da relação de bens referida em 7. tinha um saldo de 24,82€, em 13.10.2021; 66. … e de 431,90€, em 14.12.2021. 67. As referidas contas bancárias foram usadas pela curadora do Autor para pagar despesas do Autor. 68. O Autor auferiu um rendimento global, para efeitos de IRS, de 21.567,08€, em 2013; 15.294,30€, em 2019; 15.380,26€, em 2020; 15.380,26€, em 2021. 69. A Ré vive na casa que Autor e Ré doaram ao filho comum; 70. … residindo na mesma com o filho comum maior das partes, JSA. 71. O referido filho comum tem trabalhado pontualmente; 72. Quando se encontra a trabalhar, tal filho ajuda a Ré nas despesas da casa. 73. Desde Maio de 2022, o referido filho encontra-se desempregado; 74. … e não aufere prestações sociais. 75. O filho da Ré, JCM, trabalha, mediante o vencimento mensal de 1.200€, a título de remuneração-base, acrescido de 100€ de duodécimos de subsídio de Natal e de 100€ de duodécimos de subsídio de férias. 76. O filho da Ré, ACM, não apresenta registo de remunerações junto da Segurança Social desde Junho de 2016; 77. … e não aufere prestações sociais, no sub-sistema da Segurança Social. 78. O filho da Ré, RCC, recebeu pensão de invalidez entre 10.06.2020 e 11.03.2021, no valor mensal de 221,79€, acrescida de 370,63€, em Dezembro de 2020, a título de “equivalência por prestação de complemento de subsídio de Natal”; 79. … e actualmente não aufere prestações sociais. 80. O filho da Ré, FCA, trabalha mediante o vencimento mensal de 705€, acrescido de 58,75€ de duodécimos de subsídio de Natal e 58,75€ de duodécimos de subsídio de férias. 81. A partir de Setembro de 2017, pelo menos, a Ré começou a trabalhar; 82. Entre 1.04.2020 e 30.04.2021, a Ré recebeu subsídio de desemprego, no valor mensal de 435,74€. 83. Por ofício de 7.3.2021, o Instituto da Segurança Social informou a Ré de que “a prestação de desemprego, que lhe vem sendo concedida, cessará em 01/05/2021, data em que se verificam as condições legais de acesso à pensão por velhice”. 84. A Ré recebe pensão por velhice desde 1.05.2021, com o valor mensal de 346,79€. 85. Desde 11 de Maio de 2021, a Ré encontra-se a trabalhar para uma empresa de trabalho temporário; 86. Tendo auferido: a) em Janeiro de 2022, a remuneração-base de 580,82€, acrescida de 48,38€ - subsídio de férias, 14,83€ - trabalho nocturno, 48,38€ -remunerações referentes a férias pagas e não gozadas por cessação de contrato de trabalho – desp. 129/sess/91 de 17/2; 45,31€ - prémios, bónus e outras prestações de carácter não mensal; 48,38€ - subsídio de Natal; b) em Fevereiro de 2022, a remuneração-base de 562,29€, acrescida de 46,84€ - subsídio de férias, 20,60€ - prémios, bónus e outras prestações de carácter não mensal; 46,84€ -remunerações referentes a férias pagas e não gozadas por cessação de contrato de trabalho – desp. 129/sess/91 de 17/2; 46,84€ - subsídio de Natal; c) em Março de 2022, a remuneração-base de 665,27€, acrescida de 55,42€ - subsídio de férias, 55,42€ -remunerações referentes a férias pagas e não gozadas por cessação de contrato de trabalho – desp. 129/sess/91 de 17/2; 18,54€ - prémios, bónus e outras prestações de carácter não mensal; 55,42€ - subsídio de Natal. 87. Em Agosto de 2022, a remuneração-base da Ré foi de 714,00€; 88. A Ré suporta despesas de água, gás, TV Cabo e condomínio, de valor concretamente não apurado. 89. A Ré suporta despesas de electricidade de cerca de 33€ mensais; 90. E ainda despesas de alimentação, vestuário e higiene, de montante concretamente não apurado. 91. A Ré tinha uma dívida às Finanças de 613,61€, relativa a processos de liquidação de IUC e contra-ordenações respectivas por falta de pagamento voluntário; 92. Tendo sido notificada, em 27.06.2022, para pagamento em prestações à Autoridade Tributária; 93. E fez um acordo de pagamento com o SMAS de uma dívida acumulada de fornecimento de água, de 394,99€; 94. Em 2013, a Ré não auferiu quaisquer rendimentos, para além da pensão paga pelo Autor. 95. Em 2020, a Ré esteve dispensada de apresentar declaração de rendimentos para efeitos de IRS, face ao valor de rendimentos que auferiu. 96. Em 2021, a Ré declarou, para efeitos de IRS, ter auferido rendimentos no valor global de 9.353,86€. * Na decisão recorrida foi, ainda, consignado: “Não resultaram provados quaisquer outros factos com relevância para a decisão da causa. Nomeadamente, não se provou que a R. viva com graves dificuldades económicas, nem que gaste cerca de 600€ mensais com pagamentos de consumos domésticos, medicamentos e condomínio.”. IV - FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO A) Quanto ao recurso sobre as decisões proferidas no despacho saneador 1º e 2º - Excepção de (in)capacidade judiciária do Autor e (ir)regularidade da representação do mesmo e excepção de (i)legitimidade activa do Autor: Na contestação, a Ré suscitou, na síntese feita pela mesma a fls. 3-4 deste recurso, a “excepção da ilegitimidade activa do A., pugnando, em suma, que sendo o pedido formulado na presente acção a declaração de cessação da obrigação de prestação de alimentos à R, ora apelante, obrigação essa constituída por sentença homologatória de acordo estabelecido nos autos de divórcio entre ambos a que a presente acção foi apensa, derivando, assim, essa obrigação de uma relação jurídico-familiar; tal pedido extravasa os actos de administração do património daquele que, daquela sentença que decretou a inabilitação do A, foram coartados ao mesmo e entregues á sua curadora. Logo, a referida curadora não o podia representar na presente acção e, consequentemente, não tinha poderes para conferir mandato forense em nome do mesmo, sendo que o mandato que assim haja sido conferido é ineficaz nos termos do art.º 268º CC. (…) tendo a procuração dos autos sido conferida pela Sra. Curadora em nome próprio à Ilustre Mandatária da PI , e sendo aquela estranha á relação material controvertida , a referida Sra. era parte ilegítima na acção.”. A 1ª instância apreciou estas questões nos seguintes termos: “Apesar não ter excepcionado especificadamente a incapacidade do A. para estar em juízo, ou a sua deficiente representação, mas antes a sua ilegitimidade activa (como analisarei infra), a R. considerou que a curadora do A. excedeu os poderes de representação daquele ao propôs esta acção de cessação de alimentos, podendo suscitar-se a questão de saber se o A. está irregularmente representado. Em resposta, o A. sustentou que, por força dos poderes administração do património do A. em regime de representação do mesmo e atento o objecto da acção, o mesmo tem capacidade judiciária para estar em juízo por intermédio da sua representante/acompanhante. Apreciando: Durante muitos anos, a capacidade judiciária foi considerada como integrante da legitimidade, até ganhar autonomia e ser considerada como um pressuposto processual autónomo. Assim, dispõe o actual art.º 15.º do Código de Processo Civil (CPC), sob a epígrafe “conceito e medida da capacidade judiciária”, que esta consiste na suceptibilidade de estar por si em juízo e tem por base e por medida a medida a capacidade do exercício de direitos. Tendo o A. sido declarado inabilitado e ficado privado dos poderes de administração do seu património, passando essa administração a ser efectuada em sua representação pela curadora que lhe foi nomeada pelo Tribunal, importa apreciar se o mesmo se encontra devidamente representado na acção. Nos termos do n.º 1 do art.º 16.º do CPC, aplicável analogicamente, “os menores e os maiores acompanhados sujeitos a representação só podem estar em juízo por intermédio dos seus representantes, excepto quanto aos actos que possam exercer pessoal e livremente”. No caso, a situação do A. enquanto inabilitado é equiparável à actual figura do “maior acompanhado”, pelo que a sua curadora/acompanhante terá que o representar em juízo caso a instauração da acção não se trate de um acto que o A. possa exercer pessoal e livremente. A exemplo do que acontece com o actual regime do maior acompanhado, em que a lei admite a representação geral ou a representação especial com indicação expressa das categorias de actos para que seja necessária e a administração total ou parcial de bens (cf. Lei n.º 49/2018, de 14-08), a curadora do A., HAM, viu ser-lhe atribuído por decisão do Tribunal o poder de administração de todo o património do inabilitado, em representação deste - com excepção das quantias que a mesma considere serem necessárias para aquele fazer face às despesas ordinárias do seu dia-a-dia. Ora, o pagamento da pensão de alimentos à R. constitui uma obrigação pecuniária cuja manutenção afecta o património do A., actualmente sujeito à administração da respectiva curadora/acompanhante. Tendo a sentença de inabilitação apenas deixado na disponibilidade do inabilitado o poder de movimentar as quantias monetárias que a curadora entenda por adequadas e suficientes para aquele fazer face às despesas ordinárias da sua vida corrente, todos os restantes actos de gestão do património do inabilitado CA cabem nos poderes de administração do seu património que foram entregues à curadora nomeada pelo Tribunal (a sua irmã, HAM). Logo, pode – e deve – a mesma representar o A. nesta acção, por se inserir na categoria de actos para os quais a mesma dispõe de poderes de representação do seu irmão CA. Assim se conclui que o A. se encontra o A. devidamente representado em Juízo pela respectiva curadora/acompanhante, gozando de capacidade judiciária, a qual igualmente se verifica quanto à R. * A R. excepcionou a ilegitimidade activa da curadora HAM para intentar a presente acção, sustentando, no essencial, que a dívida de alimentos não integra o património do alimentante sujeito à administração da curadora, pelo que a instauração desta acção extravasa os poderes da curadora, a qual também não podia passar procuração para constituição de mandatário forense. Em resposta, o A. sustentou que é ele, enquanto ex-marido da R., que é parte na acção, e não a sua curadora/acompanhante, tendo o A. interesse em demandar a R. Mais aduziu que o pagamento da pensão corresponde a uma obrigação pecuniária do património do A., o qual está sujeito à administração da curadora/acompanhante, e que o pedido de cessação desse pagamento corresponde a um acto de administração do património do A. Decidindo: A legitimidade, como pressuposto processual, fixa-se, tendo em atenção a posição das partes em relação ao objecto do processo, aferida pelos termos em que o demandante configura o direito invocado e a ofensa que lhe foi feita. Ou seja, são partes legítimas as pessoas que o autor aponta como sujeitos da pretensa relação controvertida (i. é, da relação tal como o autor a configura), já que é quase sempre impossível averiguar se os autores e os réus são, efectivamente, sujeitos dessa relação, sem que tal averiguação venha a traduzir-se no conhecimento do mérito da causa. No caso dos autos, a acção é proposta por “CA, divorciado, reformado, (…) representado pela sua irmã e curadora HAM” e é instaurada contra a sua ex-mulher, ECS, a quem paga uma pensão de alimentos que pretende ver cessada, por alegada incapacidade de rendimentos na actualidade. Deste modo, atenta a versão dos factos apresentada pelo A., conclui-se pela sua legitimidade activa, uma vez que tem interesse directo em demandar a R., nos termos do art.º 30.º do CPC, não se cuidando, neste momento, de averiguar da justeza ou não da pretensão do A. - o que já teria a ver com o mérito da causa. Em consequência, julgo improcedente a excepção dilatória de ilegitimidade activa deduzida pela R. e considero A. e R. partes legítimas para a discussão do presente pleito.”. A apelante insurge-se contra o assim decidido, essencialmente, por considerar, ao contrário do tribunal a quo, que o objecto desta acção não constitui qualquer apreciação ou julgamento de acto patrimonial do Autor, mas, apenas, a continuação do cumprimento de uma obrigação familiar, de solidariedade entre os membros do casal que se estende para além do divórcio, não tendo sido decretada judicialmente a incapacidade de o Autor gerir a sua pessoa sem auxílio de outrém, mas, apenas, a incapacidade circunscrita à gestão do seu património, pelo que, não pode a curadora do Autor representá-lo nesta acção. Apreciemos. O objecto desta acção é a cessação da obrigação de alimentos judicialmente fixada, nos termos da qual o Autor tem de pagar à Ré uma pensão mensal no valor de €200,00, actualizável anualmente, em regra - cfr. sentença que homologou o acordo obtido entre as partes no processo de divórcio por mútuo consentimento: cfr. factos provados sob os nºs 1. e 2.. É certo, como afirma a apelante, que a concreta obrigação alimentar em causa nos autos configura uma obrigação não autónoma, uma vez que resulta de um vínculo prévio específico de natureza familiar entre alimentante e alimentada; ou seja, é dependente dum direito de família (cfr., neste sentido, Pires de Lima e Antunes Varela, in “Código Civil Anotado”, vol. I, 4ª ed. revista e actualizada, Coimbra Editora, 1986, p. 347), traduzindo um prolongamento do dever de assistência para depois da dissolução do casamento, com base na ideia de solidariedade entre os ex-cônjuges. Porém, também é certo que a concreta obrigação de alimentos em causa nos autos reveste, de forma cristalina, a natureza “de uma obrigação pecuniária de prestações mensais” (art.º 2005º, nº 1, 1ª parte, do Cód. Civil) – cfr. Pires de Lima e Antunes Varela, in “Código Civil Anotado”, vol. V, Coimbra Editora, 1995, p. 583. O que significa que, a obrigação alimentar dos autos, pese embora se enquadre numa relação creditícia que se encontra funcionalmente associada a uma relação familiar (ex-cônjuges), constitui uma prestação de carácter patrimonial, isto é, apresenta como característica a patrimonialidade, sendo avaliável, determinável, em dinheiro - Ana Leal, in “Guia Prático da Obrigação de Alimentos”, 2ª ed., 2014, Almedina, p. 12. Com efeito, não se pode negar o carácter patrimonial da prestação inerente à obrigação alimentar dos autos, uma vez que a mesma consiste no pagamento mensal de uma quantia em dinheiro. Apresenta-se, consequentemente, como uma relação patrimonial de crédito-débito: há um credor que pode exigir de determinado devedor uma prestação económica. Confirmando esta ideia, refere J. P. Remédio Marques, in “Algumas notas sobre alimentos (devidos a menores)”, Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, Centro de Direito da Família, 2ª ed. revista, Coimbra Editora, 2007, p. 42, que a obrigação de alimentos pressupõe a existência de um credor de alimentos e de um devedor de alimentos, constituindo, desta forma, uma prestação de conteúdo patrimonial e não uma prestação “inestimável” ou não avaliável em dinheiro; tal patrimonialidade da prestação visa prover ao sustento do credor. Acresce que, a variabilidade da obrigação de alimentos (característica que lhe é inerente: cfr. Ana Leal, in ob. cit., p. 13; e Remédio Marques, in ob. cit. p. 103) – ou seja, a possibilidade de a mesma vir a cessar ou vir a ser alterado o respectivo quantum - depende de um conjunto de circunstâncias respeitantes, nomeadamente, às possibilidades económicas/patrimoniais do devedor/credor da obrigação – cfr., respectivamente, art.º 2013, nº 1, als. b) e c) e art.º 2012º, ambos do Cód. Civil. Considerando esta característica de patrimonialidade e que o objecto desta acção é a cessação da obrigação pecuniária de prestações mensais de que actualmente o Autor é devedor, com fundamento na alegada impossibilidade patrimonial de a continuar a cumprir, afigura-se-nos, de forma manifesta, que a instauração desta acção consubstancia um acto de administração do património - ao contrário do entendimento da apelante. Ora, como bem refere a decisão recorrida - entendimento que aqui subscrevemos - “Tendo a sentença de inabilitação apenas deixado na disponibilidade do inabilitado o poder de movimentar as quantias monetárias que a curadora entenda por adequadas e suficientes para aquele fazer face às despesas ordinárias da sua vida corrente, todos os restantes actos de gestão do património do inabilitado CA cabem nos poderes de administração do seu património que foram entregues à curadora nomeada pelo Tribunal (a sua irmã, HAM). Logo, pode – e deve – a mesma representar o A. nesta acção, por se inserir na categoria de actos para os quais a mesma dispõe de poderes de representação do seu irmão CA. Assim se conclui que o A. se encontra o A. devidamente representado em Juízo pela respectiva curadora/acompanhante”. Quanto à legitimidade, e ao contrário do invocado pela apelante, parte activa no processo é o Autor CA; a curadora/acompanhante do Autor, HAM, não é parte no processo, actua como representante daquele, sendo certo que, como é sabido, é em relação ao representado que se afere a legitimidade processual, pelo que quem pode ser parte legítima ou ilegítima é apenas o representado. Ora, no caso dos autos, e face ao alegado na petição inicial, o Autor (representado, como se viu, pela sua curadora/acompanhante) é parte legítima, uma vez que tem interesse directo em demandar a Ré, nos termos do art.º 30º, nºs 1, 2 e 3 do Cód. Proc. Civil - tal como o entendeu o tribunal a quo. Desta forma, improcede a apelação nesta parte, mantendo-se a decisão recorrida. O que se decide. * 3 – Suspensão da instância por falta de autorização do tribunal para a representante do Autor intentar a presente acção: Na contestação, a Ré invoca a necessidade de autorização do tribunal para a curadora/acompanhante do Autor, como representante deste, intentar a presente acção, nos termos do art.º 1938º, nº 1, al. e), ex vi do art.º 145º, nº 4, ambos do Cód. Civil, o que importaria a suspensão da instância, de acordo com o disposto no art.º 1940º, nº 3 do mesmo diploma. O tribunal a quo pronunciou-se sobre esta questão da seguinte forma: “Uma questão prévia se impõe, contudo, apreciar: o pedido de suspensão da instância formulado pela R., por entender que a curadora/acompanhante carece de prévia autorização do tribunal para instaurar a presente acção, nos termos do art.º 1938.º, n.º 1, al. e) do Código Civil. Dispõe este preceito legal que: “O tutor, como representante do pupilo, necessita de autorização do tribunal: (…) Para intentar acções, salvo as destinadas à cobrança de prestações periódicas e aquelas cuja demora possa causar prejuízo.” Se o tutor intentar alguma acção em contravenção do disposto na alínea e) do n.º 1 do artigo 1938.º, determina o n.º 3 do art.º 1940.º do CC que o tribunal ordene oficiosamente a suspensão da instância, depois da citação, até que seja concedida a autorização necessária. A curadora do A., agora acompanhante, é a representante daquele nos actos relativos aos bens cuja administração lhe pertença, por força do disposto nos termos conjugados dos art.ºs 145.º, n.º 5 e 1971.º, n.º s 1 e 2 do CC. Logo, podia a mesma outorgar a procuração que juntou aos autos e instaurar a presente acção, sem carecer de prévia autorização para o efeito, uma vez que a eventual procedência da acção não onera o património do inabitado/acompanhado, e antes o desonera do cumprimento de uma obrigação susceptível de diminuir esse património. Por conseguinte, tal como a acção foi configurada pelo A., a demora na instauração da acção é susceptível de causar prejuízo ao património do A. Face ao exposto, e não se verificando nenhuma das demais situações previstas no art.º 1938.º do CC, conjugado com o n.º 1 do art.º 1889.º do mesmo diploma legal, inexiste fundamento para a suspensão da instância pretendida pela R., a qual se indefere.” Apreciemos. A Lei nº 49/2018, de 14/08, criou o regime jurídico do maior acompanhado, eliminando os institutos da interdição e da inabilitação previstos no Código Civil, aprovado pelo Decreto-Lei nº 47.344, de 25/11/1966. A inabilitação do Autor foi decretada antes do início da vigência daquele regime jurídico, pelo que, por força do nº 6 do art.º 26º da mencionada Lei nº 49/2018, de 14/08, aplica-se o regime do maior acompanhado, cabendo à irmã do Autor, ora acompanhante (cfr. nº 7 deste último preceito), autorizar os actos antes submetidos à aprovação do curador. O regime do maior acompanhado consta dos art.ºs 138º a 156º do Cód. Civil, complementados pelo regime da tutela (cfr. art.ºs 1921º a 1972º do Cód. Civil). Enuncia o art.º 145º do Cód. Civil (com a epígrafe “Âmbito e conteúdo do acompanhamento”), no seu nº 4, que: “A representação legal segue o regime da tutela, com as adaptações necessárias, podendo o tribunal dispensar a constituição do conselho de família.”. Por sua vez, de acordo com o disposto na al. e) do nº 1 do art.º 1938º do Cód. Civil (com a epígrafe “Actos dependentes de autorização do tribunal”): o tutor, como representante do pupilo, necessita de autorização do tribunal para “intentar acções, salvas as destinadas à cobrança de prestações periódicas e aquelas cuja demora possa causar prejuízo”. Quanto às situações excepcionais contempladas na parte final desta al. e) do nº 1 do art.º 1938º do Cód. Civil (“salvas …”), faz-se notar no Acórdão do TRL de 03/12/2020, Relatora Laurinda Gemas, acessível em www.dgsi.pt, que tal previsão normativa “não se circunscreve à cobrança coerciva de prestações, ou seja, não se reporta apenas a ações executivas; tão pouco se referindo, ao contrário do que sucede em outros preceitos legais do Código Civil, apenas aos procedimentos cautelares (cf. artigos 90.º e 94.º, n.º 2, do CC), muito menos exigindo que o prejuízo em causa seja irreparável ou “dificilmente reparável” (cf. art.º 362.º, n.º 1, do CPC).”. Considerou o tribunal a quo, na decisão recorrida, estarmos perante uma destas situações excepcionais em que a demora na instauração da acção é susceptível de causar prejuízo ao património do Autor, donde a desnecessidade de obtenção da autorização judicial em referência. Para apreciarmos se assim é, importa atentar no pedido e na factualidade alegada na Petição Inicial, “ainda que se possa mostrar controvertida, não apenas porque logicamente assim se impõe, uma vez que se está perante um pressuposto processual, mas também por aplicação analógica do art.º 30.º, n.º 3, do CPC” (cfr. citado Acórdão do TRL de 03/12/2020). No caso dos autos, a pretensão do Autor é a cessação de uma obrigação pecuniária que onera, mensalmente, o seu património, no valor de € 204,90, invocando, para o efeito [para além do carácter subsidiário e temporário do direito a alimentos entre ex-cônjuges no seguimento do divórcio, o qual está subordinado ao princípio da auto-suficiência de cada um, devendo cada cônjuge “prover à sua subsistência” (cfr. infra)], a impossibilidade económica para continuar, mensalmente, a suportar tal encargo, atendendo às suas actuais condições de vida, bem diversas das existentes na data de fixação daquela obrigação pecuniária. Perante este circunstancialismo fáctico, afigura-se-nos ser provável que possam advir para o Autor prejuízos decorrentes da demora processual. Na verdade, face às despesas/rendimentos mensais do Autor alegadas na petição inicial e que o mesmo pretende desonerar-se de uma prestação mensal de €204,90 (como resulta do pedido que formula), é de antever que poderá ficar prejudicado se tardar a obter a decisão que almeja. Pelo exposto, consideramos estar verificada a situação excepcional prevista na 2ª parte da al. e) do nº 1 do art.º 1938º do Cód. Civil (acção cuja demora possa causar prejuízo), o que legitima a ausência de autorização judicial para intentar a acção, tal como entendeu o tribunal a quo. Desta forma, improcede a apelação nesta parte, mantendo-se a decisão recorrida. O que se decide. * B) Quanto à sentença proferida 1º - Invocada nulidade da sentença: Invoca a Ré/apelante, nos termos da segunda parte da al. d) do nº 1 do art.º 615º do Cód. Proc. Civil, a nulidade da decisão recorrida por excesso de pronúncia por se ter pronunciado – elencando-a, inclusive, nas “Questões a resolver” – sobre a questão de saber se a Ré “tem condições para prover à sua própria subsistência”, sendo certo que o Autor não suscitou, como causa de pedir, o fundamento legal de cessação da obrigação de alimentos previsto na segunda parte da al. b) do nº 1 do art.º 2013º do Cód. Civil (aquele que recebe os alimentos deixe de precisar deles), nem alegou factos a esse propósito, nomeadamente, os factos dados como provados nos pontos 69) a 96), respeitantes à situação financeira e patrimonial actual da Ré e dos seus filhos. Donde, a sentença recorrida, ao conhecer daquela questão (a Ré “tem condições para prover à sua própria subsistência”) e ao conhecer os mencionados factos, atinentes a essa questão, “violou o princípio do dispositivo, e incorreu em pronúncia indevida, que constitui causa de nulidade da mesma”. O Autor/apelado pronunciou-se sobre a inexistência daquela nulidade, considerando que: na petição inicial, pediu a cessação da obrigação de pagar alimentos por, entretanto, ter deixado de poder continuar a pagá-los, atento o aumento substancial das suas despesas, tendo alegado, relativamente à Ré e à sua situação patrimonial: o facto de a mesma residir na casa doada ao filho pelo ex-casal e da qual tem o usufruto vitalício; a probabilidade de a Ré estar a auferir uma reforma; e a Ré ter quatro filhos para a ajudarem em caso de necessidade, considerando o facto dos alimentos terem um carácter subsidiário e temporário; e, na contestação, a Ré excepcionou a necessidade de continuar a receber alimentos do Autor, alegando factos referentes aos seus rendimentos e às suas despesas – sendo sobre esta questão e estes factos que o tribunal a quo se pronunciou. Tendo sido invocada nulidade da sentença, deveria a mesma ter sido apreciada pela Mmª Juiz a quo no próprio despacho em que se pronunciou sobre a admissibilidade do recurso (cfr. nº 1 do art.º 617º do Cód. Proc. Civil) – o que não fez, como resulta do despacho proferido em 20/04/2023, sob a Referência Citius nº 143904076. Omitida tal pronúncia, pode o relator do acórdão a proferir pelo Tribunal da Relação, “se o entender indispensável, mandar baixar o processo para que” tal omissão seja suprida, de acordo com o disposto no nº 5 do citado art.º 617º do Cód. Proc. Civil. Porém, no caso em apreço, considera-se que tal pronúncia é de dispensar, pelo que se passa, de imediato, a apreciar a invocada nulidade. As decisões judiciais podem estar feridas na sua eficácia ou validade por duas ordens de razões: por erro (material) de julgamento (quer dos factos, quer de direito), sendo a respectiva consequência a sua revogação; por violação das regras próprias da sua elaboração e estruturação ou das que delimitam o respectivo conteúdo e limites do poder ao abrigo do qual são decretadas, que determinam a sua nulidade, nos termos do art.º 615º do Cód. Proc. Civil. Os fundamentos determinativos de nulidade da sentença encontram-se taxativamente enunciados no referido art.º 615º do Cód. Proc. Civil e reportam-se a vícios puramente intrínsecos e formais desta peça processual, relativos à estrutura ou aos limites, ou seja, à actividade de construção da própria sentença. Trata-se de vícios que “afetam formalmente a sentença e provocam a dúvida sobre a sua autenticidade, como é o caso da falta de assinatura do juiz, ou a ininteligibilidade do discurso decisório por ausência total de explicação da razão por que se decide de determinada maneira (falta de fundamentação), quer porque essa explicação conduzir logicamente a resultado oposto do adotado (contradição entre os fundamentos e a decisão), ou uso ilegítimo do poder jurisdicional em virtude de pretender resolver questões de que não podia conhecer (excesso de pronúncia) ou não tratar de questões que deveria conhecer (omissão de pronúncia)” - Abílio Neto, in “Novo Código de Processo Civil Anotado”, 2ª ed., Janeiro de 2014, p. 734. Por sua vez, os erros de julgamento (error in judicando) respeitam a erros quanto ao julgamento da matéria de facto ou quanto à decisão de mérito explanada na sentença, decorrentes de uma deficiente análise crítica das provas produzidas (error facti) ou de uma deficiente aplicação do direito, ou seja, uma deficiente enunciação e/ou interpretação dos institutos jurídicos aplicados ao caso concreto (error juris), sendo que, esses erros, por não respeitarem já a defeitos que afectam a própria estrutura da sentença (vícios formais), nem aos limites do poder à sombra da qual a sentença é proferida, mas à matéria de facto nela julgada provada ou não provada ou ao mérito da relação controvertida nela apreciada, não a inquinam de invalidade, mas antes de error in judicando, atacáveis em via de recurso – Acórdão do STJ de 08/03/2001, Ferreira Ramos, acessível em www.dgsi.pt. Nos termos do disposto no art.º 615º, nº 1, al. d) do Cód. Proc. Civil, a sentença é nula quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento. Esta nulidade consubstancia a sanção para a violação do dever processual previsto no art.º 608º, nº 2 do Cód. Proc. Civil, que determina que o julgador na sentença (e nos próprios despachos: cfr. art.º 613º, nº 3 do Cód. Proc. Civil) “deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras”, não podendo “ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras.” O excesso de pronúncia ocorre quando o juiz se ocupa de questões que as partes não tenham suscitado, sendo estas questões os pontos de facto ou de direito relativos à causa de pedir e ao pedido, que centram o objecto do litígio. Conforme se refere no Acórdão do STJ de 06/12/2012, Relator João Bernardo, à luz do princípio do dispositivo, há excesso de pronúncia sempre que a causa do julgado não se identifique com a causa de pedir ou o julgado não coincida com o pedido, não podendo o julgador condenar, além do pedido, nem considerar a causa de pedir que não tenha sido invocada. Contudo, como é enunciado no Acórdão do STJ de 15/12/2011, Relator Pereira Rodrigues, quando o tribunal, para decidir as questões postas pelas partes, usar de razões ou fundamentos não invocados pelas mesmas, não está a conhecer de questão de que não deve conhecer ou a usar de excesso de pronúncia susceptível de integrar nulidade. A não concordância da parte com a subsunção dos factos às normas jurídicas e/ou com a decisão sobre a matéria de facto de modo algum configuram causa de nulidade da sentença – Acórdão do TRL de 17/05/2012, Relator Gilberto Jorge – acórdãos todos acessíveis em www.dgsi.pt. Neste processo, o Autor peticiona a cessação da obrigação de alimentos que se encontra judicialmente vinculado a pagar à Ré, invocando na petição inicial: (i) que deixou de ter possibilidades económicas para continuar a prestar à Ré os alimentos fixados, concretizando este fundamento nos factos que alega nos art.ºs 7º a 14º e 17º da P.I. e estribando-os nos art.ºs 2004º, nº 1 e 2013º, nº 1, al. b) do Cód. Civil (v.d. art.ºs 18º e 19º e parte final da P.I.); (ii) “o carácter subsidiário e temporário do direito a alimentos entre ex-cônjuges no seguimento do divórcio, o qual está subordinado ao princípio da auto-suficiência de cada um, devendo cada cônjuge “prover à sua subsistência”, concretizando este fundamento nos factos que alega nos art.ºs 15º [“A R. por sua vez, vive na casa que A. e R. doaram ao filho comum, da qual tem o usufruto vitalício, residindo com o mesmo, tendo ainda mais três filhos a quem poderá recorrer caso necessite de alimentos”] e 16º [“O A. estima que a R. se tenha entretanto reformado, desconhecendo o valor que aufere de reforma”] da P.I. e estribando-o no art.º 2016º, nº 1 do Cód. Civil (v.d. art.º 20º e parte final da P.I.). Na contestação, a Ré deduz impugnação motivada: (i) impugnando os factos alegados na petição inicial quanto às actuais condições económicas do Autor (art.º 19º da Contestação); (ii) pronunciando-se “quanto à capacidade do alimentante”, alegando factos que, no seu entender, permitem a conclusão que o Autor tem uma capacidade financeira superior à invocada e que a alegada alteração da vida daquele “resultou de uma escolha desacertada” “da sua curadora que contraiu uma obrigação de pagamento bem sabendo que” o Autor “não poderia cumprir” (art.ºs 22º a 46º da Contestação); (iii) pronunciando-se sobre a “necessidade da alimentada”, alegando factos que, no seu entender, permitem as seguintes conclusões: “as necessidades da alimentada, pese embora ter granjeado proventos para o seu sustento, são, no presente momento, aflitivas face à exiguidade ou mesmo inexistência de qualquer outro rendimento para prover a sua subsistência” (art.º 55º da Contestação); as necessidades da Ré “não se alteraram, desde a fixação dos alimentos, e se tal ocorreu foi no sentido do agravamento das necessidades e não na sua diminuição, sendo a pensão alimentícia fixada indispensável ao sustento da alimentada” (art.º 56º da Contestação); os factos, que sustentam estas conclusões, são alegados pela Ré nos art.ºs 47º a 54º da Contestação, com o seguinte teor: “47º A R., desde a data do divórcio, tem mantido uma vida laboral ativa, com alguns interregnos resultantes de cessações de contratos de trabalho, sendo que ultimamente auferia o subsídio de desemprego de 380 €mensais, aproximadamente, encontrando-se inscrita no centro de emprego e tendo o subsídio em causa cessado em 1/5/2021”; “48º A partir dessa data, por ter atingido as condições legais de acesso, designadamente a idade da reforma, a R. irá auferir uma pensão por velhice em montante estimado de 300€”; “49º A R. vive com graves dificuldades económicas, acentuadas com a crise pandémica em curso e com a interrupção do recebimento da pensão de alimentos ocorrida em Março deste ano. 50º Pese embora não tenha encargos com a habitação, a R. tem de suportar as despesas da sua alimentação, dos serviços comuns essenciais prestados em sua casa (água, eletricidade, gás, comunicações), dos medicamentos, condomínio, etc. que no seu computo, em média, atingem cerca de 600€ mensais. 51º A R. Não aufere qualquer outro rendimento que não o subsídio de desemprego, ora cessado, e a prestação de alimentos paga pelo seu ex-marido aqui em causa. 52º Não obstante habitar com a R., o filho da mesma e do alimentante, JSA, encontra-se, atualmente, desempregado, não auxiliando com qualquer valor para as despesas da casa. 53º Devido às dificuldades financeiras da R., a mesma não tem conseguido pagar atempadamente o custo dos serviços essenciais, e por isso, teve de negociar um plano de pagamento prestacional com o SMAS – (…) – para pagamento de uma divida acumulada de fornecimento de água de 394,99€, encontrando-se em dívida, para além desse montante, o valor de 324,88€”; “54º Devido a tais dificuldades, a R. tem pendentes várias facturas de fornecimento de gás na sua habitação, tendo já recebido aviso de corte.”. Perante a descrita factualidade alegada pelo Autor na petição inicial e pela Ré na contestação, em conjugação com os fundamentos jurídicos em que o Autor alicerça a sua pretensão de cessação de alimentos – não só na impossibilidade de continuar a prestá-los, como, ainda, no “carácter subsidiário e temporário do direito a alimentos entre ex-cônjuges no seguimento do divórcio, o qual está subordinado ao princípio da auto-suficiência de cada um, devendo cada cônjuge prover à sua subsistência (art.º 2016º. nº. 1 do CC.)” – é cristalino que o tribunal a quo se moveu nos estritos limites do objecto da causa e, ao pronunciar-se – como se pronunciou - sobre a questão de saber se a Ré “tem condições para prover à sua subsistência” (fazendo-o à luz da qualificação jurídica que considerou pertinente, uma vez que, nos termos do disposto no art.º 5º, nº 3 do Cód. Proc. Civil, não estava sujeito às alegações das partes no que respeita à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito), não só não se excedeu na pronúncia, como, pelo contrário, apreciou e resolveu a concreta questão em referência que as partes tinham submetido à sua apreciação (o Autor porque a invocou; a Ré porque a impugnou motivadamente, sustentando, inclusive, de forma expressa a sua incapacidade de prover ao seu sustento, com base no amplo rol de factos que alegou nos art.ºs 47º a 54º da Contestação quanto à sua actual capacidade económica), respeitando, a este propósito, na íntegra, toda a estipulação do art.º 608º, nº 2 do Cód. Proc. Civil. Acresce que, ao longo do processo, quer em fase de enunciação dos temas da prova (art.º 596º, nº 1 do Cód. Proc. Civil), quer em fase de instrução probatória (art.º 410º do Cód. Proc. Civil), foi sempre linear e incontroverso que a questão de saber se a Ré “tem condições para prover à sua subsistência” estava em apreciação nos autos e que os factos pertinentes a essa questão eram relevantes à decisão e objecto de prova e respectivo contraditório, como aconteceu. Com efeito, vejamos. a) no despacho proferido em 11/02/2022 (Referência Citius nº 135570794), o tribunal a quo procedeu à enunciação dos temas da prova (art.º 596º, nº 1 do Cód. Proc. Civil), tendo especificado, como temas da prova, factos respeitantes, precisamente, à situação económica/financeira da Ré e dos seus filhos, nomeadamente, sob os pontos 20. a 23. [respectivamente: “Despesas suportadas pela R.”; “Se os filhos da R. lhe podem prestar alimentos”; “Se a R. se reformou e, na afirmativa, quando”; “Rendimentos auferidos pela R., nomeadamente o valor da sua pensão de reforma”] e 28. a 35. [respectivamente: “Se a R. tem trabalhado desde a data do divórcio”; “Valor recebido pela R. a título de subsídio de desemprego e período abrangido”; “Se a A. vive com um filho comum das partes que se encontra desempregado”; “Se esse filho não auxilia com qualquer valor para as despesas da casa”; “Devido a dificuldades financeiras, a R. não tem conseguido pagar atempadamente o custo dos consumos de água e gás na habitação onde vive”; “Por essa razão tendo negociado um plano de pagamento prestacional com o SMAS para pagamento de uma dívida acumulada de fornecimento de água de 394,99€”; “Se a R. tem uma outra dívida de fornecimento de água e de que valor”; “Se a R. recebeu um aviso de corte de fornecimento de gás por falta de pagamento.”]; b) no despacho aludido em a), sob a epígrafe “Diligências de prova”, o tribunal a quo ordenou diligência de prova tendo por objecto averiguar quais os rendimentos/pensões/subsídios auferidos pela Ré; c) na Audiência Prévia realizada em 30/06/2021, o Ilustre Patrono da Ré afirmou: “- A requerida não tem quaisquer rendimentos; (…) - A requerida esteve seis anos sem fazer descontos para a Segurança Social porque esteve a cuidar da sua sogra.” d) nas IIIª, IVª e Vª partes do despacho proferido em 28/04/2022 (Referência Citius nº 137157634), o tribunal a quo ordenou diligências de prova tendo por objecto averiguar: os rendimentos/subsídios auferidos pela Ré ao longo dos anos; a identificação dos filhos da Ré e os rendimentos auferidos pelos mesmos ao longo dos anos; e) nas IIIª e IVª partes do despacho proferido em 24/05/2022 (Referência Citius nº 137719892); na Iª parte do despacho proferido em 07/06/2022 (Referência Citius nº 138059372); e na IVª parte do despacho proferido em 09/09/2022 (Referência Citius nº 139340997), o tribunal a quo ordenou diligências de prova tendo por objecto averiguar a identificação dos filhos da Ré e os rendimentos auferidos pelos mesmos ao longo dos anos; f) na IIIª parte do despacho proferido em 31/10/2022 (Referência Citius nº 140495640), o tribunal a quo determinou a notificação de ambas as partes para juntarem aos autos cópias das suas declarações de rendimentos e respectiva nota de liquidação dos anos de 2013, 2020 e 2021; g) no despacho proferido na sessão de audiência final de 23/11/2022, o tribunal a quo admitiu a junção de documentos apresentados pela Ré para prova dos seus rendimentos/despesas h) a matéria atinente às condições económicas da Ré foi objecto de produção de prova testemunhal em sede de audiência final, nomeadamente, das testemunhas da própria Ré, PH e SC. Note-se, ainda, que, a Ré não deduziu oportuna reclamação da inclusão nos temas de prova dos pontos mencionados supra em a) - nº 2 do art.º 596º do Cód. Proc. Civil; e foi devidamente notificada dos aludidos despachos, bem como do resultado das diligências de prova aí ordenadas, e de nada recorreu/reclamou, sendo certo, ainda, que esteve presente na sessão de audiência final onde foi produzida a prova testemunhal aludida supra em h). Pelo exposto, não se verifica a nulidade da decisão recorrida prevista no citado art.º 615º, nº 1, al. d), 2ª parte, do Cód. Proc. Civil, improcedendo, pois, nesta parte, a pretensão da apelante. O que se decide. * 2º Impugnação da matéria de facto: Nos termos do disposto no art.º 662º, nº 1 do Cód. Proc. Civil: “A Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa”. Resulta do art.º 640º, nºs 1 e 2 do Cód. Proc. Civil, como é entendimento pacífico da Doutrina e da Jurisprudência, a consagração do ónus de fundamentação da discordância quanto à decisão de facto proferida, devendo ser fundamentados os pontos da divergência, o que implica a análise crítica da valoração da prova feita em primeira instância, abarcando a totalidade da prova produzida. O que significa que a impugnação da decisão sobre a matéria de facto tem como objectivo colocar em crise a decisão do tribunal recorrido, quanto aos seus argumentos e ponderação dos elementos de prova em que se baseou. Tem também sido entendimento pacífico da Doutrina e Jurisprudência que, ao abrigo do disposto no art.º 662º do Cód. Proc. Civil, a Relação goza dos mesmos poderes de apreciação da prova do que a 1ª instância, por forma a garantir um segundo grau de jurisdição em matéria de facto. Por isto, a Relação deve apreciar a prova e sindicar a formação da convicção do juiz, analisando o processo lógico da decisão e recorrendo às regras de experiência comum e demais princípios da livre apreciação da prova, reexaminando as provas indicadas pelo recorrente, pelo recorrido, na fundamentação da decisão sobre a matéria de facto e/ou aquelas que se mostrem acessíveis, por constarem do processo, independentemente da sua proveniência (cfr. art.º 413º do Cód. Proc. Civil). O que significa que a Relação procede a uma apreciação autónoma da prova impugnada, competindo-lhe formar e formular a sua própria/autónoma convicção (que poderá coincidir, ou não, com a formada em primeira instância), assim se assegurando o duplo grau de jurisdição relativamente à matéria de facto. Acresce que, pese embora recaía sobre o recorrente o ónus de indicar os concretos pontos da matéria de facto que entende deverem ser alterados e o sentido de tal alteração, desde que se mostrem cumpridos os requisitos formais que constam do art.º 640º do Cód. Proc. Civil, a Relação não está vinculada a optar entre alterar a decisão no sentido defendido pelo recorrente ou manter a mesma tal como se encontra, dispondo de inteira liberdade para apreciar a prova, balizada pelos mesmos princípios e limites a que a 1ª instância se acha vinculada (com excepção dos aspectos intrínsecos à imediação e à oralidade). Desta forma, poderá o Tribunal da Relação confirmar a decisão, decidir em sentido contrário ou, mesmo, alterar a decisão no sentido restritivo ou explicativo - cfr., neste sentido, nomeadamente, António Santos Abrantes Geraldes, in “Recursos no Novo Código de Processo Civil”, 5ª ed., 2018, Almedina, p. 283 e ss. Como é sabido, com excepção das situações da chamada prova legal, isto é, das situações em que para a prova de um determinado facto a lei exige um específico meio de prova ou impede que o mesmo possa ser provado mediante certos meios de prova – que o legislador presume serem mais falíveis e inseguros –, vigora o sistema da liberdade de julgamento ou da prova livre (cfr. nº 5 do art.º 607º do Cód. Proc. Civil). Neste sistema, o tribunal aprecia livremente os meios de prova, atribuindo, pois, a cada um o valor probatório que julgue conforme a uma apreciação crítica do mesmo (à luz das regras da experiência, da lógica e da ciência), não estando esse valor probatório prévia e legalmente fixado. Como refere Miguel Teixeira de Sousa, in “As partes, o Objecto e a Prova na Acção Declarativa”, Lex-Edições Jurídicas, 1995, p. 238: “o valor a conceder à prova realizada através dos meios de prova não está legalmente prefixado, antes depende da convicção que o julgador formar sobre a actividade probatória.”. No mesmo sentido, cfr., ainda, Antunes Varela, J. Miguel Bezerra, Sampaio e Nora, in ob. citada, p. 660-661; e J. Lebre de Freitas, A. Montalvão, R. Pinto, in “CPC anotado”, II volume, p. 635-636. Passemos, então, à luz destas considerações, à apreciação do caso dos autos. Quanto aos factos dados como provados e não provados na sentença recorrida, como resulta das alegações e conclusões do recurso, a apelante deu cumprimento, de forma minimamente suficiente, ao referido ónus de fundamentação da sua discordância nos termos do citado art.º 640º, nº 1 do Cód. Proc. Civil, pelo que, cumpre apreciar do respectivo mérito. Entende a apelante que os factos provados sob o nº 75. [“O filho da Ré, JCM, trabalha, mediante o vencimento mensal de 1.200€, a título de remuneração-base, acrescido de 100€ de duodécimos de subsídio de Natal e de 100€ de duodécimos de subsídio de férias”] devem ser excluídos por a pessoa ali mencionada não ser filha da Ré. Nas contra-alegações, o apelado nada disse a este respeito. O tribunal a quo, após a prolação da decisão recorrida e a apresentação das alegações e contra-alegações de recurso, proferiu despacho (Referência Citius nº 143904076), que decidiu sob o ponto I: “Por constatar que a sentença proferida nos autos padece de manifesto lapso material, e ao abrigo do art.º 614.º, n.º 1 do CPC, determino a eliminação do facto n.º 75, por ter ocorrido lapso na identificação do indivíduo ali mencionado, o qual não é filho da R.”. Notificadas deste despacho, as partes nada alegaram (art.º 614º, nº 2 do Cód. Proc. Civil). Constata-se, assim, que o tribunal a quo rectificou a sentença recorrida nesta parte, eliminando o facto provado nº 75, tal como era pretensão da apelante, constituindo esta correcção da sentença complemento e parte integrante da mesma por aplicação analógica do art.º 617º, nº 2 do Cód. Proc. Civil (neste sentido, António Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, in “Código de Processo Civil Anotado Parte Geral e Processo de Declaração”, Vol. I, Almedina, 2019, Reimpressão, p. 735). Donde, tendo sido eliminado o facto provado nº 75 ainda pelo tribunal a quo, resta aqui - e pelos motivos invocados no aludido despacho do tribunal de 1ª instância, consonantes, aliás, com os invocados pela apelante em sede deste recurso - confirmar esta exclusão. O que se decide. * Entende a apelante que os factos provados sob o nº 68. [“O Autor auferiu um rendimento global, para efeitos de IRS, de 21.567,08€, em 2013; 15.294,30€, em 2019; 15.380,26€, em 2020; 15.380,26€, em 2021”] devem ser alterados, passando a ter a seguinte redacção: “Na demonstração de liquidação de IRS do ano de 2019 do A. consta como rendimento global o valor de 15.294,30€ No modelo 3 de declaração de rendimentos do A referente ao ano de 2013 consta como rendimentos das categorias A/H no quadro 4 do anexo A o valor de 21.567,08€ Na demonstração de liquidação de IRS do ano de 2013 do A. consta como rendimento global o valor de 2.1567,08€ No modelo 3 de declaração de rendimentos do A referente ao ano de 2020 consta como rendimentos das categorias A/H no quadro 4 A do anexo A o valor de 15.380,26€ e como rendimentos da categoria F no quadro 4.1 do anexo F o valor de 3.938€ e no campo F do anexo F do mesmo, foi aposta uma cruz na opção “ não “ à questão “ opta pelo englobamento dos rendimentos indicados nos quadros 4.1, 4.2, 4.3 e 5?” Na demonstração de liquidação de IRS do ano de 2020 do A. consta como rendimento global o valor de 15380,60€ No modelo 3 de declaração de rendimentos do A referente ao ano de 2021 consta como rendimentos das categorias A/H no quadro 4 A do anexo A o valor de 15380,26€ e como rendimentos da categoria F no quadro 4.1 do anexo F o valor de 1074 € e no campo F do anexo F do mesmo, foi aposta uma cruz na opção “ não “ à questão “ opta pelo englobamento dos rendimentos indicados nos quadros 4.1, 4.2, 4.3 e 5 ? “ Na demonstração de liquidação de IRS do ano de 2021 do A. consta como rendimento global o valor de 15380,60 €”. Alicerça esta pretensão nos seguintes documentos juntos aos autos: demonstração de liquidação do IRS do ano de 2019, junta pelo Autor como doc. 16 da P.I.; declaração de rendimentos IRS Modelo 3 respeitante ao ano de 2013; demonstração de liquidação de IRS do ano 2013; declaração de rendimentos IRS Modelo 3 respeitante ao ano de 2020; demonstração de liquidação de IRS do ano 2020; declaração de rendimentos IRS Modelo 3 respeitante ao ano de 2021; demonstração de liquidação de IRS do ano 2021, juntos como docs. nºs 1 a 6 do requerimento do Autor de 09/11/2022. Nas contra-alegações, o apelado sustenta a improcedência desta alteração, alegando que os rendimentos totais do Autor, quer na actualidade, quer os que auferia na data da fixação dos alimentos em 2013, foram correctamente apurados e estão devidamente provados no ponto 68. (relativamente ao rendimento ilíquido anual do Autor em 2013) e nos pontos 34., 35. e 53. (relativamente aos rendimentos ilíquidos mensais de 2022). Apreciemos. Se bem a compreendemos, a pretensão da apelante em referência é que, nos factos provados sob o nº 68., sejam discriminados todos os rendimentos auferidos pelo Autor nos anos ali mencionados (2013 e 2019 a 2021) constantes nas respectivas declaração de IRS, quer por categoria de rendimento (A/H e F), quer com a menção se existiu, ou não, opção “pelo englobamento” dos mesmos. Ora, pese embora se reconheça que, quer os rendimentos da categoria A/H (no caso, pensões), quer os rendimentos da categoria F (rendimentos prediais), recebidos pelo Autor ao longo dos anos, já resultem dos factos provados sob os nºs 34. (quanto à pensão de reforma), 35. (quanto ao “Complemento por Dependência”) e 44./47./53. (quanto à renda do imóvel), para melhor explicitar os rendimentos nos concretos anos referidos nos factos provados sob o nº 68. - que não coincidem, na íntegra, com os anos aludidos nos factos provados sob os nºs 34., 35., 44., 47. e 53. -, entende-se que tem razão a apelante, nesta sede. Assim, e porquanto tais factos resultam dos documentos juntos aos autos que aqui foram chamados à colação pela apelante [e nos quais o tribunal a quo fundamentou a sua decisão: cfr.al. a) da “Motivação” sobre a matéria de factos, a p. 13 da sentença recorrida], decide-se alterar a redacção dos factos provados sob o nº 68. em conformidade com o teor daqueles documentos, passando, tal redacção, a ser: “68. No Modelo 3 de Declaração de Rendimentos do A. referente ao ano de 2013, consta como rendimentos das categorias A/H, no quadro 4-A do Anexo A, o valor de 21.567,08€. Na Demonstração de Liquidação de IRS do ano de 2013 do A. consta como rendimento global o valor de 21.567,08€; Na Demonstração de Liquidação de IRS do ano de 2019 do A. consta como rendimento global o valor de 15.294,30€; No Modelo 3 de Declaração de Rendimentos do A. referente ao ano de 2020, consta como rendimentos das categorias A/H, no quadro 4A do Anexo A, o valor de 15.380,26€, e como rendimentos da categoria F, no quadro 4.1 do Anexo F, o valor de 3.938€, e, no campo F do Anexo F, foi aposta uma cruz na opção “Não” à questão “Opta pelo englobamento dos rendimentos indicados nos quadros 4.1, 4.2, 4.3 e 5?”. Na Demonstração de Liquidação de IRS do ano de 2020 do A. consta como rendimento global o valor de 15.380,60€; No Modelo 3 de Declaração de Rendimentos do A referente ao ano de 2021, consta como rendimentos das categorias A/H, no quadro 4A do Anexo A, o valor de 15.380,26€, e como rendimentos da categoria F, no quadro 4.1 do Anexo F, o valor de 1.074,00€, e, no campo F do Anexo F, foi aposta uma cruz na opção “Não” à questão “Opta pelo englobamento dos rendimentos indicados nos quadros 4.1, 4.2, 4.3 e 5?”. Na Demonstração de Liquidação de IRS do ano de 2021 do A. consta como rendimento global o valor de 15.380,26€”. * Entende a apelante que os factos provados sob o nº 49. [“A curadora do Autor chegou a colocar o imóvel à venda pelo preço de 125.000,00€”] devem ser alterados, passando a ter a seguinte redacção: “O imóvel referido no ponto 43 dos factos provados foi colocado à venda por 120.000,00€, após ter sido inicialmente avaliado em 125.000,00€ por parte dos agentes imobiliários e ter chegado a ser promovida a venda por tal valor, que, por não ter surgido interessado, a imobiliária sugeriu que baixassem para os referidos 120.000,00 €”. Fundamenta esta pretensão da seguinte forma: o tribunal a quo organizou os temas da prova incluindo como ponto 25º “Valor de mercado do imóvel referido no ponto 6 dos factos assentes”; e como ponto 26º “Se a curadora do A colocou o imóvel à venda pelo preço de 120.000 €”. Na sessão de audiência final ocorrida no dia 22/09/2022, a curadora do Autor prestou declarações de parte, tendo sido exarada, na respectiva Acta, assentada daquelas declarações na parte em que comportaram confissão do Autor, de acordo com o art.º 463º, nº 1 do Cód. Proc. Civil, nos seguintes termos: “Inquirida ao art.º 25 dos temas da prova, a legal representante do Autor declarou que o imóvel referido no ponto 6 dos factos assentes foi colocado à venda por 120.000,00€, após ter sido inicialmente avaliado em 125.000,00€ por parte dos agentes imobiliários e ter chegado a ser promovida a venda por tal valor, tendo esclarecido que, por não ter surgido interessado, a imobiliária sugeriu que baixassem para os referidos 120.000,00 €.”. Estas declarações consubstanciam confissão dos factos elencados como 25º e 26º dos temas da prova, confissão essa, que não foi contrariada por qualquer outro meio de prova. Nas contra-alegações, o apelado sustenta que a alteração pretendida “não só é irrelevante para a boa decisão da causa, como em nada altera o facto da casa ter sido colocada à venda pela curadora do A. pelo valor de 125.000,00 Euros”. Apreciemos. No despacho proferido em 11/02/2022 (Referência Citius nº 135570794), encontram-se especificados os seguintes temas da prova, com sublinhados nossos: “24.º Valor de mercado imóvel do A. referido no ponto 6. dos Factos Assentes; 25.º Se a curadora do A. colocou o imóvel à venda pelo preço de €120.000,00? 26.º Saldos das contas bancárias do A. no momento da instauração da acção de divórcio referida em 1. dos Factos Assentes;”. Da redacção destes temas de prova, conclui-se que o facto provado sob o nº 49. respeita unicamente à factualidade vertida no tema de prova nº 25. E, em consonância com as declarações de parte da curadora do Autor a este estrito tema de prova (cfr. assentada exarada na Acta da audiência final acima transcrita), que, nesta parte, consubstanciam confissão (enquanto declaração expressa de reconhecimento da realidade de um facto que lhe é desfavorável: art.º 352º do Código Civil), é de dar como assente que “A curadora do A. chegou a colocar o imóvel à venda pelo preço de €125.000,00, que, posteriormente, baixou para €120.000,00”, por melhor traduzir o ocorrido e confessado pela curadora do Autor. Desta forma, procede parcialmente a pretensão da apelante quanto aos factos provados sob o nº 49. (correspondentes ao tema de prova sob o nº 25), que passarão a ter a seguinte redacção: “A curadora do A. chegou a colocar o imóvel à venda pelo preço de €125.000,00, que, posteriormente, baixou para €120.000,00”. O que se decide. * Pretende a apelante que seja aditado aos factos provados que: “A R. nasceu em 1/11/1954”. Sustenta, para o efeito, que: a presente acção especial de cessação de alimentos foi apensa aos autos de divórcio do Autor e da Ré; nos autos de divórcio constam certidões de nascimento da Ré e de casamento da Ré com o Autor; resulta das mesmas que a Ré nasceu naquela data; trata-se de facto que o tribunal podia e devia ter conhecido, nos termos do art.º 5º, nº 2, al. c) do Cód. Proc. Civil, pois que o seu conhecimento resulta do exercício da sua função jurisdicional; a idade da Ré é um factor a ponderar na decisão de cessação dos alimentos de que a mesma beneficia; é de considerar que a Ré tem mais de 65 anos e uma idade muito próxima dos 70 anos; considerando o disposto no art.º 348º, nºs 1 e 2 do Código do Trabalho, o contrato de trabalho em vigor é muito precário e de duração diminuta, e sem direito a compensação financeira em caso de cessação, por força da Lei; se a precariedade decorrente da natureza daquele contrato de trabalho – temporário - já é relevante, mais premente se torna tal precaridade face à circunstância do mesmo ter-se iniciado após a reforma da Ré; e, as probabilidades de cessação legítima do mesmo, sem causa imputável à Ré, são enormes e deveriam ser ponderadas na decisão a tomar. Nas contra-alegações, o apelado sustenta que “tal facto não foi alegado nos articulados, não correspondendo à verdade que do processo de divórcio conste a certidão de nascimento da Ré, pelo que não se trata de um facto sobre o qual o tribunal podia e devia pronunciar-se”. Apreciemos. No despacho proferido em 11/02/2022 (Referência Citius nº 135570794), o tribunal a quo identificou como “Objecto do litígio”: “Saber se estão reunidos os pressupostos para a cessação da obrigação de alimentos a ex-conjuge”, tendo especificado como temas da prova, sob os pontos 20. a 23. e 28. a 35., factos respeitantes à actual situação económica/financeira da Ré e dos seus filhos (que supra, aquando da apreciação da alegada nulidade da sentença recorrida, já transcrevemos e para onde ora se remete). Nesta consonância, na decisão recorrida, o tribunal a quo enuncia – e bem (como vimos supra, na apreciação da alegada nulidade) – como uma das “Questões a resolver”: se a Ré “tem condições para prover à sua própria subsistência”. Considerando o objecto deste litígio, inclusive, nos precisos termos em que o mesmo foi identificado pelo tribunal a quo; a necessidade de apurar a actual situação de vida da Ré (conforme elencado como questão a resolver na decisão recorrida); e os concretos temas de prova enunciados a este respeito, afigura-se-nos que o facto respeitante à data de nascimento da Ré está abrangido quer por aquele objecto do litígio, quer nos temas de prova elencados, e é susceptível de relevar para a decisão da causa, de acordo com as diversas soluções plausíveis da questão de direito. Na IVª parte do despacho proferido em 09/09/2022 (Referência Citius nº 139340997), foram solicitadas informações à Segurança Social sobre quais os rendimentos/pensões/subsídios auferidos, nomeadamente, pela Ré. Nesta sequência, a Segurança Social enviou aos autos “Declaração”, contendo as solicitadas informações referentes à Ré, de onde consta, na 2ª linha, a “Data de nascimento” da Ré: “1954-11-01” – cfr. ofício junto em 21/09/2022, sob a Referência Citius nº 21792972. As partes foram notificadas desta “Declaração” na sessão de audiência final de 22/09/2022 (cfr. último parágrafo de fls. 2 da respectiva Acta), sendo certo, ainda, que o tribunal a quo atendeu a esta “Declaração” na motivação da decisão de facto que proferiu (cfr. parte final, al. d), de fls. 13 da sentença recorrida). Por todo o exposto, e constando a data de nascimento da Ré da referida “Declaração” emanada da Segurança Social, da qual foi dado oportuno conhecimento às partes, é de aditar a respectiva factualidade aos factos provados. Assim, decide-se aditar aos factos provados o nº 97., com o seguinte teor: “A Ré nasceu o dia 1 de Novembro de 1954”. * 3º Mérito da sentença recorrida: Pretende o Autor que a sua obrigação de pagar mensalmente à Ré a pensão de alimentos fixada judicialmente (na sentença que homologou o acordo obtido no processo de divórcio a que estes autos estão apensos) cesse, face à sua actual situação económica, nos termos dos art.ºs 2004º, nº 1 e 2013º, nº 1, al. b), ambos do Cód. Civil, e atento “o carácter subsidiário e temporário do direito a alimentos entre ex-cônjuges no seguimento do divórcio, o qual está subordinado ao princípio da auto-suficiência de cada um, devendo cada cônjuge “prover à sua subsistência”, de acordo com o disposto no art.º 2016º, nº 1 do Cód. Civil. A decisão recorrida entendeu que o Autor cumpriu o ónus, que lhe competia, de comprovar a verificação de circunstâncias supervenientes em relação ao momento em que os alimentos foram fixados em ordem a justificar a cessação, quer porque a sua situação económica se fragilizou (no sentido de terem aumentado as despesas mensais essenciais para a sua subsistência), quer atendendo à natureza temporária e excepcional do direito a alimentos por parte de ex-cônjuge, uma vez que, face à sua actual situação económica, a Ré já consegue prover à sua subsistência. A Ré/apelante insurge-se contra o assim decidido pela seguinte ordem de razões: a) não ficou demonstrada a impossibilidade económica do Autor de pagar a pensão de alimentos à Ré, uma vez que: - feito o confronto entre os rendimentos anuais líquidos do Autor auferidos “à data da interposição da presente acção,” (“18.735,46 €”) e as suas despesas anuais suportadas naquela data (“16.299,12 €”), “resulta um saldo positivo” de 2.436,34€”; não sendo credível, “atentas as regras da experiência da vida e da lógica, que, encontrando-se o A. internado desde Outubro num Lar – (…) – onde para além das despesas com a mensalidade e com cortes de cabelo, nada mais terá a pagar ( incluindo-se naquela mensalidade a alimentação do A. ), o A. tenha despesas anuais para além daquelas que se consideraram provadas , que consumissem tal saldo”; - feito o confronto entre os rendimentos anuais líquidos do Autor auferidos em 2022 (“19.975,26 €”) e as suas despesas anuais suportadas naquela data (“17.199,12 €”), “resulta um saldo positivo” de 2.776,14€”; - o Autor é proprietário de um imóvel que tem um valor de mercado de, pelo menos, €120.000,00; - o Autor era titular de uma conta de depósito a prazo na CGD com um saldo de €6.000,00, entretanto por si utilizado; b) atenta a “precariedade do” “vínculo laboral presente” da Ré e que “num futuro muito próximo, é de admitir como muito provável que à R. reste apenas como rendimento mensal a pensão por velhice de 346,79 €, valor” “insuficiente para suprir as suas necessidades básicas e correntes com os serviços essenciais, alimentação, higiene e saúde”. O Autor/apelado sustentou a sua impossibilidade económica para continuar a prover alimentos à Ré, face aos seus actuais rendimentos mensais (no valor líquido de €1.491,09) em confronto com as suas actuais despesas mensais (de €1.665,26), ao que acresce que, actualmente, a Ré aufere uma pensão de reforma e rendimentos do trabalho, conseguindo prover à sua subsistência. Apreciemos. Os princípios mais emblemáticos do regime dos alimentos entre ex-cônjuges, posteriormente ao divórcio, constam dos art.ºs 2016º e 2016º-A do Cód. Civil, em resultado da redacção introduzida pela Lei nº 61/2008, de 31 de Outubro, enquanto expressão da regra geral que atribui carácter excepcional ao direito a alimentos entre cônjuges, expressamente, limitado e de natureza subsidiária. Assim, muito embora o artigo 2016º do Cód. Civil, no seu nº 2, estatua que “qualquer dos cônjuges tem direito a alimentos, independentemente do tipo de divórcio”, o seu nº 3 afirma que esse direito “por razões manifestas de equidade…, pode ser negado”, depois de afirmar, no respectivo nº 1, que “cada cônjuge deve prover à sua subsistência, depois do divórcio”. O nº 1 do art.º 2016º-A do Cód. Civil define critérios objectivos para a definição do montante da prestação alimentar na sequência do divórcio ou da separação de bens; e, nos termos do nº 3 do mesmo preceito, o cônjuge credor não tem o direito de exigir a manutenção do padrão de vida de que beneficiou na constância do matrimónio. Deste modo, e como decorre da sequência dispositiva dos referidos art.ºs 2016º e 2016º-A, do Cód. Civil, a regra geral em matéria de alimentos entre ex-cônjuges depois do divórcio é a de que “cada cônjuge deve prover à sua subsistência”, sendo a excepção o direito a alimentos a que “qualquer dos cônjuges tem direito”, se “por razões manifestas de equidade” não lhe for negado. Ou seja, “pretende-se afirmar que o direito a alimentos não deve perdurar para sempre, competindo ao ex-cônjuge providenciar e esforçar-se pela angariação de meios de subsistência e não ficar dependente do outro ex-cônjuge e este, por sua vez, eternamente vinculado a essa obrigação” – Tomé d’Almeida Ramião, in “O Divórcio e Questões Conexas”, 3ª ed. , p. 91, apud e-book do CEJ “Divórcio e Responsabilidades Parentais - Guia Prático”, 2ª ed., p. 52, acessível em https://cej.justica.gov.pt/LinkClick.aspx?fileticket=0IQAxlhZW44%3d&portalid=30. O direito a alimentos após o divórcio visa apenas permitir a transição para a independência económica do ex-cônjuge que se encontra em situação de necessidade. Trata-se, por isso, de direito com um carácter temporário, não ficando o obrigado pela prestação responsável pelo futuro do alimentando. “A obrigação de alimentos subsiste pelo período de tempo suficientemente razoável para o alimentando se adaptar às suas novas circunstâncias de vida”. Nisto se traduz a função reabilitadora da obrigação de alimentos em causa - Maria João Romão Carreiro Vaz Tomé, in “Algumas reflexões sobre a obrigação de compensação e a obrigação de alimentos entre ex-cônjuges”, Estudos em homenagem a Heinrich Ewald Hörster, Almedina, Dezembro 2012, p. 445 a 458. Também a jurisprudência tem vindo, de forma consistente, a realçar o carácter excepcional e a natureza subsidiária e temporária do direito a alimentos entre ex-cônjuges, atenta a regra de que “cada cônjuge deve prover à sua subsistência” e de que “o direito a alimentos pode ser negado, por razões manifestas de equidade” e o facto de tal direito estar hoje desligado do conceito de culpa, dependendo apenas da verificação dos pressupostos gerais da necessidade e da possibilidade enunciados no art.º 2004º do Cód. Civil – cfr. Acórdãos do STJ de 23/10/2012, Relator Helder Roque; de 03/03/2016, Relatora Fernanda Isabel Pereira; e de 27/04/2017, Relatora Maria da Graça Trigo; Acórdão do TRL de 12/10/2017, Relator Pedro Martins; e, Acórdão do TRP de 07/10/2021, relatora Isoleta de Almeida Costa – todos, acessíveis em www.dgsi.pt. Por seu turno, a aludida menção a “razões manifestas de equidade” significa que, este dever de solidariedade pós-conjugal na vertente do direito a alimentos não se verificará, contudo, se “razões manifestas de equidade” levarem a negá-lo, o que acontecerá, de harmonia com a exposição de motivos do Projecto de Lei nº 509/X, se for “chocante onerar o outro com a obrigação correspondente”. Entende-se que as razões manifestas de equidade consistem em circunstâncias de acentuada relevância que tornem imperioso, segundo o sentir social, o afastamento daquele dever de solidariedade/dever assistencial. O art.º 2004º do Cód. Civil define a medida dos alimentos, determinando que os mesmos serão proporcionados aos meios daquele que houver de prestá-los e à necessidade daquele que houver de recebê-los, e que na sua fixação concreta se atenderá à possibilidade de o alimentando prover à sua subsistência. Dada a sua natureza temporária, os alimentos poderão ser alterados ou a sua prestação pode cessar desde que observados os requisitos dos art.ºs 2012º ou 2013º do Cód. Civil, respectivamente. Formulado pedido de cessação dos alimentos é sobre o obrigado que recai o ónus de alegar e de provar que, por virtude “de circunstâncias supervenientes, não está em condições de continuar a prestar os alimentos acordados, ou que o alimentando não carece de continuar a recebê-los”, nos termos do art.º 342º, nº 1 do Cód. Civil – neste sentido, v.d., por todos, Acórdãos do TRP de 15/04/2013, Relator Carlos Querido; e de 28/01/2021 Relatora Judite Pires; Acórdãos do TRG de 09/03/2017, Relatora Ana Cristina Duarte; e de 12/03/2020, Relator Alcides Rodrigues; e Acórdão do TRL de 09/11/2017, Relator Jorge Leal - todos, acessíveis em www.dgsi.pt. No caso dos autos, sufragamos a decisão recorrida na parte em que considera que o Autor demonstrou que, actualmente, não tem possibilidades económicas de continuar a prestar alimentos à Ré - ao contrário do alegado pela apelante. Senão, vejamos. Dos factos provados resulta que a situação pessoal e económica do Autor se agravou após a fixação da obrigação de prestar alimentos à Ré, pelo facto de ser portador de uma doença degenerativa do foro neurológico, de natureza permanente e irreversível, que o incapacitou para a normal administração do seu património, tendo sido declarado inabilitado e deixado de poder viver sozinho, tendo ingressado num lar. Resulta, ainda, da factualidade provada sob os nºs 34., 35., 43. e 53., respectivamente, que os rendimentos mensais actuais (e são estes, que são atendíveis: cfr. art.º 611º, nº 1 do Cód. Proc. Civil) do Autor são constituídos por: €1.107,45 (ilíquidos) de pensão de reforma + € 106,96 de Complemento por Dependência + €450,00 de renda do imóvel de que é proprietário, ou seja, um valor total ilíquido de € 1.664,41. A este valor mensal acresce, naturalmente, o valor da pensão de reforma e do Complemento por Dependência pagos mais duas vezes por ano, no valor total ilíquido de €2.428,82 [(€1.107,45 + €106,96) x 2], ou seja, no montante ilíquido médio mensal de €202,40 (€2.428,82 : 12). Donde, como média mensal, o Autor recebe um valor total ilíquido de € 1.866,81 (€1.664,41 + €202,40). Por outro lado, resulta da factualidade provada sob os nºs 16. a 18., 19., 22., 24. e 32., respectivamente, que as despesas mensais actuais (e são estas, que são atendíveis: cfr. art.º 611º, nº 1 do Cód. Proc. Civil) do Autor são constituídas por: €1.250,00 (mensalidade do Lar em que se encontra) + €20,32 (I.M.I.) + €30,00 (condomínio) + €30,00 (medicamentos); €5,37 (seguro da casa) + €15,57 (quota extra de condomínio) + €7,00 (corte de cabelo) + €75,00 (fraldas) + €232,00 [€58,00 (€45,00 + €13,00) x 4 , de deslocações e assistência a essas deslocações, que o Autor tem de fazer semanalmente ao hospital: factos provados sob os nºs 28. a 30], ou seja, um valor total de €1.667,26. Do confronto das actuais despesas fixas mensais (€1.667,26) com os actuais proventos médios mensais ilíquidos (€1.866,81), resulta evidente que o Autor não consegue fazer face a todas as suas despesas mensais (fixas e variáveis) com os proventos que recebe. Na verdade, note-se, a este respeito, que: (i) por um lado, aquele valor médio mensal de proventos (€1.866,81) é ilíquido, o que significa que o Autor não terá na sua disponibilidade todo aquele montante; (ii) e, por outro lado, àquele valor total das despesas fixas (€1.667,26), é necessário aditar as outras despesas mensais, de valor variável, que o Autor ainda suporta com produtos de higiene (factos provados sob o nº 19.), roupa e calçado (factos provados sob o nº 20.) e fisioterapia (factos provados sob o nº 21.), que não se podem considerar despiciendas ou de pequena monta - ao contrário do sustentado pela apelante. Deste enunciado, é bem patente que, sem pôr em causa a satisfação das despesas mínimas essenciais ao seu sustento e saúde, não tem o Autor possibilidades económicas de continuar a prestar à Ré uma pensão de alimentos no valor mensal de €204,90. Donde, a improcedência da argumentação da apelante em sentido contrário. Diga-se, ainda, que, tal como já se fez notar na decisão recorrida, estando a situação de saúde do Autor a deteriorar-se, como espelham os factos provados, “não é de excluir que venham a existir outras despesas com cuidados de saúde ou assistência medicamentosa, para o que importa que exista um rendimento disponível adequado a acautelar tais situações”, sendo certo, ainda, que as despesas do Autor “não são excessivas ou sumptuárias, mas antes fundamentais a um viver com um mínimo de dignidade”. A circunstância de o Autor ser titular de uma conta de depósito a prazo na CGD com um saldo de €6.000,00, não assume qualquer relevância para afastar a constatação da impossibilidade económica actual de o Autor continuar a prestar alimentos à Ré, uma vez que resulta da factualidade provada sob os nºs 7. e 64. a 67. que todos os valores depositados em contas bancárias do Autor foram usados para custear despesas deste. De igual forma, a circunstância de o Autor ser proprietário de um imóvel que tem um valor de mercado de, pelo menos, €120.000,00, não assume qualquer relevância para afastar a constatação da impossibilidade económica actual de o Autor continuar a prestar alimentos à Ré, uma vez que aquele imóvel encontra-se arrendado a terceiro, sendo a respectiva renda mensal um dos rendimentos recebidos pelo Autor, que o mesmo aloca ao pagamento das despesas inerentes à sua subsistência, como resulta do que acima deixámos dito. Ao contrário do que invoca a apelante, e como já vimos, o Autor alicerça a sua pretensão de cessação da obrigação de alimentos também no carácter subsidiário e temporário do direito a alimentos entre ex-cônjuges no seguimento do divórcio, o qual está subordinado ao princípio da auto-suficiência de cada um, devendo cada cônjuge “prover à sua subsistência”, de acordo com o disposto no art.º 2016º, nº 1 do Cód. Civil. A este respeito, a decisão recorrida conclui: “Ou seja, face aos rendimentos que a R. passou a auferir posteriormente à estipulação da pensão de alimentos - e que são bem superiores ao valor daquela -, a R. conseguiu adquirir autonomia financeira, já conseguindo prover à sua subsistência (não se podendo olvidar que vive com um filho maior de idade, que tem trabalhado pontualmente, e que, quando se encontra a trabalhar, a ajuda nas despesas da casa). Tendo o direito a alimentos por parte de ex-cônjuge natureza temporária e excepcional, destinando-se apenas a permitir uma reorganização da vida nos primeiros tempos subsequentes ao divórcio, e face à actual situação da R., que já consegue prover à sua subsistência, sendo certo que a mesma não tem uma das despesas com maior peso para a generalidade dos cidadãos, ou seja, com a sua habitação (porquanto ficou provado que à mesma foi atribuído o uso da casa de morada de família, sem qualquer contrapartida), deverá ser declarada cessada a obrigação de alimentos por parte do ex-cônjuge marido, ao abrigo do disposto pelo art.º 2013.º, n.º 1, al. b) do Código Civil.”. Considerando os factos provados sob os nºs 69. a 74. e 76. a 96., concordamos inteiramente com este entendimento, razão pela qual pouco mais nos resta que aderir ao mesmo, confirmando e subscrevendo, também nesta parte, a sentença recorrida (cfr. art.º 663º, nº 5 do Cód. Proc. Civil). Uma última palavra para fazer notar que, ao contrário do que parece entender a apelante, não é possível extrapolar da idade actual da Ré (factos provados sob o nº 97.) uma “precariedade do seu vínculo laboral presente” e que “num futuro muito próximo, é de admitir como muito provável que à R. reste apenas como rendimento mensal a pensão por velhice de 346,79€, valor” “insuficiente para suprir as suas necessidades básicas e correntes com os serviços essenciais, alimentação, higiene e saúde”. Na verdade, como resulta do que já deixámos dito, a obrigação de alimentos é estabelecida atendendo às actuais necessidades do credor e às actuais possibilidades do devedor, daí que a respectiva decisão seja proferida rebus sic stantibus: o surgir, o permanecer e o variar dos alimentos estão sempre ligados às situações subjectivas das respectivas partes - cfr. art.ºs 2004º, nº 1, 2013º, nº l, al. b) e 2016º, nº 1, todos do Cód. Civil. Donde, como é cristalino, relevante para a decisão dos autos é apenas a actual situação económica da Ré e, neste momento, a mesma trabalha, auferindo mensalmente um vencimento, e recebe, também mensalmente, uma pensão de reforma, acrescidos, quer aquele vencimento, quer esta reforma, dos respectivos subsídios de férias e de Natal, conseguindo prover, na actualidade, à sua subsistência. Termos em que, sem necessidade de quaisquer outras considerações, concluímos pela total improcedência da presente apelação, sendo de manter a decisão recorrida. * As custas devidas pela presente apelação são da responsabilidade da apelante, sem prejuízo do apoio judiciário de que beneficia – cfr. art.º 527º, nºs 1 e 2 do Cód. Proc. Civil e art.º 1º, nºs 1 e 2 do Regulamento das Custas Processuais. V. DECISÃO Pelo exposto, acordam as juízas desta 7.ª Secção do Tribunal de Relação de Lisboa em julgar a presente apelação improcedente, e, em consequência, manter a decisão recorrida. Custas pela apelante, sem prejuízo do apoio judiciário de que beneficia. * Lisboa, 30 de Maio de 2023 Cristina Silva Maximiano Cristina Coelho Micaela Sousa |