Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
1278/22.4YLPRT.L1-7
Relator: LUÍS FILIPE PIRES DE SOUSA
Descritores: ARRENDAMENTO HABITACIONAL
PRAZO DE UM ANO
OPOSIÇÃO À RENOVAÇÃO
CADUCIDADE
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 01/10/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: I. A jurisprudência vem entendendo, maioritariamente, que, da redação do Artigo 1096º, nº 1, do Código Civil, dada pela Lei nº 13/2019, de 1.2. (entrada em vigor a 13.2.2019), decorre que, desde que as partes prevejam a renovação do contrato de arrendamento, só terão liberdade para convencionar prazo de renovação igual ou superior a três anos, impondo o legislador um prazo mínimo imperativo de três anos.
II. Dissente-se dessa interpretação porquanto:
i. Se a lei permite que as partes afastem, de todo, a renovação, então também permite que esta tenha uma vigência diferenciada em caso de renovação (argumento a maiori ad minus);
ii. A tutela da posição do inquilino e da estabilidade do arrendamento, erigida como um dos propósitos da Lei nº 13/2019 não decorre neste circunspecto, em primeira linha, da nova redação do nº1 do artigo 1096º, mas sim do aditado nº 3 ao Artigo 1097º;
iii. Na lógica da tese referida em I, desde que as partes prevejam a renovação do contrato de arrendamento, este terá, inapelavelmente, uma duração sempre de quatro anos (mínimo imperativo de um ano, acrescendo renovação imperativa por mais três anos). Se assim fosse, o disposto no nº3 do Artigo 1097º não faria qualquer sentido porquanto os contratos de arrendamento, desde que as partes não afastassem expressamente a sua renovabilidade, teriam sempre uma duração mínima de quatro anos. Porém, o que decorre do nº 3 do Artigo 1097º é que, prevendo-se a renovação do contrato, o prazo mínimo garantido da vigência do contrato é de três anos a contar da data da celebração do mesmo.
iv. O direito de o senhorio opor-se à renovação do contrato, quando seja prevista a renovação do contrato, está apenas condicionado à vigência ininterrupta do contrato por um período de três anos, contado da data de celebração do contrato.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam os Juízes na 7ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa:

RELATÓRIO
CD & FILHOS, LDA.., instaurou procedimento especial de despejo contra AB,  pedindo o despejo do imóvel, alegando a cessação do contrato de arrendamento celebrado com a ré, com efeitos a partir de 31.12.2021, em virtude do exercício da faculdade de oposição à sua renovação.
Citada a ré, a mesma deduziu oposição, alegando que o contrato se renovou em 01.01.2020 pelo período de três anos, nos termos do disposto no artigo 1096.º n.º 1 do CC, razão pela qual o mesmo não caducou na data pretendida pela autora.
Foi proferido saneador-sentença com o seguinte dispositivo:
«Em consequência, julgo totalmente procedente a presente acção e improcedente a oposição e, consequentemente, declaro a caducidade do contrato de arrendamento celebrado entre as partes, condenando a ré na entrega do imóvel à autora, livre e devoluto.»
*
Não se conformando com a decisão, dela apelou o requerente, formulando, no final das suas alegações, as seguintes:
«CONCLUSÕES:
1. A douta sentença considerou que o contrato de arrendamento celebrado entre a A./ora recorrida e a R./ora recorrente celebrado a 1 de Janeiro de 2019, se terá renovado em 1 de Janeiro de 2020 por um ano, caducando assim a 31 de Dezembro de 2021, por ter sido de 1 ano o prazo de renovação clausulado pelas partes no referido contrato,
2. Não tendo aplicabilidade, por não se tratar de norma imperativa, o disposto no art.º 1096º, nº 1, do Código Civil (com a redacção que lhe foi dada pela Lei 13/2019 de 12 de Fevereiro e não contestada a sua aplicabilidade ao contrato em apreço atento o disposto no art.º 12º, nº 2, do Código Civil),
3. Podendo as partes estabelecer prazo de renovação inferior a 3 anos.
4. Entendimento esse que a recorrente impugna entendendo que tal dispositivo legal (art.º 1096º n.º 1 do Código Civil com a nova redacção), se aplica ao contrato de arrendamento para fins habitacionais em apreço, pelo que tendo o mesmo se renovado a 1 de Janeiro de 2020, caducaria em 31 de Dezembro de 2022,
5. Pelo que tendo sido excluído a possibilidade de não renovação, o contrato se renovaria por períodos não inferiores a 3 anos,
6. Estabelecendo assim o legislador imperativamente um prazo mínimo de renovação, ficando apenas na disponibilidade das partes clausular prazo de renovação que seja superior a 3 anos ou a possibilidade de exclusão da não renovação.
7. Além de que uma das finalidades da Lei 13/2019 de 1 de Fevereiro, que alterou o art.º 1096º do Código Civil, referida no seu n.º 1 foi estabelecer “(...)medidas destinadas a corrigir situações de desequilíbrio entre arrendatários e senhorios, a reforçar a segurança e a estabilidade do arrendamento urbano e a proteger arrendatários em situação de especial fragilidade”.,
8. Pretendendo a referida lei obter estabilidade no arrendamento habitacional, limitando os direitos extintivos do locador, caso contrário o estabelecido no n.º 1 do art.º 1096º do Código Civil seria “letra morta”, à semelhança da alteração que ocorreu no art.º 1110 n.º 3 do Código Civil, em que os direitos extintivos do locador também sofrem limitações,   no que aos arrendamentos para fins não habitacionais,pretendendo-se neste caso proteger a actividade económica do arrendatário, não a imune a constantes alterações do estabelecimento comercial.
9. Pugnando-se assim pela imperatividade do prazo de renovação mínimo de 3 anos, consignado no art.º 1096º nº. 1 do Código Civil.
10. Nessa linha de pensamento a existência de vários Acordãos (Tribunal da Relação de Lisboa de 11.2.2021, Relatora Raquel Baptista Tavares e Acordão do Tribunal da Relação de Guimarães de 8/04/2021 – Procº. n.º 795/20.5T8VNF.G1 Relatora ROSÁLIA CUNHA (in www.dgsi.pt).
11. Assim, não podemos deixar de concluir que a renovação do contrato em apreço se teria renovado em 1 de Janeiro de 2020 pelo duração de mínima de 3 anos, caducando, se deduzida em tempo oposição à renovação, em 31 de Dezembro de 2022, contrariamente ao decidido na douta sentença.
12. Entende a recorrente que foi violado o n.º 1 do art.º 1096º do Código Civil na redacção que lhe foi dada pela Lei 13/2019 de 12 de Fevereiro
13. A recorrente detém apoio judiciário, sendo que o mesmo se mantém para efeitos de recurso qualquer que seja a decisão sobre a causa.
Pelo sucintamente exposto, deve ser concedido provimento ao presente recurso, revogando-se a sentença ora recorrida, substituindo-se por outra que declare inoperante a oposição à resolução do contrato de arrendamento para fins habitacionais, por parte da Autora/ora Recorrida, na data de 31/12/2021, por o mesmo se ter renovado em 1/01/2020 por três anos, assim de fazendo JUSTIÇA!»
 *
Não se mostram juntas contra-alegações.
QUESTÕES A DECIDIR
Nos termos dos Artigos 635º, nº 4 e 639º, nº 1, do Código de Processo Civil, as conclusões delimitam a esfera de atuação do tribunal ad quem, exercendo um função semelhante à do pedido na petição inicial.[1] Esta limitação objetiva da atuação do Tribunal da Relação não ocorre em sede da qualificação jurídica dos factos ou relativamente a questões de conhecimento oficioso, desde que o processo contenha os elementos suficientes a tal conhecimento (cf. Artigo 5º, nº 3, do Código de Processo Civil). Também não pode este Tribunal conhecer de questões novas que não tenham sido anteriormente apreciadas porquanto, por natureza, os recursos destinam-se apenas a reapreciar decisões proferidas, ressalvando-se as questões de conhecimento oficioso, v.g., abuso de direito.[2]
Nestes termos, a questão a decidir consiste em determinar se o contrato de arrendamento se extinguiu por caducidade (oposição tempestiva à renovação) ou se, pelo contrário, se se renovou até 31.12.2022.
Corridos que se mostram os vistos, cumpre decidir.
FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
A sentença sob recurso considerou como provada a seguinte factualidade:
1. Por documento escrito intitulado “contrato de arrendamento para habitação com prazo certo”, assinado em 01.01.2019, a autora deu de arrendamento à ré, para sua habitação o imóvel correspondente ao (…) do n.º 4 do prédio sito na Rua (...), concelho de Odivelas;
2. Como contrapartida, ficou acordada a renda mensal de € 300,00;
3. Na cláusula terceira do contrato ficou consignando que o contrato foi “celebrado com o prazo certo de um ano, tendo início no dia 1 de Janeiro de 2019 e termo em 31 de Dezembro de 2019, sendo renovável por igual período de tempo, desde que não ocorra oposição por qualquer das partes (...)”;
4. Ficou ainda consignado que “o primeiro outorgante (autora) pode, nos termos e para os efeitos do artigo 1097.º n.º 1 al. b) do CC, opor-se à renovação do presente contrato mediante carta registada com aviso de recepção a enviar ao segundo outorgante (ré) com uma antecedência não inferior a 120 dias sobre o fim do prazo ou da sua renovação”;
5. Por carta registada remetida em 11.02.2021 e recebida pela ré em 15.02.2021, a autora remeteu à ré a seguinte comunicação escrita:
“ Assunto: Oposição à renovação do contrato de arrendamento celebrado em 1 de Janeiro de 2019, relativo ao imóvel sito na Rua (…)
(...) ser comunicada a V. Exa. por escrito e em prazo a oposição à renovação do contrato de arrendamento relativo ao imóvel citado, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 1097.º n.º 1 al. b) do Código Civil.
Deste modo, o contrato cessará os seus efeitos em 31 de Dezembro de 2021.
(...) Deste modo, deve V. Exa. proceder à entrega do citado imóvel, livre de pessoas e bens e no estado de conservação em que o mesmo se encontrava, até a dia 31 de Dezembro de 2021, sendo que se tal não suceder até à data indicada, será devida por V. Exa., uma indemnização nos termos expostos na cláusula décima do mencionado contrato (...)”.
FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO
À data em que foi celebrado o contrato de arrendamento dos autos (1.1.2019), vigorava a seguinte redação para o Artigo 1096º do Código Civil (redação da Lei nº 31/2012, de 14.8):
«1- Salvo estipulação em contrário, o contrato celebrado com prazo certo renova-se automaticamente no seu termo e por períodos sucessivos de igual duração, sem prejuízo do disposto no número seguinte.
2 - Salvo estipulação em contrário, não há lugar a renovação automática nos contratos celebrados por prazo não superior a 30 dias.
3 - Qualquer das partes pode opor-se à renovação, nos termos dos artigos seguintes
Entretanto, a redação da norma foi alterada pela Lei nº 13/2019, de 12.2. (com entrada em vigor em 13.2.2019), passando a ser a seguinte:
«1 - Salvo estipulação em contrário, o contrato celebrado com prazo certo renova-se automaticamente no seu termo e por períodos sucessivos de igual duração ou de três anos se esta for inferior, sem prejuízo do disposto no número seguinte.
2 - Salvo estipulação em contrário, não há lugar a renovação automática nos contratos previstos n.º 3 do artigo anterior.
3 - Qualquer das partes pode opor-se à renovação, nos termos dos artigos seguintes.»
As alterações da redação da norma são as sinalizadas com sublinhado.
A alteração introduzida pela Lei nº 13/2019 aplica-se não só aos contratos futuros, mas também aos contratos em curso, como decorre da regra geral do artigo 12º, nº 2, do Código Civil (cf. Maria Olinda Garcia, “Alterações em matéria de Arrendamento Urbano introduzidas pela Lei n.º 12/2019 e pela Lei n.º 13/2019”, in Julgar Online, março de 2019, p. 8).
A propósito da interpretação desta norma, refere Maria Olinda Garcia, “Alterações em matéria de Arrendamento Urbano introduzidas pela Lei n.º 12/2019 e pela Lei n.º 13/2019”, in Julgar Online, março de 2019, p. 11:
«Quanto à renovação do contrato, a nova redação do artigo 1096.º suscita alguma dificuldade interpretativa, nomeadamente quanto ao alcance da possibilidade de “estipulação em contrário” aí prevista. Por um lado, pode questionar-se se tal convenção poderá excluir a possibilidade de renovação do contrato ou apenas estabelecer um diferente prazo de renovação.
 Parece-nos que (na sequência do que já se verificava anteriormente) as partes poderão convencionar que o contrato não se renova no final do prazo inicial (o qual tem de ser de, pelo menos, um ano). O contrato caducará, assim, verificado esse termo.
 Mais delicada é a questão de saber se as partes podem estipular um prazo de renovação inferior a 3 anos (hipótese em que o prazo legal de 3 anos teria natureza supletiva). Atendendo ao segmento literal que diz que o contrato se renova “por períodos sucessivos de igual duração”, pareceria poder concluir-se que, se o período inicial pode ser de 1 ou de 2 anos, as partes também teriam liberdade para convencionar igual prazo de renovação. Todavia, ao estabelecer o prazo de 3 anos para a renovação, caso o prazo de renovação seja inferior, parece ser de concluir que o legislador estabeleceu imperativamente um prazo mínimo de renovação. Afigura-se, assim, que a liberdade das partes só terá autónomo alcance normativo se o prazo de renovação estipulado for superior a 3 anos.
Conjugando esta disposição com o teor do artigo 1097.º, n.º 3, que impede que a oposição à renovação, por iniciativa do senhorio, opere antes de decorrerem 3 anos de duração do contrato, fica-se com a ideia de que o legislador pretende que o contrato tenha, efetivamente, uma vigência mínima de 3 anos (se for essa a vontade do arrendatário). Assim, o contrato só não terá duração mínima de 3 anos se o arrendatário se opuser à renovação do contrato no final do primeiro ou do segundo ano de vigência. No final destes períodos (tratando-se de contrato celebrado por 1 ano), o senhorio não terá direito de oposição à renovação. Tal direito extintivo cabe, assim, exclusivamente ao arrendatário antes de o contrato atingir 3 anos de vigência.
 Se as partes não convencionarem a exclusão da renovação, o senhorio só poderá impedir que o contrato tenha uma duração inferior a 3 anos na hipótese que agora é criada pelo n.º 4 do artigo 1097.º, ou seja, em casos de necessidade da habitação pelo próprio ou pelos seus descendentes em primeiro grau. Trata-se de um tipo de solução que, até agora, só vigorava no domínio dos arrendamentos de duração indeterminada, a qual depende do preenchimento dos requisitos do artigo 1102.º e exige o cumprimento dos deveres impostos pelo artigo 1103.º, n.ºs 1, 5 e 9.
Por outro lado, quanto ao direito do locador para se opor à renovação do contrato, importa ainda interpretar conjugadamente o artigo 1097.º, n.º 3, com o artigo 1096.º, n.º 1. Assim, na hipótese de o contrato ser celebrado por um ano (sem se excluir a sua renovação), como o artigo 1096.º, n.º 1, diz que a renovação do contrato opera por um período mínimo de 3 anos, o direito de oposição à renovação, previsto no n.º 4 do artigo 1097.º, só produzirá efeito no final de um período de 4 anos. »
 A posição de Maria Olinda Garcia, foi subscrita pelos seguintes arestos:
Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 10.11.2022, Adelaide Domingos 126/21:
«O invocado caráter supletivo do n.º 1 do artigo 1096.º do Código Civil reporta-se apenas e tão só à ao direito das partes acordarem na exclusão da renovação do arrendamento para habitação com prazo certo ou que o mesmo se renova por período superior a três anos, pois este prazo é configurado na lei como um limite mínimo para a renovação deste tipo de contratos, logo subtraindo a sua alteração à livre disponibilidade das partes.
Ou seja, a liberdade de estipulação prevista no preceito não derroga a duração mínima de três anos do período de renovação automática.
Ou seja, tendo as partes acordado na renovação do contrato de arrendamento, a renovação ocorre automaticamente no seu termo e por períodos sucessivos de igual duração ou de três anos se esta for inferior.»
No mesmo sentido de que «ao introduzir a menção à duração de três anos para a renovação, parece-nos inequívoco que o legislador da Lei 13/2019, de 12 de Fevereiro estabeleceu imperativamente um prazo mínimo de renovação», cf.: Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 10.11.2022, Maria João Sousa e Faro, 983/22; Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 8.4.2021, Rosália Cunha, 795/20.
Também no Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 11.2.2021, Raquel Guimarães, 1423/20, se conflui deste modo:
II - Nos arrendamentos para habitação permanente, a liberdade dos contratantes para modelarem o conteúdo do contrato sofreu significativas limitações com as alterações introduzidas pela Lei n.º 13/2019, quer quanto à exigência de um prazo mínimo de um ano (cf. artigo 1095º n.º 2 onde está em causa uma norma imperativa que não admite convenção em contrário) mas também quanto à sua renovação pois, ainda que as partes possam convencionar a exclusão da possibilidade de qualquer renovação, só terão liberdade para convencionar prazo de renovação igual ou superior a três anos, impondo o legislador um prazo mínimo, também imperativo, de três anos.
III - Os contratos de arrendamento com prazo para habitação permanente renovam-se automaticamente, por períodos sucessivos de igual duração ou, se esta for inferior, de três anos, em conformidade com o estipulado no número 1 do artigo 1096º do Código Civil.
Em sentido diametralmente oposto, pronunciou-se o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 17.3.2022, Nuno Ribeiro, 8851/21, nestes termos:
«Da comparação entre as duas versões, conclui-se que a Lei 13/2019 limitou-se a aditar a expressão ou de três anos se esta for inferior à versão anterior, mantendo todo o restante preceito.
Ou seja e escalpelizando, em ambas as versões sucessivas, a regra é:
a) O contrato de arrendamento celebrado com prazo certo, renova-se automaticamente no seu termo;
b) Por períodos sucessivos de igual duração;
c) Constituem impedimento às duas regras anteriores, a estipulação distinta das partes
d) ou a circunstância de se enquadrarem os contratos celebrados em qualquer das situações previstas no art.º 1095º, nº 3 do mesmo diploma (contratos para habitação não permanente ou para fins especiais transitórios, designadamente por motivos profissionais, de educação e formação ou turísticos, neles exarados).
Estas quatro conclusões são válidas perante qualquer uma das versões sucessivas do art.º 1096º, nº 1, de modo pacífico.
Ou seja e para o que agora releva, quer numa quer noutra das versões, se admite que as partes afastem a renovação automática do contrato celebrado ou prevejam período distinto (superior ou inferior) do inicial, após essa renovação.
A diferença encontra-se apenas no aditamento de uma limitação temporal à duração desse período de duração do contrato, após a renovação: não pode ser inferior a três anos, caso o período inicial de duração do contrato seja inferior a três anos.
Da letra da alteração legislativa de 2019 apenas se retira um efeito: nos contratos de arrendamento de duração inicial inferior a 3 anos, a renovação automática dos mesmos (quando opera), verifica-se por um período sucessivo de três anos (necessariamente maior do que o período inicial).

Trata-se de uma solução que «foge» à lógica da regra da renovação automática, fixando-se um período sucessivo extraordinário de três anos para um contrato de duração inicial inferior.
Mas foi a opção do legislador.
O passo seguinte constitui em apurar se a fixação por força de lei desse período sucessivo extraordinário de três anos constitui norma imperativa ou supletiva, ou seja, se as partes podem afastar tal regra, ao abrigo do princípio da liberdade de estipulação contratual.
Debalde encontramos resposta no seio da Lei 13/2019, pois da mesma apenas se retira que o seu objeto é o seguinte: A presente lei estabelece medidas destinadas a corrigir situações de desequilíbrio entre arrendatários e senhorios, a reforçar a segurança e a estabilidade do arrendamento urbano e a proteger arrendatários em situação de especial fragilidade.
A solução, na ausência de letra expressa, encontra-se na ponderação dos fins pretendidos com a alteração legislativa: a limitação imperativa à estipulação de períodos de renovação sucessiva inferiores a três anos corrige situações de desequilíbrio entre arrendatários e senhorios, reforça a segurança e a estabilidade do arrendamento urbano e protege arrendatários em situação de especial fragilidade?
Ora, parece-nos que a resposta há de ser negativa, pois nesse caso, o legislador «esqueceu-se» de proteger ou prosseguir tais fins com igual intensidade no período de duração inicial do contrato.
Efetivamente, a mesma Lei 13/2019 estabeleceu, como limite mínimo dessa duração o período de um ano, na redação dada ao nº 2 do art.º 1095º do mesmo Código, sob a epígrafe Estipulação de prazo certo:
1 - O prazo deve constar de cláusula inserida no contrato.
2 - O prazo referido no número anterior não pode, contudo, ser inferior a um nem superior a 30 anos, considerando-se automaticamente ampliado ou reduzido aos referidos limites mínimo e máximo quando, respetivamente, fique aquém do primeiro ou ultrapasse o segundo.
E tal norma, pela sua própria natureza, assume força imperativa: a ampliação ou redução automática dos prazos mínimo e máximo de duração inicial para um e trinta anos, significa que esses limites mínimos e máximos não podem ser derrogados por estipulação das partes no contrato celebrado.
Ou seja e para o que agora releva, imperativo é que o contrato de arrendamento tenha a duração mínima de um ano.
Duração inicial ou sucessiva de um ano.
Não se antevendo da Lei 13/2019 qualquer intenção de conferir maior proteção ao arrendatário no período sucessivo daquela concedida no período inicial.
Desde logo, por não se demonstrar constituir o período sucessivo à renovação uma situação de maior desequilíbrio entre arrendatário e senhorio, de maior necessidade de segurança e estabilidade do arrendamento urbano e de maior fragilidade do arrendatário relativamente ao período inicial de duração do mesmo contrato de arrendamento.
Por fim, refira-se que o processo legislativo (disponível em https://www.parlamento.pt/ActividadeParlamentar/Paginas/DetalheIniciativa.aspx?BID=42542) pouco esclarece a intenção do legislador, pois a alteração do art.º 1096º tem origem em proposta de alteração do Grupo Parlamentar do Partido Socialista à Proposta de Lei nº 129/XIII/3, no seio da discussão na Comissão de Ambiente, Ordenamento do Território, Descentralização, Poder Local e Habitação – sendo que a Proposta inicial do Governo em nada se referia a este preceito em concreto.
Ou seja, a alteração ao preceito surge no decurso da discussão parlamentar da Proposta de Lei, sem lograrmos apurar o fio condutor ou a intenção do legislador, no caso.»
Na doutrina e neste mesmo sentido, pronuncia-se Jéssica Rodrigues Ferreira, “Análise das principais alterações introduzidas pela Lei n.º 13/2019, de 12 de fevereiro, aos regimes da denúncia e oposição à renovação dos contratos de arrendamento urbano para fins não habitacionais”, in Revista Eletrónica de Direito, Fevereiro de 2020, pp. 82-83:
«A nova redação do art.º 1096.º suscita várias dúvidas interpretativas, desde logo relacionadas com o alcance da expressão “salvo estipulação em contrário”. Reportar-se-á apenas à possibilidade de as partes afastarem a renovação automática do contrato, ou permitirá também a estipulação de um prazo de renovação diferente do aí previsto? Neste último caso, poderão as partes estipular um prazo inferior a cinco anos?
Parece-nos que o legislador pretendeu que as partes fossem livres não apenas de afastar a renovação automática do contrato, mas também que fossem livres de, pretendendo que o contrato se renovasse automaticamente no seu termo, regular os termos em que essa mesma renovação ocorrerá, podendo estipular prazos diferentes – e menores - dos supletivamente fixados pela lei, e não, conforme poderia também interpretar-se da letra do preceito em análise – cuja redação pouco precisa gera estas dúvidas – um pacote de “pegar ou largar”, em que as partes estariam adstritas a optar entre contratos não renováveis ou optando por um contrato automaticamente renovável no seu termo, com períodos sucessivos de renovação de duração obrigatoriamente igual à duração do contrato ou de cinco anos se esta for inferior, pois ainda que a ratio subjacente a esta alteração legislativa tenha sido reforçar a estabilidade dos contratos, se o legislador deixou ao critério das partes o mais – optar por renovar ou não o contrato – também se deve entender que lhes permite o menos – optando por renovar o contrato, regular os termos dessa renovação. Este argumento parece-nos ser ainda reforçado pela remissão operada no n.º 1 para o regime de oposição à renovação previsto para o arrendamento habitacional, regulado nos art.º 1097.º e 1098.º, onde se continuam a prever prazos de oposição à renovação específicos para os casos de duração inicial do contrato ou das suas renovações inferiores a cinco anos (al. b) e c) do n.º 1 do art.º 1097.º e al. b) e c) do n.º 1 do art.º 1098.º).»
Que dizer desta dissensão jurisprudencial e doutrinária?
Em primeiro lugar, é patente que as partes são livres de estabelecer o prazo do arrendamento entre os prazos mínimos de um ano e máximo de trinta anos, conforme deflui do Artigo 1095º, nº2, do Código, na redação da Lei nº 13/2019, de 12.2.
Em segundo lugar, da ressalva inicial do nº 2 do Artigo 1096º (“Salvo estipulação em contrário”) decorre que as partes podem, ab initio, convencionar que o contrato de arrendamento não será renovado.
Em terceiro lugar, estipulando as partes que o contrato será renovável, são livres de estabelecer prazos diferenciados de renovação, sendo o prazo de três anos (introduzido pela Lei nº 13/2019) um prazo supletivo a aplicar nos casos em que as partes não concretizem o prazo da renovação (silêncio do contrato), apesar de preverem a renovação do contrato. De facto, se a lei permite que as partes afastem, de todo, a renovação, então também permite que esta tenha uma vigência diferenciada em caso de renovação (argumento a maiori ad minus; cf. Teixeira de Sousa, Introdução ao Direito, Almedina, p. 443).
A tutela da posição do inquilino e da estabilidade do arrendamento, erigida como um dos propósitos da Lei nº 13/2019 não decorre neste circunspecto, em primeira linha, da nova redação do nº1 do artigo 1096º, mas sim do aditado nº 3 ao Artigo 1097º, nos termos do qual:
«3- A oposição à primeira renovação do contrato, por parte do senhorio, apenas produz efeitos decorridos três anos da celebração do mesmo, mantendo-se o contrato em vigor até essa data, sem prejuízo do disposto no número seguinte
Ou seja, a tutela do inquilino e da estabilidade do arrendamento decorre diretamente desta norma e não propriamente do nº1 do Artigo 1096º do Código Civil.
De facto, a tese acima explicitada (maioritária na jurisprudência) segundo a qual, a prever-se a renovação do contrato, esta ocorre imperativamente por um prazo mínimo de três anos sucumbe quando confrontada com o disposto no nº 3 do Artigo 1097º do Código Civil.
 Na verdade, na lógica dessa tese, desde que as partes prevejam a renovação do contrato de arrendamento, este terá, inapelavelmente, uma duração sempre de quatro anos (mínimo imperativo de um ano, acrescendo renovação imperativa por mais três anos). Ora, se assim fosse, o disposto no nº 3 do Artigo 1097º não faria qualquer sentido, tratando-se de uma norma inútil e espúria porquanto os contratos de arrendamento, desde que as partes não afastassem expressamente a sua renovabilidade, teriam sempre uma duração mínima de quatro anos. Porém, o que decorre do nº3 do Artigo 1097º é que, prevendo-se a renovação do contrato, o prazo mínimo garantido da vigência do contrato é de três anos a contar da data da celebração do mesmo! Ou seja, o direito de o senhorio opor-se à renovação do contrato, quando seja prevista a renovação do contrato, está apenas condicionado à vigência ininterrupta do contrato por um período de três anos, contado da data de celebração do contrato. A tutela da estabilidade do arrendamento está aqui e não propriamente no nº1 do Artigo 1096º.
Assim, na discussão da questão em apreço, o elemento interpretativo da lei que mais releva não é propriamente o teleológico, mas sim o sistemático.
Conforme explica Teixeira de Sousa, Introdução ao Direito, Almedina, 2013, p. 360:
«O elemento sistemático impõe que a lei seja interpretada no respetivo ambiente sistemático, ou seja, impõe que se passe do preceito para o texto legal que o contém, deste para o respetivo subsistema e, finalmente, deste para o sistema jurídico. Desta afirmação é possível extrair que nenhuma lei deve ser interpretada isolada de outras leis com as quais ela apresenta uma conexão sistemática e que, de entre os vários significados literais possíveis, há que preferir aquele que for compatível com o significado de outras leis. Só assim se dá expressão à unidade do sistema jurídico.» E, mais adiante: «Em matéria de interpretação, a construção dessa unidade implica que deve ser dada preferência a uma interpretação que seja compatível com o maior número possível de regras do mesmo sistema jurídico. A lei interpretada é consistente com as demais do sistema jurídico quando elas se conjugarem harmonicamente entre si» (p. 366). «O contexto horizontal é particularmente importante quando se trata de interpretar uma lei especial ou excecional. A interpretação de uma lei especial deve tomar em consideração a respetiva lei geral (p. 365).
Conjugando o disposto no nº1 do Artigo 1096º com o disposto no nº3 do Artigo 1097º do Código Civil, e acompanhando aqui Jorge Pinto Furtado, Comentário ao Regime do Arrendamento Urbano, 2ª ed., Almedina, 2020, p. 661, temos que:
«Ora, já se viu que o nº1 do presente artigo só dispõe para o silêncio contratual e, como no art.º 1097-3 também não se estabelece qualquer dimensão para o ulterior período de renovação, em si, daí se seguirá, se bem nos parece, que quando pretenda estabelecer-se renovação para um arrendamento habitacional de prazo certo terá de atribuir-se à própria duração desse contrato, pela aplicação conjugada dos dois preceitos, uma duração mínima de três anos
Em síntese, e mais uma vez, a tutela da estabilidade do contrato está, interpretando-se conjugadamente os preceitos, no estabelecimento de uma duração mínima do contrato de três anos, desde que as partes prevejam a renovabilidade do contrato de arrendamento sem que, nesta eventualidade, haja que fazer aceção do período de renovação expressamente convencionado.
Posto isto, e volvendo aos dados do caso em apreço.
O contrato de arrendamento foi celebrado tendo o prazo de um ano, com início em 1.1.2019 e termo em 31.12.2019.
Em 13.2.2019, entrou em vigor a Lei nº 13/2019, introduzindo o nº3 do Artigo 1097º do Código Civil, da qual decorre (cf. supra) que o contrato de arrendamento passou a ter um período de vigência mínimo de três anos a contar da sua celebração, ou seja, o contrato não poderia ser extinto por oposição à renovação antes de 31.12.2021.
O contrato renovou-se pelo período de um ano, de 1.1.2020 a 31.12.2020 (cf. cláusula terceira e Artigo 1096º nº1, do Código Civil).
Em 1.1.2021, o contrato renovou-se por novo período de um ano, ou seja, até 31.12.2021 (cf. cláusula terceira e Artigo 1096º nº1, do Código Civil).
Em 11.2.2021, a senhoria expediu carta de oposição à renovação do contrato de arrendamento (recebida em 15.2.2021), nos termos do Artigo 1097º, nº1, al. b) do Código Civil, razão pela qual o contrato cessaria efeitos a 31.12.2021.
A oposição da senhoria foi totalmente tempestiva (cf. Artigo 1097º, nº1, al. b), do Código Civil) e produziu os efeitos desejados porquanto, à data de 31.12.2021, o contrato de arrendamento completou precisamente os três anos impostos pelo nº 3 do mesmo Artigo 1097º.
Assim, nada há a alterar à decisão impugnada.
A fundamentação autónoma da condenação em custas só se tornará necessária se existir controvérsia no processo a esse propósito (cf. art.º 154º, nº 1, do Código de Processo Civil; Acórdãos do Tribunal Constitucional nºs. 303/2010, de 14.7.2010, Vítor Gomes, e 708/2013, de 15.10.2013, Maria João Antunes).
DECISÃO
Pelo exposto, acorda-se em julgar improcedente a apelação, confirmando-se a sentença recorrida.
Custas pela apelante na vertente de custas de parte (Artigos 527º, nºs 1 e 2, 607º, nº6 e 663º, nº 2, do Código de Processo Civil).

Lisboa, 10.1.2023
Luís Filipe Sousa
José Capacete
Carlos Oliveira
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[1] Abrantes Geraldes, Recursos em Processo Civil, 7ª ed., 2022, p. 186.
[2] Abrantes Geraldes, Op. Cit., pp. 139-140.
Neste sentido, cf. os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 9.4.2015, Silva Miguel, 353/13, de 10.12.2015, Melo Lima, 677/12, de 7.7.2016, Gonçalves Rocha, 156/12, de 17.11.2016, Ana Luísa Geraldes, 861/13, de 22.2.2017, Ribeiro Cardoso, 1519/15, de 25.10.2018, Hélder Almeida, 3788/14, de 18.3.2021, Oliveira Abreu, 214/18. O tribunal de recurso não pode conhecer de questões novas sob pena de violação do contraditório e do direito de defesa da parte contrária (Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 17.12.2014, Fonseca Ramos, 971/12).