Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
103/16.0GACRZ.G1
Relator: FÁTIMA SANCHES
Descritores: CONTINUIDADE DA AUDIÊNCIA
IRREGULARIDADE PROCESSUAL
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 05/15/2023
Votação: MAIORIA
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: SECÇÃO PENAL
Sumário:
I- Antes da alteração legislativa produzida pela Lei nº 27/2015, de 14.04, estatuía o nº6 do artigo 328º do Código de Processo Penal, na redação conferida pela Lei nº 48/2007, de 29.08, com a Retificação da Lei nº 105/2007, de 09.11, que “O adiamento não pode exceder 30 dias. Se não for possível retomar a audiência neste prazo, perde eficácia a produção de prova já realizada.”
II- A Lei nº 27/2015, de 14.04, de forma consciente e deliberada eliminou a cominação da perda de eficácia da prova anteriormente produzida quando o adiamento excedesse 30 dias.
III- Assim, atualmente, em caso de início de produção de prova e ocorrendo adiamento de julgamento por prazo superior a 30 dias, não fundamentado nos termos previstos nos nºs 5 e 6 do artigo 328º, verifica-se uma mera irregularidade, nos termos do artigo 118º, nºs 1 e 2, do CPP.
Decisão Texto Integral:
Acordam os Juízes da Secção Penal do Tribunal da Relação de Guimarães:
           
I. RELATÓRIO
           
1. No processo comum coletivo, com o NUIPC º103/16.... que corre termos no Tribunal Judicial da Comarca ..., foi proferido acórdão [referência ...22], em 05-05-2022, com o seguinte dispositivo (transcrição):

«IV. DECISÃO:
Nesta conformidade, acordam os juízes que compõem este Tribunal Colectivo em julgar a acusação pública parcialmente procedente por provada e, em consequência, decidem:
A. Absolver o arguido AA, em autoria material e na forma consumada, na prática de Um crime de furto qualificado, p. e p. pelos art.ºs 203.º, n.º 1 e 204.º, n.º 1, al.ª a) [por referência ao disposto no art.º 202.º, al.ª a)] e n.º 2, al.ª e) [por referência ao disposto no art.º 202.º, al.ª f)], todos do Código Penal;
B. Absolver o arguido BB, em autoria material e na forma consumada, na prática de um crime de recetação agravado, p. e p. pelo art.º 231.º, n.ºs 1 e 4 do Código Penal;
*
1. Condenar o arguido AA, em autoria material e na forma consumada, na prática de um crime de furto qualificado, p. e p. pelos art.ºs 203.º, n.º 1 e 204.º, n.º 1, al.ª a) [por referência ao disposto no art.º 202.º, al.ª a)] e al.ª f), todos do Código Penal, na pena de 12 meses de prisão;
2. Condenar o arguido AA, em autoria material e na forma consumada pela prática de um crime de detenção de arma proibida, p. e p. pelo art.º 86.º, n.º 1, al.ª d) da Lei n.º 5/2006, de 23 de Fevereiro, na pena de 5 meses de prisão;
3. Condenar o arguido AA, pela prática em co-autoria material e na forma consumada, de um crime de tráfico e mediação de armas, p. e p. pelo art.º 87.º, n.º 1 da Lei n.º 5/2006, de 23 de Fevereiro, na pena de 3 anos de prisão.
4. Em cúmulo jurídico das penas parcelares referidas em 1 a 3, em face do concurso real e efectivo de crimes que se afirma, aplicar ao arguido AA a pena única de 3 (três) anos e 6 (seis) meses de prisão, suspensa por igual período, sujeito a regime de prova, cfr. o disposto no artigo 50.º, nºs 2 e 5 do C.P.
5. Condenar o arguido BB, em autoria material e na forma consumada, pela prática de um crime de recetação, p. e p. pelo art.º 231.º, n.ºs 1 do Código Penal na pena de 12 meses de prisão;
6. Condenar o arguido BB, em autoria material e na forma consumada, pela prática de um crime de detenção de arma proibida, p. e p. pelo art.º 86.º, n.º 1, al.ª d) da Lei n.º 5/2006, de 23 de Fevereiro, a pena de 5 meses de prisão;
7. Condenar o arguido BB, pela prática pela prática em co-autoria material e na forma consumada, de um crime de tráfico e mediação de armas, p. e p. pelo art.º 87.º, n.º 1 da Lei n.º 5/2006, de 23 de Fevereiro, na pena de 2 anos e 8 meses de prisão.
8. Em cúmulo jurídico das penas parcelares referidas em 5 a 7, em face do concurso real e efectivo de crimes que se afirma, aplicar ao arguido BB a pena única de 3 (três) anos e 2 (dois) meses de prisão, suspensa por igual período, cfr. o disposto no artigo 50.º, n.º 5 do C.P.
9. Condenar o arguido CC pela prática em autoria material e na forma consumada, de um crime de detenção de arma proibida, p. e p. pelo art.º 86.º, n.º 1, al.ª c) da Lei n.º 5/2006, de 23 de Fevereiro, a pena de 300 dias de multa, à taxa diária de 5€, o que perfaz o montante global de 1500€, cfr. o disposto no artigo 47º, nº 2 do Código Penal.
10. Ainda se decide condenar cada um dos arguidos no pagamento das custas criminais, fixando-se a taxa de justiça de cada um em 4 (quatro) UC’s, nos termos dos artigos 513.º e 514º, ambos do Código de Processo Penal, e artigo 8.º, n.º 5 do Regulamento das Custas Processuais e Tabela III anexa a este.
*
As munições e armas apreendidos aos arguidos AA, BB e CC, melhor id. a fls. 118 e 119 (ver fls. 208 a 210), 131 (ver fls. 132 e 133) e 142 e 143 (ver fls. 230, 231, 232, 233, 234, 236, 238, 240, 245 e 246), declaram-se perdidas a favor do Estado, nos termos do disposto no art.º 109.º, n.º 1 do Código Penal e entregues à guarda da PSP, que promoverá o seu destino, nos termos do disposto no art.º 78.º, n.º 1 da Lei n.º 5/2006, de 23 de Fevereiro.
Relativamente aos demais objetos apreendidos aos arguidos AA e BB, declaram-se perdidos a favor do Estado, nos termos do disposto no art.º 110.º, n.º 1, al.ªs a) e b) do Código Penal.»

2. Inconformado com a decisão condenatória, dela veio o arguido BB interpor o presente recurso, que, após dedução da motivação, culmina com as seguintes conclusões (transcrição):
«CONCLUSÕES

A) O presente recurso recai sobre o douto Acórdão proferido nestes autos, que decidiu condenar o arguido/recorrente BB:

- como autor em autoria material e na forma consumada, pela prática de um crime de recetação, p.p. pelo art.º 231º, n.ºs 1, do Código Penal na pena de 12 meses de prisão;
- como autor material e na forma consumada, pela prática de um crime de detenção de arma proibida, p.p. pelo arigo 86º, n.º 1, alínea d) da Lei n.º 5/2006, de 23 de Fevereiro, a pena de 5 meses de prisão;
- em co-autoria material e na forma consumada de um crime de tráfico e mediação de armas, p e p, pelo artigo 87, n.º 1, da Lei n.º 5/2006, de 23 de fevereiro, na pena de 2 anos e 8 meses de prisão;

Em cúmulo jurídico das penas parcelares referidas em 5 a 7, em face do concurso real e efetivo de crimes que se afirma, aplicar ao arguido BB a pena única de 3 (três) anos e 2 (dois) meses de prisão, suspensa por igual período, cfr. o disposto no artigo 50º, n.º 5, do CP.
B) Vem o recorrente interpor Recurso para este Venerando Tribunal, pois entende, como só pode entender, que a decisão justa e adequada, face à factualidade que deve considerar-se provada e não provada e a respetiva subsunção ao direito, apenas poderia ter conduzido em outra decisão.
C) Deu o Tribunal a quo como provados, os seguintes factos, com interesse para decisão nestes autos:
“3. (…) o arguido AA percorreu todas as divisões, nas quais lançou mão a um revólver – marca ..., com o n.º 4550, calibre 32 – e duas armas de caça - uma da marca ..., com o n.º ..., calibre 12mm e outra da marac ... com o n.º 77120, calibre 12mm – diversas caixas de munições calibre 32 – duas máquinas fotográficas – uma de marca ... e outra marca desconhecida , um álbum (….) oito relógios – da marca ... de cor ... (…) uma coleção de moedas antigas – onde continham vários valores e dos países de ... e Portugal – duas estatuetas de animais em madeira de cor ... – um elefante e um tigre – uma navalha com o cabo de cor ... e lâmina em forma de foice e uma navalha multifunções (...) de cor ..., tudo no valor total aproximado de €10.000,00 (dez mil euros). (…)
7. Depois, o arguido AA foi ter com o arguido BB, a quem exibiu os objetos que tinha subtraído ao ofendido CC e acordou com este a venda dos mesmos pela quantia aproximada de € 900,00 (novecentos euros).
8. O arguido BB aceitou comprar
tais objetos ao arguido AA, bem sabendo que este, atenta a sua condição social, não podia ser o legitimo proprietário de tão valioso espólio, bem sabendo que este não teria possibilidades de possuir objetos com tais caraterísticas.
9. O arguido BB adquiriu tais objetos ao arguido AA por preço muito inferior àquele que os mesmos valiam, com a intenção de obter para si benefício de natureza económica, que sabia não lhe ser permitido por lei, bem sabendo ainda que tinham sido obtidos mediante facto ilícito típico contra o património.
(…)
16. Realizada busca ao domicilio do arguido BB, sito na Rua ..., em ..., foi encontrado na sua posse e apreendido:
- 3 Moedas de 25$00 Comemorativa do dia da Criança 1979, 1 Moeda de 5$00 de 1993, 2 Moedas de 100$00 1992 e 1999, 1 Moeda de 100$00 em prata comemorativa do 25 de Abril, 1 Moeda de 25$00 de 1980, 1 Moeda de 1 $00 de 1995,3 Moeda de 10$00 de Cuproníquel, 11 Moedas de 20$00 de Cuproníquel, 1 Moeda de 50$00 de 1998, 1 Moeda de 20$00 em prata de 1966 (Ponte de Salazar), 1 Moeda de 20$00 em prata de 1966 (Ponte de Salazar) num Porta-chaves, 5 Moeda de XX centavos, 3 Moeda s de X Centavos, 3 Moedas de 20 centavos, 1 Moeda de 10 centavos em alumínio 1971, 1 Moeda de 500$00 - (Comemorativa 80 centenário do S. o António), 1 Moeda de 1 cêntimo, 6 Moedas de 8,00€ em prata comemorativas do Euro 2004, 1 Moeda de 50 centavos de ... 1927, 1 Moeda de 1111 macutas de ... 1927, 1 Moeda de 11 macutas de ... 1927, 1 Moeda de 1 macuta de ... 1927, 1 Moeda de 50 centavos da ... 1946,2 Moedas de 50 Francos (...) em Prata de 1976 e 1978, 1 Moeda de 10 francos (...) 1965 colocada num aro, 1 Moeda de 1 Franco ( Katanga ) 1961, 1 Moeda de 5 Dólares 1941 ( ... e com uma argola), 3 Moeda s de 5 Francos ( ...) 1983 (2) e 1974,1 Moeda de 1 Franco (...) 1970, 1 Moeda de 1/2 Franco (...) 1982, 1 Moeda de 20 cêntimos (...) 1994, 1 Moeda de 5 cêntimos (...) 1987, 83 moedas de 2$50, em Cuproníquel de variadas datas, 1 moeda de 2$50 de 1977 comemorativo centenário da morte de Alexandre Herculano, Moeda de 10 centavos em prata de 1915,60 Moedas de 5$00 em cuproníquel de variadas datas, 1 Moeda de 5$00 comemorativo mundial de hóquei 1982, 25 Moedas de 5$00 em latão níquel (amarelas) datas variadas, 7 moedas de 10$00 em latão níquel (amarelas) variadas datas, 4 moedas de 10$00 em latão níquel 1987, comemorativas Concelho da Europa, 78 moedas de 50 centavos em bronze variadas datas, 1 moeda de 50 centavos de 1971 de ..., 55 moedas de 1 $00 modulo menor em latão níquel variadas datas, 115 moedas de 1 $00 modulo maior em latão níquel
variadas datas, 1 Moeda de 1 $00 1972 comemorativo mundial de hóquei 1982, 1 Moeda de 5 pesetas 1996,33 Moedas de 1$00 em bronze de variadas datas, 1 Moeda de 1$00 em Alpaca de 1951, 5 Moedas miniaturas de 5$00, 1 Moeda miniatura de 25$00, 1 Moeda miniatura de 1$00.
- Uma Cruz em prata com a figura de Jesus Cristo, Um cubo pequeno em metal com um símbolo, Um Pin ..., Um Pin Expo 98, 2 Insígnias militares de cor ..., Uma corrente de pendurar relógios, Metade de uma pulseira de um relógio, Um cubo de dado em grande de cor ..., Um cubo de dado em pequeno, Uma pedra em cor ..., 6 moedas de Quarter Dollar (...), 1 moeda de 10 “Tem pence”, 16 moedas de 5 Ptas. (...), 3 moedas de 5 Ptas alusivas ao mundial futebol 82 (...), 2 moedas de 500 Pesetas, 1 moeda de 100 Pesetas, moeda 50 Ptas, 4 moedas de 25 Ptas, 6 moedas de Una Peseta, 1 moeda de 50 cêntimos (...), 2 moedas de 1 Peseta, 1 moeda de 10 centz (1949), 1 moeda de 5 Francos (DD), 2 moedas de 1 Franco (...), 1 moeda de 5 FranK (DD), 1 moeda de 50 FranK (DD),1 moeda 1/2 Franc 1977 (...), 2 moedas de 1/2 Francos (...), 1 moeda de 2$50 (...), 1 moeda de 5$00 ( ...), 1 moeda de 1 Escudo ( ...), 1 moeda de 1 Franco (EE), 1 moeda de 5 Escudos, 1 moeda de 5 Ptas Modulo menor, 1 moeda de 25 centavos (...), 2 moedas de 50 centavos (...), 1 moeda de 50 centavos 1994 (...), 1 moeda de 50 centavos 1957 (..., 1 moeda de 5 cêntimos 1980 ( ...), 1 moeda de 10 Francos 1988 ( ...), 1 moeda de 1 Penny 1940 (...), 1 moeda de 1 Penny 1987 ( ...), 1 moeda de 2 Pence 1978 (...), 1 moeda de 5 Pence 2008 (...), 1 moeda de 50 Pence 1997 (...), 1 moeda de 1 Libra 2002 (...), 1 moeda de 1 libra 2000 (...), 1 moeda de lIz Dolar 1965 (...), 1 moeda de 5 cêntimos de Dólar 1963, 2 moedas de 1 Dime 1970 (...), 2 moedas de 50 Liras (...), 2 moedas de 100 Liras (...), 1 moeda de 1 Dólar 1980 (...), 1 moeda de 1 Dólar 1995 (...), 1 moeda de 2 Dólar 1996 (...), 1 moeda de 5 Cêntimos 1965 (...), 1 moeda de 20 Cêntimos 1965 (...), 1 moeda de 1 Cêntimo 1961 (...), 1 moeda de 1 Cêntimo 1984 (...), 1 moeda de 5 Cêntimo 1980 (...), 3 moedas de 20 Cêntimo (...), 1 moeda de 50 Pfennig 1991 (...), 1 moeda de 1 Marco 1986 (...), 1 moeda de 1 Franco 1990 (FF), 1 moeda de 10 Centavos 1975 (...), 1 moeda de 10 Groszy 1991 ( ...), 1 moeda de 10 Dirhams 2002 (...), 1 moeda de 20 Stotinki 1999 (... ).
- Coleção de Budas.
- Relógio da marca ...”.
- 231 moedas de 50 centavos, 67 moedas de 1 escudo, 1 de XX REIS de 1883, 1 XX REIS de 1884, 20 REIS 1892, 1 DE XX REIS DE 1884, XX REIS DE 1883, 20 REIS DE 1891, 2 moedas de X Reis de D. Luiz, 1 de 4 centavos, 16 moedas de 5$00, 5 moedas de 10$00, 1 moeda de 25$00, 3 moedas de 10 Reis, 3 moedas de 10 escudos, 1 moeda de 1 escudo, 27 moedas de XX centavos - 1 moeda de vinte centavos de 1928 ... - 1 moeda de 20 centavos de 1924, 25 moedas de x centavos, 23 moedas de 10 centavos Alumínio, 9 moedas de 20 centavos, 3 moedas de 2$50, 3 moedas de 5 centavos 1927, 1927 e 1924, 2 moedas de 50 centavos, 2 moeda de 10 centavos de 1925 e 1926, 2 moedas de 20 centavos de 1925 e 1924, 1 moeda de 5 Reis de 1906, 2 moedas de 50 centavos de 1926, 2 moedas de 10 centavos de 1948 e 1949,2 moedas de 1 escudo, 1 moeda de 10 escudos, 1 moeda de 5 escudos, 64 moedas de 200 escudos de datas comemorativas, 28 moedas de 100 escudos de datas comemorativas, 15 moedas de 1000 escudos de datas comemorativas, 2 moedas de 250 escudos de datas comemorativas, 1 moedas de 750 escudos de data comemorativa, 4 moedas de 500 escudos de datas comemorativas (Destas moedas, foram reconhecidas e entregues ao ofendido CC: 25 moedas de 100 escudos, 13 moedas de 1000 escudos, 1 moeda de 500 escudos, uma moeda de 250 escudos, 56 moedas de 200 escudos), 18 moedas de 200 escudos, 53 moedas de 25 escudos, 10 moedas de 5$00, 4 moedas de 100$00, 5 moedas de 2$50, 1 moeda de 20$00 de 1971, 1 moeda de 50escudos, 11 moedas de 10$00, 3 moedas de 1 escudos dourados, 1 moeda de 25 escudos prateados, 1 moeda de 2$50 escudos, 1 moeda de 5$00 prateados, 1 carteira contendo 1 moeda de 5 escudos de FAO 1983, 1 moeda de 25$00 FAO de 1983 e 1 moeda de 2$50 FAÜ 1983, 1 carteira contendo 1 moeda de 25$00 e 1 moedas de 100$00 alusivas ao ano internacional do deficiente de 1981, 1 carteira contendo 1 moeda de 25$00, 1 moeda de 5$00, 1 moeda de 2$50, e 1 moeda de 1 escudo alusivas ao mundial hóquei de 82.
- Uma caixa ... contendo no interior: 9 Moedas de 10 Francos (modulo menor) Amarelas e brancas, 10 Moedas de 1 Franco, 4 moedas de 10 Francos (modulo maior) 8 Moedas de 2 Francos, 3 Moedas de 2 Francos (Alumínio ), 4 Moedas de 1 Franco (Alumínio ), 14 moedas de 1/2 Francos, 3 Moedas de 5 Francos, 23 Moedas de 20 Cêntimos (...), 26 Moedas de 10 Cêntimos (...), 21 Moedas de 5 Cêntimos (...), 1 Moeda de 100 Francos (...), 1 Moeda de 10 Cêntimos 1908 ( ...), 6 moedas de 10 Pfennig ( ...), 2 moedas de 1 Pfennig ( ...), 4 moedas de 1 peseta (...), 1 moeda de 50 Centavos 1957 ( ...), 1 moeda de 1 Escudo (modulo pequeno), 2 moedas de 1 Centime ( ...), 1 Moeda de 1 Franco "Charles de Gaulle", 1 Peça" Casino da Madeira", 1 peça de 20 ?????? ( ...), 1 moeda de 5 cêntimos de Dólar, 1 moeda de 200 Reis, 1 medalha alusiva aos brasões dos concelhos do distrito ..., 2 notas de one Rand, 1 nota de cinquecento lire (500liras), 2 nota de 100 mil cruzeiros, 1 nota de 10 mil cruzeiros, 1 nota de 10 rublos (...), 2 nota de 20 francos belgas, 1 nota de 10 ten rand, 1 nota de 10 francos de ..., 2 nota de 5 dolares (...), 1 nota de 50 francos GG, 1 nota de 500 rials (...), 6 notas de 1 pound, 1 nota de 20 francos GG, 1 nota de 1 dolar canadiano, 1 nota de 20 Zloty do banco (...), 1 nota de 5 dinars (...), 1 nota de 2 rand, 1 nota d 1 dolas (...), 1 nota de 100 cruzeiros, 1 nota de 1000 cruzeiros, 1 nota de 5000 cruzeiros, 1 nota de 1 real, 4 notas de 50 fracos belgas, 3 notas de 1000 escudos de ..., 2 notas de 500 escudos de ..., 1 nota de 100 escudos de ..., 1 nota de 50 escudos de ..., 2 notas de 1000 escudos, 10 nota de 100 escudos, 1 nota de 1000 escudos, 37 notas de 20 escudos, 1 nota de 500 escudos, 8 notas de 50 escudos. - 10 moedas de 5$00, 4 moedas de 20$00, 2 moedas de 5 Escudos, 12 moedas de 2$50, 7 moedas de 1$00, 10 moedas de 50 centavos ( Bronze ), 3 moedas de 50 centavos em (Alpaca), 1 moeda de 20 centavos, 1 moeda de 10 centavos, 2 moedas de 25c ( FF), 1 moeda de 1 Franco 1985, 1 moeda de 1 Peseta, 2 moedas de 1 Pfennig, 1 moeda de 5 Pfennig, 1 moeda de 1 macuta (...), 1 moeda de 10 centavos ( ...), 2 moedas de 1 $00, 1 moeda de 50$00, 1 medalha comemorativa do Papa Leão XIII, 2 moedas de ceitil. (deteriorada pelo tempo), 2 moeda de 10 cêntimos em cobre do 1863. (...), 2 Moedas de 2 cêntimos (...) deterioradas, 1 moeda muito deteriorada em cobre, 1 moeda de 5 cêntimos em cobre 1912 (...).
- Um dente em marfim.
- 1 Relógio de bolso, marca ...”, 1 relógio de bolso, marca “...”, 1 relógio de bolso, sem marca, 1 relógio de bolso, marca ...”, 1 relógio de bolso em ouro, marca ...”, 1 relógio de bolso, marca ...”, 1 relógio de bolso, marca ...”, 1 relógio de bolso, marca ...”, 1 relógio de bolso, marca ...” com uma corrente em metal, 1 relógio de bolso, marca ...”, 1 relógio de bolso, marca impercetível, 1 relógio de bolso, marca ...”, 1 fio em prata com 34 cm de comprimento, 2 fios em prata unido por uma argola, com um medalha de 200 reis com um comprimento total de 30cm,
- 1 Fio supostamente em ouro com um dente em marfim, 1 pulseira com varias pedras de cor ..., 1 relógio de marca ...” em ouro com bracelete de cor ...,
- 1 Relógio da marca ...”, 1 relógio da marca ...”, 1 relógio da marca ...”, 1 relógio da marca ...”, 1 relógio da marca ...”, 1 relógio da marca ...”.
- 1 Colar de perolas de bijutaria, uma caneta de tinta permanente de cor preta e castanho claro, 1 anel em bijutaria com uma pedra cor de rosa, uma caixa com varias pedras, 3 fios em metal prateado, 1 anel em bijutaria com uma pedra preta, 2 anéis prateados, sendo um com três pedras pretas e outro com uma pedra verde.
- 1 punhal com o cumprimento de lamina 11,50cmm, 1 punhal com o cumprimento de lamina 12,50cm, 1 navalha com o cumprimento de lamina 10,50cm, com cabo em madeira, 1 navalha com o cumprimento de lamina 08,50cm, com cabo de cor ..., 2 navalhas com o cumprimento de lamina 13,50cm, com cabo de cor ..., 1 navalha com o cumprimento de lamina 10cm com cabo trabalhado numa pata de animal, 1 navalha com o cumprimento de lamina 9cm, com cabo em plástico rijo, 1 navalha com o cumprimento de lamina 8cm em curva, com cabo em plástico rijo (reconhecida e entregue ao ofendido CC), 1 navalha de ponta e mola com o cumprimento de lamina 10cm, com cabo em plástico rijo, 1 navalha ... com o cumprimento de lamina 7cm, com cabo em plástico rijo de cor ... (reconhecida e entregue ao ofendido CC), 1 navalha ... com o cumprimento de lamina 9cm, com cabo em plástico rijo de cor ..., 1 navalha com o cumprimento de lamina 12cm, com cabo em plástico rijo, 1 navalha com o cumprimento de lamina 9,50cm, com cabo dourado trabalhado, 1 navalha com o cumprimento de lamina 8cm, com cabo em plástico rijo, 1 navalha com o cumprimento de lamina 9cm, com cabo trabalhado em metal dourado, 1 navalha com o cumprimento de lamina 5cm, com cabo de plástico rijo de cor preta, 1 navalha com o cumprimento de lamina 10cm, com cabo de plástico rijo de cor ..., 1 navalha com o cumprimento de lamina 6cm, com cabo de plástico rijo de cor ..., 1 navalha com o cumprimento de lamina 6,50cm, com cabo de plástico rijo de cor ..., 1 navalha com o cumprimento de lamina 10cm, com cabo de plástico rijo de cor ..., trabalhado, 1 navalha com o cumprimento de lamina 9cm, com cabo de plástico rijo de cor ..., 1 navalha com o cumprimento de lamina 7cm, com cabo de plástico rijo de cor .../trabalhado, 1 navalha com o cumprimento de lamina 6cm, com cabo de plástico rijo de cor .../trabalhado, 1 navalha com o cumprimento de lamina 7,50cm, com cabo de plástico rijo de cor ..., 1 navalha com o cumprimento de lamina 6cm, com cabo de plástico rijo de cor ..., 1 navalha com o cumprimento de lamina 6cm, com cabo de plástico rijo de cor ..., 1 navalha, com o cumprimento de lamina 5cm, com cabo ele plástico rijo de cor ..., 1 navalha com o cumprimento de lamina 6,50cm, com cabo de plástico rijo de cor .../trabalhado, 1 navalha com o cumprimento de lamina 8cm, com cabo de plástico rijo de cor .../trabalhado, 1 navalha com o cumprimento de lamina 10cm, com cabo de plástico rijo de cor ... trabalhado, 1 navalha em curva com o cumprimento de lamina 6.50cm, com ..., cor ..., 2 navalhas com o cumprimento de lamina 24cm, com cabo de plástico rijo, cor rosa.
- Uma maquina fotográfica de marca ...”, modelo ....
- Uma pistola antiga
- Uma estatueta de um elefante em madeira de cor ... (reconhecida e entregue ao ofendido CC).
- Uma estatueta de um leão em madeira de cor ... (reconhecida e entregue ao ofendido CC).
- Um saco verde, contendo no seu interior: 190 moedas de 5$00,12 moedas de 2$50, 2 moedas de 10$00, 1 moeda de 50 centavos, 1 moeda 5 Escudos, 1 moeda de 25 escudos, 151 moedas de 25 Escudos, 324 moedas da 2$50, 1 moeda de 200 pesetas, 13 moedas de 25$00 comemorativas do centenário da morte de Alexandre Herculano, 1 moeda de 2$50 de ..., 3 medas de 5$00, 1 moeda de 1/2 Francos (HH), 9 moedas de 1 Escudo (...), 13 moedas de 50 centavos (...), 1 moeda de 20 centavos 1948 (...), 6 moedas de 20 centavos modulo menor (...), 6 moedas de 2$50 (...), 23 moedas de 10$00 ( ...), 3 moedas 5$00 ( ...), 4 moedas de 10$00 (...), 7 moedas de 20$00 (...), 1 moeda de 1111 patacas (...), 1 moeda de 5 centavos (...), 1 moeda de 50 centavos ( ...), 2 moedas de 5$00 modulo maior (...), 5 moedas de 5$00 modulo menor (...), 7 moedas de 2$50 (...), 4 moedas de 10$00 (...), 1 moeda de 1 Escudo 1936 (...), 1 moeda de 10$00 ( ...), 1 moeda de 1$00 Escudo Bronze 1965 (...), 1 moeda de 50 centavos modulo maior 1973 (...), 1 moeda de 50 centavos modulo menor 1953 (...), 1 moeda de 20 centavos 1948 (...), 1 moeda de 2$50 (Portugal).
- Dois alvos de coleção de selos
- Uma caixa de acondicionar um relógio de marca ...”.
- Numa caixa de cor ...: 1 moeda de 50 Centavos, 1 moeda de 1 escudo, 1 moeda de 200 escudos, 1 moeda de 200 Reis. (Carlos I e Amélia), 1 moeda de 25 Ptas, 1 moeda L500 (Quinhentas Liras) ..., 1 moeda de ½ cêntimo (...), 1 nota de uma libra. (...), 1 nota de 25 Dinars, I nota de 5 Dollars, 1 nota de 20 Dollars, 1 nota de 50 Escudos (...), 1 nota de 500 escudos, 1 nota de 1000 escudos, 3 notas de 100 escudos, I nota de 20 de escudos.
- Uma máquina fotográfica de marca ...”, modelo ... (reconhecida e entregue ao ofendido CC).
- Um punho em madeira de cor ... de uma arma revolver”.
(…)
18. O Relógio “...” identificado em 3, não é verdadeiro.
(…)
25. Do relatório social do arguido BB consta nomeadamente que: “No período a que se reportam os factos subjacentes aos presentes autos BB (…) Segundo refere, à data dos buscas em sua casa a ex-mulher encontrava-se ali a residir temporariamente, (…) Mantém o trabalho na construção civil, à jorna, auferindo 30 a 40 € ao dia, conforme o tipo de tarefa a executar. (…) Na comunidade o arguido beneficia de uma imagem positiva descrito como educado e com hábitos de trabalho arreigados. Assume um estilo de vida convencional e convive regularmente com os conterrâneos e com os amigos de longa data que residem maioritariamente em .... (…) O próprio arguido apresenta um percurso de vida percepcionado como normativo orientado para valores convencionais, com hábitos de trabalho e beneficiando de suporte familiar e social. (…).”
28. Do certificado do registo criminal do arguido BB, nada consta”.
D) Mais, fez o Tribunal “a quo” consignar que atenta a factualidade provada da qual não resulta que a propriedade dos bens apreendidos ao arguido BB pertença ao próprio, fica prejudicada as nulidades suscitadas na contestação a que acresce a extemporaneidade na invocação das mesmas.”
E) Tendo, determinado, o Tribunal a quo no dispositivo decisório relativamente aos outros objetos apreendidos que:

Relativamente aos demais objetos apreendidos aos arguidos (…) e BB, declaram-se perdidos a favor do Estado, nos termos do disposto no art.º 110º, n.º 1, alíneas a) e b) do CP.
F) Sempre com o devido respeito que é muito, não pode o recorrente concordar com Acórdão assim proferido pelo Tribunal “a quo”, o qual condenou o Arguido, considerando, mesmo tratar-se de uma decisão inadequada e, sobretudo, injusta, porquanto:
- Verifica-se nos presentes autos, uma situação que consubstancia nulidade do Julgamento, por violação do princípio da continuidade e da concentração da audiência de julgamento e da violação do princípio da oralidade e da imediação;
- Verifica-se a nulidade da sentença, por falta de fundamentação de fato e de direito às questões pertinentes (nulidades) solicitadas em sede de contestação pelo Recorrente/arguido, ao abrigo do disposto nos arts. 379º, n.º 1, alínea a) e c) e artigo 374º n.º 2, ambos do CPP, e por omissão de pronúncia.
- Os factos imputados ao Recorrente/arguido e pelos quais veio a ser condenado foram incorretamente julgados;
- Não foi produzida prova que permita condenar o recorrente, nos termos em que o foi, pelo crime de recetação ao abrigo do artigo 231º do CP, padece a douta sentença de insuficiência de prova para a decisão de facto proferida, com base nas regras da experiência e livre apreciação do julgador, nos termos do artigo 127º, do Código de Processo Penal;
- Assim, o Tribunal a quo fez uma errada aplicação ou interpretação das normas
jurídicas – artigo 231º, n.º 1, do Código Penal, artigo 328º; artigo 379º n.º 1, alínea c); 374, n.º 2, do Código de Processo Penal e artigo 20º da CRP; artigo 6º da Convenção Europeia dos direitos do Homem - à situação fáctica que se traz à douta apreciação de V.ªs Ex.ªs.

Posto isto,
G) Nos presentes autos, violou-se de forma grave e manifesta o principio da continuidade e da concentração da audiência de julgamento, com consagração no nº 1 do art. 328º do CPP, a qual impõe como regra que a audiência de discussão e julgamento decorra, sem interrupção ou adiamento, até ao seu encerramento e os princípios da oralidade e da imediação.
H) Assegura-se deste modo, a eficácia da administração da justiça valor este consagrado na Constituição - art.º 20 nº 5 - segundo o qual a defesa dos direitos, liberdades e garantias pessoais deve ser legalmente assegurada, mediante procedimentos
judiciais caracterizados pela celeridade e prioridade, assim, como do direito à decisão em prazo razoável - art. 20º nº 4 da CRP - também previsto no artigo 6º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem.
I) É entendimento jurisprudencial, que “Mantendo-se as regras da continuidade da audiência contidas no art. 328º nº 1 e nº 6, primeira parte, a eliminação da cominação da perda de eficácia da prova não significa a possibilidade de perpetuação indefinida da fase da audiência de discussão e julgamento. Nem a postergação do princípio da continuidade e concentração, balizados nos termos das restantes disposições do art. 328º. O próprio carácter excecional do excesso do prazo de trinta dias continua a ser acentuado pelo legislador, quer com a ressalva dos casos previstos no nº 7, quer por efeito das exigências contidas na segunda parte do nº 6, relativas à demonstração dos motivos de impedimento da observância do referido prazo de trinta dias, devidamente explicitados no processo, devendo ficar objetivados em ata, nos aludidos termos da parte final do nº 6, (….)- Cfr. Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, datado de 06/05/2020, in www.dgsi.pt. O negrito é nosso.
J) Assim, a regra continua a ser a da continuidade da audiência de discussão e julgamento que apenas poderá ser adiada por mais de 30 dias, nas circunstâncias previstas na 2ª parte do nº 6 conjugado com o nº7 do art. 328º.
K) O Douto Tribunal, nos presentes autos, não respeitou o princípio da continuidade e concentração da audiência, o principio da imediação e da oralidade na produção da prova, por forma a que a prova produzida fosse o mais possível genuína e captada no contato direto com o julgador, que não prejudique a impressividade de todos os elementos na sua mente, em ordem à correta formação da sua convicção sobre os fatos.
L) Ocorreu uma excessiva descontinuidade/desconcentração da audiência, o que consubstancia a violação do princípio da continuidade e concentração e do princípio da imediação e da oralidade na produção de prova, o que tem como consequência a nulidade do julgamento.
M) Na medida em que, nos presentes autos, a produção de prova, em sede de audiência de discussão e julgamento, as sessões de julgamento estiveram sujeitas a um intervalo temporal de um ano, cinco meses e vinte e um dias.
N) Constata-se, nos presentes autos que a segunda sessão da audiência de discussão e julgamento, com a produção de prova testemunhal arrolada pelo MP, realizou-se em 14/07/2020.
O) A continuação da audiência de julgamento isto é a terceira sessão, para continuação da audição de testemunhas do MP e as outras testemunhas arroladas, isto é a produção de prova, só ocorreu em 04/01/2022.
P) Constata-se, assim nos presentes autos que entre a segunda sessão de julgamento (14/07/2020) e a terceira sessão de julgamento (04/01/2022) nas quais se reproduziram a produção de prova (prova testemunhal/pericial) decorreu um lapso temporal de um ano, cinco meses e vinte e um dias, isto é, cerca de um ano e meio, entre as duas sessões referidas.
Q) Deste modo, é manifesto o excessivo interregno temporal que mediou estas duas sessões de julgamento o que prejudicou a genuidade e captação do contato direto com a produção de prova, assim como, prejudicou a impressividade de todos os elementos a adquirir na mente, em ordem à correta formação da convicção sobre os fatos.
R) Mais, constatou-se, que na terceira sessão da audiência de julgamento (realizada em 2022) quando o Meritíssimo Juiz foi confrontado com o pedido deste, relativamente à resposta do teor do requerimento apresentado pelo Mandatário do Recorrente, na sessão anterior, o mesmo já não se recordava como havia decidido.
S) Assim, encontram-se gravadas em suporte CD, com recurso ao programa informático em uso no Tribunal, com a referência identificadora da gravação - ...06 - das 15:19:57 horas até às 15:38:51 horas, do dia 04/01/2022, consta o seguinte: (...06 – 197103828900454 – 00.00.28 a 00.01.33)
- À pergunta do Mandário do recorrente (II): Sr. Dr. Juiz. Na última sessão tinha requerido que os objetos apreendidos fossem trazidos para o Tribunal?
- Respondeu o Meretíssimo Juiz: “Já não me lembro, como, o que é que foi decidido.”
T) Em suma, perante esta factualidade, nos presentes autos, verifica-se existir uma situação de violação do princípio da continuidade e da concentração da audiência de julgamento e a violação do princípio da oralidade e da imediação. Devendo, declarar-se nulo o acórdão ora sob censura, em consequência da nulidade do julgamento, por violação dos princípios identificados em supra.

Sem prescindir,
U) Salvo sempre melhor entendimento, o Acórdão é nulo por falta de fundamentação de fato e de direito nos termos do disposto nos arts. 379º, n.º 1, alínea a) e c) e o artigo 374º n.º 2, ambos do CPP e Omissão de pronúncia:
V) Consta do relatório do referido Acórdão que:
“O arguido BB apresentou contestação alegando, em síntese, não ter cometido os factos que lhe são imputados invoca a nulidade do reconhecimento dos objetos apreendidos ao arguido BB e a nulidade do auto de entrega a CC. Arrolou testemunhas.”.
X) No ponto II sob o item Fundamentação, consta do referido Acórdão que:
“Consigna-se que atenta a factualidade provada da qual não resulta que a propriedade dos bens apreendidos ao arguido BB pertença ao próprio, fica prejudicada as nulidades suscitadas na contestação, a que acresce a extemporaneidade na invocação das mesmas.”
Z) Tendo, o Tribunal “a quo” determinado sem mais considerações de fato ou de direito, no Item “Decisão” que: “Relativamente aos demais objetos apreendidos aos arguidos (…) BB, declaram-se perdidos a favor do Estado, nos termos do disposto no art.º 110, n.º 1, al.ªs a) e b) do Código Penal.
AA) Nos termos aduzidos no acórdão sob censura, o Tribunal “a quo” não fundamentou de direito nem de fato, nem elaborou um raciocínio lógico, por meio do qual considerou não resultar provado a propriedade dos bens apreendidos ao recorrente.
AB) Nem o raciocínio lógico, ou fundamento de direito ou de facto que elaborou para determinar que “fica prejudicada as nulidades suscitadas na contestação, a que acresce a extemporaneidade na invocação das mesmas.”
AC) Assim, o Acórdão nos termos em que foi elaborado padece de falta de fundamentação de facto quanto a este ponto decidindo da titularidade dos objetos apreendidos.
AD) Foi alegado em sede de contestação apresentada nos autos que a propriedade dos bens apreendidos são pertença do Recorrente, este na qualidade de colecionador, e invocou nulidades.
AE) Alegou-se, desse modo, que o Recorrente é o legitimo proprietário dos bens
e que este sempre foi colecionador ao longo de vários anos, vinte anos, razão pela qual, tinha em sua posse, a quantidade de objetos apreendidos, nos presentes autos.
AF) Ora, o Acórdão proferido nos presentes autos, é omisso quanto à factualidade alegada em sede de contestação, respeitante à aquisição e titularidade dos bens do recorrente, objeto de apreensão.
AG) Assim como, é omisso quanto às questões das nulidades suscitadas em sede
de contestação, às quais este deveria pronunciar-se e não se pronunciou.
AH) Mais, resulta da produção de prova em sede de julgamento, mormente, dos depoimentos prestados, pelas testemunhas: JJ; KK; LL; MM; NN e OO, cujos depoimentos ficaram registados no sistema integrado de gravação digital, disponível na aplicação informática do Tribunal, que o Arguido Recorrente é colecionador há mais de 20 anos e que os bens apreendidos faziam parte dessa coleção, a saber:
• A testemunha JJ, prestou declarações que se encontram gravadas em suporte CD, com recurso ao programa informático em uso no Tribunal, com a referência identificadora da gravação - ...38-, das 16:13:10 horas até às 16:18:13 horas, do dia 04/01/2022, no seu depoimento referiu:
À pergunta: “Para saber se o Sr. BB era colecionador?”
Respondeu: “Conheço há muitos anos, ele gostava de comprar certas coisas, umas comprava outras davam-lhe, umas moedas e relógio. Outras herdara do pai.” (ao min 01:50)
• A testemunha KK, prestou declarações que se encontram gravadas em suporte CD, com recurso ao programa informático em uso no Tribunal, com a referência identificadora da gravação - ...38-, das 16:18:55 horas até às 16:28:26 horas, do dia 04/01/2022, no seu depoimento referiu:
À pergunta: “Conhece o Sr. BB há muito tempo?”
Respondeu: “Sim desde criança.
À pergunta: “Sabe se gostava de colecionar coisas?”
Respondeu: “Sim Gosta.”
À Pergunta: “Que coisas?”
Respondeu: “Pias, quando vê alguma coisa pergunta se querem vemder e tem lá muita coisa. Até ferramntas de construção.”
À pergunta: “Das navalhas sabe alguma coisa?”
Respondeu: “Há uns largos anos mostrou-me ai uns vinte anos, umas navalhas e relógios da ... trouxe alguns relógios.
À pergunta: Esteve emigrado?
Respondeu: Sim, na ... de onde trouxe os relógios”
(ao min 01:03 a 01:07)
À pergunta: E moedas?
Respondeu: “As moedas aconteceu uma vez à minha frente deram-lhe um saco de moedas, com muitas moedas.”
À pergunta: Quem era esse Senhor?
Respondeu: PP ( ao minuto 05:38 a 05:48)
• A testemunha LL , prestou declarações que se encontram gravadas em suporte CD, com recurso ao programa informático em uso no Tribunal, com a referência identificadora da gravação - ...38-, das 16:28:49 horas até às 16:38:22 horas, do dia 04/01/2022, no seu depoimento referiu:
À pergunta: “Que idade tem?”
Respondeu: “Tenho 31 anos.”
À pergunta: “Convive com ele habitualmente?”
Respondeu: “Sim” .
(AO MINUTO 01:31)
À Pergunta: “Ele coleciona coisas”
Respondeu: “Coleciona muitas coisa desde que seja antigo. Antiguidades, moedas, relógios, tanto que seja antigo.”
À pergunta: “E navalhas ?”
Respondeu: “penso que quando era mais pequeno, vi algumas. (ao minuto 01:44).
• A testemunha MM, prestou declarações que se encontram
gravadas em suporte CD, com recurso ao programa informático em uso no Tribunal, com
 referência identificadora da gravação - ...38-, das 16:51:17 horas até às 16:55:58 horas, do dia 04/01/2022, no seu depoimento referiu:
À pergunta: “O seu pai é colecionador?”
Respondeu: “É colecionador de muitas coisas, moedas, relógios, navalhas também estatuetas que faziam parte da decoração em casa, tinha um elefante.” (ao minuto 01:18)
À pergunta: “Então o seu pai é colecionador?”
Respondeu: “tinha relógios desde que eu era pequeno, dávamos a corda, organizávamos os selos, as navalhas também, sempre teve de tudo, elefantes em madeira preta, como se vê a vender na feira. Navalhas de colecionador com punhais brancos uma era branca e tinha uma bolsa de cabedal ”
(ao minto 02:10).
• A testemunha NN, prestou declarações que se encontram gravadas em suporte CD, com recurso ao programa informático em uso no Tribunal, com a referência identificadora da gravação - ...38-, das 16:56:30 horas até às 17:01:00 horas, do dia 04/01/2022, no seu depoimento referiu:
À pergunta: “Seu pai coleciona tudo que é lixo?”
Respondeu: “Ele coleciona tudo que é velharias. Lembro-me de ele ter relógios, moedas, lembro-me muito tipos de moedas É um hobby dele”.
À pergunta: “Mais?”
Respondeu: “Tinha uma coleção de navalhas e coisas antigas a decorar os móveis, As estatuetas que compravam na feira Selos, navalhas ferramentas e coisas assim.”
• A testemunha QQ, prestou declarações que se encontram gravadas em suporte CD, com recurso ao programa informático em uso no Tribunal, com a referência identificadora da gravação - ...38-, das 17:01:30 horas até às 17:05:42 horas, do dia 04/01/2022, no seu depoimento referiu:
À pergunta: “Tem uma boa relação com o Sr. BB?”
Respondeu: “Sim.”
À pergunta: “Foi casada quantos anos?”
Respondeu: “Casada quase 25 anos”
À Pergunta: “Do tempo que esteve casada com o Sr. BB que colecionava?” Respondeu: “Ele gosta muito de colecionar selos, moedas, relógios,, tudo até pias, tudo que é antigo ele gosta até se for um regador velho ele trazia.”
À pergunta: “Ele compra tudo?”
Respondeu: “As estatuetas de madeira fui eu que comprei, as estatuetas que tiraram de casa, fui eu que comprei na feira de ....”
AI) Resulta à saciedade da prova produzida em sede de audiência de discussão e julgamento que o Recorrente colecionou vários objetos, ao longo de vários anos, vinte anos, designadamente, dos apreendidos nos presentes autos.
AJ) Ora, perante esta factualidade e o modo de aquisição do direito de propriedade dos bens móveis, artigo 1299º do cc, o Tribunal só poderia ter decidido que os bens objeto de apreensão eram pertença do arguido.
AK) Até porque, foi invocada a exceção de usucapião na contestação e pedido de restituição requerido nos presentes autos, e perante os quais o Tribunal “a quo”, não se pronunciou, nem em ata, despacho ou no acórdão, ora sob censura.
AL) Além de ter sido invocada a nulidade do auto de entrega e da restituição dos bens por se entender verificar uma situação de inobservância das formalidades legais, pelo que, tem lugar a aplicação do regime da invalidade do reconhecimento pessoal ao reconhecimento de objectos (artigos 148º nº3 e 147º nº7, ambos do CPP).
AM) Assim, no que respeita ao pedido de restituição dos bens requerido em 29/01/2020, por requerimento junto aos autos, com a referência citius ...67, o Tribunal “a quo” omitiu o dever de pronuncia sobre as questões que aí lhe foram dirigidas.
AN) Assim como, o Tribunal “a quo” não se pronunciou sobre as questões – nulidades – invocadas em sede de contestação.
AO) Ora, tendo ficado demonstrado que o Arguido é colecionador e que ao longo dos anos tem vindo a colecionar, isto é, há mais de vinte anos – como hobby – vários objetos, os quais se encontravam na sua posse, e no interior da sua residência, os quais foram objeto de apreensão.
AP) Mal, andou o Tribunal “a quo” em determinar no acórdão que Relativamente aos demais objetos apreendidos aos arguidos (…) e BB, declaram-se perdidos a favor do Estado, nos termos do disposto no art.º 110º, n.º 1, alíneas a) e b) do CP.
AQ) Violou, frontalmente o direito de propriedade do Arguido consagrado constitucionalmente.
AR) Além de que, não resultou dos autos que os objetos apreendidos constituíram produto e vantagens de factos ilícitos contra o património de terceiros.
AS) Nos termos expostos, deve o acórdão ser declarado nulo, por falta de fundamentação de fato e de direito nos termos do disposto nos arts. 379º, n.º 1, alínea a) e c) e o artigo 374º n.º 2, ambos do CPP e Omissão de pronúncia.
AT) Foram imputados ao arguido/recorrente e pelos quais veio a ser condenado, os quais foram incorretamente julgados.
AU) Considera, o recorrente que não ficaram provados os pontos 7, 8, 9, dos “Factos Provados”.
“7. Depois, o arguido AA foi ter com o arguido BB, a quem exibiu os objetos que tinha subtraído ao ofendido CC e acordou com este a venda dos mesmos pela quantia aproximada de € 900,00 (novecentos euros).
8. O arguido BB aceitou comprar tais objetos ao arguido AA, bem sabendo que este, atenta a sua condição social, não podia ser o legitimo proprietário de tão valioso espólio, bem sabendo que este não teria possibilidades de possuir objetos com tais caraterísticas.
9. O arguido BB adquiriu tais objetos ao arguido AA por preço muito inferior àquele que os mesmos valiam, com a intenção de obter para si benefício de natureza económica, que sabia não lhe ser permitido por lei, bem sabendo ainda que tinham sido obtidos mediante facto ilícito típico contra o património.
AV) Entende, o recorrente que da prova produzida em audiência de discussão e julgamento não poderiam resultar como provados tais factos. Ao dar como provados os referidos pontos, incorreu o Tribunal “a quo” em erro de julgamento, o que redundou num errado juízo de condenação.
AX) Na verdade, não foi produzida prova que permitisse dar como provado, como o fez incorretamente o Tribunal a quo, que os objetos que tinham sido subtraídos ao ofendido CC foram vendidos pelo preço de € 900,00.
AZ) De igual passo, não foi produzida prova que permita dar como provado, como erradamente o fez o Tribunal a quo, que o arguido/recorrente adquiriu tais objetos, como um valioso espólio.
BA) Assim, a matéria dada como provada, mas que deveria ter sido considerada não provada dos Factos provados, constantes do douto acórdão, é a seguinte:
“7. Depois, o arguido AA foi ter com o arguido BB, a quem exibiu os objetos que tinha subtraído ao ofendido CC e acordou com este a venda dos mesmos pela quantia aproximada de € 900,00 (novecentos euros).
Resposta dada: provado.
Resposta devida: não ficou provado que os objetos que tinha subtraído ao ofendido CC foram vendidos.
8. O arguido BB aceitou comprar tais objetos ao arguido AA, bem sabendo que este, atenta a sua condição social, não podia ser o legitimo proprietário de tão valioso espólio, bem sabendo que este não teria possibilidades de possuir objetos com tais caraterísticas.
Resposta dada: provado.
Resposta devida: não ficou provado que o Arguido tenha aceite comprar tais objetos ao arguido AA.
“9. O arguido BB adquiriu tais objetos ao arguido AA por preço muito inferior àquele que os mesmos valiam, com a intenção de obter para si benefício de natureza económica, que sabia não lhe ser permitido por lei, bem sabendo ainda que tinham sido obtidos mediante facto ilícito típico contra o património.
Resposta dada: provado.
Resposta devida: não ficou provado que o arguido tenha adquirido por preço muito inferior àquele que os mesmos valiam, com a intenção de obter para si benefício de natureza económica, bem sabendo quinda que tinham sido obtidos mediante fato ilícito.
BB) Porquanto entende o recorrente que do fato provado em 3.do acórdão resulta o seguinte:
Uma vez no interior da residência do ofendido CC, o arguido AA percorreu todas as divisões, nas quais lançou mão a um revolver - marca ..., com o n.º 4550, calibre 32 - e duas armas de caça – uma da marca ..., com o n.º ..., calibre 12 mm, e outra da marca ..., com o n.º 77120, calibre 12 mm -, diversas caixas de munições calibre 32, duas máquinas fotográficas - uma de marca ... e outra de marca desconhecida -, um álbum de cor ... que continha uma coleção de selos, vários objetos em ouro – nomeadamente dois botões de punho em ouro, um alfinete de gravata em ouro com a forma de trevo, um anel em ouro com diamantes, um fio em ouro com uma medalha que tinha uma imagem e uma pulseira em ouro -, uma caixa com peças de diamantes lapidados, oito relógios – da marca ..., de cor ...; da marca ..., com a bracelete em pele castanha; da marca ..., com demonstrador em preto e bracelete em silicone; da marca ..., dois de bolso, uma cor de prata e outro com demonstrador preto e bracelete preta; e da marca ..., com demonstrador prateado e bracelete preta -, uma coleção de moedas antigas – onde continham vários valores e dos países de ... e Portugal -, duas estatuetas de animais em madeira de cor ... – um elefante e um tigre -, uma navalha com o cabo de cor ... e lâmina em forma de foice, e uma navalha multifunções (...) de cor ..., tudo no valor total aproximado de € 10.000,00 (dez mil euros).
BC) A fls. 275 dos autos consta o termo de entrega lavrado pelo órgão da polícia criminal – RR N.º 313/1970800 – cujo recebedor é CC dos seguintes objetos que aqui se transcrevem (o qual considera-se nulo):
“Uma Máquina Fotográfica de marca ... com uma objetiva extra e respetiva bolsa.
Dois animais em madeira Um elefante e um tigre.
Uma navalha com o cabo preto e lamina em forma de foice.
Uma navalha multifunções de cor ....
25 moedas de 100 escudos
13 moedas de 1000 escudos
1 moeda de quinhentos escudos.
1 moeda de 250 escudos.
56 moedas de 200 escudos.”
BD) Contudo, do auto de apreensão realizada em casa do arguido BB, foram encontrados todos os objetos identificados no ponto 16 dos fatos provados.
BE) Neste conspecto, dada a factualidade dada como provada, nunca o Tribunal “a quo” perante esta factualidade poderia ter dado como provado que os bens retirados pelo Arguido AA foram todos vendidos ao arguido BB.
BF) Só poderia dar como provado, que os bens constantes do auto de entrega ao ofendido CC é poderiam ter sido objeto de transação.
BG) Pelo que, mal andou o Douto tribunal “a quo”, ao assim não valorara a prova documental referenciada.
BH) Ademais, nunca poderia proceder o cometimento do crime de recetação uma vez que, lhe falta o elemento objetivo e subjetivo, pois, os bens apreendidos e entregues eram pertença do arguido, como se demostrou em supra.
BI) Os bens foram indevidamente apreendidos e ilegalmente entregues ao ofendido AA, sendo, o auto de entrega nulo.
BJ) Pelo que, não se mostram preenchidos os requisitos do artigo 231º, n.º 1, do CP, isto é, do crime de recetação.
BK) Não se verifica, no crime de recetação, o preenchimento pelo arguido BB dos elementos subjetivo e objetivo do mesmo.
BL) Bastaria o Tribunal a quo ter respondido da forma que aqui se pugnou aos pontos 7, 8, 9 dos “Factos Provados”, que aqui se identificaram, para que a decisão proferida nos presentes autos tivesse sido no sentido da absolvição do recorrente, do crime de recetação.
BM) Sucede que, no caso, o Tribunal não reuniu provas suficientes que lhe permitisse formular um juízo de condenação, relativamente ao recorrente, como erradamente fez, condenando-o, sem provas, claras e inequívocas, pela prática de crime de recetação.
BN) Desde logo, salvo o devido respeito, o Tribunal a quo não atendeu devidamente, à análise da prova documental junto aos autos, listagem dos bens furtados, auto de busca e apreensão em audiência de julgamento, no que ao caso interessa.
BO) Pela exposição em supra, o Tribunal a quo só poderia ter dado como não provado que o recorrente não praticou atos conducentes à prática do crime de recetação.   BP) Tão pouco a prova junta aos autos é de molde a comprovar que o recorrente praticou o crime de recetação, mormente quanto aos seus elementos.
BQ) Pois bem, contrariamente à fundamentação invocada pelo Tribunal a quo, a conduta desenvolvida pelo recorrente nas circunstâncias em que foi cometido não preenche a factualidade típica do crime de recetação, quer quanto aos elementos objetivos quer quanto aos elementos subjetivos.
BR) Devendo o mesmo ser absolvido do crime de recetação p.p. pelo artigo 231º, n.º 1 do CP.»

3. Inconformado com a decisão condenatória, dela veio o arguido CC interpor o presente recurso, que, após dedução da motivação, culmina com as seguintes conclusões e petitório (transcrição):

«1- A pena aplicada ao arguido pela prática do crime de detenção de arma proibida mostra-se manifestamente exagerada no que respeita aos dias de multa fixados – 300 dias, tendo em conta que o arguido não tinha antecedentes criminais., conforme ponto 29 dos factos provados.
2 – O arguido mostra-se socialmente inserido, sendo conhecedor das regras de vida em sociedade e é considerado no meio como trabalhador e " possui uma situação económica que não lhe permite viver com desafogo apesar de não ter descendentes e outros familiares a seu cargo". - ponto 26 dos factos provados, e relatório social junto aos Autos, que se dá por reproduzido por economia processual.
3 - Na aplicação da pena e determinação da sua medida, são factores essenciais a prevenção e a culpa - arts. 40.º, n.ºs 1 e 2 e 71.º , n.º 1 do C.P
4 - O recorrente não tinha antecedentes criminais e na audiência de Julgamento confessou que apenas quis adquirir uma arma para defesa, dada a onda de assaltos na sua aldeia, demonstrando um arrependimento sincero.
5 - O arguido revela uma personalidade sem qualquer propensão para a prática de crimes, tendo este episódio constituído um acto isolado na sua vida , sendo viável a formulação de um juízo de prognose muito favorável ao recorrente, no sentido de que a simples censura do facto e a sua passagem pelos corredores do Tribunal bastarão para assegurar, de forma adequada e suficiente, as exigências de prevenção geral e especial.
6 – O arguido mostrou uma postura humildade e de arrependimento, consciente da gravidade dos factos por si praticados.
7 - No que concerne ao quantum de dias da pena aplicada pelo Tribunal a quo ao arguido, não foram considerados todos estes factores e, em consequência, o Tribunal a quo violou os normativos correspondentes à determinação da medida da pena nos termos do disposto no Artigo 71.º do Código Penal;
8 - A consideração do facto de o arguido não ter antecedentes criminais, do facto deste ilícito ser um acto isolado na sua vida, do facto do arguido estar socialmente inserido e manter hábitos de trabalho regular e de que a simples presença em Tribunal foi suficiente para o demover de voltar a cometer qualquer tipo de ilícito, terão de redundar na aplicação de uma pena mais proporcional e justa de acordo com o disposto no art. 71.º do Código Penal, com redução do número de dias da pena.
9 - Ao não atender a essas circunstâncias o Acórdão recorrido viola o disposto nos art.s 40º, 70º; 71º do C.P;
10 - No que concerne ao ora arguido, deve ser revogado o Acórdão recorrido, nomeadamente quanto à medida da pena no número de dias aplicado, no sentido da mesma ser reduzida.»

4. Na primeira instância, o Ministério Público apresentou resposta em que sustentou que deve ser negado provimento aos recursos apresentados pelos arguidos, mantendo-se não só toda a matéria de facto dada como provada, como a pena que lhes foi aplicada.

5. Neste Tribunal da Relação, o Exmo. Sr. Procurador-geral Adjunto emitiu douto parecer em que, tomando posição sobre as questões colocadas, se pronuncia pela improcedência de ambos os recursos.

6. Cumprido o disposto no Artigo 417º, nº 2, do Código de Processo Penal, não foi deduzida qualquer resposta ao sobredito parecer.
           
7. Efetuado exame preliminar e colhidos os vistos, o processo foi presente à conferência, por os recursos deverem ser aí julgados, de harmonia com o preceituado no artigo 419º, n.º 3, alínea c) do citado código.
           
II. FUNDAMENTAÇÃO.

1. Âmbito dos recursos (Questões a decidir):

É hoje pacífico o entendimento doutrinário e jurisprudencial de que o âmbito do recurso é delimitado pelas conclusões extraídas pelo recorrente da respetiva motivação, sendo apenas as questões aí inventariadas (elencadas/sumariadas) as que o tribunal de recurso tem de apreciar, sem prejuízo das de conhecimento oficioso, designadamente dos vícios indicados no Artigo 410º, nº 2, do Código de Processo Penal[1].
           
Assim sendo, no caso vertente, as questões que importa decidir são as seguintes:

A) Recurso apresentado pelo arguido BB:

A1 – Nulidade do julgamento por violação do princípio da continuidade e da concentração da audiência de julgamento, bem como dos princípios da oralidade e da imediação, tendo sido violados os artigos 328º do Código de Processo Penal e o artigo 20º nºs 4 e 5 da Constituição da República Portuguesa [conclusões G) a T)].
A2 – Nulidade do acórdão por falta de fundamentação de facto e de direito e por omissão de pronúncia, nos termos do disposto no artigo 379º nº1 alínea a) e c) e 374º nº2, ambos do Código de Processo Penal [conclusões U) a AT)]
A3 – Erro de julgamento no que se refere aos factos descritos nos pontos 7., 8. e 9. dos factos provados, os quais deveriam constar do elenco dos factos não provados [conclusões AU) a BG)]
A4 – Não preenchimento dos elementos objetivo e subjetivo constitutivos do crime de recetação previsto no artigo 231º nº1 do Código Penal [conclusões BH) a BR)]

B) Recurso deduzido pelo arguido CC:

Medida da pena aplicada com violação do disposto nos artigos 40º, 70º e 71º do Código Penal [conclusões 1. a 10.].

2. Da decisão recorrida.
O acórdão proferido pelo Tribunal a quo é do seguinte teor (transcrição):

«II. Fundamentação
1. Factos Provados

Produzida a prova e discutida a causa, resultaram provados, com interesse para a decisão da causa, os seguintes factos:
Porquanto:

1. Em data não concretamente apurada, mas algures situada nos dois anos anteriores ao dia 11/08/2016, o arguido AA, dando execução a um plano que previamente havia delineado, dirigiu-se à residência do ofendido CC, sita na Rua ..., ..., com o fim de subtrair bens e valores do seu interior que pudesse facilmente transportar consigo, sem o consentimento e contra vontade dos respetivos proprietários.
2. Aí chegado, o arguido AA abriu a porta e depois entrou para o seu interior.
3. Uma vez no interior da residência do ofendido CC, o arguido AA percorreu todas as divisões, nas quais lançou mão a um revolver - marca ..., com o n.º 4550, calibre 32 - e duas armas de caça – uma da marca ..., com o n.º ..., calibre 12 mm, e outra da marca ..., com o n.º 77120, calibre 12 mm -, diversas caixas de munições calibre 32, duas máquinas fotográficas - uma de marca ... e outra de marca desconhecida -, um álbum de cor ... que continha uma coleção de selos, vários objetos em ouro – nomeadamente dois botões de punho em ouro, um alfinete de gravata em ouro com a forma de trevo, um anel em ouro com diamantes, um fio em ouro com uma medalha que tinha uma imagem e uma pulseira em ouro -, uma caixa com peças de diamantes lapidados, oito relógios – da marca ..., de cor ...; da marca ..., com a bracelete em pele castanha; da marca ..., com demonstrador em preto e bracelete em silicone; da marca ..., dois de bolso, um cor de prata e outro com demonstrador preto e bracelete preta; e da marca ..., com demonstrador prateado e bracelete preta -, uma coleção de moedas antigas – onde continham vários valores e dos países de ... e Portugal -, duas estatuetas de animais em madeira de cor ... – um elefante e um tigre -, uma navalha com o cabo de cor ... e lâmina em forma de foice, e uma navalha multifunções (...) de cor ..., tudo no valor total aproximado de € 10.000,00 (dez mil euros).
4. Na posse de tais objetos o arguido AA abandonou aquele local, levando-os consigo, fazendo dos mesmos seus e integrando-os no seu património.
5. O arguido AA atuou do modo descrito com o propósito concretizado de se apropriar dos supra referidos objetos, bem sabendo que os mesmos não lhe pertenciam e que, dessa forma, atuava contra a vontade do seu legítimo proprietário.
6. Mais sabia o arguido AA que se introduzia na habitação do ofendido CC sem a sua autorização, por meio de uma chave que lhe havia sido entregue no passado, mas que não tinha direito de usar, e que tal facto lhe agravava a sua responsabilidade criminal.
7. Depois, o arguido AA foi ter com o arguido BB, a quem exibiu os objetos que tinha subtraído ao ofendido CC e acordou com este a venda dos mesmos pela quantia aproximada de € 900,00 (novecentos euros).
8. O arguido BB aceitou a comprar tais objetos ao arguido AA, bem sabendo que este, atenta a sua condição social, não podia ser o legítimo proprietário de tão valioso espólio, bem sabendo que este não teria possibilidades de possuir objetos com tais características.
9. O arguido BB adquiriu tais os objetos ao arguido AA por preço muito inferior àquele que os mesmos valiam, com a intenção de obter para si benefício de natureza económica, que sabia não lhe ser permitido por lei, bem sabendo ainda que tinham sido obtidos mediante facto ilícito típico contra o património.
10. Em datas não concretamente apuradas, mas situadas algures nos anos de 2015 e 2016, os arguidos AA e BB, em comunhão de esforços e intentos, dedicaram-se à atividade de venda de armas de fogo a terceiros, a troco de quantias em dinheiro, sem para tanto estarem autorizados, repartindo depois o produto daquelas vendas entre si.
11. Assim, na execução daquela atividade ilícita, os arguidos AA e BB:
- Na localidade de ..., no interior do veiculo utilizado pelo arguido BB, venderam uma arma de fogo de classe D (caçadeira) de um cano, calibre 12, da marca ... ...”, com o n.º de série ...53, em razoável estado de conservação, ao arguido CC pelo preço de € 350,00 (trezentos e cinquenta euros); e,
- Na localidade de ..., junto ao café "V...", venderam uma arma de fogo de classe D (caçadeira) de dois canos, calibre 12, da marca ...”, com o n.º de série ...27, em razoável estado de conservação a SS pelo preço de € 250,00 (duzentos e cinquenta euros).
12. A arma de fogo que os arguidos AA e BB venderam a SS, encontrava-se na altura registada em nome de TT, residente em ..., e a este foi furtada por desconhecidos, algures entre o dia 19/12/2015 e o dia 19/03/2016, tendo para o efeito se introduzido na residência por arrombamento de uma janela.
13. Os arguidos AA e BB, ao atuar naquelas circunstâncias sabiam que não podiam vender ou mediar a venda de armas de fogo e cujas características bem conheciam, por não terem as devidas autorizações legais para o exercício dessa atividade, bem sabendo ainda os adquirentes das mesmas não estavam habilitados a deter tais artigos.
14. Realizadas buscas aos domicílios do arguido AA, foi encontrado na sua posse e apreendido:
A/ No domicílio sito na Rua ..., em ...:
- Um relógio de marca ...” de cor ....
- Dois molhos de chaves.
- Uma bolsa com três chaves.
B/ No domicílio sito na Rua ..., em ...:
- Uma Rebarbadora da marca ...”, de cor .... - Uma fita métrica de 20 metros.
- Uma extensão elétrica de rolo de 25 metros. - Um nível da marca ...”.
- Um Martelo da marca ...”. - Uma extensão de cor preta.
- Oito discos de cortar ferro, da marca ...”. - Um maçarico de gás da marca ...”.
- Um carimbo com o nome “UU”.
- Dois cartuchos “VV” calibre 12, em razoável estado de conservação.
- Um cartucho “...” calibre 12, em razoável estado de conservação.
- Três cartuchos calibre 12, em razoável estado de conservação.
15. Realizada busca no veículo com a matricula ..-..-NV, utilizado pelo arguido AA, foi encontrado na sua posse e apreendido:
- Três anéis de cor ....
- Um fio de cor ....
16. Realizada busca ao domicílio do arguido BB, sito na Rua ..., em ..., foi encontrado na sua posse e apreendido:
- 1 Moeda de 25$00 Comemorativa do dia da Criança 1979, 1 Moeda de 5$00 de 1993, 2 Moedas de 100$00 1992 e 1999, 1 Moeda de 100$00 em prata comemorativa do 25 de Abril, 1 Moeda de 25$00 de 1980, 1 Moeda de 1 $00 de 1995,3 Moeda de 10$00 de Cuproníquel, 11 Moedas de 20$00 de Cuproníquel, 1 Moeda de 50$00 de 1998, 1 Moeda de 20$00 em prata de 1966 (Ponte de Salazar), 1 Moeda de 20$00 em prata de 1966 (Ponte de Salazar) num Porta-chaves, 5 Moeda de XX centavos, 3 Moeda s de X Centavos, 3 Moedas de 20 centavos, 1 Moeda de 10 centavos em alumínio 1971, 1 Moeda de 500$00 - (Comemorativa 80 centenário do S. o António), 1 Moeda de 1 cêntimo, 6 Moedas de 8,00€ em prata comemorativas do Euro 2004, 1 Moeda de 50 centavos de ... 1927, 1 Moeda de 1111 macutas de ... 1927, 1 Moeda de 11 macutas de ... 1927, 1 Moeda de 1 macuta de ... 1927, 1 Moeda de 50 centavos da ... 1946,2 Moedas de 50 Francos (...) em Prata de 1976 e 1978, 1 Moeda de 10 francos (...) 1965 colocada num aro, 1 Moeda de 1 Franco ( Katanga ) 1961, 1 Moeda de 5 Dólares 1941 ( ... e com uma argola), 3 Moeda s de 5 Francos ( ...) 1983 (2) e 1974,1 Moeda de 1 Franco (...) 1970, 1 Moeda de 1/2 Franco (...) 1982, 1 Moeda de 20 cêntimos (...) 1994, 1 Moeda de 5 cêntimos (...) 1987, 83 moedas de 2$50, em Cuproníquel de variadas datas, 1 moeda de 2$50 de 1977 comemorativo centenário da morte de Alexandre Herculano, Moeda de 10 centavos em prata de 1915,60 Moedas de 5$00 em cuproníquel de variadas datas, 1 Moeda de 5$00 comemorativo mundial de hóquei 1982, 25 Moedas de 5$00 em latão níquel (amarelas) datas variadas, 7 moedas de 10$00 em latão níquel (amarelas) variadas datas, 4 moedas de 10$00 em latão níquel 1987, comemorativas Concelho da Europa, 78 moedas de 50 centavos em bronze variadas datas, 1 moeda de 50 centavos de 1971 de ..., 55 moedas de 1 $00 modulo menor em latão níquel variadas datas, 115 moedas de 1 $00 modulo maior em latão níquel variadas datas, 1 Moeda de 1 $00 1972 comemorativo mundial de hóquei 1982, 1 Moeda de 5 pesetas 1996,33 Moedas de 1$00 em bronze de variadas datas, 1 Moeda de 1$00 em Alpaca de 1951, 5 Moedas miniaturas de 5$00, 1 Moeda miniatura de 25$00, 1 Moeda miniatura de 1$00.
- Uma Cruz em prata com a figura de Jesus Cristo, Um cubo pequeno em metal com um símbolo, Um Pin ..., Um Pin Expo 98, 2 Insígnias militares de cor ..., Uma corrente de pendurar relógios, Metade de uma pulseira de um relógio, Um cubo de dado em grande de cor ..., Um cubo de dado em pequeno, Uma pedra em cor ..., 6 moedas de Quarter Dollar (...), 1 moeda de 10 “Tem pence”, 16 moedas de 5 Ptas. (...), 3 moedas de 5 Ptas alusivas ao mundial futebol 82 (...), 2 moedas de 500 Pesetas, 1 moeda de 100 Pesetas, moeda 50 Ptas, 4 moedas de 25 Ptas, 6 moedas de Una Peseta, 1 moeda de 50 cêntimos (...), 2 moedas de 1 Peseta, 1 moeda de 10 centz (1949), 1 moeda de 5 Francos (DD), 2 moedas de 1 Franco (...), 1 moeda de 5 FranK (DD), 1 moeda de 50 FranK (DD),1 moeda 1/2 Franc 1977 (...), 2 moedas de 1/2 Francos (...), 1 moeda de 2$50 (...), 1 moeda de 5$00 ( ...), 1 moeda de 1 Escudo ( ...), 1 moeda de 1 Franco (EE), 1 moeda de 5 Escudos, 1 moeda de 5 Ptas Modulo menor, 1 moeda de 25 centavos (...), 2 moedas de 50 centavos (...), 1 moeda de 50 centavos 1994 (...), 1 moeda de 50 centavos 1957 (..., 1 moeda de 5 cêntimos 1980 ( ...), 1 moeda de 10 Francos 1988 ( ...), 1 moeda de 1 Penny 1940 (...), 1 moeda de 1 Penny 1987 ( ...), 1 moeda de 2 Pence 1978 (...), 1 moeda de 5 Pence 2008 (...), 1 moeda de 50 Pence 1997 (...), 1 moeda de 1 Libra 2002 ( ...), 1 moeda de 1 libra 2000 (...), 1 moeda de 2 Pence 1978 (...), 1 moeda de lIz Dolar 1965 (...), 1 moeda de 5 cêntimos de Dólar 1963, 2 moedas de 1 Dime 1970 (...), 2 moedas de 50 Liras (...), 2 moedas de 100 Liras (...), 1 moeda de 1 Dólar 1980 (...), 1 moeda de 1 Dólar 1995 (...), 1 moeda de 2 Dólar 1996 (...), 1 moeda de 5 Cêntimos 1965 (...), 1 moeda de 20 Cêntimos 1965 (...), 1 moeda de 1 Cêntimo 1961 (...), 1 moeda de 1 Cêntimo 1984 (...), 1 moeda de 5 Cêntimo 1980 (...), 2 moedas de 20 Cêntimo (...), 1 moeda de 50 Pfennig 1991 (...), 1 moeda de 1 Marco 1986 (...), 1 moeda de 1 Franco 1990 (FF), 1 moeda de 10 Centavos 1975 (...), 1 moeda de 10 Groszy 1991 ( ...), 1 moeda de 10 Dirhams 2002 (...), 1 moeda de 20 Stotinki 1999 (... ).
- Coleção de Budas.
- Relógio da marca ...”.
- 240 moedas de 50 centavos, 67 moedas de 1 escudo, 1 de XX REIS de 1883, 1 XX REIS de 1884, 20 REIS 1892, 1 DE XX REIS DE 1884, XX REIS DE 1883, 20 REIS DE 1891, 3 moedas de X Reis de D. Luiz, 1 de 4 centavos, 15 moedas de 5$00, 5 moedas de 10$00, 1 moeda de 25$00, 3 moedas de 10 Reis, 3 moedas de 10 escudos, 1 moeda de 1 escudo, 25 moedas de XX centavos - 1 moeda de vinte centavos de 1928 ... - 1 moeda de 20 centavos de 1924, 25 moedas de x centavos, 23 moedas de 10 centavos Alumínio, 9 moedas de 20 centavos, 3 moedas de 2$50, 3 moedas de 5 centavos 1927, 1927 e 1924, 2 moedas de 50 centavos, 2 moeda de 10 centavos de 1925 e 1926, 1 moeda de 20 centavos de 1925, 1 moeda de 5 Reis de 1906, 2 moedas de 50 centavos de 1926, 2 moedas de 10 centavos de 1948 e 1949,2 moedas de 1 escudo, 1 moeda de 10 escudos, 1 moeda de 5 escudos, 65 moedas de 200 escudos de datas comemorativas, 27 moedas de 100 escudos de datas comemorativas, 15 moedas de 1000 escudos de datas comemorativas, 2 moedas de 250 escudos de datas comemorativas, 1 moedas de 750 escudos de data comemorativa, 4 moedas de 500 escudos de datas comemorativas (Destas moedas, foram reconhecidas e entregues ao ofendido CC: 25 moedas de 100 escudos, 13 moedas de 1000 escudos, 1 moeda de 500 escudos, uma moeda de 250 escudos, 56 moedas de 200 escudos), 18 moedas de 200 escudos, 53 moedas de 25 escudos, 10 moedas de 5$00, 4 moedas de 1 100$00, 5 moedas de 2$50, 1 moeda de 20$00 de 1971, 1 moeda de 50escudos, 1 moeda de 10$00, 2 moedas de 2 escudos dourados, 1 moeda de 25 escudos prateados, 1 moeda de 2$50 escudos, 1 moeda de 5$00 prateados, 1 carteira contendo 1 moeda de 5 escudos de FAO 1983, 1 moeda de 25$00 FAO de 1983 e 1 moeda de 2$50 FAÜ 1983, 1 carteira contendo 1 moeda de 25$00 e 1 moedas de 100$00 alusivas ao ano internacional do deficiente de 1981, 1 carteira contendo 1 moeda de 25$00, 1 moeda de 5$00, 1 moeda de 2$50, e 1 moeda de 1 escudo alusivas ao mundial hóquei de 82.
- Uma caixa ... contendo no interior: 9 Moedas de 10 Francos (modulo menor) Amarelas e brancas, 10 Moedas de 1 Franco, Moedas de 10 Francos (modulo maior) 8 Moedas de 2 Francos, 3 Moedas de 2 Francos (Alumínio ), 4 Moedas de 1 Franco (Alumínio ), 13 Moedas de 1/2 Francos, 3 Moedas de 5 Francos, 23 Moedas de 20 Cêntimos (...), 26 Moedas de 10 Cêntimos (...), 21 Moedas de 5 Cêntimos (...), 1 Moeda de 100 Francos (...), 1 Moeda de 10 Cêntimos 1908 ( ...), 6 moedas de 10 Pfennig ( ...), 2 moedas de 1 Pfennig ( ...), 4 moedas de 1 peseta (...), 1 moeda de 50 Centavos 1957 ( ...), 1 moeda de 1 Escudo (modulo pequeno), 2 moedas de 1 Centime ( ...), 1 Moeda de 1 Franco "Charles de Gaulle", 1 Peça" Casino da Madeira", 1 peça de 20 ?????? ( ...), 1 moeda de 5 cêntimos de Dólar, 1 moeda de 200 Reis, 1 medalha alusiva aos brasões dos concelhos do distrito ..., 2 notas de one Rand, 1 nota de cinquecento lire (500liras), 3 nota de 100 mil cruzeiros, 1 nota de 10 rublos (...), 2 nota de 20 francos belgas, 1 nota de 10 ten rand, 1 nota de 10 francos de ..., 2 nota de 5 dolares (...), 1 nota de 50 francos GG, 1 nota de 500 rials (...), 6 notas de 1 pound, 1 nota de 20 francos GG, 1 nota de 1 dolar canadiano, 1 nota de 20 Zloty do banco (...), 1 nota de 5 dinars (...), 1 nota de 2 rand, 1 nota d 1 dolas (...), 1 nota de 100 cruzeiros, 1 nota de 1000 cruzeiros, 1 nota de 5000 cruzeiros, 1 nota de 1 real, 4 notas de 50 fracos belgas, 3 notas de 1000 escudos de ..., 3 notas de 500 escudos de ..., 1 nota de 100 escudos de ..., 1 nota de 50 escudos de ..., 2 notas de 1000 escudos, 10 nota de 100 escudos, 1 nota de 1000 escudos, 37 notas de 20 escudos, 1 nota de 500 escudos, 8 notas de 50 escudos.
- 10 moedas de 5$00, 4 moedas de 20$00, 2 moedas de 5 Escudos, 12 moedas de 2$50, 7 moedas de 1$00, 10 moedas de 50 centavos ( Bronze ), 3 moedas de 50 centavos em (Alpaca), 1 moeda de 20 centavos, 1 moeda de 10 centavos, 2 moedas de 25c ( FF), 1 moeda de 1 Franco 1985, 2 moedas, 1 moeda de 1 Peseta, 2 moedas de 1 Pfennig, 1 moeda de 5 Pfennig, 1 moeda de 1 macuta (...), 1 moeda de 10 centavos ( ...), 2 moedas de 1 $00, 1 moeda de 50$00, 1 medalha comemorativa do Papa Leão XIII, 2 moedas de ceitil. (deteriorada pelo tempo), 2 moeda de 10 cêntimos em cobre do 1863. (...), 2 Moedas de 2 cêntimos (...) deterioradas, 1 moeda muito deteriorada em cobre, 1 moeda de 5 cêntimos em cobre 1912 (...).
- Um dente em marfim.
- 1 Relógio de bolso, marca ...”, 1 relógio de bolso, marca “...”, 1 relógio de bolso, sem marca, 1 relógio de bolso, marca ...”, 1 relógio de bolso em ouro, marca ...”, 1 relógio de bolso, marca ...”, 1 relógio de bolso, marca ...”, 1 relógio de bolso, marca ...”, 1 relógio de bolso, marca ...” com uma corrente em metal, 1 relógio de bolso, marca ...”, 1 relógio de bolso, marca impercetível, 1 relógio de bolso, marca ...”, 1 fio em prata com 34 cm de comprimento, 2 fios em prata unido por uma argola, com um medalha de 200 reis com um comprimento total de 30cm.
- 1 Fio supostamente em ouro com um dente em marfim, 1 pulseira com varias pedras de cor ..., 1 relógio de marca ...” em ouro com bracelete de cor ...,
- 1 Relógio da marca ...”, 1 relógio da marca ...”, 1 relógio da marca ...”, 1 relógio da marca ...”, 1 relógio da marca ...”, 1 relógio da marca ...”.
- 1 Colar de perolas de bijutaria, uma caneta de tinta permanente de cor preta e castanho claro, 1 anel em bijutaria com uma pedra cor de rosa, uma caixa com varias pedras, 3 fios em metal prateado, 1 anel em bijutaria com uma pedra preta, 2 anéis prateados, sendo um com três pedras pretas e outro com uma pedra verde.
- 1 punhal com o cumprimento de lamina 11,50cmm, 1 punhal com o cumprimento de lamina 12,50cm, 1 navalha com o cumprimento de lamina 10,50cm, com cabo em madeira, 1 navalha com o cumprimento de lamina 08,50cm, com cabo de cor ..., 2 navalhas com o cumprimento de lamina 13,50cm, com cabo de cor ..., 1 navalha com o cumprimento de lamina 10cm com cabo trabalhado numa pata de animal, 1 navalha com o cumprimento de lamina 9cm, com cabo em plástico rijo, 1 navalha com o cumprimento de lamina 8cm em curva, com cabo em plástico rijo (reconhecida e entregue ao ofendido CC), 1 navalha de ponta e mola com o cumprimento de lamina 10cm, com cabo em plástico rijo, 1 navalha ... com o cumprimento de lamina 7cm, com cabo em plástico rijo de cor ... (reconhecida e entregue ao ofendido CC), 1 navalha ... com o cumprimento de lamina 9cm, com cabo em plástico rijo de cor ..., 1 navalha com o cumprimento de lamina 12cm, com cabo em plástico rijo, 1 navalha com o cumprimento de lamina 9,50cm, com cabo dourado trabalhado, 1 navalha com o cumprimento de lamina 8cm, com cabo em plástico rijo, 1 navalha com o cumprimento de lamina 9cm, com cabo trabalhado em metal dourado, 1 navalha com o cumprimento de lamina 5cm, com cabo de plástico rijo de cor preta, 1 navalha com o cumprimento de lamina 10cm, com cabo de plástico rijo de cor ..., 1 navalha com o cumprimento de lamina 6cm, com cabo de plástico rijo de cor ..., 1 navalha com o cumprimento de lamina 6,50cm, com cabo de plástico rijo de cor ..., 1 navalha com o cumprimento de lamina 10cm, com cabo de plástico rijo de cor ..., trabalhado, 1 navalha com o cumprimento de lamina 9cm, com cabo de plástico rijo de cor ..., 1 navalha com o cumprimento de lamina 7cm, com cabo de plástico rijo de cor .../trabalhado, 1 navalha com o cumprimento de lamina 6cm, com cabo de plástico rijo de cor .../trabalhado, 1 navalha com o cumprimento de lamina 7,50cm, com cabo de plástico rijo de cor ..., 1 navalha com o cumprimento de lamina 6cm, com cabo de plástico rijo de cor ..., 1 navalha com o cumprimento de lamina 6cm, com cabo de plástico rijo de cor ..., 1 navalha, com o cumprimento de lamina 5cm, com cabo ele plástico rijo de cor ..., 1 navalha com o cumprimento de lamina 6,50cm, com cabo de plástico rijo de cor .../trabalhado, 1 navalha com o cumprimento de lamina 8cm, com cabo de plástico rijo de cor .../trabalhado, 1 navalha com o cumprimento de lamina 10cm, com cabo de plástico rijo de cor ... trabalhado, 1 navalha em curva com o cumprimento de lamina 6.50cm, com ..., cor ..., 2 navalhas com o cumprimento de lamina 24cm, com cabo de plástico rijo, cor rosa.
- Uma maquina fotográfica de marca ...”, modelo ....
- Uma pistola antiga
- Uma estatueta de um elefante em madeira de cor ... (reconhecida e entregue ao ofendido CC).
- Uma estatueta de um leão em madeira de cor ... (reconhecida e entregue ao ofendido CC).
- Um saco verde, contendo no seu interior: 190 moedas de 5$00,12 moedas de 2$50, 2 moedas de 10$00, 1 moeda de 50 centavos, 1 moeda 5 Escudos, 1 moeda de 25 escudos., 133 moedas de 25 Escudos, 322 moedas da 2$50, 1 moeda de 200 pesetas, 2 moedas de 25$00 comemorativas do centenário da morte de Alexandre Herculano, 1 moeda de 2$50 de ..., 3 medas de 5$00, 1 moeda de 1/2 Francos (HH), 9 moedas de 1 Escudo (...), 13 moedas de 50 centavos (...), 1 moeda de 20 centavos 1948 (...), 5 moedas de 20 centavos modulo menor (...), 3 moedas de 20 centavos modulo maior (...), 6 moedas de 2$50 (...), 23 moedas de 10$00 ( ...), 3 moedas 5$00 ( ...), 5 moedas de 10$00 (...), 7 moedas de 20$00 (...), 1 moeda de 1111 patacas (...), 1 moeda de 5 centavos (...), 1 moeda de 50 centavos ( ...), 2 moedas de 5$00 modulo maior ...), 5 moedas            de 5$00           modulo            menor (...), 7 moedas de 2$50 (...), 4 moedas de 10$00 (...), 1 moeda de 1 Escudo 1936 (...), 1 moeda de 10$00 (...), 1 moeda de 1$00 Escudo Bronze 1965 (...), 1 moeda de 50 centavos modulo maior 1973 (...), 1 moeda de 50 centavos modulo menor 1953 (...), 1 moeda de 20 centavos 1948 (...), 1 moeda de 2$50 (Portugal).
- Dois alvos de coleção de selos
- Uma caixa de acondicionar um relógio de marca ...”.
- Numa caixa de cor ...: 1 moeda de 50 Centavos, 1 moeda de 1 escudo, 1moeda de 200 escudos, 1 moeda de 200 Reis. (Carlos I e Amélia), 1 moeda de 25 Ptas, 1 moeda L500 (Quinhentas Liras) ..., 1 moeda de ½ cêntimo (...), 1 nota de uma libra. (...), 1 nota de 25 Dinars, I nota de 5 Dollars, 1 nota de 20 Dollars, 1 nota de 50 Escudos (...), 1 nota de 500 escudos, 1 nota de 1000 escudos, 3 notas de 100 escudos, I nota de 20 de escudos.
- Uma máquina fotográfica de marca ...”, modelo ... (reconhecida e entregue ao ofendido CC).
- Um punho em madeira de cor ... de uma arma revolver.
17. Realizada busca ao domicílio do arguido CC, sito na Rua ..., em ..., foi encontrado na sua posse e apreendido:
- Uma arma de fogo de classe D (caçadeira) de um cano, calibre 12, da marca ... ...”, com o n.º de série ...53, em razoável estado de conservação.
- Uma caixa com 22 cartuchos, calibre 12, chumbo 6, da marca ...”, modelo ..., em razoável estado de conservação.
18. O Relógio “...” identificado em 3, não é verdadeiro.
19. Os arguidos AA, BB e CC não são titulares de licença de uso e porte de arma.
20. O arguido AA tinha perfeito conhecimento de que não era titular de licença de uso e porte de arma que lhe legitimasse a posse ou detenção de tais munições, que sabia encontrarem-se em razoável estado de conservação e aptas a serem deflagradas e, não obstante, quis tê-las, como teve, na respetiva posse.
21. O arguido BB sabia que as referidas navalhas com lâmina igual ou superior a 10 cm e de abertura automática/ponta e mola que detinha, tinham potencialidade para causar lesões graves ou mesmo mortais, pelo que não lhe era lícito detê-las e, não obstante, quis fazê-lo, agindo da forma descrita.
22. O arguido CC agiu da forma descrita com o propósito, concretizado, de deter e transportar consigo a descrita arma de fogo, cujas características bem conhecia, sem que fosse titular de licença de uso e porte de arma de caça ou de outro título que lhe permitisse deter e transportar consigo a referida arma e que bem sabia ser necessário.
23. Todos os arguidos agiram de forma deliberada, livre e consciente, bem sabendo que as suas condutas eram proibidas e punidas pela lei penal.
24. Do relatório social do arguido AA consta, nomeadamente, que: “À data dos factos subjacentes ao presente processo, AA residia em ... junto do agregado familiar constituído pelos progenitores, o pai, de 76 anos de idade, doente que entretanto faleceu, a mãe, de 66 anos, um tio de 55 anos e a filha WW de 8 anos. A relação intra familiar é descrita como harmoniosa entre os seus elementos, prestando-se um apoio mútuo. No âmbito laboral o arguido teve um período de tempo que se deslocou para ... para desenvolver atividade laboral, em campanhas sazonais, na apanha da fruta, contudo, suspendeu-o com o objetivo de se deslocar a Portugal para tratar das questões legais e respetivas diligências relacionadas com processos judiciais anteriores. O arguido, após ter regressado de ..., integra novamente o agregado familiar constituído pela progenitora (viúva), um tio materno, XX e a filha, WW, de 8 anos de idade, passando a executar trabalho agrícola, como jornaleiro, quando surge oportunidade, com vista a colaborar nas despesas do agregado familiar que apresentava modesta condição socio económica. Não obstante o registo de episódios que anotam consumos excessivos de álcool, estes interferiam apenas no contexto familiar, onde o arguido, por vezes se mostrava reativo, evidenciando dificuldades de autocontrolo na relação interpessoal estabelecida com os elementos do agregado. Na aldeia de ..., AA mantinha uma relação cordial com os residentes, sendo descrito como um indivíduo educado e que costumava aproveitar as oportunidades de trabalho sazonal que surgiam na agricultura. Também referem que se deslocava com regularidade ao estrangeiro, até porque em ... nem sempre haveria trabalho, tendo o arguido que procurar ocupação laboral noutros locais. AA apresenta um estilo de vida que denota necessidade de alteração a diversos níveis, com registo frequente de mudança de residência e de local de trabalho ao longo do percurso de vida, sendo que desde a adolescência que AA apresenta mobilidade nestas áreas. Também ao nível afetivo, o arguido encontra dificuldade em estabelecer relações estáveis, havendo a registar um casamento e duas uniões de facto com descendentes, todas elas já terminadas. O arguido revela alguma dificuldade de autocontrolo nas relações intra familiares quando bebe em excesso, sendo descrito como nervoso/ansioso, contudo, o presente processo não teve impacto negativo ao nível da inserção sócio familiar do arguido, apresentando         este, enquadramento familiar            adequados, nomeadamente por parte da progenitora e elementos da família alargada, que se dispõe a apoia-lo, ainda que com as carências assinaladas ao nível económico. AA regista anteriores condenações em processos-crime de diferente natureza do processo em análise, não tendo as mesmas tido ressonância no sentido de uma alteração de conduta. Contudo, na zona de residência, não obstante o arguido evidenciar uma imagem pouco abonatória, pelos contactos com o Sistema da Administração da Justiça Penal já anteriormente registados, o arguido é caracterizado como uma pessoa bem integrada, com um comportamento ajustado, com hábitos de trabalho regulares, não se percebendo que exista qualquer impacto negativo a este nível”.
25. Do relatório social do arguido BB consta, nomeadamente, que: “No período a que se reportam os factos subjacentes aos presentes autos, BB habitava casa própria, tipo vivenda, que construiu em .... Segundo refere, à data das buscas em sua casa a ex-mulher encontrava-se ali a residir temporariamente, uma vez que tinha regressado de um período de emigração na ... e ainda não tinha conseguido arrendar casa. A situação económica do arguido era difícil uma vez que não tinha trabalho diário. Presentemente, o arguido refere residir sozinho, no mesmo imóvel que é de sua pertença. Mantém o trabalho na construção civil, à jorna, auferindo 30 ou 40€ ao dia, conforme o tipo de tarefa a executar. Como despesa mais expressiva aponta o pagamento de duas prestações às finanças, num total de 200,63€, cujo termo estará previsto para Maio do presente ano. BB convive com os agregados dos descendentes, com a regularidade possível uma vez que um reside na ... e outro em YY. Na comunidade o arguido beneficia de uma imagem positiva, sendo descrito como educado e com hábitos de trabalho arreigados. Assume um estilo de vida convencional e convive regularmente com os conterrâneos e com os amigos de longa data que residem maioritariamente em .... O percurso vivencial de BB teve lugar numa família com uma dinâmica ajustada e com um estilo de vida pró-social. O próprio arguido apresenta um percurso de vida percepcionado como normativo, orientado para valores convencionais, com hábitos de trabalho e beneficiando de suporte familiar e social. Presentemente, mantém actividade laboral no sector da construção civil, reside sozinho e mantém uma rede social consistente”.
26. Do relatório social do arguido CC consta, nomeadamente, que: “À data dos factos subjacentes ao presente processo judicial penal, CC residia sozinho pois a progenitora tinha integrado o Lar ... em ..., contava 82 anos e não apresentava capacidade para se cuidar nem fazer as lides domésticas. Os seus irmão, e desde que a mãe está em Lar, estabelecem poucos contactos com a mesma, sendo o arguido que se desloca com maior frequência para a visitar sempre que tem oportunidade ou boleia de algum amigo. Desde então CC diz passar as épocas festivas na companhia de vizinhos ou amigos. O arguido aproveita todo o trabalho que surge na localidade, sendo frequente trabalhar em épocas próprias, nas quintas da região do douro. CC faz a lide doméstica e as suas refeições em casa, só muito raramente é que faz uma ou outra refeição em restaurante. Á refeição diz consumir vinho moderadamente excedendo-se por vezes ao domingo quando vai ao café da aldeia e em convívio com os amigos. Refere que possui uma situação económica que não lhe permite viver com desafogo apesar de não ter descendentes ou outros familiares a seu cargo. Nos tempos livres o arguido refere que passa grande parte do tempo em casa ou no largo da aldeia e café local. No meio o arguido é considerado educado, trabalhador e pacato convivendo com os residentes e vizinhos os quais o apoiam sempre que necessário. O arguido denota ser conhecedor das regras de vida em sociedade”.
27. Do certificado do registo criminal do arguido AA consta as seguintes condenações:
- foi condenado, no processo n.º 572/10...., Secção Única do Tribunal Judicial ..., pela prática em 201.04.17, de 1 crime de ofensas à integridade física qualificada, na pena de 2 anos de prisão, suspensa por igual período, por decisão de 2013.01.23, transitada em julgado em 2013.02.21, tendo sido posteriormente prorrogada a suspensão para 3 anos;
- foi condenado, no processo n.º 109/14...., Tribunal Judicial ..., pela prática em 2014.07.29, de 1 crime de violência doméstica contra conjugue ou análogo, por decisão de 2015.01.15, transitada em julgado em 2015.02.20, na pena de 2 anos e 10 meses de prisão, suspensa por igual período, com sujeição a deveres;
- foi condenado, no processo n.º 237/14...., Tribunal Judicial ... – JL Criminal, pela prática em 2014.11. de 1 crime de violência doméstica contra conjugue ou análogo, por decisão de 2015.10.22, transitada em julgado em 2015.11.23. na pena de 3 anos de prisão, suspensa por igual período, com regime de prova;
- foi condenado por sentença cumulatória no processo n.º 237/14...., Tribunal Judicial ... – JL Criminal, com a pena aplicada no processo n.º 109/14...., por decisão de 2016.10.31, transitada em julgado em 2016.11.30, na pena de 3 anos e 6 meses de prisão, suspensa por igual período, com regime de prova;
- foi condenado, no processo n.º 3/18...., Tribunal Judicial ... – JC Civel e Criminal – J..., pela prática em 2018.01.09. de 1 crime de violência doméstica contra conjugue ou análogo, por Acórdão de 2018.12.11, transitada em julgado em 2019.09.11, na pena de 4 anos e 8 meses de prisão efectiva;
- foi condenado, no processo n.º 87/17...., Tribunal Judicial ..., pela prática em 2017.08.01, de 1 crime de violência doméstica contra conjugue ou análogo, por decisão de 2018.11.05, transitada em julgado em 2018.11.19, na pena de 3 anos e 6 meses de prisão, suspensa por igual período, com sujeição a deveres.
28. Do certificado do registo criminal do arguido BB nada consta.
29. Do certificado do registo criminal do arguido CC nada consta.
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2. Factos não Provados

Não resultou provado que:

A. O arguido AA tenha entrado na residência do Ofendido CC, referida em 1 dos factos provados, usando uma chave que o ofendido CC e a falecida esposa deste lhe haviam facultado no passado.
B. O arguido BB dedicava-se à aquisição e venda dos produtos subtraídos como se de uma segunda atividade profissional de tratasse, fazendo desta atividade um segundo modo de vida.
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Consigna-se que atenta a factualidade provada da qual não resulta que a propriedade dos bens apreendidos ao arguido BB pertença ao próprio, fica prejudicada as nulidades suscitadas na contestação, a que acresce a extemporaneidade na invocação das mesmas.
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3. Motivação

A) Meios de Prova e Exame critico

O Tribunal formou a sua convicção, relativamente aos factos considerados como provados, com base na análise e valoração da prova produzida e examinada em audiência de discussão e julgamento, a qual foi apreciada segundo as regras da experiência e a livre convicção do julgador [cfr. art. 127º do Código de Processo Penal].
O Tribunal valorou e considerou válidos e relevantes os documentos juntos aos autos, designadamente: Livretes de armas de fls. 6; Informação da PSP (NAE) sobre registo de armas de fls. 36, 64, 269 a 270, 328 e 329; Listagem de bens furtados de fls. 59; Auto de busca e apreensão com reportagem fotográfica de fls. 110 a 112, 114 a 116, 118 a 122, 131 e 134, 284 e 285, 309 a 311 (???); Auto de busca e apreensão de fls. 142 e 143, 145 e 146 (???), 148 e 149 (???), 258 e 259 (???), 260 e 261(???); Auto de exame direto de arma de fogo de fls. 132 e 133 e 286; Auto de exame direto a objetos apreendidos de fls. 189 (184) a 256; Termo de entrega de objetos apreendidos de fls. 275; Auto de apreensão com exame direto de fls. 297 a 301 (???); Relatório policial de fls. 498 a 500 e 563 a 577; Copia dos autos de inquérito n.º 34/16.3GACRZ de fls. 598 a 604; Relatório de inspeção judiciária de fls. 523 a 530.
Relativamente às condições socioeconómicas dos arguidos o Tribunal valorou as declarações dos mesmos e os relatórios sociais juntos aos autos.
Quanto aos antecedentes criminais dos arguidos o Tribunal valorou os certificados de registo criminal junto aos autos.
Tais documentos por não conterem quaisquer elementos susceptíveis de indiciar a sua falsidade, nem conterem informações inverosímeis e/ou contraditórias, lograram criar no Tribunal a convicção de veracidade do teor das declarações e factos aí vertidos, bem como das características dos objetos aí referidos.
O Tribunal teve ainda em consideração as declarações dos arguidos e a prova testemunhal nos termos que infra se consigna.
O Arguido AA, no essencial, nega a prática dos factos de que vem acusado. Refere que nunca entrou em cada do Ofendido, já tinha estado no local, mas para matar galinhas e estava lá a Filha do Ofendido; foram apreendidos cartuchos, as munições estavam guardadas dentro de um armário, apenas teve uma caçadeira que lhe foi apreendida há mais de 10 anos não lhe tendo sido levadas as munições; tinha um relógio “...” de fantasia que tinha comprado na feira, os bens aprendidos no carro era bijuteria; nunca vendeu nada ao Sr. BB.
O M.P. requereu as leituras prestadas pelo arguido perante Magistrado do M.P., tendo sido lidas, nas quais o mesmo referiu que no ano de 2015 precisou de dinheiro devido a problemas que tinha em Tribunal, pediu a um individuo que conhece por “ZZ Trolha” cerca de 550€ tendo o mesmo referido que só lhe emprestava se lhe arranjasse algo do mesmo valor e como o “ZZ” era apreciador de armas e sabia que o Sr. AA tinha em sua casa um revólver, porque já a tinha visto por diversas vezes, e foi-o buscar num dia em que o Sr. AA estava em casa mas em que tinha ido mostrar a uns Senhores um ciclomotor que tinha para vender; o revólver estava dentro de uma caixa, fechada com tampa mas não trancada, onde estavam outras munições; após furtar o revólver foi-o entregar ao “ZZ” para ele lhe emprestar os 550€, sendo que disse ao “ZZ” que quando tivesse 550€ para lhe entregar queria o revólver de volta, disse ao “ZZ” de quem era o revólver; chegou a levar os 550€ ao “ZZ” mas ele recusou-se a devolver o revólver; chegou a dizer ao “ZZ” que o Sr. AA tinha mais armas em casa, tendo o “ZZ” mostrado interesse em saber onde era a casa, tendo ido mostrar ao “ZZ” onde era a casa; tem a certeza que quem furtou das restantes armas em casa do Sr. AA foi o “ZZ” porque dias depois viu no carro do mesmo umas granadas que reconheceu ter visto em casa do Sr. AA e uma caixa com vários revolveres; tem conhecimento que dias após terem estado juntos o “ZZ” vendeu armas de caça a um individuo de nome CC, mais conhecido por “CC”, vizinho do lesado. Mais refere que a PJ acerca de 4/5 anos fez uma busca a sua casa onde apreendeu uma arma de caça tendo deixado os cartuchos, que se encontravam num armário antigo e não sabia que os cartuchos tinham ficado em tal armário; desconhece a quem pertencem as chaves apreendidas uma vez que as mesmas estavam num quarto utilizado pela sua irmã e a sua filha; desconhece a quem pertence o carimbo apreendido; no ano de 2016 o CC abordou-o e perguntou-lhe se tinha uma caçadeira para vender, tendo-lhe respondido que o “ZZ” é quem vendia armas e que iria falar com o mesmo, o que sucedeu no dia seguinte tendo o “ZZ” referido que tinha uma caçadeira para vender tendo-lhe perguntado quem queria comprar a caçadeira ao que respondeu que era o CC, mais conhecido por “CC”, nesse mesmo dia o “ZZ” foi ter consigo, num veiculo ... preto, modelo ...90, e foram ter com CC, tendo este referido ao “ZZ” que queria experimentar a arma, o que sucede, tendo o CC aceite comprar a arma. entregue a quantia de 350€ e recebido do “ZZ” a caçadeira; o “ZZ” deu-lhe 100€ por lhe ter arranjado o negócio. Mais referiu que além de ter furtado ao CC um revólver que entregou ao BB, em momento posterior, juntamente com o BB, deslocou-se à residência do CC e retiraram da mesma uma caixa de revólveres que tinha quatro ou cinco revolveres, uma espingarda e uma caixa com munições, tendo os objectos sido colocados no carro do “ZZ”, de marca ..., e este ficado com os mesmos; o “ZZ” deu-lhe 500€, por lhe ter indicado a residência do CC e lhe ter ajudado a retirar os objectos; sabiam que tinham retirado os objectos contra a vontade do CC; em momento anterior ao furto da caixa de revolveres, da espingarda e da caixa de munições o “ZZ” disse-lhe que lhe dava 500€ se o ajudasse a furtar as armas pertencentes a CC e, como na altura precisava de dinheiro, acedeu ao pedido do “ZZ”. Disse, ainda, desconfiar que o “ZZ” voltou à residência do CC, pois viu na habitação daquele granadas e também uma caixa com relógios, viu ainda o “ZZ” vender uma caçadeira ao AAA e pensa que essa caçadeira encontrava-se em casa de CC; teme pela sua vida uma vez que tem medo o que o “ZZ” lhe possa fazer.
O arguido, após a leitura das suas declarações, disse que as mesmas tinham sido prestadas porque os NIC o obrigaram. O Tribunal não crê que tal tenha sucedido. Na verdade o Tribunal crê que o desmentido do arguido decorre do facto de o mesmo ter sido confrontado com as suas declarações perante o M.P. na presença dos restantes arguidos, que ouviram o que o mesmo relatou, as circunstâncias de tempo, modo e lugar em que ocorreram alguns dos factos em causa nos autos e a participação dos restantes arguidos nos mesmos, sendo que a prova dos restantes que o mesmo não presenciou decorrem não só das sua declarações como da conjugação da restante prova produzida, de acordo com as regras da experiência e do senso comum. Na verdade, as declarações prestadas pelo arguido perante o M.P. foram lidas e assinadas pelo próprio como estando em conformidade com o que tinha dito, conforme resulta do auto de declarações, a que acresce o facto de o depoimento em causa ter sido circunstanciado, mais próximo da data dos factos e em que o próprio arguido também assume, parte, da sua culpabilidade, pelo que inexistem razões suficientemente forte e credíveis para duvidar da veracidade das mesmas. Acresce que, como resulta do final das declarações prestadas pelo arguido no M.P., o mesmo “teme pela sua vida uma vez que tem medo o que o “ZZ” lhe possa fazer”, pelo que terá sido por medo que o arguido AA quis dar o dito por não dito, o que não logrou conseguir. De referir, que a versão do arguido para ter na sua posse munições não logrou convencer o Tribunal. Na verdade, não é crível que as munições tenham ficado “perdidas/esquecidas” num armário durante cerca de 4/5 anos e que o arguido durante tal lapso de tempo nunca tivesse ido ao referido armário e constatado a existência das munições apreendidas. Também não é crível que a PJ tivesse feito uma busca a sua casa onde apreendeu uma arma de caça e deixasse ficar os cartuchos, o mais natural é que os mesmos não existissem na data da alegada busca, caso contrário seriam apreendidas como foram agora.
O arguido BB, no essencial, nega a prática dos factos imputados; refere que os objectos apreendidos são todos seus; não comprou nada ao arguido AA; numa ocasião o arguido AA pediu-lhe emprestado 400€ tendo deixado como “caução” um saco verde com moedas, uma máquina “...” em peças e selos; não sabe onde é a casa do Ofendido CC, não o conhece nem nunca vendeu nada ao mesmo; tem uso e porte de arma classe C; nunca teve granadas; tinha muitas navalhas; foi emigrante na .... Refere que as navalhas entregues ao Ofendido são suas; tinha relógios de várias marcas porque faz coleção, tal como de moedas; nunca misturou as moedas, a Policia levou o saco e as moedas que tinha nas gavetas; os animais de madeira entregues ao Ofendido refere serem suas que foram comprados pela sua esposa numa feira; não vendeu nada ao CC, quer ao arguido quer ao Ofendido; tem três ..., sendo o mais moderno de 1993 e um ... antigo de 1981, não tem nenhum ...; tem duas motas dos filhos, uma ... e uma ...; os carros não estão em seu nome; fazia coleção de relógios, de navalhas, pias, charruas, de tudo; não tinha relógios “...”, não sabe os modelos dos relógios que tem.
A versão do arguido não logrou convencer o Tribunal, desde logo porque a mesma foi contrariada pelo arguido AA nos moldes supra referidos. Na verdade, a única coincidência nas versões dos arguidos AA e BB é o facto de ambos referirem que em determinada altura o arguido AA foi ter com o arguido BB pedindo dinheiro emprestado, sendo que o montante pedido e o que foi dado para obter a quantia em causa já difere entre ambos os arguidos. No entanto, não é crível que o arguido BB pedisse uma “caução” para emprestar, na sua versão, 400€ e se satisfizesse com a mera entrega de um saco verde com moedas, uma máquina “...” em peças e selos, sem que tal “caução” tivesse um valor aproximado ao valor “emprestado”. A versão do arguido AA foi pormenorizado, dizendo porque motivo levou a arma furtada da casa do Ofendido CC ao arguido BB para que este lhe “emprestasse” o dinheiro, porque sabia que o “ZZ” era apreciador de armas, sendo que a arma já teria um valor mais próximo do valor “emprestado” pelo que, segundo as regras da normalidade e da experiencia comum, é mais credível a versão do arguido AA. O arguido BB refere não conhecer nem saber onde fica a casa do Ofendido AA e tal factualidade também é desmentida pelo arguido AA, uma vez que o mesmo referiu que além de ter furtado ao CC um revólver que entregou ao BB, em momento posterior, juntamente com o BB, deslocou-se à residência do CC e retiraram da mesma uma caixa de revólveres que tinha quatro ou cinco revolveres, uma espingarda e uma caixa com munições, tendo os objectos sido colocados no carro do “ZZ”, de marca ..., e este ficado com os mesmos; o “ZZ” deu-lhe 500€, por lhe ter indicado a residência do CC e lhe ter ajudado a retirar os objectos.
Diga-se, que as testemunhas arroladas pelo arguido BB e o próprio arguido não lograram provar que os objectos apreendidos, contrariamente ao alegado pelo mesmo, fossem seus, não se pode dizer que por, alegadamente, terem visto uma peça igual ou parecida que tal peça seja de quem a detêm. Na verdade, atenta a listagem de bens furtados de fls. 59, o auto de apreensão e o termo de entrega de objetos apreendidos de fls. 275, não resulta provada a versão do arguido BB, de que tudo o que foi apreendido a si, a si pertence.
O arguido CC, no essencial, referiu que comprou ao arguido AA uma caçadeira por 350€, não sabe de quem era a arma; tinha pedido ao arguido para lhe arranjar uma arma; quando comprou a arma só estava o arguido AA não estava o arguido BB, que também lhe vendeu os cartuchos que lhe foram apreendidos em casa; foi experimentar a arma para o ...; nunca comprou nada ao arguido BB; não tem licença de uso e porte de arma; foi ter com o arguido BBB porque sabia que ele as arranjava.
A versão do arguido não logrou convencer o Tribunal, desde logo porque a mesma foi contrariada pelo arguido AA nos moldes supra referidos. Na verdade, o depoimento do arguido AA perante o M.P. para além de ter sido circunstanciado e mais próximo da data dos factos o próprio arguido AA também assume, parte, da sua culpabilidade, pelo que inexistem razões suficientemente forte e credíveis para duvidar da veracidade das mesmas. De facto, no que à arma vendida ao arguido CC, o arguido AA referiu de modo pormenorizado o modo como tal ocorreu: “ no ano de 2016 o CC abordou-o e perguntou-lhe se tinha uma caçadeira para vender, tendo-lhe respondido que o “ZZ” é quem vendia armas e que iria falar com o mesmo, o que sucedeu no dia seguinte tendo o “ZZ” referido que tinha uma caçadeira para vender tendo-lhe perguntado quem queria comprar a caçadeira ao que respondeu que era o CC, mais conhecido por “CC”, nesse mesmo dia o “ZZ” foi ter consigo, num veiculo ... preto, modelo ...90, e foram ter com CC, tendo este referido ao “ZZ” que queria experimentar a arma, o que sucede, tendo o CC aceite comprar a arma. entregue a quantia de 350€ e recebido do “ZZ” a caçadeira; o “ZZ” deu-lhe 100€ por lhe ter arranjado o negócio.”
A testemunha CCC, divorciada, assistente operacional, no essencial, referiu ser filha do Ofendido CC que já faleceu; não conhece os arguidos; o seu Pai (CC) era colecionador de relógios, moedas e notas; recorda-se de o Pai ter relógios bastante caros, nomeadamente, “...”, chegou a ver um relógio que o Pai tinha todo em ouro mas não sabe a marca, o mostrador do relógio recorda-se ser redondo; o relógio era de ouro, era um relógio de estimação do seu Pai, se o relógio não for em ouro não é do seu Pai.
Foi determinada a presença em Julgamento de um Ourives de modo a avaliar o relógio da marca ...” apreendido nos autos de modo a referir se o mesmo era em ouro e da marca em causa. Para o efeito compareceu o Sr. DDD, da “EEE” tendo o mesmo referido que o relógio em causa não é de ouro nem um “...” verdadeiro, a máquina é plástico “isto não vale nada”.
A testemunha SS, casado, agricultor, no essencial, referiu que conhece todos os arguidos; comprou uma arma ao arguido BB, no café “V...” “estava com os copos”, quando comprou a arma o Sr. AA estava presente; comprou a arma, acerca de 3 a 4 anos, sem a ver, por 250€ e foram a casa dele, no carro do arguido BB buscar a arma mas o AA não foi; o AA não fez nada, negociou foi com o BB, o BB não lhe deu documentos da arma; a arma foi apreendida pelos NIC de ..., entre 8 meses a um ano após a ter comprado, quando foi feita a busca à sua residência a arma tinha desparecido voltando a aparecer ao fundo das escadas; chegou a dar 4 mil euros ao arguido AA porque este lhe disse que conhecia um inspetor da judiciária e o processo da arma e da uma varejadora que o AA lhe tinha arranjado terminaria.
O depoimento da testemunha em causa serviu para corroborar o facto de o arguido BB vender armas e que o arguido AA acompanhava o arguido BB em tal ocasião, tal como o arguido AA referiu ter feito na venda da arma ao arguido CC, existindo um padrão de tal comportamento nas vendas das armas referidas, o que confere credibilidade na versão dos factos relatada pelo arguido AA ao M.P. nos moldes supra consignados.
A testemunha RR, casado, NIC de ..., no essencial, referiu conhecer os arguidos devido às suas funções; foi titular do inquérito; informou as diligências efetuadas nos autos e a sua participação nas mesmas. Referiu que quando procedeu à inquirição do Ofendido o mesmo recordava-se apenas de algumas coisas e já não estava bem, a única coisa que o Ofendido conseguiu reconhecer com exatidão foi uma máquina fotográfica da marca ...” e duas navalhas, o resto já não tinha um discurso assertivo, “acha” que o Ofendido já não estava bem consciente, teria algum problema do foro neurológico e estava um bocado esquecido; a inquirição foi cerca de 2 anos após o furto, a relação dos bens furtados foi logo após o furto tendo sido apresentada uma nova relação com mais bens.
A testemunha FFF, casado, chefe dos NIC de ..., no essencial, referiu conhecer os arguidos devido às suas funções; informou as diligências efetuadas nos autos e a sua participação nas mesmas que se resumiu a chefiar uma equipa de busca a casa do arguido CC, onde foi encontrada uma caçadeira e umas munições que estavam junto da mesma dentro de uma cuba de inox.
A testemunha GGG, divorciado, GNR ..., no essencial, referiu conhecer os arguidos devido às suas funções; informou as diligências efetuadas nos autos e a sua participação nas mesmas que se resumiu à inspeção judiciária ao local, numa residência devido a um suposto furto de armas e peças de ouro; não havia sinais de arrombamento na casa, não havia nada revirado, não viu nada de anormal; o familiar do proprietário é que contactou com o mesmo e disse o que lhe faltava; a lista dos objectos furtados foi dada no próprio dia pela pessoa que estava no local em representação do proprietário da casa, não se recorda se era do sexo masculino ou feminino.
Os depoimentos dos NIC/GNR serviu, essencialmente, para informar o Tribunal das diligências elaboradas pelos mesmos nos presentes autos.

Testemunhas de Defesa do arguido BB

A testemunha JJ, casado, reformado, no essencial, referiu conhecer os arguidos; conhece o arguido HHH desde que nasceu; nunca foi a casa do arguido BB mas sabe, por o arguido lhe ter contado, que comprava moedas, umas tinha herdado do Pai, “uns vinténs”; o arguido mostrou-lhe umas moedas e um Relógio que tinha no pulso; na altura também tinha vinténs que eram do seu Padrinho, sabe que o arguido esteve emigrado na ....
A testemunha KK, casado, agricultor, no essencial, referiu conhecer os arguidos, sendo amigo do arguido BB que conhece desde criança e com quem chegou a trabalhar junto tanto na agricultora como na construção; a atividade principal do arguido é na construção civil; o arguido BB gosta de colecionar pias; chegou a ver umas caixas onde o arguido tinha relógios e navalhas acerca de 20 anos atrás; o arguido esteve emigrado na ... e alguns dos relógios ele disse-lhe que tinha trazido da ...; viu arma de caça ao arguido, uma caçadeira porque ele é caçador, pensa que em 2019/2020; também chegou a ver moedas ao arguido, tendo chegar a ver, acerca de 9/10 anos, um Senhor (III) a entregar ao arguido um saco de moedas.
A testemunha LL, casado, abastecedor, no essencial, referiu conhecer os arguidos, sendo o arguido BB seu tio; o seu Tio coleciona tudo o que seja antigo, nomeadamente, moedas, relógios, também tem “por lá muitas pedras”, pensas ter visto quando era pequeno navalhas, não se recorda de ter visto estatuetas de animais, viu também selos.
A testemunha MM, solteiro, vigilante, no essencial, referiu ser Filho do arguido BB; o Pai é colecionador de muitas coisas; selos, relógios, moedas, navalhas, estatuetas, nomeadamente, de elefantes, tinha dentes de elefante; pias, armas antigas.
A testemunha NN, silvicultor, no essencial, referiu ser Filho do arguido BB; o seu Pai coleciona tudo o tipo de ”velharias”, nomeadamente, relógios, moedas, selos, navalhas, estatuetas que compravam na feira; algumas nas navalhas eram isqueiros, alguns punhais, armas antigas, pias espalhadas pelo terreno.
A testemunha OO, divorciada, ajudante de cozinha, no essencial, referiu que foi casada com o arguido BB quase durante 25 anos e de quem se divorciou em 2012; o arguido sempre foi colecionador, nomeadamente, selos, moedas, relógios, pias, tudo o que é antigo o arguido gosta; estatuetas de madeira que foi a própria quem comprou nas feiras de ....
O arguido BB ao visualizar alguns dos objetos aprendidos, nomeadamente, relógios e navalhas referiu serem seus e por si adquiridos ou a si oferecido
Conforme supra já mencionado, as testemunhas arroladas pelo arguido BB e o próprio arguido não lograram provar que os objectos apreendidos, contrariamente ao alegado pelo mesmo, fossem seus, não se pode dizer que por, alegadamente, terem visto uma peça igual ou parecida que tal peça seja de quem a detêm. Na verdade, atenta a listagem de bens furtados de fls. 59, o auto de apreensão e o termo de entrega de objetos apreendidos de fls. 275, não resulta provada a versão do arguido BB, de que tudo o que foi apreendido a si, a si pertence.
Assim, atentos os meios de prova acima referidos analisados e apreciados na sua globalidade e a valoração que o Tribunal lhes atribuiu, permitiram dar como provados os factos supra descritos.
Os factos não provados resultaram da ausência de prova sobre os mesmos.
Atentas as regras da experiência comum, permite-nos concluir, também, que os arguidos sabiam que as suas condutas eram proibidas e criminalmente puníveis.
Com efeito, o dolo, dada a natureza subjectiva, é insusceptível de apreensão directa, só podendo captar-se a sua existência através de factos materiais, entre os quais o preenchimento dos elementos integrantes da infracção, e por meio das presunções materiais ligadas ao princípio da causalidade ou das regras gerais da experiência (cfr. Neste sentido, Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 6/09/2011, proferido no âmbito do Processo n.º 241/07.0PCSTB.E1, disponível para consulta in www.dgsi.pt).
O alcance das conclusões acima acabadas de enunciar não contende com a livre apreciação da prova, pois que, é lícito ao Tribunal, para além dos meios de prova directos, socorrer-se dos procedimentos lógicos para prova indirecta, de conhecimento ou dedução de um facto desconhecido a partir de um facto conhecido: as presunções, como tem já vinha a ser defendido pelo Professor Vaz Serra, (in “Direito Probatório Material”, BMJ, nº 112 pág, 190, apud Ac. STJ de 6/10/2010, proferido no âmbito do Processo n.º 936/08.JAPRT, in www.dgsi.pt), e mais recentemente, também, pelo Sr. Juiz-Conselheiro Santos Cabral (no artigo “Prova indiciária e as novas formas de criminalidade”, publicado no último número da revista “Julgar”, n.º 17, Maio-Agosto de 2012, pp. 13 e ss., também disponível para consulta no           sítio      oficial  do        Supremo Tribunal de Justiça, in http://www.stj.pt/ficheiros/estudos/provaindiciarianovasformascriminalidade.pdf) e também pela jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça (vide a este respeito, v.g., Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 13/07/2011, proferido no âmbito do Processo n.º 6/08.1GDPNF.P2.S1, e de 6/10/2010, proferido no âmbito do Processo n.º 936/08.JAPRT, ambos disponíveis para consulta in www.dgsi.pt).
Na passagem do facto conhecido (prova directa) para a aquisição (ou para a prova) do facto desconhecido (prova indirecta), têm de intervir, pois, juízos de avaliação através de procedimentos lógicos e intelectuais, que permitam fundadamente afirmar, segundo as regras da experiência, que determinada facto, não anteriormente conhecido nem directamente provado, é a natural consequência, ou resulta com toda a probabilidade próxima da certeza, ou para além de toda a dúvida razoável, de um facto conhecido.
Assim, como refere Santos Cabral (ob.cit., pág. 13) “a prova indiciária pressupõe um facto, demonstrado através de uma prova directa, ao qual se associa uma regra da ciência, uma máxima da experiência ou uma regra do sentido comum”, pelo que, “o facto indiciante resultante da prova directa permite a elaboração de um facto-consequência em virtude de uma ligação racional e lógica”.
Quanto às condições económico-sociais dos arguidos o Tribunal fundou a sua convicção nos relatórios sociais juntos aos autos.
Quanto aos antecedentes criminais dos arguidos, o Tribunal formou a sua convicção com base nos respectivos certificados de registo criminal junto aos autos

III. DE DIREITO:

Da responsabilidade criminal dos arguidos

Como é sabido, para termos verificada a responsabilidade criminal de um agente é necessário que este tenha praticado uma acção típica, ilícita, culposa e punível.
Quanto ao pressuposto da tipicidade, tem-se de verificar se aquela actuação humana se subsume ao tipo descritivo e normativo na previsão dos seus elementos objectivos e subjectivos.
Para além de o facto ter consistido numa acção típica, ilícita e culposa, é ainda preciso que seja punível.
Cumpre, assim, analisar a estrutura dos tipos de crime pelos quais vem acusado o arguido.
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O arguido AA vem acusado da autoria material de um crime de furto qualificado, em concurso efectivo, previsto e punido pelos artigos 203.º, n.º 1 e 204.º, n.º 1, a) e n.º 2, al. e), do Código Penal.
O tipo matricial de furto, consagrado no artigo 203º do Código Penal, consiste num crime de natureza patrimonial em que o bem jurídico protegido é a propriedade.
O elemento subjectivo da infracção é constituído pela ilícita intenção de apropriação, para si ou outrém, de coisa móvel alheia. Trata-se de um dolo específico que se preenche com a intenção de o agente, contra o proprietário ou detentor da coisa, se comportar como dono dela e de a integrar no seu património ou no de terceiro.
Para a verificação do elemento objectivo, a subtracção, não é necessário que a coisa seja mudada de um lugar para outro, nem que seja usada, ou sequer que haja lucro, bastando que o agente tenha a disponibilidade material da coisa.
O bem jurídico protegido no furto qualificado apresenta-se como complexo e admite-se um dolus generalus relativamente a todos os elementos qualificadores, já que não existe responsabilidade penal objectiva.
Quanto à qualificação do crime de furto, o artigo 204.º do Código Penal, vem seguidamente estabelecer, nos n.ºs 1 e 2, as situações que a determinam. Cada uma das alíneas contêm elementos qualificadores que têm de ser perspectivados do ponto de vista do âmbito da esfera de protecção da norma, devendo rejeitar-se a ideia de que tais circunstâncias são de aplicação automática, (Faria Costa, Comentário Coninbricence do Código Penal, tomo II, p. 56 e 57).
O legislador, utilizando o mesmo modelo de sistematização técnica dos tipos legais de crime que emprega relativamente a quase toda a parte especial, com a excepção dos crimes contra a honra, e depois de ter definido o crime matricial de furto simples, vem, seguidamente, recortar os elementos que determinam a qualificação. O legislador leva então a cabo uma qualificação, aliás, uma hiperqualificação. Em rigor o que existe são dois furtos qualificados, tanto mais que o recorte das molduras penais abstractas outra coisa não pode deixar de indicar. Por um lado, uma qualificação revelada na gravidade da moldura penal abstracta na norma contida no n° 1 e uma outra qualificação, mais grave ainda, também ela apreensível na sanção abstractamente aplicável no n.° 2 do artigo 204º, do Código Penal.
Quem furtar coisa móvel alheia, de valor elevado, isto é, que exceda 50 unidades de conta à data da prática dos factos (isto é, € 5.100,00) incorre na prática do crime qualificado previsto no n.º 1, al. a), do C. Penal, por remissão do artigo 202º, al. a), do C. Penal, correspondendo esta qualificação a um juízo de censura elevado dada a acrescida ilicitude dos factos.
Entrando na análise da forma hiperqualificada, dispõe o n.º 2, al. e) do artigo 204º, que é punido com pena de prisão de 2 a 8 anos quem penetrar em habitação, ainda que móvel, estabelecimento comercial ou industrial ou outro espaço fechado, por arrombamento, escalamento ou chaves falsas.
Por seu turno, no artigo 202º, al. d), e) e f), do Código Penal, constam as definições de arrombamento, escalamento e chaves falsas.
Enquanto que, no n° 1, al. f), do artigo 204º estamos perante uma introdução ilegítima em habitação, ainda que móvel, estabelecimento comercial ou industrial ou outro espaço fechado, no caso previsto no n.º 2, al. e do artigo 204º trata-se de penetrar, nesses mesmos locais, por meio de arrombamento, escalamento ou chaves falsas. Isto é, o legislador descreveu os comportamentos proibidos, vinculando as condutas proibidas à descrição típica e, por conseguinte, não basta penetrar naqueles espaços é ainda necessário que se tenha processado pelos seguintes meios específicos descritos na norma, arrombamento, escalamento ou através do recurso a chaves falsas.
Ora, de acordo com a factualidade apurada não resultou provado que o arguido AA penetrou no interior da residência do Ofendido CC usando uma chave que o ofendido e a falecida esposa deste lhe haviam facultado no passado. Em face do exposto, não se verifica a agravação prevista no artigo 204.º, n.º 1, n.º 2, al. e), do Código Penal mas sim a introdução ilegítima em habitação prevista no n° 1, al. f), do artigo 204º do C.P.
Inexistem causas de exclusão da ilicitude ou da culpa.
Porque se mostram preenchidos todos os elementos objectivos e subjectivos do tipo de ilícito por que vinha acusado, não restam dúvidas quanto ao seu cometimento, pelo que deverá o arguido AA ser condenado mas pelo crime previsto no artigo 204.º, n.º 1, n.º1, al. a) e f), do Código Penal.
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Quanto ao crime de detenção de arma proibida:

Do crime de detenção de arma proibida

O artigo 86.º, n.º 1, alínea c), da Lei n.º 5/2006, de 23 de Fevereiro, que aprova o novo Regime Jurídico das Armas e suas Munições (doravante RJAM) na redacção dada pela Lei n.º 50/2013, de 24/07), dispõe “(q)ue quem, sem se encontrar autorizado, fora das condições legais ou em contrário das prescrições da autoridade competente, detiver, transportar, importar, guardar, comprar, adquirir a qualquer título ou por qualquer meio ou obtiver por fabrico, transformação, importação ou exportação, usar ou trouxer consigo (…) arma das classes B, B1, C e D, espingarda ou carabina facilmente desmontável em componentes de reduzida dimensão com vista à sua dissimulação, espingarda não transformada de cano de alma lisa inferior a 46 cm, arma de fogo dissimulada sob a forma de outro objecto, ou arma de fogo transformada ou modificada, é punido com pena de prisão até 5 anos ou com pena de multa até 600 dias”.
Já a alínea d) do mesmo normativo e diploma legal estabelece que: “d) Arma da classe E, arma branca dissimulada sob a forma de outro objeto, faca de abertura automática, estilete, faca de borboleta, faca de arremesso, estrela de lançar, boxers, outras armas brancas ou engenhos ou instrumentos sem aplicação definida que possam ser usados como arma de agressão e o seu portador não justifique a sua posse, aerossóis de defesa não constantes da alínea a) do n.º 7 do artigo 3.º, armas lançadoras de gases, bastão, bastão extensível, bastão elétrico, armas elétricas não constantes da alínea b) do n.º 7 do artigo 3.º, quaisquer engenhos ou instrumentos construídos exclusivamente com o fim de serem utilizados como arma de agressão, silenciador, partes essenciais da arma de fogo, artigos de pirotecnia, exceto os fogos-de-artifício de categoria 1, bem como munições de armas de fogo independentemente do tipo de projétil utilizado, é punido com pena de prisão até 4 anos ou com pena de multa até 480 dias. “
            Importa salientar que nos encontramos perante um crime de perigo abstracto. As condutas descritas por este tipo legal não lesam de forma directa e imediata qualquer bem jurídico, presumindo a lei o perigo para determinados bens juridicamente protegidos. Por outro lado, é desnecessária a efectiva verificação de uma situação de perigo para esses bens, dada a suposição legal de que determinadas condutas são geralmente perigosas para o objecto protegido.
Nos termos do disposto no artigo 2.º, n.º 5, alínea f), do Regime Jurídico das Armas e suas Munições, entende-se por “(d)etenção de arma o facto de ter em seu poder ou na sua esfera de disponibilidade uma arma.”
A mera detenção de arma proibida, independentemente da criação de uma situação de perigo de lesão de bens jurídicos, encontra-se prevista pelo tipo legal de crime (Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 13 de Abril de 1994, processo n.º 46126).
Assim, ter na sua esfera de disponibilidade uma caçadeira preenche a conduta de detenção de arma proibida, prevista no artigo 86.º, n.º 1, alínea c), do RJAM.
Acontece porém, que o tipo objectivo de detenção de arma proibida, não se basta com a conduta positiva do agente, sendo ainda necessário o preenchimento de um elemento negativo do tipo, ou seja, a inexistência de autorização para deter a referida arma, dado que, conforme já se salientou, em circunstâncias excepcionais, a dita detenção pode ser autorizada (artigo 3.º, n.º 2 e artigo 4.º, n.º 2 do Regime Jurídico das Armas e suas Munições).
O tipo objectivo de detenção de arma proibida, previsto nas várias alíneas, do n.º 1, do artigo 86.º, do RJAM, nunca dispensa, para a sua verificação, a inexistência de autorização, ou de condições legais de detenção ou a contrariedade às prescrições de entidade competente, por mais improvável que pareça a detenção lícita de algumas das armas aí descritas. Existindo a competente autorização, não se verifica o crime de detenção de arma proibida.
Os arguidos AA, BB e CC não são titulares de licença de uso e porte de arma (facto provado n.º20).
No que tange ao tipo subjectivo, o crime de detenção de arma proibida, constituindo um crime de perigo abstracto, pressupõe por parte do agente uma conduta dolosa, admitindo-se o dolo em qualquer uma das modalidades plasmadas no artigo 14.º do Código Penal.
In casu, os arguidos sabiam que não poderiam deter a referida armas e cartuchos, porque não tinha licença nem autorização de uso e porte de arma, pelo que representaram o facto que preenche o tipo de crime e agiram com intenção de o realizar, actuando com dolo directo, nos termos do artigo 14.º, n.º 1, do Código Penal.
Mais se provou que tinham consciência de que tal conduta lhe era vedada pelo Direito e agiu sem qualquer constrangimento com uma vontade livre e esclarecida, tendo, desta forma, agido com culpa.
Inexistem causas de exclusão da ilicitude ou da culpa.
Porque se mostram preenchidos todos os elementos objectivos e subjectivos do tipo de ilícito por que vinha acusado, não restam dúvidas quanto ao seu cometimento, pelo que deverão os arguidos serem condenados.
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Vem o arguido BB acusado pela prática de um crime de receptação agravado, p. e p. pelo art. 231º, nº 1 e 4 do CP.
Nos termos do disposto no art. 231º, nº 1, do Código Penal, “Quem, com intenção de obter, para si ou para outra pessoa, vantagem patrimonial, dissimular coisa que foi obtida por outrem mediante facto ilícito típico contra o património, a receber em penhor, a adquirir por qualquer título, a detiver, conservar, transmitir ou contribuir para a transmitir, ou de qualquer forma assegurar, para si ou para outra pessoa, a sua posse, é punido com pena de prisão até 5 anos ou com pena de multa até 600 dias.”

Por sua vez o n.º 4 dispõe que:
“Se o agente fizer da receptação modo de vida, é punido com pena de prisão de 1 a 8 anos.”
São elementos objectivos do crime de receptação, a dissimulação de coisa que foi obtida por outrem mediante facto ilícito típico contra o património, receber em penhor tal coisa, adquiri-la por qualquer título, detê-la, conservá-la, transmiti-la ou contribuir para a sua transmissão, ou de qualquer forma assegurar, para si ou para outra pessoa, a sua posse.
Adquirir é obter a coisa a título de domínio, a título gratuito ou oneroso, sendo no entanto, necessário que a aquisição se complete com a efectiva tradição da coisa.[2]
A coisa objecto da receptação há-de ser produto de crime, o que evidencia que resultou mediata ou imediatamente, de um facto típico, não se exigindo que o facto mediante o qual a coisa foi obtida por outrem seja punível, nem culposo, mas só que ele seja tipicamente ilícito.[3]
O elemento subjectivo deste tipo de crime exige para a sua verificação o conhecimento da proveniência ilícita da coisa e especifica-se na intenção de obter para si ou terceiro vantagem patrimonial,[4] pelo que, na forma prevista naquele nº 1, do art. 231º, do Código Penal, só pode ser cometido com dolo, exigindo-se ainda o dolo específico inerente à intenção de obtenção de vantagem patrimonial.[5]
Trata-se pois, de um tipo de crime que tem como bem jurídico tutelado os direitos de natureza patrimonial da pessoa que ficou desapossada da coisa e que os poderia exercer quanto à recuperação dessa coisa.
Ora, para o preenchimento deste tipo de crime exige-se um dolo especifico relativamente à proveniência da coisa, sendo necessário que o agente saiba efectivamente que a coisa provém de facto ilícito típico contra o património, pelo que a simples admissão dessa possibilidade a título de dolo eventual não é suficiente para o preenchimento do tipo subjectivo[6].
Face à matéria provada, a conduta do arguido deverá subsumir-se ao crime previsto no art. 231º, nº 1, do Código Penal. No entanto, não logrou provar-se a agravação do n.º4, uma vez que da factualidade provada não resulta que o arguido fizesse do crime de recetação modo de vida.
Inexistem causas de exclusão da ilicitude ou da culpa.
Porque se mostram preenchidos todos os elementos objectivos e subjectivos do tipo de ilícito por que vinha acusado, não restam dúvidas quanto ao seu cometimento, pelo que deverá o arguido BB ser condenado, mas pelo crime previsto no art. 231º, nº 1, do Código Penal.
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Vêm ainda os arguidos AA e BB acusados da prática de um crime de tráfico de armas, p. e p. pelo artigo 87.º , n.º1, da Lei 5/2006, de 23/02, que dispõe o seguinte: “1 - Quem, sem se encontrar autorizado, fora das condições legais ou em contrário das prescrições da autoridade competente, vender, ceder a qualquer título ou por qualquer meio distribuir, mediar uma transacção ou, com intenção de transmitir a sua detenção, posse ou propriedade, adoptar algum dos comportamentos previstos no artigo anterior, envolvendo quaisquer equipamentos, meios militares e material de guerra, armas, engenhos, instrumentos, mecanismos, munições, substâncias ou produtos aí referidos, é punido com uma pena de 2 a 10 anos de prisão. “ .
Tráfico e mediação de armas é crime de perigo comum [porquanto o autor pode ser qualquer pessoa, não se exigindo particulares qualidades ou características do agente para o seu preenchimento], abstracto ou presumido. Os bens jurídicos protegidos são a ordem, a segurança e tranquilidade públicas, através do controlo pelo Estado de “uma actividade de elevada perigosidade social e geradora de uma preocupante instabilidade no controlo e na repressão do armamento ilegal” Exposição motivos proposta de lei 28/X. Perigosidade social do armamento ilegal que, não sendo um fenómeno novo, é hoje uma realidade mais perceptível pelo comum dos cidadãos, com os ataques ao Estado de Direito que se repetem em vários países democráticos possibilitados por armamento detido fora das condições legais. A conduta típica penalmente relevante, consiste em assumir e levar a cabo um dos vários comportamentos descritos no art.º 87 da Lei n.º 5/22 - sem se encontrar autorizado, fora das condições legais ou em contrário das prescrições da autoridade competente, vender, ceder a qualquer título ou por qualquer meio distribuir, mediar uma transacção ou, com intenção de transmitir a sua detenção, posse ou propriedade, e por remissão para o artigo anterior detiver, transportar, importar, transferir, guardar, comprar, adquirir a qualquer título ou por qualquer meio ou obtiver por fabrico, transformação, importação, transferência ou exportação, usar ou trouxer consigo - relativamente a quaisquer equipamentos, meios militares e material de guerra, armas, engenhos, instrumentos, mecanismos, munições, substâncias ou produtos referidos no art.º 86º da Lei 5/2006, de 23-02.
Compulsados os factos provados (factos 10 a 13 e 23), dúvidas não subsistem pela verificação dos elementos objectivo e subjectivo do ilícito em apreço.
Inexistem causas de exclusão da ilicitude ou da culpa.
Em face do exposto, os arguidos AA e BB terão que ser condenados da prática do crime que lhes vinha imputado, pela verificação dos elementos objectivo e subjectivo do ilícito em apreço.
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Relativamente à co-autoria, o art.º 26º do Código Penal, prevê que: “É punível como autor quem executar o facto, por si mesmo ou por intermédio de outrem, ou tomar parte na sua execução, por acordo ou juntamente com outro ou outros, e ainda quem, dolosamente, determinar outra pessoa à prática do facto, desde que haja execução ou começo de execução”. Assim, para a verificação de co-autoria o citado art.º 26º exige dois requisitos: a) Acordo com outro ou outros, que tanto pode ser expresso como tácito, mas exigindo sempre uma consciência de colaboração, com carácter bilateral; b) Participação directa na execução do facto, conjuntamente com outro ou outros, num exercício conjunto no domínio do facto, numa contribuição objectiva para a realização, que tem a ver com a causalidade, embora possa não fazer parte da execução, como por exemplo a conduta do motorista do veiculo onde se deslocam os assaltantes ao banco. Para a verificação do acordo basta a existência da consciência e vontade de várias pessoas na realização de um tipo legal de crime, basta provar a adesão da vontade de cada um à execução do crime (Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 14/06/1995, in, CJ, Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, ano III, tomo II, pág. 230). Para que exista co-autoria “não é indispensável que cada um dos agentes intervenha em todos os actos a praticar para a obtenção do resultado desejado e pretendido, bastando que a actuação de cada um, embora parcial, seja elemento componente do todo e indispensável à produção do resultado” (Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 03/10/1990, in, BMJ, 400º-284). Na jurisprudência, ainda, “há co-autoria material quando, embora não tenha havido acordo expresso, as circunstâncias em que os arguidos actuaram indiciam um acordo tácito, assente na existência da consciência e vontade de colaboração, aferidas aquela à luz das regras da experiência comum” (Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 16/01/1990; proc. 40.378/3ª). E “o acordo pode ser tácito, bastando-se com a consciência/vontade de colaboração dos vários agentes na realização de determinado crime. No que respeita à execução, não é indispensável que cada um dos agentes intervenha em todos os actos ou tarefas tendentes a atingir o resultado final; o que importa é que a actuação de cada um, embora parcial, se integre no todo e conduza à produção do objectivo em vista” (Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 27/11/1995, in, CJ, Acs. do STJ, III, tomo III, pág. 197). A propósito, ainda, da co-autoria, escrevem: - Johannes Wessels, “Direito Penal, Parte Geral (Aspectos Fundamentais)”, Porto Alegre, 1976, págs. 121 e 129: “A co-autoria baseia-se no princípio do actuar em divisão de trabalho e na distribuição funcional dos papéis. Todo o colaborador é aqui, como parceiro dos mesmos direitos, co-titular da resolução comum para o facto e da realização comunitária do tipo, de forma que as contribuições individuais completam-se em um todo unitário e o resultado total deve ser imputado a todos os participantes.” - Francisco Muñoz Conde e Mercedes García Arán, “Derecho Penal, Parte Geral”, 4ª ed., tirant lo blanch, Valéncia, 2000: “Lo decisivo en la coautoria es que lo dominio del hecho lo tienen varias personas que, en virtud del principio del reparto funcional de roles, asumen por igual la responsabilidad de su realización. Las distintas contribuciones deben considerarse, por tanto, como un todo y el resultado total debe atribuirse a cada coautor, independientemente de la entidad material de su intervención ... El simple acuerdo de voluntades no basta. Es necesario, además, que se contribuya de algún modo en la realización del delito (no necesariamente con actos ejecutivos), de tal modo que dicha contribución pueda estimarse como un eslabón importante de todo el acontecer delictivo”. - Faria Costa “Formas do crime, Jornadas de Direito Criminal, O Novo Código Penal Português e Legislação Complementar”, pág. 170: “Desde que se verifique uma decisão conjunta (“por acordo ou juntamente com outro ou outros”) e uma execução também conjunta estaremos caídos na figura jurídica da co-autoria (“toma parte directa na sua execução”). Todavia para definir uma decisão conjunta parece bastar a existência da consciência e vontade de colaboração de várias pessoas na realização de um tipo legal de crime (“juntamente com outro ou outros). É evidente que na sua forma mais nítida tem de existir um verdadeiro acordo prévio – podendo mesmo ser tácito – que tem igualmente que se traduzir numa contribuição objectiva conjunta para a realização típica. Do mesmo modo que, em princípio, cada coautor é responsável como se fosse autor singular da respectiva realização típica”. - Eduardo Correia, “Direito Criminal”, Col. Studium, 1953, pág. 136-7, citado no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 22/03/2001, Proc. nº 473/01 – 5ª Secção: “A co-autoria, ou, na forma em que se desdobra, a autoria mediata, supõe, sempre, um acordo realizado antes, durante ou depois de se consumarem alguns dos actos de execução. Nesta última hipótese, porém, a co-autoria só pode referir-se àquela actividade que se praticou posteriormente ao acordo. Se, por exemplo, o acordo só teve lugar depois de um arrombamento e só a respeito da subtracção, apenas se poderá pôr relativamente a este o problema da coautoria”. - Germano Marques da Silva, “Direito Penal Português”, II, págs. 282283: “É co-autor material quem, em caso de comparticipação, toma parte directa na execução, por acordo ou juntamente com outro ou com outros. Esta cooperação na execução do crime pode resultar de acordo ou não, mas neste caso importa ainda que os comparticipantes tenham consciência de cooperaram na acção comum”.

Tendo em conta os princípios supra expostos, conexionados com a matéria fáctica que nos autos ficou demonstrada supra e que aqui se evita de repetir, dúvidas não há de que relativamente à prática do sobredito crime de Tráfico e Mediação de Armas, os arguidos AA e BB agiram em co-autoria.
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De referir, que a valoração das declarações de co-arguido não viola os direitos de defesa dos restantes co-arguidos, uma vez que a leitura efectuada em audiência de julgamento foi perante todos os arguidos e que os mesmos não se remeteram ao silêncio, podendo dessa forma defenderem-se das referidas declarações. Acresce que, conjugando toda a prova, os autos de apreensão, a relação de bens furtados, o termo de entrega, o Tribunal tinha prova suficiente para chegar às mesmas conclusões.
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Medida da pena concreta

O crime de furto qualificado, p. e p. pelos art.ºs 203.º, n.º 1 e 204.º, n.º 1, al.ª a) [por referência ao disposto no art.º 202.º, al.ª a)] e n.º 1, al.ª f, todos do Código Penal, é punido com pena de prisão até 5 anos ou multa até 600 dias.
O crime de detenção de arma proibida é punido com prisão de 1 a 5 anos ou com pena de multa até 600 dias, no caso da al. c) e de até 4 anos de prisão ou multa até 480 dias, no caso da al. d), ambos do art. 86.º, n.º1, da Lei 5/2006, de 23 de Fevereiro na versão em vigor à data dos factos.
O crime de recetação, p. e p. pelo art.º 231.º, n.º1 do Código Penal, é punido com pena de prisão até 5 anos ou multa até 600 dias.
O crime de tráfico e mediação de armas, p. e p. pelo art.º 87.º, n.º 1 da Lei n.º 5/2006, de 23 de Fevereiro, é punido com pena de prisão de 2 a 10 anos de prisão.
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Nos termos do artigo 70.º do C.P., “se ao crime forem aplicáveis, em alternativa, pena privativa e pena não privativa da liberdade, o tribunal dá preferência à segunda sempre que esta realizar de forma adequada e suficiente as finalidades da punição”.
O artigo 40.º do C.P. estabelece a proteção de bens jurídicos e a reinserção do agente na sociedade como as finalidades da aplicação de uma pena.
A necessidade de proteção de bens jurídicos traduz-se “na tutela das expectativas da comunidade na manutenção (ou mesmo reforço) da vigência da norma infringida” (cfr. o Professor Jorge de Figueiredo Dias, in Consequências Jurídicas do Crime, 1993, página 228). Trata-se da chamada prevenção geral positiva ou de integração e que decorre do princípio político-criminal básico da necessidade da pena consagrado no artigo 18.º, n.º 2, da Constituição da República Portuguesa.
Impõe-se, assim, para restaurar contrafaticamente a confiança da comunidade na validade da norma infringida, bem como para melhor prosseguir a ressocialização do arguido, optar pela aplicação de uma pena de prisão.
Segundo o artigo 71.º, n.º 1, do C.P., a determinação da medida da pena deverá ser feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção.
A prevenção geral positiva fornece-nos uma “moldura de prevenção”: o limite máximo é constituído pelo ponto ótimo de tutela dos bens jurídicos e das expectativas comunitárias; abaixo desse ponto ótimo, outros existem em que aquela tutela é efetivamente consistente e onde a pena ainda desempenha a sua função primordial.
Dentro dos limites consentidos pela prevenção geral positiva ou de integração – entre o ponto ótimo e o ponto ainda comunitariamente suportável de medida da tutela dos bens jurídicos -, podem e devem atuar pontos de vista de prevenção especial de socialização, sendo eles que vão determinar, em último termo, a medida da pena.
Esta deve, em toda a extensão possível, evitar a quebra da inserção social do agente e servir a sua reintegração na comunidade, só deste modo e por esta via se alcançando uma eficácia ótima de proteção de bens jurídicos.
A medida da pena não pode, em caso algum, ultrapassar a medida da culpa. A função desta consiste numa incondicional proibição do excesso, ou seja, “a culpa constitui um limite inultrapassável de todas e quaisquer considerações preventivas” (cfr. o Professor Jorge de Figueiredo Dias, in Consequências..., página 230). O limite máximo de pena adequado à culpa não pode ser ultrapassado, sob pena de pôr em causa a dignitas humana do delinquente (cfr. o artigo 40.º, n.º 2, do C.P.).
Estabelecida a forma como se relacionam a culpa e a prevenção no processo de determinação concreta da pena e qual a função que uma e outra cumprem naquele processo, importa eleger a totalidade das circunstâncias do complexo integral do facto que relevam para a culpa e para a prevenção. A esta tarefa chama o Professor Jorge de Figueiredo Dias, in Consequências..., página 232, “a determinação do substracto da medida da pena e àquelas circunstâncias os factores de medida da pena”.
Na prossecução desta tarefa é o juiz auxiliado pelo artigo 71.º, n.º 2, do C.P., o qual, depois de estabelecer que aquele atenderá, na determinação concreta da pena, a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, deponham a favor ou contra o arguido, enumera, de forma exemplificativa, alguns dos mais importantes fatores de medida da pena de carácter geral, isto é, que podem ser tomados em consideração relativamente a qualquer disposição da Parte Especial do C.P..

A favor dos arguidos pesam as seguintes circunstâncias:

- Não terem os arguidos BB e CC antecedentes criminais.
- A inserção social dos arguidos BB e CC Contra os arguidos pesam as seguintes circunstâncias:
- a intensidade da culpa, atenta a modalidade de dolo – direto - que revestiram as suas condutas;
- a intensidade da ilicitude, tendo em conta o tipo de armas e munição detidas;
- as elevadas exigências de prevenção geral, nomeadamente, no que toca à detenção de uma armas proibidas e munições.
- Os antecedentes criminais do arguido AA que já foi condenado por furto qualificado e roubo, ainda que na forma tentada.

Tudo ponderado, o Tribunal julga adequadas e proporcionais à culpa dos arguidos aplicar as seguintes penas:

Ao arguido AA:
- pela prática em autoria material e na forma consumada, de: Um crime de furto qualificado, p. e p. pelos art.ºs 203.º, n.º 1 e 204.º, n.º 1, al.ª a) [por referência ao disposto no art.º 202.º, al.ª a)] e n.º 1, al.ª f), do C.P., a pena de 12 meses de prisão;
- pela prática em autoria material e na forma consumada de um crime de detenção de arma proibida, p. e p. pelo art.º 86.º, n.º 1, al.ª d) da Lei n.º 5/2006, de 23 de Fevereiro, a pena de 5 meses de prisão;
- pela prática em co-autoria material e na forma consumada, de um crime de tráfico e mediação de armas, p. e p. pelo art.º 87.º, n.º 1 da Lei n.º 5/2006, de 23 de Fevereiro, a pena de 3 anos de prisão.

Ao arguido BB:
- pela prática em autoria material e na forma consumada, de um crime de recetação, p. e p. pelo art.º 231.º, n.º1 do Código Penal, a pena de 12 meses de prisão;
- pela prática em autoria material e na forma consumada de um crime de detenção de arma proibida, p. e p. pelo art.º 86.º, n.º 1, al.ª d) da Lei n.º 5/2006, de 23 de Fevereiro, a pena de 5 meses de prisão;
- pela prática em co-autoria material e na forma consumada, de um crime de tráfico e mediação de armas, p. e p. pelo art.º 87.º, n.º 1 da Lei n.º 5/2006, de 23 de Fevereiro, a pena de 2 anos e 8 meses de prisão.

Ao arguido CC:
- pela prática em autoria material e na forma consumada, na prática de um crime de detenção de arma proibida, p. e p. pelo art.º 86.º, n.º 1, al.ª c) da Lei n.º 5/2006, de 23 de Fevereiro, a pena de 300 dias de multa.

Quanto à taxa diária da pena de multa, tomando em consideração o disposto no artigo 47º, nº 2 do Código Penal, mostra-se adequada o montante diário de € 5,00, o que perfaz o montante global de 1500€.
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Atento o teor do artigo 30º do Código Penal, os crimes imputados aos arguidos AA e BB e encontram-se numa relação de concurso entre si, pelo que se deverá encontrar uma pena única, nos termos do artigo 77º do Código Penal.
Conforme estatui o n.º 2 do referido preceito, a pena aplicável tem como limite máximo a soma das penas concretamente aplicadas aos vários crimes, e como limite mínimo, a mais elevada das penas concretamente aplicadas.
Assim sendo, o limite máximo das penas em concurso relativamente ao arguido AA é de 3 anos o limite mínimo e de 4 anos e 5 meses de prisão.

Ora considerando o resultante da factualidade provada e a personalidade do arguido, o tribunal decide condená-lo na pena única de 3 (três) anos e 6 (seis) meses de prisão.
Já quanto ao arguido BB o limite máximo das penas em concurso é de 2 anos e 8 meses o limite mínimo e de 4 anos e 3 meses de prisão.
Ora considerando o resultante da factualidade provada e a personalidade do arguido, o tribunal decide condená-lo na pena única de 3 (três) anos e 2 (dois) dois meses de prisão.
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Estatui o artigo 50.º, n.º 1, do C.P., que o Tribunal, caso conclua por um prognóstico favorável baseado na personalidade do agente, nas condições da sua vida, na sua conduta anterior e posterior ao facto e nas circunstâncias do mesmo, pode suspender a pena de prisão aplicada quando a mesma não seja superior a 5 anos.
Pressuposto material da suspensão é que o tribunal, atendendo à personalidade do agente e às circunstâncias do facto, conclua por um “prognóstico favorável”, relativamente ao comportamento do delinquente. Trata-se de um juízo para o qual concorrerão, necessariamente e em conjugação, a personalidade do arguido e as circunstâncias do facto, “prognóstico” que terá como ponto de partida, não a data da prática do crime, mas antes a do momento da decisão.
Relativamente ao arguido AA, atendendo que os factos em causa nos autos ocorreram há mais de 5 anos e que a condenação por crimes contra o património é posteriores aos factos em causa nos autos e que o mesmo já se encontra a cumprir pena efetiva de prisão, o Tribunal acredita que tal situação o irá manter afastado de futuros comportamentos delituosos e ser possível fazer um último juízo de prognose favorável em futuros comportamentos do arguido, razão pela qual a pena deverá ser suspensa, sujeita a regime de prova.
O regime de prova tenderá a reforçar o papel ressocializador da pena.
Quanto ao plano de reinserção social o mesmo deverá ser oportunamente elaborado pela DGRSP e remetido oportunamente para homologação.
A suspensão da execução da pena de prisão terá a duração equivalente à da pena de prisão aplicada (artigo 50°, n.°5, do Código Penal).
Quanto ao arguido BB, em face das circunstâncias apuradas no caso concreto, afigura-se que a mera ameaça da prisão e a censura do facto manifestada na pena de prisão poderão realizar as finalidades da punição. Assim, a suspensão da execução da pena de prisão terá a duração equivalente à da pena de prisão aplicada (artigo 50°, n.°5, do Código Penal).
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Relativamente às munições e armas apreendidos aos arguidos AA, BB e CC, melhor id. a fls. 118 e 119 (ver fls. 208 a 210), 131 (ver fls. 132 e 133) e 142 e 143 (ver fls. 230, 231, 232, 233, 234, 236, 238, 240, 245 e 246), declaro perdidas a favor do Estado, nos termos do disposto no art.º 109.º, n.º 1 do Código Penal e entregues à guarda da PSP, que promoverá o seu destino, nos termos do disposto no art.º 78.º, n.º 1 da Lei n.º 5/2006, de 23 de Fevereiro.

Relativamente aos demais objetos apreendidos aos arguidos AA e BB, não provando estes a sua proveniência lícita os mesmos constituem o produto e vantagens de factos ilícitos típicos contra o património, pelo que, declaro perdidos a favor do Estado, nos termos do disposto no art.º 110.º, n.º 1, al.ªs a) e b) do Código Penal.»

3. Apreciação dos recursos.

3.1.Da nulidade do julgamento por violação do princípio da continuidade e da concentração da audiência de julgamento, bem como dos princípios da oralidade e da imediação, tendo sido violados os artigos 328º do Código de Processo Penal e o artigo 20º nºs 4 e 5 da Constituição da República Portuguesa.

Compulsadas as conclusões G) a T) do recurso interposto pelo arguido BB, constata-se que este vem arguir a nulidade do julgamento na medida em que, tendo mediado entre duas das sessões do julgamento o período de cerca de um ano e meio, tal interregno é manifestamente excessivo e prejudicou a “genuinidade
e captação do contato direto com a produção de prova, assim como, prejudicou a impressividade de todos os elementos a adquirir na mente, em ordem à correta formação da convicção sobre os fatos”, tendo, assim, sido violado o disposto no artigo 238º do Código de processo Penal (que consagra o princípio da continuidade da audiência) bem como os princípios da oralidade e da imediação (artigo 20º nºs 4 e 5 da Constituição da República Portuguesa).

Importa ter presente a sequência processual que segue:

- Em 10-03-2020, foi realizada a primeira sessão do julgamento com produção de prova – ata com a referência ...49, fls.875/884 – e consta da respetiva ata despacho do Tribunal no sentido de que, verificando-se o impedimento de ambos os juízes adjuntos por períodos prolongados, a continuação da audiência fica agendada para 26-05-2020.
- A fls.902, datado de 25-05-2020 [referência ...65] e na sequência de requerimento subscrito por todos os Ilustres Advogados intervenientes nos autos [referência ...36] foi proferido despacho que, aludindo à circular do CSM nº5/2020, deu sem efeito a data designada determinado que os autos aguardem que seja retomada a atividade normal dos Tribunais, despacho que foi notificado a todos os sujeitos processuais.
- A fls.925, datado de 16-06-2020 [referência22685624], foi proferido despacho, igualmente notificado a todos os sujeitos processuais, designando para a continuação do julgamento o dia 14-07-2020.
- Em 14-07-2020, foi realizada a segunda sessão do julgamento com produção de prova – ata com a referência ...18, fls.983/987 – e consta da respetiva ata despacho do Tribunal no sentido de que a continuação da audiência fica agendada para 30-09-2020.
- A fls.1002, datado de 22-09-2020 [referência ...74] foi proferido despacho que, aludindo ao facto de um dos juízes adjuntos ter informado que iria estar ausente ao serviço por, pelo menos, 30 dias, deu sem efeito a data designada, não designando outra data, antes de se verificar o regresso do juiz em causa, despacho que foi notificado a todos os sujeitos processuais.
- A fls.1052/1053, datado de 18-02-2021 [referência ...23] foi proferido despacho que, aludindo ao regime legal então em vigor devido à declaração de Estado de Emergência, ordenou a notificação dos Ilustres Advogados para virem aos autos dizer se consentiam na manutenção da prática de atos no âmbito dos autos, com vista ao agendamento da continuação da audiência. O Ilustre Mandatário do ora Recorrente, fez juntar aos autos requerimento [referência ...74] em que, expressamente, se opõe a que os autos prossigam os seus termos. Nessa sequência, foi proferido despacho ordenado que os autos aguardem até que cesse a suspensão decorrente do artigo 6º-B nº1 da Lei nº4-B/2021 de 01-02 [referência ...19]. Despacho que foi notificado a todos os sujeitos processuais.
- Aberta conclusão nos termos ordenados, foi proferido despacho datado de 15-04-2021, dando conta de que, não será agendada, por ora, nova data em virtude de um dos juízes adjunto ter comunicado que iria estar ausente por um período de, pelo menos, 30 dias. Despacho que foi notificado a todos os sujeitos processuais.
- Agendada a data de 19-10-2021, por despacho de fls.1074 [referência ...48], onde se refere indisponibilidade de agenda para marcação em data anterior, veio a continuação da audiência a ser, de novo adiada, por despacho de fls.1103 [referência23742506], em virtude de um dos juízes adjuntos ter informado que não iria estar ao serviço nessa data, sendo designada a data de 16-11-2021. Despacho que foi notificado a todos os sujeitos processuais.
- A fls.1223/1224 [referência ...79], o Ilustre Mandatário do ora Recorrente, fez juntar aos autos requerimento no sentido de aquela data ser dada sem efeito, uma vez que tem outro serviço agendado e não tem em quem substabelecer.
- Acedendo a esse pedido e em virtude de indisponibilidade de agenda do Tribunal, foi proferido a fls.1230 [referência23768014], datado de 26-10-2021, despacho a dar sem efeito a data antes designada e a designar em sua substituição a data de 04-01-2022. Despacho que foi notificado a todos os sujeitos processuais.
- Em 04-01-2022, foi realizada a terceira sessão do julgamento com produção de prova – ata com a referência ...23, fls.1271/1277 – e consta da respetiva ata despacho do Tribunal no sentido de que a continuação da audiência fica agendada para 02-02-2022.
- Na sequência de informação telefónica do Mm.º Juiz Presidente no sentido de que se encontrava em isolamento profilático (termo de fls.1282), aquela data foi dada sem efeito e, por despacho de fls.1283, é designada nova data, agora, o dia 22-03-2022. Despacho que foi notificado a todos os sujeitos processuais.
- Em 22-03-2022, foi realizada a quarta sessão do julgamento com produção de prova – ata com a referência ...41, fls.1303/1304 – e consta da respetiva ata despacho do Tribunal no sentido de que a leitura do acórdão fica designada para o dia 07-04-2022.
- Em 07-04-2022, foi realizada a quinta sessão do julgamento em que o Tribunal comunicou alteração da qualificação jurídica dos factos e, porque os sujeitos processuais requereram prazo para defesa ao abrigo do disposto no artigo 358º do Código de Processo Penal, foi designada para a leitura do acórdão a data de 05-05-2022 – ata com a referência ...78.
- Em 05-05-2022, foi realizada nova sessão do julgamento em que foi lido o acórdão agora em recurso - ata com a referência ...30.
Do exposto resulta evidente que o julgamento no âmbito dos presentes autos se prolongou por um período que, atenta a sua complexidade, é muito superior àquilo que é o normal na prática judiciária, uma vez que a primeira sessão ocorreu em 10-03-2020 e a leitura do acórdão só veio a efetuar-se em 05-05-2022 (mais de dois anos depois).
Cumpre, não obstante, averiguar, em primeiro lugar, se ocorreu violação do disposto no artigo 328º do Código de Processo Penal e, na afirmativa, se tal se reconduz à nulidade do julgamento, conforme sustenta o Recorrente e, em segundo lugar, caso se considere que não se verifica tal nulidade, se, ainda assim, os princípios da oralidade e da imediação foram de tal forma postergados que, sob pena de violação do disposto no artigo 20º da Constituição da República Portuguesa, a declaração de nulidade do julgamento se impõe.

Apreciando.

Preceitua o artigo 328º do Código de Processo Penal, na parte que ora releva:
“[…]
4 - Em caso de interrupção da audiência ou do seu adiamento, a audiência retoma-se a partir do último acto processual praticado na audiência interrompida ou adiada. [Redação da Lei nº 47/2007, de 29.08]
5 - A interrupção e o adiamento dependem sempre de despacho fundamentado do presidente que é notificado a todos os sujeitos processuais. [Redação da Lei nº 47/2007, de 29.08]
6 - O adiamento não pode exceder 30 dias. Se não for possível retomar a audiência neste prazo, por impedimento do tribunal ou por impedimento dos defensores constituídos em consequência de outro serviço judicial já marcado de natureza urgente e com prioridade sobre a audiência em curso, deve o respetivo motivo ficar consignado em ata, identificando-se expressamente a diligência e o processo a que respeita. [Redação da Lei nº 27/2015, de 14.04]
7 - Para efeitos da contagem do prazo referido no número anterior, não é considerado o período das férias judiciais, nem o período em que, por motivo estranho ao tribunal, os autos aguardem a realização de diligências de prova, a prolação de sentença ou que, em via de recurso, o julgamento seja anulado parcialmente, nomeadamente para repetição da prova ou produção de prova suplementar.” [Redação da Lei nº 27/2015, de 14.04].
Antes da alteração legislativa produzida pela Lei nº 27/2015, de 14.04, estatuía o nº6 do artigo 328º do Código de Processo Penal, na redação conferida pela Lei nº 48/2007, de 29.08, com a Retificação da Lei nº 105/2007, de 09.11, que “O adiamento não pode exceder 30 dias. Se não for possível retomar a audiência neste prazo, perde eficácia a produção de prova já realizada.”
Constata-se, pois, que a Lei nº 27/2015, de 14.04, de forma consciente e deliberada eliminou a cominação da perda de eficácia da prova anteriormente produzida quando o adiamento excedesse 30 dias.
E, obviamente, com a sobredita alteração legislativa caducou a jurisprudência fixada pelo Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça Uniformizador de Jurisprudência nº 11/2008, de 29.10.2008, publicado no DR, I Série, de 11.12.2008, que era a seguinte: “Nos termos do artigo 328.º, n.º 6, do Código de Processo Penal, o adiamento da audiência de julgamento por prazo superior a 30 dias implica a perda de eficácia da prova produzida com sujeição ao princípio da imediação. Tal perda de eficácia ocorre independentemente da existência de documentação a que alude o artigo 363.º do mesmo diploma”.
Assim, tem-se por certo que, a ultrapassagem daquele prazo de 30 dias não tem, agora, como consequência, a perda de eficácia da prova produzida, determinando a repetição do julgamento.
Poderá, não obstante, existir irregularidade, caso o adiamento não obedeça ao disposto nos nºs 5 e 6 do artigo 328º.
Ou seja, em caso de início de produção de prova e ocorrendo adiamento de julgamento por prazo superior a 30 dias, não fundamentado nos termos previstos nos nºs 5 e 6 do artigo 328º (situação em que o adiamento se considera justificado), verifica-se uma mera irregularidade, nos termos do artigo 118º, nºs 1 e 2, do CPP.[7]   

Volvendo ao caso dos autos, estamos em crer que, atento o processado descrito, não ocorre qualquer irregularidade, tendo sido dado cumprimento ao disposto no artigo 328º do Código de Processo Penal.
Com efeito, e tendo apenas em conta as sessões do julgamento em que existiu produção de prova, porque só estas são pertinentes à questão em análise, resulta do processado descrito supra que, a primeira sessão do julgamento ocorreu em 10-03-2020, a segunda, em 14-07-2020, a terceira, em 04-01-2022 e a quarta, em 22-03-2022, portanto, entre todas elas ocorreu interrupção superior a 30 dias.
Não obstante, e relativamente a todas as interrupções, as mesmas foram determinadas por despacho proferido em ata, ou não o sendo, por despacho proferido nos autos e notificado a todos os sujeitos processuais, sendo que os respetivos fundamentos se reconduzem, todos eles, ou a impedimentos do Tribunal ou, num dos casos, a impedimento de um dos Advogados, em virtude de existir outro serviço agendado. Casos houve, que o motivo foi a suspensão da atividade regular dos Tribunais determinada pela situação pandémica, a coberto de legislação especial em vigor naqueles períodos, sendo certo que, não se vislumbra qualquer razão para não reconduzir este motivo ao previsto no nº6 dos preceitos, concretamente, a “impedimento do Tribunal”.
Conclui-se, pois, que não existe qualquer violação do disposto no artigo 328º do Código de Processo Penal.
Ademais, cabe assinalar que nenhuma irregularidade foi arguida ou decretada nos termos e para efeito do disposto no artigo 123º do Código de Processo Penal pelo que, mesmo a verificar-se, sempre se deveria considerar sanada.
Passemos, pois, à segunda questão enunciada, isto é, a de saber se os princípios da oralidade e da imediação foram de tal forma postergados que, sob pena de violação do disposto no artigo 20º da Constituição da República Portuguesa, a declaração de nulidade do julgamento se imponha.
Pensamos que, também nesta parte, soçobra o recurso, tanto mais que, quer o Legislador, quer a Doutrina e Jurisprudência apontam para a justeza da alteração legislativa, atenta a necessidade de salvaguarda de outros princípios fundamentais como seja o da descoberta da verdade material e da realização da justiça, considerando que a gravação obrigatória da prova oferece suficientes garantias não causando dano irremediável no que aos princípios da concentração, oralidade e imediação concerne.
É certo que a versão do normativo em causa introduzida em 2007 visava nobres objetivos, como assegurar o cabal cumprimento do princípio da concentração, donde deriva que a audiência deve obedecer a uma tramitação unitária, continuada, fluída, a decorrer no mais curto espaço de tempo possível, para que toda a prova produzida, mormente a de jaez oral, seja apreciada o mais próximo possível dos factos e conjuntamente, quando ainda está mais presente na memória do julgador, e, outrossim, do princípio da celeridade, valor que confere eficácia à realização da justiça e se encontra constitucionalmente consagrado (art. 20º, nºs 4 e 5, da CRP), sendo ainda um direito previsto no artigo 6º da CEDH.
Contudo, a prática judiciária veio a demonstrar que resultavam do novo regime jurídico-processual consequências insustentáveis para outros valores essenciais, como os da descoberta da verdade material e da realização da justiça.
Como menciona o Exmo. Conselheiro Oliveira Mendes[8], «Na versão anterior à introduzida pela Lei nº 27/2015, de 14 de abril, o adiamento por período superior a 30 dias (…) implicava a perda da eficácia da prova já realizada, mais concretamente da prova oralmente produzida, quer a prova tivesse ou não sido documentada, conforme jurisprudência fixada pelo Supremo Tribunal de Justiça no Acórdão nº 11/2008, de 29 de Outubro de 2008. Tal consequência conduzia a que o tribunal tivesse de repetir a produção dessa prova, o que em alguns casos se tornava impossível, inviabilizando a descoberta da verdade e a realização da justiça, consabido que, perdendo eficácia a produção de prova, a sentença eventualmente nela baseada, sustentada nos factos resultantes dessa prova, por se fundamentar em prova ineficaz, enfermava de nulidade (parte final da alínea d) do artigo 120º) ou do vício da insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, vício previsto na alínea a) do nº2 do artigo 410º, como decidiu o Supremo Tribunal de Justiça no acórdão de 97.10.15, publicado na CJ (STJ), V, III, 197.»    
Assim, a propósito da eliminação da sanção consistente na perda da eficácia da prova por ultrapassagem do prazo de 30 dias para a continuação de audiência de julgamento adiada, o mencionado propósito legislativo mostra-se justificado na “Exposição de Motivos” da Proposta de Lei nº 263/XII, nos seguintes termos: «no contexto tecnológico atual, a sanção legalmente prevista - perda da eficácia da prova pela ultrapassagem do prazo legal de 30 dias para a continuação da audiência de julgamento - antolha-se desajustada, sendo certo que se considera que a eliminação desta sanção não contende com a manutenção plena dos princípios da concentração da audiência e da imediação».
Conforme refere Luís Lemos Triunfante[9]:
«Conforme resulta do artigo 363º, é obrigatória a documentação da prova, sob pena de nulidade, por forma a assegurar a apreciação da matéria de facto no segundo grau de jurisdição, como também assegurar à primeira instância toda a prova produzida em julgamento, colmatando os naturais limites da memória humana. Na atualidade, com a evolução dos meios tecnológicos, a sanção legalmente prevista da perda da eficácia da prova pela ultrapassagem do prazo legal de trinta dias para a continuação da audiência de julgamento, era desajustada. Esta alteração não coloca em causa a manutenção plena dos princípios da concentração da audiência e da imediação. Era compreensível que houvesse preclusão da prova, antes do apetrechamento dos tribunais com os meios tecnológicos adequados, uma vez que “compreende-se o espirito do legislador ao inviabilizar em sede de audiência a sua descontinuidade, impedindo que o tribunal ou algum dos seus membros perca a orientação da prova produzida em virtude do desgaste do tempo e das limitações naturais da memória dos Homens” (para maior desenvolvimento, nos temas da continuidade, imediação, oralidade, celeridade, concentração temporal, adiamento das diligências e prazo entre sessões de julgamento NUNO BRANDÃO, 2016, p.107 e ss.)»

De salientar que o acórdão citado pelo Recorrente em abono da sua tese[10], na verdade vai ao encontro de tudo quanto se disse supra pois ali se consigna que:

«I - Com a entrada em vigor da Lei 27/2015, de 14 de abril, pese embora se tenha mantido inalterada a primeira parte do art.º 328.º, n.º 6 do CPP, a verdade é que desapareceu do texto da Lei a sanção da perda de eficácia da prova para as situações em que, entre cada uma das sessões, não foi possível assegurar o limite aí estabelecido de 30 dias.
II – Mantendo-se, porém, as regras da continuidade da audiência contidas nesse artigo, seus n.ºs 1 e 6, primeira parte, a eliminação da cominação da perda de eficácia da prova não significa a possibilidade de perpetuação indefinida da fase da audiência de discussão e julgamento. Nem a postergação do princípio da continuidade e concentração, balizados nos termos das restantes disposições do art.º 328.º. O próprio carácter excecional do excesso do prazo de trinta dias continua a ser acentuado pelo legislador, quer com a ressalva dos casos previstos no n.º 7, quer por efeito das exigências contidas na segunda parte do n.º 6, relativas à demonstração dos motivos de impedimento da observância do referido prazo de trinta dias, devidamente explicitados no processo, devendo ficar objetivados em ata, nos aludidos termos da parte final do n.º 6.

O tribunal deverá continuar a disciplinar a sua atividade por forma a concentrar os trabalhos de produção de prova a produzir na audiência de discussão e julgamento, no período temporal mais curto possível, obrigando à justificação de qualquer adiamento por mais de 30 dias, mas deixando de estar cominada a inexorável perda de eficácia da prova nessas circunstâncias específica.
Isto é, a regra continua a ser a da continuidade da audiência de discussão e julgamento que apenas poderá ser adiada por mais de 30 dias, nas circunstâncias previstas na 2.ª parte do n.º 6 conjugado com o n.º 7 do art.º 328.º.» (sublinhado nosso).
Atento tudo o exposto, improcede a arguida nulidade, não se mostrando violados quer o artigo 328º do Código de Processo Penal, quer o artigo 20º nºs 4 e 5 da Constituição da República Portuguesa.

3.2.Da nulidade do acórdão por falta de fundamentação de facto e de direito e por omissão de pronúncia, nos termos do disposto no artigo 379º nº1 alínea a) e c) e 374º nº2, ambos do Código de Processo Penal.

3.2.1. – Da falta de fundamentação.

De acordo com o disposto no artigo 374º, n.º 2, a estrutura da sentença proferida em processo criminal deve conter, na parte da fundamentação e a seguir à enumeração dos factos provados e não provados, uma exposição, tanto quanto possível completa, ainda que concisa, dos motivos de facto e de direito que fundamentam a decisão, com indicação e exame crítico das provas que serviram para formar a convicção do tribunal.

Por seu lado, o artigo 379º, n.º 1, alínea a), sanciona com o vício de nulidade a sentença que não contenha as menções referidas no n.º 2 do artigo 374º, acrescentando o seu n.º 2 que as nulidades da sentença devem ser arguidas ou conhecidas em recurso.
É sabido que à motivação da decisão é assinalada uma dupla dimensão finalística: de natureza intraprocessual e de natureza extraprocessual.
Através da função intraprocessual visa-se a explicitação da decisão, permitindo o controlo efetivo da sua racionalidade e legalidade, quer pelos seus destinatários diretos, quer pelo próprio julgador, quer ainda pelo tribunal de recurso, estando em causa funções de garantia, de impugnação e de defesa.
Com a função extraprocessual da fundamentação permite-se o controlo difuso da decisão pela comunidade em geral, no âmbito de um processo público, equitativo e decidido por um julgador independente e imparcial, nessa medida contribuindo para a própria legitimação do poder judicial.
Particularmente quanto à decisão sobre a matéria de facto, a fundamentação traduz-se numa garantia judiciária fundamental do cidadão num Estado de Direito Democrático, concretizada na garantia do princípio da legalidade, na garantia da independência e da imparcialidade do juiz, na garantia do exercício do direito de defesa das partes e na garantia de um segundo grau de jurisdição em matéria de facto. Para poder reapreciar a decisão, o tribunal de recurso tem de conhecer o processo lógico que lhe serviu de suporte, de modo a poder concluir se nela se seguiu um raciocínio lógico na apreciação das provas, isto é, se a decisão sobre a matéria de facto não foi arbitrária.
Para lograr cumprir a sua dupla função, a motivação da decisão de facto terá de conter os elementos suficientes e necessários que permitam aos seus destinatários e aos cidadãos em geral concluir que a mesma, apesar de tomada com base no princípio da livre apreciação da prova consagrado no artigo 127º, não é arbitrária nem tendenciosa, mas antes o resultado de um processo intelectual de valoração racional e crítica, assente em regras da lógica e da experiência comum e em conhecimentos científicos.
Tal implica que a motivação de facto se concretize numa exposição, tanto quanto possível completa, mas sem deixar de ser sintética, dos motivos que fundamentam a decisão e num exame crítico das provas que tenham sido consideradas relevantes pelo juiz.
O referido exame crítico «consiste na enunciação das razões de ciência reveladas ou extraídas das provas administradas, a razão de determinada opção relevante por um ou outro dos meios de prova, os motivos da credibilidade dos depoimentos, o valor de documentos e exames, que o tribunal privilegiou na formação da convicção, em ordem a que os destinatários (e um homem médio suposto pelo ordem jurídica, exterior ao processo, com a experiência razoável da vida e das coisas) fiquem cientes da lógica do raciocínio seguido pelo tribunal e das razões da sua convicção (…). O rigor e a suficiência do exame crítico têm de ser aferidos por critérios de razoabilidade, sendo fundamental que permita exteriorizar as razões da decisão e o processo lógico, racional e intelectual que lhe serviu de suporte»[11].
Para além de indicar os meios de prova utilizados, torna-se necessário explicitar o processo de formação da convicção do tribunal, a partir desses meios de prova, com apelo às regras de experiência e aos critérios lógicos e racionais que conduziram a que a convicção se formasse em determinado sentido. Só assim será possível comprovar se foi seguido um processo lógico e racional na apreciação da prova ou se esta se fundou num subjetivismo incomunicável que abre as portas ao arbítrio.
Mais concretamente, através do exame crítico das provas, o julgador enuncia as razões de ciência dos vários meios de prova, explicita a razão da opção por uma e não por outra das versões em confronto e indica os motivos da credibilidade que atribuiu a depoimentos, a documentos, a exames, etc.
Tal dever de fundamentação, também se verifica em relação à exposição das razões de direito que subjazem à decisão.

Conforme refere José Mouraz Lopes:[12]

«A fundamentação da sentença deve apreciar-se na dupla dimensão dos factos e do direito, assumindo-se os factos como uma dimensão de reconstrução de acontecimentos valorados e o direito como conclusão da relevância jurídica desses acontecimentos. Ainda que possam surgir dificuldades na distinção entre “factos” e “direito”, há uma dimensão prática essencial na construção da narrativa judicial que impõe que se efetue essa distinção, “ainda que [as questões de facto e de direito] estejam intimamente conectadas” (Taruffo, 2005, p.240). O facto e o direito devem ser, por isso,, concebidos como distintos ou pelo menos como distinguíveis.
Trabalhar o facto de um ponto de vista jurisdicional comporta sempre um efeito jurídico vinculante. Os factos não existem por si e para si mesmos mas sim em função das suas consequências jurídicas. Veja-se, o caso da situação de interpretação de uma regra de aquisição de prova e a sua implicação no que pode ser considerado um facto provado ou não. (…)
O número 2, quando se refere à fundamentação, explicita igualmente a necessidade de o tribunal efetuar uma exposição “dos motivos de direito que fundamentem a decisão”. Está em causa, nesta parte, “a fundamentação de direito” concebida como a conclusão com relevância jurídica do acontecimento factual reconduzida a uma norma incriminadora.»
O que se vem de dizer permite perceber que a alegação do Recorrente é suscetível de se acomodar à invocada nulidade, em diversos segmentos do acórdão em crise.
Vejamos.
Compulsado o texto do acórdão em recurso, na parte da fundamentação da decisão sobre a matéria de facto, não podemos deixar de concordar com o Recorrente.
Com efeito, no que concerne à matéria de facto descrita no ponto 3. (que o arguido AA subtraiu da casa do ofendido os objetos aí identificados tendo estes, no total, o valor aproximado de € 10.000,00), nada vem referido quanto à formação da convicção do Tribunal no sentido de considerar tal factualidade como provada.
Na fundamentação consta como elemento essencial na formação da convicção do Tribunal, uma súmula e respetiva análise crítica das declarações prestadas pelos arguidos no julgamento e as prestadas em sede de inquérito pelo arguido AA e lidas em audiência, cumpridas que foram as respetivas formalidades legais.
Desse relato e análise crítica resulta claro o processo de formação da convicção do Tribunal no que se reporta à factualidade descrita em 1. e 2. (circunstâncias em que ocorreu a subtração de objetos da casa do ofendido e autoria dessa subtração).
Como resulta dessa mesma súmula das declarações dos arguidos estes não confessaram os factos, nomeadamente, o arguido AA não confessou ter sido o autor desta subtração de objetos, imputando o furto ao arguido BB, tendo apenas admitido ter ido àquela casa, na companhia do arguido BB e dali terem retirado armas e munições.
Por outro lado, os depoimentos testemunhais, também relatados na fundamentação não concorrem para a formação da convicção do Tribunal neste aspeto, pois que, nenhuma delas terá presenciado os factos, sendo que, a testemunha JJJ (filha do ofendido) apenas é mencionada na parte em que refere saber que o pai tinha vários relógios, nada referindo quanto a outro tipo de objetos que tivessem sido subtraídos.
Assim, o Tribunal tem de lançar mão da prova indireta, partindo de factos provados com recurso a prova direta e, a partir daí, explicitar o raciocínio lógico que desenvolveu, com recurso às regras de experiência comum e conhecimentos científicos, para, através de presunção, assim fundamentada, concluir pela prova do facto.
O Tribunal fê-lo, convencendo quem lê a fundamentação, das razões que presidiram à decisão de dar como provados os factos descritos em 1. e 2., mas não vemos qualquer exercício deste tipo que se reporte à matéria descrita em 3., concretamente a terem sido subtraídos da casa do ofendido os objetos ali descritos e que os mesmos tinham um valor aproximado de €10 000,00.
A mesma falta de fundamentação se verifica no que concerne aos factos descritos em 7., 8. e 9. (ter o arguido AA vendido, pelo preço de €900,00 todos aqueles objetos ao arguido BB, tendo este, plena consciência de que aquele não era o seu proprietário e a intenção de obter para si benefício de natureza económica, que sabia não lhe ser permitido por lei).
A fundamentação constante do acórdão e mencionada supra, a que acresce a súmula das declarações prestadas pelo arguido CC e o relato dos depoimentos prestados pelas testemunhas, nomeadamente por SS, permite perceber o raciocínio levado a cabo pelo Tribunal para dar como provados os factos descritos em 10. a 13. (isto é, que os arguidos AA e BB se dedicaram à venda de armas e que venderam duas armas, a quem, por que preços e em que circunstâncias), contudo, em nada esclarece como formou o Tribunal a sua convicção relativamente àquela outra matéria, nomeadamente, quanto ao preço da transação - €900,00.
O Tribunal aponta, também, como meios de prova a que atendeu, um conjunto de documentos, contudo, para além de se pronunciar sobre a sua fidedignidade, não faz qualquer apreciação crítica dos mesmos, sendo certo que a sua consideração por si só, não permite perceber como é que o Tribunal “dá o salto” para considerar provada aquela matéria de facto.

Vejamos, o Tribunal, quanto à prova documental afirma o seguinte:
    
“O Tribunal valorou e considerou válidos e relevantes os documentos juntos aos autos, designadamente: Livretes de armas de fls. 6; Informação da PSP (NAE) sobre registo de armas de fls. 36, 64, 269 a 270, 328 e 329; Listagem de bens furtados de fls. 59; Auto de busca e apreensão com reportagem fotográfica de fls. 110 a 112, 114 a 116, 118 a 122, 131 e 134, 284 e 285, 309 a 311; Auto de busca e apreensão de fls. 142 e 143, 145 e 146, 148 e 149, 258 e 259, 260 e 261; Auto de exame direto de arma de fogo de fls. 132 e 133 e 286; Auto de exame direto a objetos apreendidos de fls. 184 a 256; Termo de entrega de objetos apreendidos de fls. 275; Auto de apreensão com exame direto de fls. 297 a 301; Relatório policial de fls. 498 a 500 e 563 a 577; Copia dos autos de inquérito n.º 34/16.3GACRZ de fls. 598 a 604; Relatório de inspeção judiciária de fls. 523 a 530.
Relativamente às condições socioeconómicas dos arguidos o Tribunal valorou as declarações dos mesmos e os relatórios sociais juntos aos autos.
Quanto aos antecedentes criminais dos arguidos o Tribunal valorou os certificados de registo criminal junto aos autos.
Tais documentos por não conterem quaisquer elementos susceptíveis de indiciar a sua falsidade, nem conterem informações inverosímeis e/ou contraditórias, lograram criar no Tribunal a convicção de veracidade do teor das declarações e factos aí vertidos, bem como das características dos objetos aí referidos.”
Não constando qualquer análise crítica destes documentos constata-se que a mera referência aos mesmos, nada aporta ou esclarece sobre a prova dos factos a que nos vimos referindo (incluindo os factos descritos em 3.), senão vejamos.
Relativamente aos livretes de armas de fls. 6; Informação da PSP (NAE) sobre registo de armas de fls. 36, 64, 269 a 270, 328 e 329; Auto de busca e apreensão com reportagem fotográfica de fls. 110 a 112, 114 a 116, 118 a 122, 131 e 134, 284 e 285; Auto de busca e apreensão de fls. 142 e 143; Auto de exame direto de arma de fogo de fls. 132 e 133 e 286; Auto de exame direto a objetos apreendidos de fls. 184 a 256; Termo de entrega de objetos apreendidos de fls. 275; Relatório policial de fls. 563 a 577; Copia dos autos de inquérito n.º 34/16.3GACRZ de fls. 598 a 604; Relatório de inspeção judiciária de fls. 523 a 530 (sendo que este, nada contribui para a prova dos factos uma vez que não foram recolhidos quaisquer vestígios), dos mesmos resulta, sem necessidade de qualquer esclarecimento adicional, a prova da esmagadora maioria dos factos descritos em 11. a 19., sendo que os relatórios sociais e os CRCs dos arguidos se reportam à prova dos factos descritos em 24. a 29. dos factos provados.
Quanto à listagem de bens furtados de fls. 59, sendo a mesma uma lista que menciona oito relógios, fornecida pela testemunha CCC que a apresenta como sendo o resultado de conversa com o ofendido seu pai tendo-lhe ele descrito aqueles objetos como objetos que eram seus e que teriam sido subtraídos da sua casa, por si só, nada esclarece sobre a formação da convicção do Tribunal no sentido de decidir dar como provados os factos descritos em 3. e em 7., 8. e 9.

No que concerne aos seguintes documentos, nem sequer se compreende a razão de terem sido mencionados como elementos que estiveram na base da formação da convicção do Tribunal, conforme se explicita de seguida, pelo que, também em nada esclarecem quanto à convicção do Tribunal relativa à prova dos factos descritos em 3., 7., 8. e 9:
- O auto de busca e apreensão com reportagem fotográfica de fls. 309 a 311, é relativo a busca e apreensão levada a cabo no domicílio de KKK, em que foi apreendida, em numerário, a quantia de €250,00;
- Os autos de busca e apreensão de fls. 145 e 146, 148 e 149, 258 e 259, 260 e 261, documentam buscas e apreensões em que nada foi apreendido;
- Os autos de apreensão com exame direto de fls. 297 a 301, documentam a apreensão e exame de um automóvel e de um telemóvel que, por despacho com a referência ...48 (fls.1027) o Mmº. Juiz ordenou que fossem entregues ao Arguido a quem foram apreendidos por respeitarem à investigação de um ilícito relativamente ao qual foi proferido despacho de arquivamento.
- O relatório policial de fls. 498 a 500, documenta uma diligência policial realizada no sentido de apurar a razão pela qual um dos relógios apreendido ao arguido BB estava registado em nome de LLL, não resultando da mesma diligência qualquer esclarecimento seguro, a não ser que em relação ao relógio em causa que foi exibido para ser reconhecido pela viúva do mencionado LLL, “não existe queixa especificamente do furto desse relógio”.

Finalmente, o Recorrente fez juntar aos autos contestação, que foi admitida e na qual expõe a sua defesa.
Em parte, tal defesa reside numa versão dos factos que, no seu entender conduzem à sua absolvição da prática dos crimes que lhe são imputados.
Mais concretamente, afirma que é colecionador de objetos do tipo dos que vêm indicados na acusação e que todos os que lhe foram apreendidos foram por ele adquiridos, são sua propriedade, exigindo a sua restituição, inclusive a restituição dos objetos que foram entregues ao ofendido (pelo que, a invocação da nulidade desse ato de entrega também serve essa sua pretensão). De notar que, neste particular, a arguição de nulidade do termo de entrega de objetos ao ofendido, está intimamente ligada com a tese da defesa, surgindo ainda mais reforçada a necessidade de o Tribunal conhecer da mesma.
Assim, esta factualidade mostra-se, sem dúvida, relevante, sendo certo que, a ser considerada provada, tal se refletirá, de forma indelével, na prova dos factos que estiveram na base da sua condenação.
O Recorrente defende, também, na contestação a tese de que as armas brancas que lhe foram apreendidas são objetos com interesse estimativo que detinha enquanto objetos de coleção, o que, na sua tese, retiraria ilicitude à sua detenção.
A peça processual em causa contém afirmações que se reconduzem a factos conclusivos, meramente de negação dos factos imputados na acusação, conceitos de direito ou factos que nada têm a ver com o objeto do processo, neste caso, com a parte do objeto definida pela defesa.
Relativamente às partes do texto da contestação mencionadas supra, por não constituírem factos que, nos termos do disposto no artigo 368º nº 2 do CPP, relevem para as questões enumeradas nas alíneas do citado preceito legal, não carecem de ser “enumerados”, não constituindo matéria que deva constar dos factos provados ou não provados pois só a enumeração destes deve constar da sentença, conforme impõe o artigo 374º nº 2 do CPP.
No entanto, na contestação foram alegados factos que, por serem pertinentes à tese da defesa, conforme referida supra, constituem aquele núcleo de factos sobre o qual o Tribunal tem de, necessariamente, tomar posição considerando-os provados ou não provados.
Tais factos (expurgando eventuais trechos conclusivos) são os descritos nos artigos 15º, 16º, 17º, 18º, 20º, 40º, 41º e 42º da contestação.
A falta de enumeração dos factos provados e não provados, neste caso, a falta de qualquer referência a factos alegados pela defesa e que se assumem como relevantes do ponto de vista da solução de Direito pela mesma sufragada, consubstancia uma “incorreção” do acórdão que, do nosso ponto de vista, não surge evidente se será de acomodar ao previsto na alínea a) ou na alínea c) do nº1 do artigo 379º do Código de Processo Penal, contudo, propendemos a entender que consubstancia a nulidade de falta de fundamentação [alínea a)], acompanhando o entendimento da melhor Doutrina e Jurisprudência.
Assim, afirma o Pinto de Albuquerque, em comentário ao artigo 374.º do Código de Processo Penal[13]:“O dever de fundamentação da sentença exige: a. a enunciação como provados ou não provados de todos os factos relevantes para a imputação penal, a determinação da sanção, a responsabilidade civil constantes da acusação ou da pronúncia e do pedido de indemnização civil e das respectivas contestações (…) , incluindo os factos não provados da contestação, relevando saber se o tribunal recorrido apreciou ou não toda a matéria relevante da contestação(…)”
No mesmo sentido se pronunciou o Cons.º Dr Sérgio Poças[14], que chama a atenção para um dado importante: nos trabalhos da Comissão de Revisão de que vieram a resultar as alterações introduzidas pela lei n.º 59/98, de 15 de Agosto, chegou a estar proposta a seguinte redacção: “A enumeração e narração dos factos provados e a indicação dos não provados, que pode ser feita por remissão para as peças processuais em que tenham sido invocadas”. Por isso conclui o autor se outra formulação foi equacionada e cabou por ser abandonada, é porque o legislador quis o que claramente a norma diz: especificar também os factos não provados (…) não devem restar quaisquer dúvidas que o tribunal indagou e se pronunciou sobre todos os factos relevantes para a decisão, designadamente os alegados pela defesa.
A questão da exigência de enumeração dos factos provados e não provados não pode ser vista como uma mera formalidade. De facto, trata-se de uma garantia, designadamente para os sujeitos processuais, de que o tribunal, num processo equitativo, teve em atenção de igual modo, os factos, as provas e os argumentos da acusação e da defesa, e indagou e apreciou todos os factos — da acusação e da defesa — que podia e devia.[15]
Também na Jurisprudência se colhem importantes contributos para este entendimento.

Como se refere, v.g., no ac. do STJ de 26-5-1999, proc.º n.º 98P1488, rel. Cons.º Leonardo Matias:

I- Resultando do que prescreve o artigo 374º, nº 2, do Código de Processo Penal que é na fundamentação da sentença que deve constar a enumeração dos factos provados e não provados e sendo certo que enumerar os factos é especificá-los, significa isso que o tribunal tem de especificar todos e cada um dos factos alegados pela acusação e pela defesa, bem como os que tiverem resultado da discussão da causa e sejam relevantes para a decisão, como, aliás, sempre e também, decorreria do próprio dever de apreciar, descriminada e especificadamente, todos esses factos (artigo 368º, nº 2, do Código de Processo Penal).
II - Donde que fórmulas imprecisas como, v.g.,"nada mais se provou", não dando a indispensável garantia de que todos os factos relevantes foram objecto de apreciação, têm de considerar-se ineficazes e são susceptíveis de conduzir à nulidade da sentença ou do acórdão, nos termos das disposições combinadas dos artigos 374º, nº 2, e 379º, nº 1, alínea a), do Código de Processo Penal.

Por tudo o que fica dito, resulta patente que não só a fixação da matéria de facto do acórdão é lacunosa, como o exame crítico das provas não é absolutamente revelador do raciocínio que ao tribunal a quo incumbia fazer, o que torna a sentença nula, por violação do disposto no artigo 374, nº 2 ex vi artigo 379º, nº 1 alíneas a) do Código de Processo Penal.
  
3.2.2. Da omissão de pronúncia.

Alega o Recorrente que o Tribunal a quo omitiu o seu dever de pronúncia relativamente ao conteúdo da contestação que juntou aos autos, concretamente, não se pronunciou quanto aos factos aí alegados e não conheceu das nulidades também aí arguidas relativas ao reconhecimento de objetos apreendidos nos autos e do auto de entrega de objetos ao ofendido CC.
No que concerne aos factos, nos termos explicitados supra, considerou-se ocorrer nulidade de fundamentação, pelo que, passamos à questão da omissão de pronúncia sobre as nulidades invocadas na contestação.
Também nesta parte procede o recurso como passamos a explicitar.

Prescreve o artigo 379º, nº1, alínea c), do Código de Processo Penal, na parte que ora releva:
1 - É nula a sentença:
[…]
c) Quando o tribunal deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar (…)”.

Como tem entendido o Supremo Tribunal de Justiça, a omissão de pronúncia a que se reporta o sobredito preceito legal significa, essencialmente, a ausência de posição ou de decisão do tribunal sobre matérias em que a lei imponha que o juiz tome posição expressa. Tais questões correspondem àquelas que os sujeitos processuais interessados colocam à apreciação do tribunal, concernentes ao objeto processual –excetuando aquelas, cuja decisão se mostre prejudicada pela solução dada a outra(s) – e bem assim às que, na falta de alegação, sejam de conhecimento oficioso. Por outro lado, a pronúncia cuja omissão determina a nulidade da sentença é referida ao concreto objeto ou tema que é submetido à cognição do tribunal e não aos motivos ou razões arrazoados[16].
A omissão de pronúncia é um vício da decisão que se consubstancia na violação pelo julgador dos seus poderes/deveres de cognição, ocorrendo quando o tribunal deixe de se pronunciar sobre questões que a lei impõe que conheça no caso concreto (questões de conhecimento oficioso) e questões cuja apreciação é solicitada pelos sujeitos processuais e sobre as quais o tribunal não está impedido de se pronunciar – artigo 379º, nº 1, alínea c), primeira parte, do Código de Processo Penal (sendo certo que essas questões são o dissídio ou problema concreto a decidir, e não os simples  argumentos, razões, opiniões ou doutrinas expendidos pela parte em defesa da sua pretensão). 

Volvendo aos autos.

Como se disse, o Recorrente fez juntar aos autos contestação, que foi admitida e na qual expõe a sua defesa.
Consiste a mesma, em parte, em arguir a nulidade do reconhecimento de objetos e do termo de entrega de objetos ao ofendido nos autos, por não ter aquele reconhecimento obedecido ao disposto no artigo 147º do Código de Processo Penal, com a consequência de tal reconhecimento não ter valor como meio de prova, o que torna inválido o subsequente auto de entrega que nele se funda.
Não há dúvidas de que era dever do Tribunal a quo pronunciar-se sobre as mesmas e não o fez, como expressamente reconhece quando se afirma no acórdão que: “Consigna-se que atenta a factualidade provada da qual não resulta que a propriedade dos bens apreendidos ao arguido BB pertença ao próprio, fica prejudicada as nulidades suscitadas na contestação, a que acresce a extemporaneidade na invocação das mesmas.”
Tal dever de conhecer as arguidas nulidades surge reforçado nos autos quando é certo que o Tribunal a quo erigiu como uma das provas em que fundou a sua convicção, precisamente, o termo de entrega de objetos apreendidos de fls. 275, referindo quanto ao mesmo (como quanto a todos os outros documentos que enumera) que: “O Tribunal valorou e considerou válidos e relevantes os documentos juntos aos autos, designadamente: (…) Termo de entrega de objetos apreendidos de fls. 275 (…) Tais documentos por não conterem quaisquer elementos susceptíveis de indiciar a sua falsidade, nem conterem informações inverosímeis e/ou contraditórias, lograram criar no Tribunal a convicção de veracidade do teor das declarações e factos aí vertidos, bem como das características dos objetos aí referidos.”
Salvo melhor opinião, existiu omissão de pronúncia do Tribunal a quo neste particular, omissão que só pelo mesmo pode ser colmatada, já que a validade ou invalidade daqueles meios de prova influenciará necessariamente a fundamentação da convicção do Tribunal quanto aos factos dados como provados ou não provados.
***
Conhecidas as nulidades invocadas pelo Recorrente, cabe ainda conhecer dos vícios da decisão, nos termos do disposto no artigo 410º do Código de Processo Penal.
Tal conhecimento oficioso impõe-se no que respeita aos vícios a que alude o artigo 410º do Código de Processo Penal, conforme jurisprudência fixada pelo acórdão nº7/95, do STJ, de 19 de outubro, in Diário da República, I.Série-A, de 28/12/1995 – “É oficioso, pelo tribunal de recurso, o conhecimento dos vícios indicados no artigo 410º, nº2 do CPP, mesmo que o recurso se encontre limitado à matéria de direito”..
Nas palavras do Juiz Conselheiro Pereira Madeira[17] - «Porque aqui se trata (na detecção dos vícios em causa), essencialmente de uma tarefa de direito, os tribunais superiores, procedem oficiosamente a essa indagação de vícios na matéria de facto, provada e não provada, atendo-se imperativamente, apenas e só, ao teor do texto da decisão recorrida e, se necessário, também às regras da experiência comum. (…) Numa fase inicial da vigência do preceito, larga fatia da jurisprudência dos tribunais superiores atendendo porventura em demasia ao seu teor literal «o recurso pode ter como fundamento…», considerou que o conhecimento dos vícios em causa não era officio do tribunal, antes, deveria ser objecto da alegação do recorrente sob pena de não ser conhecido. Esta jurisprudência veio mais tarde a ser corrigida, sendo hoje praticamente universal a aceitação do princípio do conhecimento ou indagação oficiosa de tais vícios da matéria de facto. Na verdade, mandam a prudentia e o bom-senso que nenhum tribunal, seja ele qual for, possa ser obrigado a aplicar o direito a uma matéria de facto ostensivamente divorciada da realidade das coisas, quer por ser insuficiente, quer por ser contraditória, quer por se revelar a priori – e pela simples leitura da decisão impugnada – uma matéria de facto erroneamente apreciada. Claramente, em tais casos, qualquer que fosse o edifício jurídico que aí assentasse, seria uma edificação em perigo constante de derrocada por falta dos indispensáveis alicerces. Como sustentar a validade de uma decisão judicial séria, condenatória ou absolutória, sendo intuído imediatamente, pela simples leitura do texto respectivo, que os factos elencados e indagados pelo tribunal, no seu conjunto, são insuficientes, contraditórios (entre si e ou com a conclusão a que se chegou), ou notória e erroneamente adquiridos?»

- Do vício de contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão.

Previsto na alínea b) do n.º 2 do artigo 410º, «o vício da contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão verifica-se quando no texto da decisão constem posições antagónicas ou inconciliáveis, que se excluam mutuamente ou não possam ser compreendidas simultaneamente dentro da perspetiva de lógica interna da decisão, tanto na coordenação possível dos factos e respetivas consequências, como nos pressupostos de uma solução de direito»[18].

Nas palavras de Simas Santos e Leal-Henriques[19], «por contradição entende-se o facto de afirmar e de negar ao mesmo tempo uma coisa ou a emissão de duas proposições contraditórias que não possam ser simultaneamente verdadeiras e falsas, entendendo-se como proposições contraditórias as que tendo o mesmo sujeito e o mesmo atributo diferem na quantidade e qualidade».
Tal vício consiste, pois, numa incompatibilidade, não ultrapassável através da própria decisão recorrida, entre a fundamentação ou entre esta e a decisão.
A contradição insanável da fundamentação respeita não só à contradição na própria matéria de facto (entre os factos provados ou entre estes e os não provados), mas também à contradição na fundamentação probatória da matéria factual.
Assim, há contradição insanável da fundamentação quando, através de um raciocínio lógico, se conclua pela existência de oposição insanável entre os factos provados, entre estes e os não provados, ou até entre a fundamentação probatória da matéria de facto.
Com efeito, tal contradição da fundamentação pode consistir basicamente numa incompatibilidade entre a matéria de facto provada (dão-se, por exemplo, como provados dois ou mais factos que estão, entre si, em oposição, sendo, por isso, logicamente incompatíveis, excluindo-se mutuamente), entre a matéria de facto provada e a matéria de facto não provada (dá-se, por exemplo, como provado e como não provado o mesmo facto) ou numa incoerência da fundamentação probatória da matéria de facto (por exemplo, dá-se como provado um determinado facto e da motivação da convicção resulta, face à valoração probatória e ao raciocínio dedutivo exposto, que seria outra a decisão de facto correta).
Tal pode acontecer quando, de acordo com um raciocínio lógico, seja de concluir que a fundamentação justifica precisamente decisão oposta ou quando, segundo o mesmo tipo de raciocínio, se considere que a decisão não fica suficientemente esclarecida dada a colisão entre os fundamentos invocados[20].
Voltando, uma vez mais, ao caso concreto.
A decisão em recurso (e é no texto da decisão que tem de buscar-se o vício em causa, como se explicitou supra), no que à matéria de facto concerne, mostra-se, efetivamente, contraditória.

Consta da matéria de facto provada, concretamente, do ponto 6. o seguinte:

Ponto 6. – “Mais sabia o arguido AA que se introduzia na habitação do ofendido CC sem a sua autorização, por meio de uma chave que lhe havia sido entregue no passado, mas que não tinha direito de usar, e que tal facto lhe agravava a sua responsabilidade criminal.
Ao mesmo tempo, consta da matéria de facto não provada, concretamente, da alínea A) que:
“Não resultou provado que: O arguido AA tenha entrado na residência do Ofendido CC, referida em 1 dos factos provados, usando uma chave que o ofendido CC e a falecida esposa deste lhe haviam facultado no passado.”
Na verdade, se o facto não provado fosse referente, de forma clara, apenas à circunstância de a chave usada pelo arguido lhe ter sido facultada no passado pelo ofendido e esposa, poderia não se estar em presença de contradição, pelo menos, insanável.
Mas não. O facto não provado, parece-nos, é extensivo ao uso de uma chave e, nessa medida, existe contradição por se ter dado simultaneamente, como provado e como não provado o mesmo facto.
Mas se dúvidas houvesse sobre a apontada contradição, e não há, esta torna-se por demais patente e assume caráter insanável quando se atenta na fundamentação jurídica da decisão.

Com efeito, consta do acórdão que:
    
“Entrando na análise da forma hiperqualificada, dispõe o n.º 2, al. e) do artigo 204º, que é punido com pena de prisão de 2 a 8 anos quem penetrar em habitação, ainda que móvel, estabelecimento comercial ou industrial ou outro espaço fechado, por arrombamento, escalamento ou chaves falsas.
    
Por seu turno, no artigo 202º, al. d), e) e f), do Código Penal, constam as definições de arrombamento, escalamento e chaves falsas.
Enquanto que, no n° 1, al. f), do artigo 204º estamos perante uma introdução ilegítima em habitação, ainda que móvel, estabelecimento comercial ou industrial ou outro espaço fechado, no caso previsto no n.º 2, al. e do artigo 204º trata-se de penetrar, nesses mesmos locais, por meio de arrombamento, escalamento ou chaves falsas. Isto é, o legislador descreveu os comportamentos proibidos, vinculando as condutas proibidas à descrição típica e, por conseguinte, não basta penetrar naqueles espaços é ainda necessário que se tenha processado pelos seguintes meios específicos descritos na norma, arrombamento, escalamento ou através do recurso a chaves falsas.
Ora, de acordo com a factualidade apurada não resultou provado que o arguido AA penetrou no interior da residência do Ofendido CC usando uma chave que o ofendido e a falecida esposa deste lhe haviam facultado no passado. Em face do exposto, não se verifica a agravação prevista no artigo 204.º, n.º 1, n.º 2, al. e), do Código Penal mas sim a introdução ilegítima em habitação prevista no n° 1, al. f), do artigo 204º do C.P.” (sublinhado nosso)
Portanto, o Tribunal decidiu pressupondo que a matéria de facto constante do ponto 6. dos factos provados não resultou provada.
É patente e insanável a contradição.
Tal como em relação ao vício anteriormente conhecido, também a apontada contradição, vista a fundamentação de facto da sentença, não pode ser ultrapassada, designadamente, com recurso às regras da experiência e à decisão recorrida no seu todo, tanto mais que, da fundamentação da decisão sobre a matéria de facto provada e não provada nada vem expressamente referido quanto à forma como o arguido terá entrado na casa do ofendido.
Em suma, ficamos sem saber qual foi, efetivamente, a sua decisão.
Temos, pois, de concluir que aquela contradição não é suscetível de ser ultrapassada por este Tribunal, sendo insanável.
Atenta a impossibilidade de sanação dos vícios nesta instância de recurso, outra solução não resta que determinar a anulação do julgamento e o reenvio do processo para novo julgamento, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 410º nº2 alínea b), 426º e 426º-A, todos do Código de Processo Penal.
           
Considerando o decidido supra (nulidades invocadas no recurso e vício de conhecimento oficioso), ficam prejudicadas as restantes questões suscitadas no recurso interposto pelo arguido BB e o conhecimento do recurso apresentado pelo arguido CC.
Face à necessidade do reenvio, atenta a verificação do vício em apreço, as supra mencionadas nulidades já apreciadas, cujo suprimento caberia ao tribunal que proferiu a decisão, deverão agora ser suprida pelo Tribunal que proceder ao novo julgamento, ao qual competirá não apenas apreciar as questões que determinam o reenvio - apurar os elementos de facto em falta e expurgar a contradição insanável apontada - mas também o mencionado suprimento das nulidades verificadas.

III. DISPOSITIVO

Nos termos e pelos fundamentos expostos, acordam os Juízes do Tribunal da Relação de Guimarães em determinar a anulação do julgamento e o reenvio do processo para novo julgamento, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 410º, nº2, alínea b), 426º e 426º-A, todos do Código de Processo Penal, para os fins mencionados.
Sem custas, por não devidas.
 (Texto elaborado pela relatora e revisto pelos seus signatários - art. 94º, n.º 2, do CPP)
           
Guimarães, 15-05-2023

Os Juízes Desembargadores
Fátima Sanches (relatora)
Anabela Varizo Martins (1º Adjunto)
Paulo Almeida Cunha (2º Adjunto).
*
Declaração de voto

Após discussão, dissenti parcialmente da posição que fez vencimento neste acórdão pelas razões que passo a explicar sucintamente:
1. A decisão mostra-se transitada em julgado na parte relativa ao arguido AA, o qual se conformou com a decisão condenatória e não interpôs qualquer recurso. Os factos provados sob o n.º 3 dizem respeito ao furto cometido exclusivamente por este arguido. Por seu turno, a receptação constitui crime autónomo relativamente a este furto e a nulidade de fundamentação da motivação relativa aos factos em que se funda a imputação da receptação não precisa de atingir o julgamento alcançado relativamente àquele facto provado n.º 3. O que falta fundamentar de forma adequada é a acção típica em que se traduz o recebimento e aquisição de determinados objectos pelo arguido/recorrente BB. A nulidade de falta de fundamentação a que alude a al. a) do n.º 1 do art. 379.º do CPP deve ser restringida aos factos provados n.ºs 7 a 9, conforme suscitado no recurso. Não há qualquer prejudicialidade a exigir a ampliação ao facto provado n.º 3.
2. Sem prejuízo do já afirmado trânsito em julgado relativamente ao arguido AA, a questão relativa ao julgamento da forma de introdução de este arguido na habitação do ofendido consubstancia um mero lapso manifesto de escrita. Por referência à acusação, o tribunal recorrido deu como não provada a alegada forma de introdução na casa – facto não provado A) - e esqueceu-se de alterar igualmente este facto em conformidade na parte relativa à alegação do dolo – facto provado 6). A fundamentação de direito e o decisório tiram qualquer dúvida. Aliás, este arguido foi punido pelo crime de furto qualificado menos grave, isto é, sem o preenchimento da circunstância qualificadora da alínea e) do n.º do art. 204.º do CP. Não se verifica o vício decisório insanável da contradição da fundamentação a que alude o art. 410.º, n.º 2, al. b), do CPP, pois bastaria corrigir parcialmente a redacção do facto provado n.º 6 e transferir o dolo relativo à chave falsa para os factos não provados.
3. Finalmente, não se vislumbra razão para não conhecer imediatamente do recurso interposto pelo arguido CC, o qual apenas censurou a medida da pena de multa que lhe foi aplicada. Os factos dados como provados sob os n.ºs 17 e 22 – relativos ao crime de detenção de arma proibida imputado exclusivamente ao arguido CC – são completamente autónomos dos crimes imputados aos co-arguidos.
Concluindo, não há fundamento para o reenvio decidido e impõe-se tão-só o suprimento pelo mesmo tribunal das nulidades decisórias apontadas pelo próprio recorrente BB (falta de fundamentação e omissão de pronúncia) – Paulo Almeida Cunha

(data certificada pelo sistema informático e assinaturas eletrónicas qualificadas certificadas)   



[1] Cfr., neste sentido, Paulo Pinto de Albuquerque, in “Comentário do Código de Processo Penal”, 2ª Edição, UCE, 2008, anot. 3 ao art. 402º, págs. 1030 e 1031; M. Simas Santos/M. Leal Henriques, in “Código de Processo Penal Anotado”, II Volume, 2ª Edição, Editora Reis dos Livros, 2004, p. 696; Germano Marques da Silva, in “Direito Processual Penal Português - Do Procedimento (Marcha do Processo)”, Vol. 3, Universidade Católica Editora, 2015, pág. 334 e seguintes; o Acórdão de Fixação de Jurisprudência do S.T.J. nº 7/95 de 19/10/1995, publicado no DR, Série I-A, de 28/12/1995, em interpretação que ainda hoje mantém atualidade.
[2] Leal-Henriques e Simas Santos, in “Código Penal Anotado - 2º Vol. – Parte Especial”, 3ª Edição, 2000, pág. 983.
[3] Maia Gonçalves, in “Código Penal Anotado”, 15ª Edição, 2002, pág. 757.
[4] Leal-Henriques e Simas Santos, ob. cit., pág. 984.
[5] José António Barreiros, in “Crimes Contra o Património”, 1996, pág. 239.
[6] Pedro Caeiro, in “Comentário Conimbricence do Código Penal – Parte Especial, Tomo II”, 1999, pág. 494.
[7] Neste sentido, vide Exmo. Conselheiro Oliveira Mendes, in “Código de Processo Penal Comentado”, de António Henriques Gaspar e outros [obra coletiva], 3ª Edição Revista, 2021, Almedina, anotação 5 ao art. 328º, pp.1033; acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 19.06.2019, Processo nº 2276/16.2T9FNC.L1-3, e acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 06.05.2020, Processo nº 1109/17.7T9VIS.C1, ambos disponíveis em www.dgsi.pt.
[8] Ob. Cit, páginas 1032-1033
[9] In “Comentário Judiciário do Código de Processo Penal”, Tomo IV, Almedina, setembro de 2022, páginas 245/246.
[10] Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 06-05-2020, prolatado no âmbito do processo nº1109/17.7T9VIS.C1, Relator Belmiro Andrade, disponível para consulta em www.dgsi.pt
[11] Cf. o acórdão do STJ de 25-01-2006 (processo n.º 05P3460), disponível em http://www.dgsi.pt.
[12] In “Comentário Judiciário do Código de Processo Penal”, Tomo IV, Almedina, setembro de 2022, páginas 767 e 770.
[13] Comentário do Código de Processo Penal, Lisboa, 2007, pág. 928
[14] In “Da sentença Penal-Fundamentação de Facto”, in Revista Julgar n.º3, 2007, pág. 34.
[15] (op. cit., págs. 34-35).
[16]   A título exemplificativo, vejam-se os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 27.10.2010, Processo nº 70/07.0JBLSB.L1.S1, de 21.01.2009, Processo nº 111/09, de 21.12.2005, Processo nº 4642/02, todos disponíveis em www.dgsi.pt.
[17]   In “Código de Processo Penal Comentado”, Almedina, 2ª edição revista, páginas 1272/1273.
[18] Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 12-03-2015 (processo n.º 418/11.3GAACB.C1.S1 - 3ª Secção), disponível em http://www.dgsi.pt.
[19] In Código de Processo Penal anotado, II volume, 2ª edição, 2000, editora Rei dos Livros, Lisboa, pág. 379.
[20] Cf. os acórdãos do STJ de 13-03-1996 (processo n.º 48932) e de 11-05-1994 (processo n.º 45987), citados por Simas Santos e Leal-Henriques, in Recursos em Processo Penal, 5ª edição, 2002, Rei dos Livros, pág. 65.