Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
339/16.3T8SXL.L1-7
Relator: CONCEIÇÃO SAAVEDRA
Descritores: ESTRADAS
CONCESSIONÁRIO
RESPONSABILIDADE
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 06/05/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: · O art. 12 da Lei nº 24/2007, de 18.7, ao definir os direitos dos utentes nas vias rodoviárias classificadas como auto-estradas concessionadas, itinerários principais e itinerários complementares, faz recair sobre o concessionário o ónus da prova do cumprimento das obrigações de segurança quando os acidentes verificados sejam causados por objetos arremessados para a via ou existentes nas faixas de rodagem, por atravessamento de animais ou, ainda, por líquidos na via, quando não resultantes de condições climatéricas anormais;
· Para ilidir a presunção de incumprimento que recai sobre tal entidade de acordo com o referido normativo, não basta a prova genérica de que houve passagens da equipa de assistência e/ou de que não foi detetada ou comunicada a presença do objeto, do animal ou do líquido na via que deu causa ao acidente verificado, mesmo que tal abranja o tempo e espaço em que ocorreu o acidente.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam os Juízes na 7ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa.

I- Relatório:
E.I., Limited, veio, em 15.2.2016, propor contra Brisa-Concessão Rodoviária, S.A., ação declarativa de condenação, pedindo a condenação da Ré a pagar-lhe a quantia de € 9.573,73, acrescida de juros até efetivo e integral pagamento e sanção pecuniária compulsória. Alega, para tanto e em síntese, que tendo celebrado um contrato de seguro do ramo automóvel com a L.P.P.-Comércio e Aluguer de Automóveis e Equipamentos, Lda, respeitante ao veículo de matrícula 30-..-.., com cobertura de danos próprios, o mesmo sofreu um sinistro no dia 19.3.2015, pelas 10h00m, quando, conduzido por Pedro L., circulava na A2, sentido Norte/Sul, pela via da esquerda ao realizar uma ultrapassagem, e embateu num objeto metálico que, de forma súbita e inesperada, se deparou na via e do qual não se conseguiu desviar. Do referido embate resultaram danos no veículo, tendo a A. indemnizado a segurada do valor da reparação e dos custos por esta incorridos. Mais refere que sendo a A2 concessionada pela Ré, é a mesma responsável pelas consequências decorrentes do referido acidente, pois é a ela que incumbe assegurar o bom estado de conservação e a utilização da via em perfeitas condições de segurança, controlando a mesma de forma adequada e regular.     
Contestou a Ré, requerendo a intervenção acessória da F. Seguros, S.A., com quem celebrou contrato de seguro para cobertura da sua responsabilidade civil pelas indemnizações que lhe possam ser exigidas por prejuízos e/ou danos causados a terceiros na sua qualidade de concessionária da exploração, conservação e manutenção da A2. No mais, impugna a factualidade invocada no tocante à dinâmica do acidente e aos danos emergentes, afirmando ainda que cumpriu as obrigações que sobre ela impendiam quanto ao dever de manutenção/vigilância da via. Conclui pela improcedência da ação. 
Admitida a intervenção acessória da Companhia de Seguros F., S.A., contestou a mesma, aderindo, no essencial, à defesa oferecida pela Ré Brisa. 
Dispensada a realização de audiência prévia, foi proferido despacho saneador que conferiu a validade formal da instância, fixou o valor da causa em € 9.573,73, identificou o objeto do litígio e enunciou os temas da prova.
Realizada a audiência de discussão e julgamento, veio a ser proferida sentença, em 12.4.2017, nos seguintes termos: “(...) Julgo a acção parcialmente procedente, por provada em parte, e, em consequência:
· Condeno a ré «Brisa – Concessão Rodoviária, S.A.» a pagar à autora «E.I., Limited» a quantia de € 8.677,65 (oito mil e seiscentos e setenta e sete euros e sessenta e cinco cêntimos), acrescida de juros à taxa legal de 4%, contados desde a citação e até integral pagamento.
· Absolvo a ré «Brisa – Concessão Rodoviária, S.A.» do restante pedido.
· Condeno a autora «E.I., Limited» e a ré «Brisa – Concessão Rodoviária, S.A.» nas custas do processo, na proporção dos respectivos decaimentos, que se fixam na proporção de 1/7 para a autora e de 6/7 para a ré.
· Declaro que a presente sentença, logo que transitada, constitui caso julgado quanto à chamada «F. - Companhia de Seguros, S.A.».
(…).”
Inconformada, recorreu a Ré Brisa-Concessão Rodoviária, S.A., da sentença proferida, culminando as alegações por si apresentadas com as seguintes conclusões que se transcrevem:

· A Douta Sentença proferida pelo Tribunal "a quo", salvo melhor opinião, não apurou corretamente os factos, nem perante a matéria assente, nem perante os depoimentos prestados pelas testemunhas, não podendo aferir-se da responsabilidade da Apelante no sinistro em causa e que resultou na condenação da mesma.
· Entende ainda a Apelante que, ao contrário do que erradamente consta do ponto 19 da matéria de facto dada como provada, a A. não fez qualquer prova, corno lhe competia, quanto ao pagamento do valor da reparação do referido veículo à sua segurada, ficando, por essa via, sub-rogada nos direitos da mesma contra a Ré, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 136.° do DL 72/2008, de 16 de abril.
· A este propósito, salienta-se o depoimento da testemunha da Autora, David E., gestor de sinistros, cujo depoimento datado de 24/01/2017, se encontra registado no CD de 10:47:55 horas a 11:12:32 horas, parcialmente transcrito (assinalando-se, desde já, que no respetivo CD consta o nome da testemunha ouvida anteriormente Sr. Fernando G., uma vez que a senhora funcionária se tinha ausentado da sala de audiência, tendo a Mma. Juíza ordenado a continuação da produção de prova, conforme vem mencionado a fls.4 da Ata de Julgamento).
· Efetivamente, a A. não logrou provar, nem durante a fase dos articulados, nem em audiência de julgamento, que satisfez integral e prontamente a alegada indemnização a que a sua segurada teria direito, sendo certo que a única fatura junta aos autos – documento 8, a fls, 26 - em tempo devidamente impugnado pela Apelante, mais não configura que uma fatura emitida em nome e com a identificação fiscal da segurada.
· De destacar, que ainda que tal pagamento tivesse ocorrido – no que não se concede, porque não provado - ficando assim a A. sub-rogada nos direitos da sua segurada, sempre teria que ser deduzida a parte correspondente à franquia de dois por cento convencionada entre as partes, o que a Douta sentença não reflete ao condenar a Apelante na totalidade do pedido.
· Por outro lado, da restante prova produzida nos autos, não se pode aferir a culpa da Ré Brisa Concessão Rodoviária, S.A., na verificação do sinistro em causa, o que resulta claro, nomeadamente do depoimento do condutor do veículo interveniente no sinistro em crise, com a matrícula 30-..-.., Sr. Pedro L., testemunha da Autora, registado no CD de 10:22:07 horas a 10;47:04 horas, datado de 24/01/2017, transcrito na parte pertinente.
· Face a tal depoimento, resulta clara a imprevidência do condutor da viatura, pelo que, nestas circunstâncias, considera a Apelante não ser possível concluir pela sua responsabilidade quer quanto à eclosão, quer quanto às consequências do acidente em crise nos autos.
· Acresce que, tendo presentes os factos dados como provados, e que decorreram quer da prova documental, quer da prova testemunhal realizada em sede de audiência de discussão e julgamento, verifica-se que a Ré BCR provou de forma concreta e não apenas genericamente, que cumpriu de acordo com as suas obrigações de vigilância da A2 decorrentes do Contrato de Concessão, fazendo patrulhas regulares, pelo que não poderia a Douta sentença recorrida extrair "in casu" a culpa da Apelante.
· Na verdade, tendo em conta os factos dados como provados na sentença recorrida, não se vislumbra, qualquer evento que implique a responsabilização da BCR, designadamente quando a decisão em crise reflete que a Apelante.
· Provou que o objeto metálico em causa, se tratava "de uma parte de um veículo pesado" cuja introdução na via, não lhe pode ser, de todo, imputável, sendo atribuível a outrem;
· Provou que antes do aludido acidente, nenhuma comunicação lhe foi dirigida, relativamente à existência de um objeto depositado em plena faixa de rodagem;
· Provou, ainda, que a A2 é patrulhada pela durante 24 horas, todos os dias do ano;
· Provou que tem um conjunto de meios humanos e técnicos postos ao serviço das referidas condições de segurança, que foram concretamente aplicados, no dia do acidente descrito nos autos, tendo feito tudo o que em concreto era exigível para acautelar uma circulação segura;
· Dizem-nos as regras da experiência comum, que o objeto que estava depositado na autoestrada A2, foi ali parar porque caiu de uma viatura que circulava na autoestrada, ou que o transportou para o interior da autoestrada, sendo certo que o patrulhamento daquele local e naquele sentido de trânsito, realizado cerca de duas horas antes, não visionou nem detetou qualquer objeto na via, pelo que o mesmo só pode ter caído ou transportado para a via, em momento posterior a tal patrulhamento.
· Tendo presentes os factos provados, verifica-se que a Apelante foi diligente na forma como efetuou a vigilância da autoestrada A2 que lhe está concessionada, fazendo patrulhas regulares, tendo pois demonstrado e provado, em sede de audiência de discussão e julgamento, ao contrário do mencionado pelo Tribunal "a quo" na douta sentença ora colocada em crise, que a sua atuação não se situou abaixo do nível médio de funcionamento exigido, em termos de vigilância e fiscalização.
· A obrigação que impede sobre a Recorrente não é de resultado, mas de meios, pois que o cumprimento pleno das suas obrigações não garante, nem pode garantir, que não se verifiquem acidentes, mas apenas uma condução mais segura. Quem entra numa autoestrada, fá-lo porque pretende circular mais depressa e com mais segurança, mas sabe que também lá se verificam acidentes, mesmo estando verificadas todas as condições de segurança.
· Impõe-se assim concluir que, o Tribunal "a quo", decidiu mal quando considerou que a Apelante não ilidiu a presunção de incumprimento prevista no art. 12°, n.º 1, al a), da Lei n.° 24/2007, de 18-07, pois na verdade a mesma cumpriu com a diligência que lhe é exigida pelo Contrato de Concessão, pelo que, salvo melhor opinião, não poderá ser a Apelante condenada nos termos em que o foi pela douta sentença ora recorrida,
· Quanto à subsunção ao direito dos factos dados como provados na Douta sentença de que ora se recorre, destaca-se, ates de mais, a inexistência da alegada sub-rogação por banda da Autora, na qual esta sustenta a sua pretensão de indemnização pela ocorrência do sinistro em crise nos autos
· Assentando a sub-rogação na transmissão de um crédito em favor daquele que, substituindo-se ao devedor, cumpre a obrigação a que este se encontrava adstrito (Ac. STJ, de 15/11/2007, em ITIJ/net, proc. 07b3670), não se vislumbra de que forma a Douta sentença a considerou comprovada.
· Ainda que tal direito de sub-rogação estivesse devidamente determinado nos autos, sempre haveria de ter em conta a dedução da franquia de dois por cento, contratualmente assumida entre a Autora e a segurada, o que não sucedeu.
· De norma legal alguma decorre para a Apelante a obrigação de resultado de garantir a ausência de quaisquer obstáculos na sua área concessionada, pelo que, cotejando a factualidade dada como provada na douta Sentença recorrida e independentemente do regime jurídico convocável, a mesma não pode ser responsabilizada pela indemnização dos danos alegadamente sofridos pela A..
· Assim, tendo-se apurado em audiência de julgamento que a BCR fez tudo o que era adequado e que legalmente se lhe impunha, em termos de cumprimento de regras de segurança no âmbito da circulação automóvel, não se vê como se pode responsabilizar a Recorrente pelo pagamento peticionado.
· Na verdade, a matéria provada evidencia que a BCR atuou de forma diligente, fiscalizando e patrulhando, concretamente no dia e hora em questão, as vias de circulação no momento que precedeu a ocorrência do sinistro com o PJ.
· Igualmente não se vislumbra culpa, por ação ou omissão, imputável à Apelante. Pelo contrário, a matéria provada evidencia que a Ré atuou de forma diligente, fazendo tudo o que era adequado e que legalmente se lhe impunha, em termos de regras de segurança no âmbito da retirada de objeto das vias destinadas ao trânsito.
· Pelo que, impõe-se concluir que, neste caso, a Apelante ilidiu a presunção de incumprimento prevista no art. 12°, nº 1, al a), da Lei n.° 24/2007, de 18-0, pois que cumpriu com a diligência que lhe era exigida no Contrato de Concessão.
· Assim, ao decidir da forma como o fez a, aliás, douta Sentença em crise fez uma incorreta aplicação e interpretação do disposto nos artigos 342°, 483°, 487° e 592°, do Código Civil e do estatuído no artigo 12°, da Lei n.° 24/2007, de 18.07.”
Conclui pela procedência do recurso e pela revogação da sentença proferida. Junta parecer a sustentar a sua posição.
Contra-alegou a A., pugnando, em síntese, pela manutenção do decidido.
Retificada a sentença a fls. 484, foi o recurso admitido como de apelação, com subida nos próprios autos e efeito meramente devolutivo.
Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.

                                                  ***
II- Fundamentos de Facto:
A sentença fixou como provada a seguinte factualidade:

· A autora dedica-se à actividade seguradora.
· Pelo menos entre 23.01.2015 e 31.12.2015, a «L.P.P. – Comércio e Aluguer de Automóveis e Equipamentos, Ld.ª» declarou transferir para «E.I., Limited» a sua responsabilidade civil pelos riscos decorrentes da circulação terrestre do seu veículo automóvel de marca Volkswagen, com a matrícula 30-..-.., incluindo os danos próprios decorrentes de choque e colisão, com uma franquia de 2%, nos termos constantes do acordo escrito de seguro titulado pela apólice com o n.º 100..., conforme consta da cópia do certificado internacional de seguro automóvel de fls. 17, da cópia das “condições particulares da apólice” de fls. 18 e 19 e da cópia das “condições gerais” de fls. 40 a 118, cujo teor se dá por reproduzido.
· No dia 19 de Março de 2015, pelas dez horas (10h00m), o referido veículo era conduzido pelo seu detentor habitual, Pedro L., na autoestrada A2, no sentido Norte-Sul.
· O condutor do veículo com matrícula 30-..-.. circulava atento à condução, à estrada e a velocidade não superior ao limite legal, pela faixa do lado esquerdo, porque efectuava uma ultrapassagem.
· A via em que o condutor circulava era uma recta com boa visibilidade, sendo o piso alcatrão antiderrapante.
· Não chovia e o piso apresentava-se seco.
· Subitamente, ao quilómetro 15,200, surgiu na faixa de rodagem e no sentido em que o veículo com matrícula 30-..-.. circulava, um objecto metálico.
· Não existia no local, nem antes dele, qualquer sinalização que advertisse os condutores da existência de obstáculos na via, incluindo um objecto metálico que obstruísse a via.
· Nessa sequência, o condutor do veículo seguro pela autora não conseguiu travar e desviar-se, embatendo no referido objecto metálico, que se encontrava na faixa de rodagem em que circulava.
· O condutor do veículo com a matrícula 30-..-.. não conseguiu evitar a colisão do objecto metálico com a parte inferior do veículo.
· O objecto embateu na parte inferior do veículo com matrícula 30-..-.., perdendo este a direcção assistida e ficando imobilizado no quilómetro 15,400 da auto-estrada A2, no sentido Norte-Sul.
· Em consequência do embate, foi desde logo visível no local a existência de óleo no pavimento, proveniente do veículo com matrícula 30-..-...
· Ao local do sinistro deslocou-se a Guarda Nacional Republicana do Destacamento de Trânsito de Setúbal, que elaborou a Participação de Acidente de Viação cuja cópia consta de fls. 20 a 24 e se dá por reproduzida.
· O condutor Pedro L. foi testado no aparelho Dräger, tendo acusado uma TAS de 0,00g/l.
· O objecto metálico que embateu no veículo 30-..-.. foi recuperado por um funcionário da ré «Brisa», que se deslocou ao local, sendo desconhecida a origem do objecto.
· Em 28/05/2015, a autora obteve junto da Guarda Nacional Republicana do Destacamento de Trânsito de Setúbal cópia da “Participação do Acidente de Viação” ocorrido, tendo esta o custo de € 56,00 (cinquenta e seis euros).
· A colisão acima descrita teve como consequência a destruição parcial do referido veículo, incluindo a destruição da caixa de direcção, a quebra do cárter, do turbo compressor, do catalisador, do sensor de temperatura do escape, para cuja reparação foi necessário proceder aos serviços e aquisições descritos no Relatório de Avaliação de Danos e Anexo da «Dekra Portugal Expertises Peritagem Automóvel, S.A.», que consta de fls. 122 a 133 e se dá por reproduzido.
· A reparação em causa importou em € 7.055,00 (sete mil e cinquenta e cinco euros), acrescidos de IVA à taxa legal em vigor, no total de € 8.677,65 (oito mil e seiscentos e setenta e sete euros e sessenta e cinco cêntimos).
· Em cumprimento do acordo referido em 2., a autora pagou à proprietária do veículo a quantia total de € 8.677,65 (oito mil e cinquenta seiscentos e setenta e sete euros e sessenta e cinco cêntimos), descritos na factura n.º OHS/1070/2015, vencida em 26/06/2015, constante de fls. 26 e cujo teor se dá por reproduzido.
· Em 02/07/2015, a autora endereçou à ré «Brisa» uma carta, comunicando que, tendo o segurado accionado as coberturas de danos próprios contratadas com a autora e dado se entender que a responsabilidade pela produção do sinistro cabia à ré, solicitou o reembolso do valor referente à reparação, conforme consta do documento de fls. 27, cujo teor se dá por reproduzido.
· Junto à carta endereçada à ré «Brisa» foram os seguintes documentos: participação do segurado; relatório de peritagem e factura de reparação.
· Em 13/07/2015 a ré «Brisa» remeteu uma carta, em resposta à exposição feita pela autora em 19/03/2015, declinando a sua responsabilidade pelo acidente, conforme consta do documento de fls. 28, cujo teor se dá por reproduzido.
· A ré «Brisa – Concessão Rodoviária, S.A.» é a concessionária do Estado Português para a construção, conservação e exploração da Auto-Estrada A2.
· Cerca de duas horas e onze minutos (02h11m) antes da descrita colisão ter ocorrido, um dos carros de patrulha da «Brisa O&M, S.A.» passou no referido local e nada detectou.
· A ré realiza inspecções regulares à A2, com o máximo de três horas de intervalo.
· A patrulha da «Brisa O&M, S.A.», que faz a patrulha das vias concessionadas, nada de anormal detectou, nem foi avisada, por qualquer utente da mesma, de que na autoestrada estivesse objecto algum nas descritas circunstâncias.
· Também os agentes da GNR-BT nada de anormal detectaram antes da ocorrência do sinistro.
· A «Companhia de Seguros – F. Mundial, S.A» declarou perante «Brisa – Auto Estradas de Portugal, S.A.», assumir, até ao montante máximo de € 750.000,00 por sinistro, a responsabilidade civil pelos danos provocados a terceiros na sua integridade física ou no seu património, cuja reparação seja à segunda exigível na sua qualidade de concessionária da exploração, conservação e manutenção da auto-estrada A2, nos termos do acordo de seguro titulado pela apólice n.º 32/38299, conforme instrumento de fls. 160 a 179, cujo teor se dá por reproduzido.
· Foi pelas 09h52, do dia 19.03.2015, que a ré «Brisa», através do seu centro de coordenação operacional, tomou conhecimento da imobilização da viatura com a matrícula 30-..-.. nas circunstâncias referidas em 11., através de comunicação recebida pelo operador da central de comunicações, Gonçalo N., proveniente de um funcionário de obra civil da «Brisa Conservação de Infraestruturas, S.A.».
· Em virtude da referida comunicação, o indicado operador da central de comunicações accionou, de imediato, pelas 09h53m27s, o painel de mensagem variável (PM 5), existente aio quilómetro 12,350 naquele sentido de trânsito (Norte/Sul), com a mensagem “Viatura Avariada a 3Km - Seja Prudente”, com o intuito de avisar e prevenir os utentes daquela auto-estrada.
· Imediatamente, a centro de comunicações do C.C.O. deu também indicações ao mecânico de serviço da «Brisa Operação & Manutenção», José C. (viatura 9032), que se encontrava em missão de patrulhamento na zona de intervenção do Centro Operacional de Coina, para se deslocar ao local em questão, em socorro e protecção, a fim de prestar assistência ao condutor do veículo com a matrícula 30-..-...
· Ao chegar ao local, pelas 09h54m, o referido mecânico apenas constatou que a viatura com a matrícula 30-..-.. se encontrava imobilizada, sendo recuperado da berma direita da estrada um objecto metálico.
· A situação ficou resolvida pelas 11h18.
· A auto-estrada A2 é patrulhada pela ré «Brisa – Auto Estradas de Portugal, S.A.» e, intervaladamente, pela GNR/BT, durante 24 horas sobre 24 horas, todos os dias do ano.
· Os serviços de “obra civil” da ré percorrem de carro e a pé a A2 para verificação das suas infra-estruturas.
· O objecto metálico que embateu na viatura com a matrícula 30-..-.. trata-se de uma parte de um veículo pesado.

***
III- Fundamentos de Direito:

Como é sabido, são as conclusões que delimitam o âmbito do recurso. Por outro lado, não deve o tribunal de recurso conhecer de questões que não tenham sido suscitadas no tribunal recorrido e de que, por isso, este não cuidou nem tinha que cuidar, a não ser que sejam de conhecimento oficioso.
De acordo com as conclusões do recurso, estará em causa aqui apreciar:
- da impugnação da matéria de facto;
- da responsabilidade civil da apelante/Ré.

· Da impugnação da matéria de facto:
Diz a apelante/Ré que não se fez prova da matéria constante do ponto 19 da matéria assente, conforme resulta do depoimento da testemunha David E., gestor de sinistros, e do doc. de fls. 26 dos autos. Mais refere, quanto à restante factualidade, que não se provou a culpa da Brisa, de acordo com o depoimento da testemunha Pedro L..
A A./apelada sustenta a manutenção da matéria assente.
Vejamos.
De acordo com o princípio consagrado no art. 607, nº 5, do C.P.C. de 2013, o tribunal aprecia livremente as provas e fixa a matéria de facto em conformidade com a convicção que haja firmado acerca de cada facto controvertido, salvo se a lei exigir para a existência ou prova do facto jurídico qualquer formalidade especial, caso em que esta não pode ser dispensada. As provas são assim valoradas livremente, sem qualquer grau de hierarquização nem preocupação do julgador quanto à natureza de qualquer delas.
Os poderes do tribunal da Relação de alteração da decisão de 1ª instância sobre a matéria de facto foram, por seu turno, largamente ampliados e reforçados pelo C.P.C. de 2013, como decorre do seu atual art. 662, no confronto com o anterior art. 712 do C.P.C. 1961.
No entanto e ao mesmo tempo, a impugnação da decisão relativa à matéria de facto obedece a determinadas exigências que surgem agora mais precisas que no anterior C.P.C. de 1961 e cuja observância não pode deixar de ser apreciada à luz de um critério de rigor().
Assim, de acordo com o atual art. 640, nº 1, do C.P.C.: “Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:
a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;
b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.”
No que toca à especificação dos meios probatórios, incumbe ainda ao recorrente “sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes” (art. 640, nº 2, al. a)).
Finalmente, tais regras terão de compaginar-se com aquela outra já indicada de que as conclusões delimitam o âmbito do recurso (art. 635, nº 4).
Assim, e em síntese, ao recorrente que impugne a matéria de facto caberá indicar os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados (aos quais deve aludir na motivação do recurso e sintetizar nas conclusões), especificar os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que, em seu entender, impunham decisão diversa quanto a cada um desses factos e propor, ainda, a decisão alternativa sobre cada um deles. A não observância de tais regras implicará a rejeição imediata do recurso.
Da leitura das alegações e das conclusões do recurso resulta que, para além do que respeita ao ponto 19 da matéria assente, não foi dado o mínimo cumprimento às indicadas exigências legais.
Com efeito, muito embora a apelante pareça discordar da factualidade assente no que toca à dinâmica do acidente, limita-se, no corpo da alegação, a afirmar que nessa parte “se impõe a reapreciação da matéria de facto, realçando-se que a velocidade de circulação permitida no local onde ocorreu o sinistro em apreço, é limitada a 120 Km/hora, não podendo a Apelante prever a imprevidência dos seus utentes, a qual resulta evidente do depoimento prestado pelo condutor da viatura.” Já nas conclusões nada diz a tal propósito.
É, assim, evidente que a recorrente não enuncia, para além do referido ponto 19, os concretos pontos da matéria julgada assente que impugna nem propõe, quanto a cada um deles, a resposta alternativa, tal como não especifica os meios probatórios que justificariam, uma a uma, as alterações propostas. Ou seja, a apelante não identifica, com a indispensável precisão e clareza, e para além daquele ponto 19, quais os outros concretos factos que, afinal, em seu entender, deveriam considerar-se provados ou que, tendo sido julgados provados, deveriam considerar-se não provados, nem enuncia o teor de outros que cumpriria aditar ou qual a redação alternativa proposta quanto a qualquer dos pontos assentes de que discorde.
A omissão verificada compromete, de forma irremediável, o eventual recurso quanto à decisão de facto nessa parte, pois, como dissemos, a inobservância dos requisitos previstos no art. 640 do C.P.C. impõe logo a rejeição do recurso na parte correspondente, sem lugar a aperfeiçoamento.
Isto posto, passemos à análise do dito ponto 19.
Deu-se na sentença como provado sob o ponto 19 que: “Em cumprimento do acordo referido em 2., a autora pagou à proprietária do veículo a quantia total de € 8.677,65 (oito mil e cinquenta seiscentos e setenta e sete euros e sessenta e cinco cêntimos), descritos na factura n.º OHS/1070/2015, vencida em 26/06/2015, constante de fls. 26 e cujo teor se dá por reproduzido.”
Defende a apelante que não se fez prova de tal matéria, apontando, para tanto, o depoimento da testemunha David E., gestor de sinistros, e o documento junto a fls. 26 dos autos. Diz, por outro lado, que para além do não ter ficado provado qualquer pagamento feito pela A. à segurada, sempre ao valor da reparação teria de ser deduzida a percentagem de 2% respeitante à franquia convencionada no contrato de seguro.
A apelada, por sua vez, contrapõe que os aludidos meios de prova sustentam aquela resposta.
Na sentença refere-se, na motivação da resposta à matéria de facto, e tendo em conta a retificação de fls. 484 (relativa aos concretos pontos a que respeita a justificação), o seguinte: “(…) Ficaram provados os factos vertidos sob 18. e 19. tendo a sustentá-los o depoimento coerente e sincero da testemunha David E., gestor de sinistros, ao serviço da autora desde 2005, em conjugação com os documentos fls. 122 a 133, de fls. 26 e de fls. 29, que consolidaram o depoimento da testemunha, o qual asseverou com segurança e tranquilidade que tratou de todo o processo de sinistro em causa, desde a sua abertura, com a respectiva participação, passando pelo apuramento de responsabilidades, pela avaliação de danos e pelo pagamento da indemnização, explicando que esse sinistro foi participado à autora pela assistência em viagem, mas não se tendo deslocado ao seu local, antes tendo conhecimento que, após a participação do sinistro, o veículo acidentado foi para a oficina, sucedendo-se a peritagem para avaliação dos danos, com a elaboração do respectivo relatório e a subsequente reparação do veículo, com a sua entrega à «Leaseplan», à qual a autora pagou o valor dessa reparação, tendo essa empresa, por sua vez, pago o preço à oficina, esclarecendo a testemunha que o contrato de seguro em causa celebrado com aquela empresa tem cobertura de danos próprios e uma franquia, mas não tendo sido cobrada a franquia à segurada pois a mesma não é debitada enquanto não se apura a responsabilidade pela produção do sinistro, não tendo a autora pago a paralisação da  viatura, logrando a testemunha convencer o tribunal da realidade de quanto asseverou, atenta a serenidade e franqueza de que se dotou o seu depoimento, o qual foi sustentado pelo teor dos documentos fls. 122 a 133 (correspondente à cópia do relatório da peritagem, com a descrição e valor dos danos verificados no veículo seguro), de fls. 26 (correspondente à cópia da factura emitida à «Leaseplan», com o valor da reparação da sua viatura) e de fls. 29 (correspondente ao suporte em papel do registo informático do pagamento à «Leaseplan» do preço da dita reparação, no valor correspondente ao da factura). (…).”
A resposta dada não nos merece reparo.
Com efeito, a testemunha David E., gestor de sinistros da A. que, no âmbito das suas atribuições, se ocupou do caso em apreço, confirmou em audiência a verificação dos danos no veículo PJ, o valor correspondente e o pagamento do custo de reparação pela A. à L.P.P.no montante de € 8.677,65, explicando ser esse o procedimento habitual daquela Seguradora. Mais explicou que não é prática da A. cobrar a franquia ao segurado enquanto não é apurada a responsabilidade e que, se houver sucesso no reembolso, nem sequer lha debita. Mais referiu que foi a L.P.P.quem suportou o encargo da paralisação da viatura, pelo que a A. apenas lhe pagou o custo da reparação. Por sua vez, o documento de fls. 122 a 133 confirma os danos e o custo dessa reparação, enquanto o documento de fls. 26 corresponde à fatura emitida em nome daquela L.P.P.
De resto, não se suscitam nos autos dúvidas razoáveis de que a L.P.P.acionou, efetivamente, a cobertura de danos próprios contratados com a A., tendo esta, através da carta de fls. 27, de 2.7.2015, remetida à Ré, solicitado o reembolso do custo da reparação, enviando a participação do segurado, o relatório de peritagem e a fatura de reparação (cfr. pontos 20 e 21 supra).
A indicada testemunha revelou, ao depor, idoneidade e conhecimento dos factos em apreço de molde a permitir a convicção do tribunal, não havendo, por outro lado, razões para crer que a A. não tenha indemnizado a proprietária do veículo nos termos indicados, tanto mais que teria em seu poder a referida fatura de fls. 26.
É, assim, de manter o ponto 19 supra.
Em conclusão, mantém-se a resposta ao dito ponto 19 e rejeita-se, no mais, o recurso sobre a decisão da matéria de facto, com o que se mantém inalterada a factualidade fixada em 1ª instância.

· Da responsabilidade civil da apelante/Ré:
Na sentença, concluiu-se que a A. se sub-rogara no direito da proprietária do veículo sinistrado e que, tendo o acidente ocorrido em auto-estrada concessionada pela Ré Brisa, recai sobre esta uma presunção legal de culpa nos termos do art. 12, nº 1, da Lei nº 24/2007, de 18.7.
Entendeu-se, por outro lado, que a referida Ré não ilidiu a presunção de cumprimento que sobre ela impendia, concluindo-se: “(…) Nesse conspecto, para que se possa afastar a presunção legal de culpa contida nas alíneas a), b) e c), do n.º 1, do art.º 12.º, da Lei n.º 24/2007, de 18 de Julho, não é suficiente que a concessionária alegue e demonstre que cumpriu genericamente as suas obrigações de vigilância ou que procedeu à implementação de medidas destinadas a evitar a presença de objectos, de animais ou de líquidos nas faixas de rodagem, incluindo durante o intervalo temporal em que os mesmos permaneceram na via e no local onde o sinistro teve lugar, antes se exigindo que aquela demonstre que, na situação concreta, a presença do objecto, do animal ou do líquido na via não se deve a incumprimento seu da obrigação de impedir essa presença.
Da factualidade assente não conseguimos extrair como é que o objecto em causa alcançou a faixa de rodagem e veio nela a permanecer, nem durante quanto tempo, nem a razão pela qual ali permaneceu o tempo suficiente para ocasionar a colisão, apenas se sabendo que não pertencerá à infra-estrutura da auto-estrada e sim a algum veículo.
Como se referiu, não se apurou qualquer facto apto a demonstrar ser imputável ao condutor do veículo a produção do sinistro.
O objecto em questão pode ter caído involuntariamente de outro veículo, pode ter sido arremessado por utente da auto-estrada (condutor ou passageiro) ou até ali colocado por terceiro que permaneceu na sua proximidade ou pode tratar-se inclusivamente de algum vestígio de sinistro anterior que a ré não removeu, sendo inúmeras as causas subjacentes à permanência do objecto na faixa de rodagem, as quais são desconhecidas.
Em todo o caso, o que resultou demonstrado foi o cumprimento genérico das obrigações que sobre a ré impendem de vigilância e de conservação da A2, impostas pelo contrato de concessão.
A ré não conseguiu, no entanto, fazer prova do cumprimento do concreto dever de assegurar permanentemente, em boas condições de segurança, a circulação viária no lanço concreto (Base XLIV, n.º 1 do DL n.º 242/2006, de 28 de Dezembro), uma vez que aquele objecto de metal, não obstante os factos provados, encontrava-se efectivamente na faixa de rodagem e a ré não fez prova de que tal facto não lhe é imputável.
Assim, nada de concreto se provou quanto à real causa do aparecimento do objecto na via.
À ré incumbia, para ilidir a presunção de culpa que sobre si incide, provar que, neste concreto caso, o objecto permanecia na faixa de rodagem da A2 de forma incontrolável para si ou que lá foi colocado por determinado terceiro, propositada ou negligentemente, o que não alegou e, logo, não demonstrou.
Perante quanto se deixou exarado, conclui-se que a ré não conseguiu ilidir a presunção de culpa que sobre si impende, além de ter a autora demonstrado que foi praticado um facto ilícito (porquanto violador de norma destinada a proteger interesse alheio) e gerador de danos, incumbindo, pois, à ré o ressarcimento das perdas causadas. (…)”.
A apelante sustenta no recurso, por sua vez, que não se provou a sub-rogação e que ilidiu a presunção de incumprimento, mostrando-se que agiu conforme lhe é exigido pelo Contrato de Concessão.
A A./apelada sustentou o acerto da decisão.
Analisando.
Em primeiro lugar, através da presente ação visa a A. obter o reembolso do montante despendido com a segurada Lease Plan, com base na sub-rogação prevista no art. 136 do DL nº 72/2008, de 16.4 (regime jurídico do contrato de seguro), e, subsidiariamente, de acordo com o regime geral estabelecido nos arts. 589 a 594 do C.C..
Mantendo-se inalterado o ponto 19 supra, e estando, assim, provado que a A. pagou à proprietária do veículo a quantia total de € 8.677,65, indicada na fatura de fls. 26, vencida em 26.6.2015, ficou a mesma sub-rogada no direito da referida lesada.
Isto posto, passemos à apreciação da responsabilidade da Ré.
Provado ficou que a Ré Brisa-Concessão Rodoviária, S.A., é a concessionária do Estado Português para a construção, conservação e exploração da Auto-Estrada A2 onde ocorreu o sinistro dos autos (pontos 23 e 3 supra).
Nos termos do disposto no nº 2 da Base XXXVI anexa ao DL nº 294/97, de 24.10 (que revê o contrato de concessão da Brisa-Auto-Estradas de Portugal, S.A.)(), “A concessionária será obrigada, salvo caso de força maior devidamente verificado, a assegurar permanentemente, em boas condições de segurança e comodidade, a circulação nas auto-estradas, quer tenham sido por si construídas quer lhe tenham sido entregues para conservação e exploração, sujeitas ou não ao regime de portagem”.
Dispõe, ainda, o nº 1 da Base XXXVII que: “A concessionária é obrigada a assegurar a assistência aos utentes das auto-estradas que constituem o objecto da concessão, nela se incluindo a vigilância das condições de circulação, nomeadamente no que respeita à sua fiscalização.”
Preceitua, por outro lado, o nº 1 da Base XLIX que: “Serão da inteira responsabilidade da concessionária todas as indemnizações que, nos termos da lei, sejam devidas a terceiros em consequência de qualquer actividade decorrente da concessão”.
Está, assim, a Brisa obrigada a manter as auto-estradas em bom estado de conservação, assegurando a circulação em condições de segurança e comodidade.
Já a Lei nº 24/2007, de 18.7, veio pôr termo à controvérsia existente quanto à qualificação jurídica da responsabilidade do concessionário de auto-estrada, ao regular a distribuição do ónus da prova.
O seu art. 1º “define direitos dos utentes nas vias rodoviárias classificadas como auto-estradas concessionadas, itinerários principais e itinerários complementares e estabelece, nomeadamente, as condições de segurança, informação e comodidade exigíveis, sem prejuízo de regimes mais favoráveis aos utentes estabelecidos ou a estabelecer.”
O mesmo Diploma “aplica-se às auto-estradas concessionadas, itinerários principais e itinerários complementares, nos termos do Plano Rodoviário Nacional (PRN) vigente, dotados de perfil transversal com faixas separadas e, no mínimo, com duas vias em cada sentido.” (art. 2, nº 1).
Estabelece, por outro lado, o art. 12 da mesma Lei, sob a epígrafe “Responsabilidade”, que: “1 - Nas auto-estradas, com ou sem obras em curso, e em caso de acidente rodoviário, com consequências danosas para pessoas ou bens, o ónus da prova do cumprimento das obrigações de segurança cabe à concessionária, desde que a respectiva causa diga respeito a:
a) Objectos arremessados para a via ou existentes nas faixas de rodagem;
b) Atravessamento de animais;
c) Líquidos na via, quando não resultantes de condições climatéricas anormais.
2 - Para efeitos do disposto no número anterior, a confirmação das causas do acidente é obrigatoriamente verificada no local por autoridade policial competente, sem prejuízo do rápido restabelecimento das condições de circulação em segurança.
3 - São excluídos do número anterior os casos de força maior, que directamente afectem as actividades da concessão e não imputáveis ao concessionário, resultantes de:
a) Condições climatéricas manifestamente excepcionais, designadamente graves inundações, ciclones ou sismos;
b) Cataclismo, epidemia, radiações atómicas, fogo ou raio;
c) Tumulto, subversão, actos de terrorismo, rebelião ou guerra.”
Do que vimos de expor resulta estar a Ré Brisa obrigada aos procedimentos de segurança exigíveis em conformidade com o nº 1 do referido art. 12, cabendo-lhe o ónus da prova do cumprimento dessas obrigações.
Em face da factualidade acima descrita, mostra-se claramente afastada qualquer responsabilidade do condutor do veículo PJ na eclosão do acidente.
Assim, cumpre verificar se a referida Ré e ora apelante cumpriu o ónus que sobre si impendia.
Como vimos, a Lei nº 24/2007 veio reforçar a proteção a conceder aos utentes de auto-estradas concessionadas, itinerários principais e itinerários complementares, determinando que, na ausência da prova da culpa do condutor na produção de acidente, recaísse sobre a concessionária o ónus de demonstrar o cumprimento das inerentes obrigações de segurança, sob pena de, não o fazendo, assumir a responsabilidade pelo ressarcimento dos prejuízos assim provocados em pessoas e bens.
A necessidade de, por esta forma, se atribuir às empresas concessionárias o ónus da prova prende-se, principalmente, com a circunstância de ser para elas mais fácil demonstrar o cumprimento de um dever próprio do que ao lesado provar uma conduta omissiva daquela. São aquelas entidades que, por terem a seu cargo a atividade de operação e manutenção das vias respetivas e disporem dos meios técnicos e logísticos necessários, pessoais e materiais, melhor conseguirão identificar os perigos ou o apuramento das circunstâncias que rodeiam acidentes devidos a obstáculos existentes nas mesmas vias, tarefa especialmente dificultada aos utentes ou a terceiros.
A norma do nº 1 do referido art. 12 constitui, por isso, um comando de natureza excecional, à semelhança do art. 493, nº 1, do C.C., criado por razões de equidade na distribuição do ónus da prova e apenas para as situações ali previstas, obstando aos efeitos negativos que resultavam da qualificação das mesmas no âmbito da responsabilidade aquiliana.
A questão está em saber como deve tal entidade ilidir a presunção de incumprimento que sobre si recai, de acordo com o referido art. 12, nº 1, da Lei nº 24/2007.
Concordamos que nessa avaliação não podem ignorar-se as inevitáveis limitações da entidade concessionária na execução da sua tarefa, compreendendo-se que esta não poderá assegurar em absoluto as condições de segurança e reduzir simplesmente a zero o risco de acidente rodoviário nas condições referidas no nº 1 do art. 12. Mas tal não deve traduzir-se na condescendência com uma atuação que não seja claramente diligente e esforçada no sentido de garantir a segurança da circulação em vias onde se espera uma manutenção e vigilância adequadas.
Tanto mais que, tratando-se de auto-estradas, a velocidade de referência será a de 120 km/h a 140 km/h (cfr. Base XXII, nº 9, anexa ao DL nº 294/97).
Dito de outro modo, não podemos prescindir, nessa apreciação, de critérios de elevada exigência no cumprimento das obrigações da entidade responsável.
Como se disse no Ac. do STJ de 14.3.2013(): “(…) Não se ignoram as dificuldades inerentes à boa execução de uma tal tarefa por parte da concessionária. Com as considerações anteriores também não se pretende elevar a exigência a um tal patamar que torne inexequível o cumprimento das suas obrigações ou que implique a perda da rentabilidade da exploração.
No entanto, a mera constatação da impossibilidade de se garantir a infalibilidade de um sistema apto a evitar a entrada, detectar a existência ou determinar a retirada de animais ou de outros objectos da faixa de rodagem que, pelas suas dimensões, possam constituir efectiva fonte de perigo, não pode redundar no abrandamento do grau de diligência a um ponto em que a liberação da responsabilidade da concessionária acabe por penalizar os condutores ou terceiros que, sem qualquer responsabilidade e fiados na existência de condições de segurança, sofram danos.
Atenta a natureza da via concessionada, o elevado grau de sofisticação da actividade e a experiência acumulada pela concessionária, a apreciação do cumprimento do dever de diligência, segundo o padrão do “bom pai de família”, a que alude o art. 487º, nº 2, do CC, deve guindar-nos a um plano de elevada exigência, tendo em conta, além do mais, que a mesma exerce uma actividade lucrativa, devendo, por isso, mobilizar meios humanos, materiais e financeiros ajustados a evitar incidentes semelhantes.
Por isso, apenas poderia considerar-se elidida a presunção de incumprimento em face de um conjunto de factos que revelassem uma acrescida preocupação pela vigilância daquele troço da auto-estrada. (…).”
Em suma, caberá à entidade responsável, em cumprimento do ónus de prova que sobre si impende nos termos do nº 1 do art. 12 da Lei nº 24/2007, demonstrar que encetou todos os procedimentos adequados e se rodeou de todas as cautelas necessárias ao seu alcance tendentes a evitar o concreto perigo a que ali se alude para os utentes da via.
Vasta jurisprudência vem, por isso, defendendo que para ilidir a referida presunção de incumprimento não basta a prova genérica de que houve passagens da equipa de assistência e/ou de que não foi detetada ou comunicada a presença do objeto, do animal ou do líquido na via().
Com efeito, dispõe o art. 350, nº 2, do C.C., que as presunções legais podem ser ilididas mediante prova em contrário, o que significa que para ilidir a presunção o onerado com a mesma terá de demonstrar que o facto presumido não ocorreu, não sendo suficiente colocar em dúvida a verificação desse facto().
No caso, e quanto à dinâmica do acidente, apurou-se que no dia 19.3.2015, pelas 10,00h, o veículo PJ seguro na A., circulava na autoestrada A2, no sentido Norte-Sul, seguindo o seu condutor atento à condução, à estrada e a velocidade não superior ao limite legal, pela faixa do lado esquerdo, porque efetuava uma ultrapassagem. A via em que o condutor circulava era uma reta com boa visibilidade, sendo o piso alcatrão antiderrapante, não chovia e o piso apresentava-se seco. Subitamente, ao quilómetro 15,200, surgiu na faixa de rodagem e no sentido em que aquele veículo circulava, um objeto metálico, não existindo no local qualquer sinalização que advertisse os condutores da existência de obstáculos na via, incluindo um objeto metálico que obstruísse a via. O condutor do veículo PJ não conseguiu travar e desviar-se, embatendo no referido objeto metálico com a parte inferior do veículo, tendo este perdido a direção assistida e ficado imobilizado, perdendo óleo.
Provou-se, ainda, que o referido objeto seria parte de um veículo pesado, sendo desconhecida a sua origem.
No que toca ao procedimento da concessionária – e afastada a culpa do condutor do veículo PJ nos moldes atrás descritos – apurou-se que a Ré Brisa e a GNR/BT patrulham a auto-estrada A2, durante 24 horas sobre 24 horas, todos os dias do ano e que os serviços de “obra civil” da Ré percorrem de carro e a pé a A2 para verificação das suas infra-estruturas.
Demonstrado ficou também que, cerca de 2h11m antes do descrito sinistro, um dos carros de patrulha da Brisa O&M, S.A., passou no local e nada detetou, que a Ré realiza inspeções regulares à A2, com o máximo de três horas de intervalo, que a patrulha da Brisa O&M, S.A., que realiza a patrulha das vias concessionadas, nada de anormal detetou, nem foi avisada, por qualquer utente da mesma, de que na autoestrada estivesse objeto algum nas descritas circunstâncias, e que os agentes da GNR-BT também nada de anormal detetaram antes da ocorrência do sinistro.
Igualmente se apurou que a Ré assistiu de imediato o condutor do veículo PJ, passando a assinalar aos demais utentes da via a existência da viatura avariada naquele local.
Trata-se, ainda assim, de factualidade insuficiente para afastar a referida presunção de incumprimento.
Com efeito, não resulta da mesma que a Ré, dentro dos elevados padrões de exigência no cumprimento a considerar, tenha esgotado todas as possibilidades que estavam ao seu alcance para, num plano de razoabilidade, aperceber-se do objeto metálico na faixa de rodagem e promover a sua retirada da via, procedendo, entretanto, à imediata e precoce sinalização do perigo.
Na verdade, para além de referências, genéricas e tabelares, aos procedimentos habituais da concessionária e ao cumprimento abstrato das suas obrigações de vigilância, temos apenas que no local passou um dos carros de patrulha da Brisa O&M, S.A., cerca de 2h11m antes do descrito sinistro, e nada detetou, tal como nada foi denunciado ou detetado pelas patrulhas da Ré ou da GNR-BT.
Não se provou, nem foi alegado, se está instalado na referida auto-estrada A2 e em funcionamento, na ocasião, algum sistema de vigilância eletrónica (por meio de câmaras digitais, de vídeo ou fotográficas) que permitisse a deteção (em tempo real) de um objeto estranho no local como o que ocasionou o acidente dos autos (e que facilitaria a demonstração das circunstâncias, de tempo e modo, em que o objeto surgiu na via), ou se é, por exemplo, feita monitorização e controle de tráfego que permita, nomeadamente, detetar o deficiente acondicionamento da carga em viaturas de transporte ou outras, por forma a prevenir eventuais quedas ou derramamento de objetos inadequadamente transportados.
Ficou por esclarecer, afinal, de que forma surgiu tal objeto na via que pode, simplesmente, ter-se desprendido de algum veículo, ter sido arremessado para a via ou até respeitar a vestígio de sinistro anterior que não foi adequadamente removido, como se refere na sentença. Apenas se provou que o referido objeto seria parte de um veículo pesado, sendo desconhecida a sua origem.
Nestas circunstâncias, e desconhecendo-se qualquer explicação para a existência do referido objeto na via, cremos que será a favor do lesado/utente, e não da concessionária, que a dúvida terá de resolver-se, de acordo com o disposto no nº 1 do art. 12 da referida Lei n° 24/2007 e no art. 350 do C.C..
Como se referiu no Ac. da RP de 17.11.2009(), num caso em que o atravessamento de um cão esteve na origem do acidente rodoviário em auto-estrada concessionada: “(…) A prova em contrário só pode ser feita mediante a demonstração que o facto ou a situação jurídica presumida não ocorreram e não simplesmente pela demonstração de factos que coloquem em dúvida a existência do facto ou da situação jurídica presumida[…].
Daí que a ilisão da presunção de culpa estabelecida pelo referido artigo 12º, n.º 1, b), da Lei 24/2007, de 18.7, não possa ser feita pela simples prova do cumprimento genérico pela concessionária de medidas por si implementadas destinadas a evitar a presença de animais nas faixas de rodagem, mesmo que esse cumprimento abranja o tempo e o espaço em que ocorreu o acidente.
Se a prova destes factos é susceptível de criar a dúvida sobre a responsabilidade da concessionária pela ocorrência do acidente, não consegue a prova do contrário, ou seja de que a culpa do acidente não é imputável à concessionária da auto-estrada. (…).”
Assim, mesmo não reivindicando aqui uma específica demonstração da culpa de terceiro na ocorrência, pensamos que a apelante/Ré não logrou fazer concreta prova, como lhe competia, da adequada utilização de meios de que dispunha por referência aos elevados padrões de exigência que lhe estão impostos.
Bastar-nos com a demonstração de que a indicada via é patrulhada regularmente e que tal sucedeu nesse mesmo dia cerca de duas horas antes do sinistro, seria abrir “a porta para que uma mera aparência de vigilância e controlo fosse suficiente para libertar a concessionária de responsabilidade.”()
Perante a fragilidade da matéria provada quanto à conduta da apelante/Ré não é assim possível concluir que a mesma esgotou todas as possibilidades ao seu alcance para obstar à existência do objeto metálico na via e/ou promover a sua rápida deteção e remoção, com imediata e devida sinalização do perigo.
Não logrou, em suma, a apelante/Ré fazer prova do efetivo e adequado cumprimento das obrigações de segurança que sobre si impendiam e lhe são exigíveis, pelo que não cumpriu o ónus a que alude o art. 12, nº 1, da mencionada Lei nº 24/2007, como se entendeu em 1ª instância.
Assim sendo, é a mesma responsável pelos prejuízos decorrentes do sinistro perante a A., sub-rogada no direito da lesada, conforme decidido.
                                                   ***
IV- Decisão:
Termos em que e face ao exposto, acordam os Juízes desta Relação em julgar improcedente a apelação, mantendo a sentença recorrida.
Custas pela apelante/Ré.
Notifique.
                                        ***

Lisboa, 05.06.2018

Maria da Conceição Saavedra
                                                                      
Cristina Coelho
                      
Luís Filipe Pires de Sousa