Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
131/14.0T8FAF.G1
Relator: EVA ALMEIDA
Descritores: AUTO-ESTRADA
RESPONSABILIDADE CIVIL
ÓNUS DA PROVA
ACIDENTE RODOVIÁRIO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 12/15/2016
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PARCIALMENTE PROCEDENTE
Indicações Eventuais: 2ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário: I - As normas contidas no artigo 12º nº 1 Lei nº 24/2007 “visaram intervir no debate jurisprudencial e doutrinal, então em curso, sobre o ónus da prova da culpa nos acidentes rodoviários ocorridos nas auto-estradas concessionadas, provocados pelas condições da via, incluindo a existência indevida nas faixas de rodagem de objectos, animais e líquidos”, pondo termo à controvérsia doutrinal e jurisprudencial sobre a natureza da responsabilidade da concessionária perante o utente lesado – se de natureza contratual, arrastando consequentemente a presunção de culpa da concessionária, e obrigando esta a provar que a falta de cumprimento ou o cumprimento defeituoso da obrigação não procedia de culpa sua (artº 799º, nº 1, do CC), ou antes de natureza extracontratual, fazendo recair sobre o utente lesado o ónus da prova da culpa da concessionária (artº 487º, nº 2, do Código Civil ).
II - Do citado normativo resulta competir à ora recorrente provar que na data do acidente mantinha a via em condições de segurança, “in casu” as vedações em bom estado e de forma a eficazmente evitarem o ingresso de animais na via.
III - Não é suficiente, para ilidir a presunção de culpa que recai sobre a concessionária de uma auto-estrada, a prova de que no local do acidente a vedação estava em bom estado e que a ré efectua patrulhamentos regulares, de tantas em tantas horas, através de um seu funcionário, que percorre a auto-estrada em toda a extensão da sua concessão, não tendo os animais sido avistados.
IV - É necessário, que prove que os animais, no caso dois javalis, se introduziram na auto-estrada por um meio que não podia ter evitado (terem sido ali propositadamente colocados, ou terem saltado de veículo que os transportava) e que tal ocorreu num espaço de tempo que não lhe permitiu eliminar o perigo antes do acidente.
V – Tal não equivale a cairmos no âmbito da responsabilidade objectiva, considerando tal prova impossível (probatio diabolica) para a concessionária”, pois, como se refere no acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 24/2/2015 (proc. nº 2392/12.0TBVIS.C1): “(…) estamos perante uma actividade económica geradora de riscos elevados de lesão de bens e direitos de terceiros, sendo necessariamente a concessionária quem se encontra melhor posicionada para proceder à recolha dos pertinentes elementos de prova. Pelo contrário (…) diabólico seria antes impor ao utente sinistrado a prova em questão, porquanto este é “invariavelmente alheio ao aparecimento de animal na auto-estrada, não gozando aprioristicamente de qualquer possibilidade de controlo sobre a fonte do perigo e revela “a posteriori” uma incapacidade quase absoluta de recolha de elementos de prova sobre a causa da presença do animal naquele local”.
Decisão Texto Integral: ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE GUIMARÃES

I – RELATÓRIO
Fernando R e Emília R intentaram a presente acção declarativa, com processo comum, contra A, S.A., pedindo a condenação da ré a pagar-lhes:
1. A ambos:
A) A quantia global de € 11.125,80, acrescida dos correspondentes juros de mora legais a contar da citação até integral pagamento, sendo: a) € 8.970,00, pela reparação do veículo; b) €975,00, pela paralisação do veículo; c) € 1.180,80, pelo aparcamento do veículo;
B) A quantia diária de €5,00 desde 01/11/2014 até efectiva indemnização dos AA., a título de paralisação do veículo;
C) A quantia diária de € 5,00, mais IVA, desde 01/11/2014 até efectiva indemnização dos AA., a título de aparcamento do veículo;
2 - À autora Emília R, a quantia global de € 1.030,44, acrescida dos correspondentes juros de mora legais a contar da citação até integral pagamento, sendo: a) €1.000,00, por danos não patrimoniais; b) €21,95, relativos a taxas moderadores; c) € 8,49, relativos a medicamentos;
3 - Ao A. Fernando R, a quantia de € 100,00, a título de danos não patrimoniais, acrescida dos correspondentes juros de mora legais a contar da citação até integral pagamento.
Alegaram, para tanto e em suma, que o veículo automóvel de matrícula 23-FI-57, do qual o autor é proprietário, foi interveniente num acidente no dia 19/04/2014 quando circulava na A7, no sentido Basto/Fafe, provocado por dois javalis que atravessaram, repentina e inesperadamente, a faixa de rodagem, acidente que é imputável à ré dado a esta competir a manutenção da A7 em bom estado de conservação e a sua utilização em segurança pelos utentes da via. Desse acidente decorreram danos para os autores, recaindo sobre a ré a obrigação de os indemnizar.
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A ré contestou, impugnando a factualidade alegada na P.I. e alegando que procedeu com toda a diligência e cuidado que lhe são exigíveis, não lhe podendo, por isso, ser assacada qualquer culpa na ocorrência do acidente relatado pelos autores.
Deduziu ainda incidente de intervenção principal provocada da Companhia de Seguros T, alegando que transferiu para esta seguradora, através de contrato de seguro que com ela celebrou, a responsabilidade civil decorrente de acidentes desta natureza.
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Foi admitida a intervenção principal provocada da Companhia de Seguros T, S.A. que, citada, apresentou contestação, aderindo à da ré e alegando que o contrato de seguro celebrado com esta é facultativo, prevê uma franquia por danos materiais no valor de 10% do sinistro, com um mínimo de € 3.000, e que não cobre qualquer indemnização a título de danos não patrimoniais.
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Proferido despacho saneador, em que se decidiu da validade da instância e do processado, identificou-se também o objecto do litígio e enunciaram-se os temas da prova, sem reclamação.
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Realizou-se a audiência de julgamento e, discutida a causa, proferiu-se sentença em que se decidiu julgar a presente acção parcialmente procedente, por provada na mesma medida, e em consequência:
1.- condenar-se a R. Companhia de Seguros T, S.A. a pagar as seguintes importâncias, deduzidas da importância correspondente a 10% do valor do sinistro, com um mínimo de € 3.000,00 (três mil euros) correspondente à franquia contratual:
1.1- Aos AA.:
a)- quantia global de € 8.970,00 (oito mil novecentos e setenta euros), pela reparação do veículo, acrescida dos juros de mora à taxa legal, que é actualmente de 4%, desde a citação até integral pagamento;
b)- a quantia diária de € 5,00 (cinco euros) desde 19/04/2014 até à efectiva indemnização dos AA., a título de paralisação do veículo, a apurar em sede de liquidação;
c)- a quantia que os AA. vierem a gastar com o aparcamento do veículo desde 19/04/2014 até à efectiva indemnização dos AA., a apurar em sede de liquidação;
1.2.- À A., as quantias de € 21,95 (vinte e um euros e noventa e cinco cêntimos) e de € 8,49 (oito euros e quarenta e nove cêntimos), acrescidas dos juros de mora à taxa legal, que é actualmente de 4%, desde a citação até integral pagamento;
2.- condenar-se a R. Companhia de Seguros T, S.A. a pagar à A. a quantia €1.000 (mil euros), acrescida dos juros de mora à taxa legal, que é actualmente de 4%, desde esta sentença até integral pagamento;
3.- condena-se a R. Companhia de Seguros T, S.A. a pagar ao A. a quantia €100 (cem euros), acrescida dos juros de mora à taxa legal, que é actualmente de 4%, desde esta sentença até integral pagamento;
4.- condenar-se a R. A a pagar aos AA. a importância correspondente a 10% dos valores referidos em 1.1 [als. a), b), e c)] e 1.2, no mínimo de € 3.000,00, correspondente à franquia contratual do seguro que celebrou com a R. T, e pagar aos AA. as indemnizações referidas em 1.1 [als. a), b), e c)] e 1.2 na medida em que excederem a responsabilidade da R. T de € 25.000,00;
5.- absolve-se as RR. do demais peticionado.
Custas por A. e RR. na proporção dos respectivos decaimentos, que se fixa provisoriamente em 10% para os AA. e 90% para a RR. (art.º 527.º, n.º s 1 e 2, do CPC).
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Inconformada a ré interpôs o presente recurso, que instruiu com as pertinentes alegações, em que formula as seguintes conclusões:
I. Entende a R./apelante, que o Tribunal a quo não analisou correctamente a prova produzida pelas partes, incorrendo em erro de apreciação da prova no que se refere aos artigos 6º, 7º e 20º da contestação da R., matéria essa que não é irrelevante para a boa decisão da causa e tão-pouco se trata de matéria conclusiva ou de direito;
II. Na verdade, e considerando o depoimento transcrito nestas linhas de Luís Lopes da Silva (mas também as Bases XXVIII nº 3 alínea p), XXIX nº 4 alínea a), XXX, XXXVII e LV nº 3 alínea e), todas do DL nº 248-A/99, de 6 de Julho e ainda o doc. nº 1 da contestação), o Tribunal devia ter dado como provado (e isso ainda deve acontecer) a matéria dos artigos 6º, 7º e 20º da contestação da R. da seguinte forma:
a) “As vedações daquela auto-estrada A7 merecem a prévia aprovação por parte do concedente (Estado Português) através dos organismos competentes.” (correspondendo ao artigo 6º);
b) “As vedações que se encontravam implementadas no local do sinistro e suas proximidades à data do sinistro respeitavam o respectivo projecto e mereceram prévia aprovação por parte dos organismos competentes do Estado Português.” (artigo 7º);
c) “A R. obrigou-se para com o Estado Português, regra geral, i. e., em condições normais, a efectuar passagens de vigilância no mesmo local com o intervalo máximo de três horas, salvo se as condições de tráfego/circulação ou a eclosão de acidentes, incidentes ou outro tipo de ocorrências o não permitirem.” (artigo 20º);
Isto posto,
III. Apesar de a R. não concordar com a decisão do Tribunal, há desde logo um erro a apontar-lhe quanto ao ponto 4. da decisão, uma vez que o contrato de seguro celebrado (e em vigor) com a sua seguradora fixa que a franquia a observar, em caso de sinistro com danos materiais, uma franquia de 10% do valor do sinistro, com um mínimo de € 3.000,00 e um máximo de € 25.000,00;
IV. Ora, tal franquia significa que em caso de condenação a responsabilidade de indemnização da R. não poderá, por um lado, ser inferior a € 3.000,00, mas também, e por outro (e independentemente do valor sinistro, portanto), que não poderá exceder em caso algum o montante de € 25.000,00, o que vale por dizer que não é correcta a condenação da R./apelante a pagar “(…) 10% dos valores referidos em 1.1 (…) e 1.2 (…)” e menos ainda é que deva pagar aos AA. “(…) as indemnizações referidas em 1.1 (…) e 1.2 na medida em que excederem a responsabilidade da R. T de € 25.000,00 (aliás, caso se deva prosseguir para incidente de liquidação e pagando a R. a franquia de € 3.000,00, nada mais poderá ser-lhe pedido/exigido se a indemnização, na sua totalidade, não exceder os €30.000,00);
Dito isto,
V. À data dos factos (acidente) estava em vigor a Lei nº 24/2007, de 18 de Julho, Lei esta que, no nosso entender, veio de uma vez por todas clarificar que os acidentes ocorridos em auto-estrada (AE) devem ser analisados e enquadrados (como já sucedia – ou, pelo menos, devia suceder - antes dela) no âmbito da responsabilidade extracontratual – é, de resto, essa a conclusão que se pode/deve tirar do disposto na Base LXXIII do Decreto-Lei nº 248-A/99, de 6 de Julho;
VI. Ora, é verdade que com o advento da referida Lei se procedeu a uma inversão do ónus da prova que agora impende sobre as concessionárias de AE (limitado, no entanto, ao cumprimento das obrigações de segurança), assim se criando um regime especial e inovador para este tipo de acidentes, embora – insista-se – sempre filiado na responsabilidade extracontratual;
VII. Todavia, e como bem se percebe do espírito e do texto da lei (dos nºs. 1 e 2 do artigo daquela Lei), mas também do elemento histórico de interpretação (vide projecto de lei nº 164/X do BE), já não corresponde à verdade que com essa Lei se tenha estabelecido uma presunção de culpa em desfavor das concessionárias, pois que se assim fosse a redacção do citado artigo 12º nº 1 seria seguramente outra, mais próxima (quando não mesmo igual) daquela constante do artigo 493º nº 1 do Cód. Civil (cfr. o ac. desta RG de 23-9-2010);
VIII. Efectivamente, e quanto à dita presunção de culpa (ou de ilicitude ou de incumprimento), nem tal decorre da Lei nº 24/2007, de 18 de Julho (vide, a este propósito, o já citado ac. desta Relação de Guimarães de 23-9-2010), nem tal resulta do Decreto-Lei nº 248-A/99, de 6 Julho, concluindo-se tão-só que com o advento da lei citada passou a impender um ónus de prova com aquelas “características” sobre as concessionárias de AE (e nada mais que isso), ou seja, operou-se uma inversão do ónus da prova, que, pelo simples facto de agora existir, não implica a consagração imediata e automática de uma presunção legal (cfr. Cód. Civil, artigo 344º nº 1);
IX. Depois, e quanto à ideia de que a R./apelante logra afastar a sua eventual responsabilidade se provar a ocorrência de um caso de força maior, também aqui não se vislumbra – seja na lei a que nos referimos (vide o nº 3 do artigo 12º e sobretudo, como ali se diz, leia-se este em conjunto com o nº 2 do mesmo artigo), seja no DL que aprovou as Bases da Concessão da R. – que o Tribunal a quo tenha razão;
X. Por outro lado, sendo verdade que a R. se obrigou a assegurar permanentemente a circulação na AE em boas condições de segurança e comodidade, daí não decorre que essa sua obrigação implica uma omnipresença em todos os locais da sua concessão como, no fundo, considerou a douta sentença, mormente nos locais de eclosão de acidentes ou onde possam estar a deambular animais, até porque as suas obrigações são de meios e não de resultado, como facilmente se intui;
XI. De modo que também não nos parece que p. ex. se possa considerar que incumbia à R. fazer a prova do contrário (o mesmo é dizer demonstrar a forma como o animal terá ingressado na via), sendo certo que dessa forma caminharíamos inevitavelmente na direcção de uma responsabilidade objectiva, sem culpa, que também não tem previsão legal; Segue-se que,
XII. A formulação do artigo 12º nº 1 da citada lei faz apenas recair sobre as concessionárias, entre as quais, a apelante, o ónus da prova do cumprimento das obrigações de segurança (que – se bem vemos - ninguém definiu ou preencheu até hoje, mas que serão necessariamente diferentes consoante o tipo de sinistro em análise);
XIII. Ora, no caso dos autos é patente que a apelante satisfez o ónus que lhe competia, i. e., demonstrou que cumpriu com aquelas suas obrigações de segurança, particularmente no que se refere à integridade da vedação (mas isso – relembre-se –, conjugado com a evidente inexigibilidade de uma omnipresença da R. em todos os pontos da sua concessão, não pode/deve, naturalmente, garantir que os acidentes não aconteçam, e mormente os acidentes com animais);
XIV. Efectivamente, a definição destas obrigações de segurança passa essencial e obrigatoriamente (como é até intuitivo), num acidente com animais, pela prova de que as vedações se encontravam intactas e sem rupturas nas imediações do local do acidente (assim decorre também da conclusão II do ac. da RC de 13.11.2012 que, aliás, considera uma situação em que esse bom estado da vedação não se verificava) e que eram aquelas que ali tinham de estar colocadas (e isso sucedia) – e a verdade é que essa prova foi claramente feita pela R./apelante;
XV. A não ser assim – i. e., a situarmo-nos num plano em que, parece-nos, se coloca a douta sentença em matéria de exigência probatória -, cairíamos necessariamente no âmbito da responsabilidade objectiva, na prova impossível (e não apenas extremamente difícil ou na chamada probatio diabolica) para a concessionária que não se vê onde esteja prevista, nomeadamente na lei citada;
XVI. Mais: é visível que o raciocínio seguido pela douta sentença é, salvo o devido respeito, especulativo, pois que parte claramente do princípio (e sem base factual para que o possa fazer) que o animal só poderia ter ingressado na AE devido a uma qualquer falha (que não diz qual seja), sem considerar qualquer outra possibilidade/explicação plausível para a presença do animal na via (e a verdade é que essas possibilidades/explicações existem, não se podendo concluir automaticamente que ocorreu alguma falha);
XVII. Por outro lado, a R. também demonstrou, sem qualquer espécie de dúvida ou reserva, que desconhecia a presença do animal na via apesar do cumprimento integral (e permanente, no sentido de estar sempre no terreno, embora não esteja, como é evidente, em todo o lado ao mesmo tempo, acrescentando-se que resulta provado que patrulhou aquele local pouco menos de 2 horas antes daquela hora da deflagração do sinistro sem que tivesse detectado qualquer animal) da sua missão de vigilância e patrulhamento;
XVIII. De modo que, e não podendo a R./apelante (nem tal lhe sendo exigível) ser omnipresente, não se vislumbra como podia (ou pode) ser responsabilizada pela eclosão deste acidente, tanto mais que nos parece absolutamente pacífico que as obrigações a seu cargo são obrigações de meios e não obrigações de resultado (ou seja, de garantir aos utentes que não vão ter acidentes durante a sua circulação em AE) como se defende, p. ex., num dos arestos citados na douta sentença (aquele do STJ de 9.9.2008);
XIX. De resto, não sendo possível à apelante evitar em absoluto que os animais ingressem na AE e, face ao que ficou provado, nada mais lhe devendo ser exigível em termos de conduta e de prova, parece claro que se impunha (e isso ainda sucede) a sua absolvição, já que esta demonstrou que cumpriu de forma positiva, em concreto (e não apenas, e como há quem diga, “genericamente” – o que quer que isso signifique) com todas as suas obrigações, concretamente com aquelas de segurança;
XX. Assim, no entendimento da apelante, a douta sentença violou, salvo o devido respeito, a alínea b) do nº 1 do artigo 12º da Lei nº 24/2007, de 18 de Julho e a Base LXXIII do Decreto-Lei nº 248-A/99, de 6 de Julho, bem como os artigos 342º nº 1 e 483º do Cód. Civil, devendo, por isso, ser revogada em conformidade com o expendido nestas linhas.
Sem prescindir (e por mera cautela de patrocínio),
XXI. Caso se entenda (o que não parece justificar-se) que a R. deve ser condenada, então é evidente que a indemnização a atribuir aos AA., a título de danos não patrimoniais, deve ser totalmente revogada no que tange ao A. marido e reduzida à quantia de € 500,00 no que respeita à A. mulher, dado que, de uma parte, os simples incómodos e aborrecimentos não conferem direito a uma tal indemnização e, de outra, é indiscutível que a quantia peticionada de € 1.000,00 atribuída à A. mulher a este título compreendia alguns factos que não logrou provar (p. ex. a realização de vários exames e análises bem como o facto de alegadamente passar a sofrer de ansiedade em consequência do sinistro dos autos).
Termos em que se deve dar total provimento ao presente recurso, revogando-se a decisão de que se recorre, substituindo-se por uma outra que reaprecie e decida a prova nos moldes defendidos nestas linhas pela apelante e que julgue totalmente improcedente a presente acção com base nos argumentos de facto e de direito expendidos nesta peça processual, bem como absolva a apelante do pedido, tudo com as necessárias consequências legais e como é de inteira JUSTIÇA.
Se assim não se entender – o que se admite apenas para efeitos deste raciocínio -, deve o quantum indemnizatório referente aos danos não patrimoniais, ser fixada em não mais de €500,00 quanto à A. mulher e ser revogado quanto ao A. marido também como será de inteira JUSTIÇA e com as necessárias consequências legais.
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Foram apresentadas contra-alegações.
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Os autos foram remetidos a este Tribunal da Relação, onde o recurso foi admitido nos mesmos termos.
Colhidos os vistos, cumpre decidir.
II - DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO E QUESTÕES A DECIDIR.
O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões das alegações da recorrente, tal como decorre das disposições legais dos artºs 635º nº4 e 639º do CPC, não podendo o tribunal conhecer de quaisquer outras questões “salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras” (art.º 608º nº2 do CPC).
As questões a apreciar são as constantes das conclusões que acima reproduzimos.
III - FUNDAMENTOS DE FACTO
A) Factos considerados provados na sentença:
1) No dia 19 de Abril de 2014, pelas 21:45 horas, ocorreu um acidente de viação na Auto-Estrada A7, km 59,750, Fafe (art.º 1.º da p.i.);
2) No qual foi interveniente o veículo ligeiro de passageiros, de marca Opel Astra 1.3 CDTI Caravan, com a matrícula 23-FI-57 (art.º 2.º da p.i.);
3) Veículo esse propriedade do A. e conduzido, no momento do sinistro, pela sua filha Joana R (art.º 3.º da p.i.);
4) O referido acidente traduziu-se na colisão entre o veículo dos AA. e dois javalis (art.º 4.º da p.i.);
5) No dia e hora referidos, o FI circulava na Auto-Estrada A7, no sentido Basto/Fafe (art.º 5.º da p.i.);
6) No local do acidente a auto-estrada é constituída por duas hemi-faixas de rodagem, no sentido de marcha do FI, encontrando-se os sentidos de marcha divididos com separador (art.º 6.º da p.i.);
7) Sendo que neste local a Auto-Estrada A7 configura uma recta, com inclinação descendente (art.º 7.º da p.i.);
8) O FI circulava pela hemi-faixa de rodagem da direita, atento o seu sentido de marcha (art.º 8.º da p.i.);
9) A uma velocidade não superior a 120 km/h (art.º 9.º da p.i.);
10) Com as luzes de médios ligadas, uma vez que era de noite e estava escuro, dada a falta de iluminação do local (art.º 10.º da p.i.);
11) A condutora do FI seguia atenta à via e aos demais utentes da via (art.º 11.º da p.i.);
12) Quando assim circulava, ao aproximar-se do km 59,750, a condutora do FI foi surpreendida pelo aparecimento de dois javalis (art.º 12.º da p.i.);
13) Os quais surgiram da berma do lado direito, a atravessarem a faixa de rodagem da direita para a esquerda, atento o sentido de marcha do FI (art.º 13.º da p.i.);
14) Dada a forma repentina e inesperada comos os animais surgiram na hemifaixa de rodagem por onde o FI circulava, a atravessar a faixa de rodagem (art.º 16.º da p.i.);
15) A condutora do FI não conseguiu evitar o embate entre a frente do FI e os dois javalis, atropelando estes últimos (art.º 17.º da p.i.);
16) Embate esse que ocorreu no meio da hemi-faixa de rodagem da direita, por onde circulava o FI (art.º 18.º da p.i.);
17) Um dos animais em que o FI embateu ficou morto no local e foi retirado da via pública pelo funcionário da R. que esteve presente no local, tendo o outro animal fugido (art.º 19.º da p.i.);
18) No local não existia qualquer sinalização que alertasse os condutores que circulavam na referida Auto-Estrada para a existência de quaisquer situações de perigo (art.º 20.º da p.i.);
19) A A é concessionária da auto-estrada A7 (art.º 21.º da p.i.);
20) O veículo FI sofreu danos na sua frente (art.º 45.º da p.i.);
21) Sendo que, para que o FI seja reparado será necessária, pelo menos, a quantia de €8.970,00 (art.º 46.º da p.i.);
22) A reparação ainda não foi efectuada por indisponibilidade económica dos AA. (art.º 47.º da p.i.);
23) Em consequência do sinistro, o FI ficou impedido de circular (art.º 49.º da p.i.);
24) Desde a data do acidente os AA. encontram-se privados do seu veículo (art.º 50.º da p.i.);
25) Este veículo era utilizado diariamente essencialmente pelo A. nas deslocações de casa para o trabalho bem como para todas as deslocações inerentes ao dia-a-dia dos AA., como sejam idas ao supermercado, médicos e farmácias, para além de visitas a amigos e familiares e demais momentos de lazer (art.º 51.º da p.i.);
26) Os AA. deslocaram-se e deslocam-se algumas vezes com recurso a veículos emprestados (art.º 52.º da p.i.);
27) A quantia de €5 por dia é insuficiente para alugar um veículo de características semelhantes ao dos AA. (art.º 57.º da p.i.);
28) Os AA. não tinham uma garagem onde pudesse guardar o FI, pelo que, desde a data do acidente, que este se encontra parqueado na oficina onde os seus danos foram orçamentados (art.º 69.º da p.i.);
29) Tendo sido os AA. informados que lhes poderia ser cobrada uma tarifa diária de aparcamento no valor de € 5,00, mais IVA, desde 22/04/2014 (art.º 70.º da p.i.);
30) No dia do acidente os AA. seguiam como passageiros do FI, a A. no banco do passageiro da frente e o A. no banco traseiro (art.º 73.º da p.i.);
31) Por força do embate os airbags dispararam, tendo a A. sofrido uma queimadura por força da fricção do airbag na mão esquerda (art.ºs 74.º e 75.º da p.i.);
32) Motivo pelo qual a Autora foi assistida no local pelos Bombeiros e posteriormente por eles transportada ao Centro Hospitalar do Médio Ave (art.ºs 76.º e 77.º da p.i.);
33) Onde foi sujeita a vários exames de raio X (art.º 78.º da p.i.);
34) Depois de medicada, a A. teve alta durante a madrugada do dia 20/04/2014 (art.º 79.º da p.i.);
35) A A. permaneceu com algumas dores durante cerca de uma semana, o que lhe dificultava a movimentação da mão esquerda e a realização de algumas tarefas domésticas (art.º 80.º da p.i.);
36) A A. sofreu um susto com o embate, que lhe causou receio pela sua vida (art.º 81.º da p.i.);
37) A A. ainda hoje tem receio de andar de carro (art.º 82.º da p.i.);
38) Por força do presente sinistro, a A. gastou, em taxas moderadoras relativas a exames e ao episódio de urgência a quantia de € 21,95 (art.º 86.º da p.i.);
39) E com medicamentos gastou a quantia de € 8,49 (art.º 87.º da p.i.);
40) Ainda em consequência do sinistro, o A. a perdeu tempo com telefonemas para o seu mediador de seguros, deslocações à oficina reparadora e GNR e correspondência para a R. (art.º 88.º da p.i.);
41) O A. sofreu um susto no dia do acidente, já que seguia no veículo, e temeu pela sua vida e do seu agregado familiar (mulher e filha) que seguiam no veículo (art.º 90.º da p.i.);
42) Todas estas situações acarretaram perdas de tempo, aborrecimentos e tensão nervosa ao A. (art.º 91.º da p.i.);
43) As vedações da A7, na data do sinistro e no local em que os AA. dizem apresentavam-se sem quaisquer falhas, rupturas, aberturas, deficiências ou anomalias de qualquer espécie (art.ºs 10.º e 11.º da contestação);
44) No dia do acidente, os funcionários da R. efectuaram diversos patrulhamentos a toda a extensão da Concessão desta R., passaram por diversas vezes no local do sinistro e não detectaram qualquer animal, designadamente um ou mais javalis, nas imediações daquele local (art.º 16.º da contestação);
45) Os patrulhamentos supra referidos são efectuados pelos funcionários da R., em regime de turnos, durante as 24 horas de cada dia e em todos os dias de cada ano (art.º 17.º da contestação);
46) Os patrulhamentos da R. passaram no local onde terá ocorrido o sinistro cerca das 19h50m (art.º 21.º da contestação);
47) Nessa altura e passagem efectuada no local do sinistro pela patrulha da R. não foi detectado naquele local qualquer animal (nomeadamente um ou mais javalis) (art.º 22.º da contestação);
48) À data dos factos, a aqui R. tinha transferido a sua responsabilidade civil decorrente de sinistros desta natureza, através de um contrato de seguro do ramo (e denominado) responsabilidade civil/exploração para a Companhia de Seguros T, S. A. (art.º 35.º da contestação);
49) Este seguro é facultativo e previa, à data do acidente dos autos, uma franquia 10% do valor do sinistro, com um mínimo de € 3.000,00 e um máximo de € 25.000,00, por sinistro quanto aos danos materiais (art.º 36.º da contestação);
50) O mesmo seguro não tem franquia para sinistros de danos corporais (art.º 36.º da contestação).
B) - Factos não provados
Não resultaram provados outros factos com relevância para a boa decisão da causa, designadamente que:
a) A condutora do FI encontrava-se a menos de 10 metros do local de onde os animais surgiram quando estes atravessaram a via (art.º 14.º da p.i.);
b) Ao ver os animais, a condutora do FI de imediato travou (art.º 15.º da p.i.);
c) Os AA. deslocaram-se com veículos emprestados nomeadamente pela entidade patronal do A. (art.º 52.º da p.i.);
d) A A. foi sujeita a diversas análises e vários exames de diagnóstico no Centro Hospitalar do Médio Ave (art.º 78.º da p.i.);
e) A A. sofre de ansiedade (art.º 82.º da p.i.);
f) A brigada de trânsito (BT) da GNR em serviço na rede da R. também não detectou nos seus patrulhamentos normais àquela AE a presença de alguma raposa ou outro animal nas imediações do local do sinistro 8art.º 23.º da contestação);
g) O contrato de seguro referido não cobre qualquer indemnização a título de danos não patrimoniais (art.º 3.º da contestação da interveniente).
IV - FUNDAMENTOS DE DIREITO
Importa – atento o âmbito do presente recurso, delimitado pelas conclusões das alegações da apelante (artºs 635º, 639 e 640º, do CPC) – analisar as questões, a propósito da decisão de facto, colocadas a este Tribunal.
A recorrente entende que a matéria dos artºs 6º, 7º e 20º da contestação se provou, não é irrelevante para a boa decisão da causa e tão-pouco se trata de matéria conclusiva ou de direito.
Nesses artigos a ré alegou:
6º - Importa dizer que as vedações das AE concessionadas em geral e daquela denominada A7 em particular, merecem a prévia aprovação superior por parte do concedente (Estado Português), através dos organismos competentes, o que, aliás, resulta claramente do Decreto-Lei nº 248-A/99, de 6 de Julho, alterado pelo Decreto – Lei nº 44/E/2010, de 5 de Maio,
7º - (De forma que) Tanto à data do sinistro, como actualmente, as vedações que se encontram implementadas naquela A7, em particular aquelas existentes nas proximidades do local onde terá eclodido o sinistro em apreço, respeitavam integralmente o respectivo projecto e, como dito, mereceram a prévia aprovação por parte dos organismos competentes do Estado Português.
20º - A Concessionária, aqui R., obrigou-se, regra geral, i. e., em condições normais, a efectuar passagens de vigilância no mesmo local com o intervalo máximo de 3 (três) horas, salvo, naturalmente, se as condições de tráfego/circulação ou a eclosão de acidentes, incidentes ou outro tipo de ocorrências o não permitirem – vide doc. nº 1.
Para prova do alegado nestes artigos faz apelo ao depoimento de Luís Lopes da Silva, às Bases XXVIII nº 3, alínea p), XXIX nº 4 alínea a), XXX, XXXVII e LV nº 3 alínea e), todas do DL nº 248-A/99, de 6 de Julho e ainda ao doc. n.º 1 da contestação.
Entende que o Tribunal devia ter dado como provado a matéria dos artigos 6º, 7º e 20º da contestação da R. da seguinte forma:
a) “As vedações daquela auto-estrada A7 merecem a prévia aprovação por parte do concedente (Estado Português) através dos organismos competentes.” (correspondendo ao artigo 6º);
b) “As vedações que se encontravam implementadas no local do sinistro e suas proximidades à data do sinistro respeitavam o respectivo projecto e mereceram prévia aprovação por parte dos organismos competentes do Estado Português.” (artigo 7º);
c) “A R. obrigou-se para com o Estado Português, regra geral, i. e., em condições normais, a efectuar passagens de vigilância no mesmo local com o intervalo máximo de três horas, salvo se as condições de tráfego/circulação ou a eclosão de acidentes, incidentes ou outro tipo de ocorrências o não permitirem.” (artigo 20º);
Do exposto resulta que a apelante pretende a ampliação da matéria de facto, com vista a incluir o que alegou em 6º, 7º e 20º da contestação, pugnando para que, face aos ditos meios de prova, este Tribunal a julgue provada e adite ao elenco dos factos provados.
Efectivamente tal matéria da contestação não vem referida na decisão da matéria de facto, constando desta que: “A demais matéria alegada pelas partes e não considerada ou é irrelevante para a boa decisão da causa ou é matéria conclusiva e/ou de direito”.
Relativamente à matéria omitida correspondente ao artº 6º da contestação, a mesma, “in casu”, é irrelevante, pois, como no próprio artigo se refere, resulta dos Decretos-Lei 248-A/99 e 44-E/2010. Aliás, no tocante a esta concreta auto-estrada e concessão, nem sequer foi apresentado qualquer documento relativo ao projecto e que sustente a sua prévia aprovação pela concedente. De qualquer forma, em nosso entender, a matéria deste art.º 6º, por ser abstracta e emergir da lei, é irrelevante para a decisão da causa.
O que para o caso releva é a existência da vedação, a sua eficácia para o fim a que se destina e o estado em que se encontrava aquando do acidente.
Ora isso vem aflorado no art.º 7º da contestação, e parcialmente concretizado, nos artºs 10º e 11º, que correspondem ao facto provado sob o nº 43º.
Acresce, que dos documentos juntos também não resulta que as vedações implementadas na A7 e concretamente no local do sinistro “respeitavam o respectivo projecto e mereceram prévia aprovação por parte dos organismos competentes do Estado Português”, pois, como atrás salientamos, os documentos que suportam o projecto e respectiva aprovação não foram apresentados e, por isso e não só, a ausência de prova do alegado, visto que depoimento de uma testemunha não é meio de prova de um acto da administração pública, isto é, o facto para cuja prova existe e se exige documento autêntico não se prova por testemunhas (art.º 393º nº 2 do CC e 607º nº 5 do CPC).
No tocante ao artº 20º da contestação, também entendemos que não interessa o que consta do contrato de concessão, mas o que efectivamente se verificou e que foi alegado nos artºs 21º e 22º da contestação (os efectivos patrulhamentos), factualidade que foi dada como provada sob os nºs 44º a 47º. De qualquer forma para prova desta matéria a ré juntou apenas fotocópia de uma página de um documento mais amplo, que cremos ser um “Manual de circulação e segurança”, a qual é insuficiente para se concluir quais as obrigações que a ré assumiu perante o Estado Português em matéria de vigilância da auto-estrada.
Concluímos assim que a matéria alegada na contestação e que neste recurso, em sede de reapreciação da prova, se pretendia ver provada, ou não tem interesse para a decisão da causa ou não se provou, improcedendo nesta parte as conclusões do recurso.
Pelo exposto mantém-se inalterada a matéria de facto considerada provada na sentença recorrida.
*
A recorrente defende que a formulação do artigo 12º nº 1 Lei nº 24/2007, de 18 de Julho faz apenas recair sobre as concessionárias, entre as quais a apelante, o ónus da prova do cumprimento das obrigações de segurança e que, no caso dos autos, é patente que a apelante satisfez o ónus que lhe competia, i. e., demonstrou que cumpriu com aquelas suas obrigações de segurança, particularmente no que se refere à integridade da vedação e ao patrulhamento.
Ora, no art.º 12.º desta Lei, sob a epígrafe “Responsabilidade” estabelece-se:
1 - Nas auto-estradas, com ou sem obras em curso, e em caso de acidente rodoviário, com consequências danosas para pessoas ou bens, o ónus da prova do cumprimento das obrigações de segurança cabe à concessionária, desde que a respectiva causa diga respeito a:
a) Objectos arremessados para a via ou existentes nas faixas de rodagem;
b) Atravessamento de animais;
c) Líquidos na via, quando não resultantes de condições climatéricas anormais.
2 - Para efeitos do disposto no número anterior, a confirmação das causas do acidente é obrigatoriamente verificada no local por autoridade policial competente, sem prejuízo do rápido restabelecimento das condições de circulação em segurança.
3 - São excluídos do número anterior os casos de força maior, que directamente afectem as actividades da concessão e não imputáveis ao concessionário, resultantes de:
a) Condições climatéricas manifestamente excepcionais, designadamente graves inundações, ciclones ou sismos;
b) Cataclismo, epidemia, radiações atómicas, fogo ou raio;
c) Tumulto, subversão, actos de terrorismo, rebelião ou guerra.
Estas normas, contidas no artigo e diploma citado, “visaram intervir no debate jurisprudencial e doutrinal, então em curso, sobre o ónus da prova da culpa nos acidentes rodoviários ocorridos nas auto-estradas concessionadas, provocados pelas condições da via, incluindo a existência indevida nas faixas de rodagem de objectos, animais e líquidos” ( ), pondo termo à controvérsia doutrinal e jurisprudencial sobre a natureza da responsabilidade da concessionária perante o utente lesado, se de natureza contratual, arrastando consequentemente a presunção de culpa da concessionária, e obrigando esta a provar que a falta de cumprimento ou o cumprimento defeituoso da obrigação não procedia de culpa sua (artº 799º, nº 1, do CC), ou antes de natureza extracontratual, fazendo recair sobre o utente lesado o ónus da prova da culpa da concessionária (artº 487º, nº 2, do Código Civil ).
Do citado normativo resulta competir à ora recorrente provar que na data do acidente mantinha a via em condições de segurança, “in casu” as vedações em bom estado e de forma a eficazmente evitarem o ingresso de animais na via.
Não basta provar que as vedações no local onde o acidente terá ocorrido se encontravam em bom estado (facto n.º 43). É necessário provar que as mesmas eram adequadas a evitar a entrada de animais na via, sendo evidente, que, se dois javalis se encontravam em plena auto-estrada, é notório que tal vedação ou não cumpre a sua função – é inadequada – ou estava danificada – pois não se pode excluir que os animais tenham entrado noutro local que não aquele onde se diz ter ocorrido o acidente causado por tais animais.
Sobre a ré impendia assim o ónus de provar que a presença do animal na via foi devida a caso de força maior ou a acção de terceiro e que não teve tempo útil para adoptar as medidas necessárias a avisar os utentes e eliminar o perigo.
Com efeito, como se refere no Ac. do STJ de 9.9.2008 (proc. nº08P1856): “Para afastar a presunção de incumprimento que sobre si impende, deveria pois a R. provar, em concreto, que o canídeo surgiu de forma incontrolável para si ou foi colocado na auto-estrada, negligente ou intencionalmente, por outrem. Isto é, sempre que há um acidente devido a um cão (ou outro animal) que se introduziu numa auto-estrada, presume-se o incumprimento da concessionária. Esta só afastará essa presunção se demonstrar que a intromissão do animal na via, não lhe é, de todo, imputável, sendo atribuível a outrem.
Ou ainda, no acórdão de 22-6-2004:
– «(…) “terá de estabelecer positivamente qual o evento concreto, alheio ao mundo da sua imputabilidade moral, que lhe não deixou realizar o cumprimento. Parece-nos ser esta posição a mais equilibrada e justa, já que, de contrário, considerando-se suficiente a prova genérica de que a R. cumpriu as obrigações decorrentes do contrato de concessão, acabaria por se colocar nos ombros do lesado a produção de uma prova que se revelaria de todo difícil, ou até impossível, de fazer.
Nos acidentes com animais (ou com outros objectos) em auto-estradas quem mais facilmente pode provar a proveniência do animal (ou objectos) é a concessionária. Só ela tem, pode ou deve ter, os meios idóneos à monitorização do tráfego, da circulação viária e da segurança, meios que lhe devem permitir detectar a introdução na via de animais ou de objectos nocivos à circulação automóvel. O utilizador da via depara-se com a óbvia e notória dificuldade natural em recolher meios ou elementos de prova. Não pode, como é notório, permanecer na auto-estrada com vista a determinar a causa da introdução do animal aí, nem sequer tem, normalmente, equipamentos técnicos de recolha de prova.»
Prosseguindo-se, nesse mesmo acórdão, em sentido pertinente à questão que aqui nos foi colocada pela apelante (conclusão XVIII) diz-se:
- «Respondendo, de forma resumida, às objecções da R. B..., somos em crer que a obrigação que impende sobre si é uma obrigação de resultados, já que existe, por banda da concessionária, a obrigação de promover e concretizar uma boa circulação rodoviária nas auto-estradas. A este propósito convém repetir que a referida Base XXXVI, nº 2 do contrato de concessão (DL 294/97 de 24/10) estipula que a concessionária será obrigada assegurar permanentemente em boas condições de segurança e comodidade, a circulação nas auto-estradas.»
Tem ainda pertinência para as questões em apreciação, o que se refere nos Acs. do STJ de 15.11.2011 (proc. nº 1633/05.4TBALQ.L1.S1) e de 8.2.2011 (proc. nº8091/03.6TBVFR.P1.S1), entre muitos outros mais recentes, incluindo desta Relação, que podem ser consultados in dgsi.pt.
Assim, não é suficiente para ilidir a presunção de culpa que recai sobre a concessionária de uma auto-estrada, a prova de que no local do acidente a vedação estava em bom estado e que a ré efectua patrulhamentos regulares, de tantas em tantas horas, através de um seu funcionário, que percorre a auto-estrada em toda a extensão da sua concessão, não tendo os animais sido avistados.
Exige-se mais. É necessário, que prove que os animais, no caso dois javalis, se introduziram na auto-estrada por um meio que não podia ter evitado (terem sido ali propositadamente colocados, ou terem saltado de veículo que os transportava) e que tal ocorreu num espaço de tempo que não lhe permitiu eliminar o perigo antes do acidente.
Argumenta a recorrente que, seguindo o entendimento da sentença recorrida, que aqui acompanhamos, caímos “necessariamente no âmbito da responsabilidade objectiva, na prova impossível (e não apenas extremamente difícil ou na chamada probatio diabolica) para a concessionária”.
Tal argumento é reversível, pois, como se refere no acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 24/2/2015 (proc. nº 2392/12.0TBVIS.C1): “(…) estamos perante uma actividade económica geradora de riscos elevados de lesão de bens e direitos de terceiros, sendo necessariamente a concessionária quem se encontra melhor posicionada para proceder à recolha dos pertinentes elementos de prova. Pelo contrário (…) diabólico seria antes impor ao utente sinistrado a prova em questão, porquanto este é “invariavelmente alheio ao aparecimento de animal na auto-estrada, não gozando aprioristicamente de qualquer possibilidade de controlo sobre a fonte do perigo e revela “a posteriori” uma incapacidade quase absoluta de recolha de elementos de prova sobre a causa da presença do animal naquele local”.
Pelo exposto, perfilhando entendimento semelhante ao que sustenta a decisão recorrida, concluímos, como aí se faz, que a ré, aqui recorrente, se constituiu na obrigação de indemnizar os danos sofridos pelos autores em consequência do acidente de viação causado pela presença do javali na A7, concessionada à recorrente, não merecendo qualquer reparo, neste ponto, a sentença recorrida.
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A recorrente pugna no sentido de nenhuma indemnização ser atribuída ao autor marido por danos não patrimoniais e que a da autora mulher deve ser reduzida para €500.
Alega, no tocante ao autor marido, que os simples incómodos e aborrecimentos não conferem direito a uma tal indemnização e, no tocante à autora mulher, que a quantia peticionada de €1.000,00 compreendia alguns factos que não logrou provar (p. ex. a realização de vários exames e análises bem como o facto de alegadamente passar a sofrer de ansiedade em consequência do sinistro dos autos).
Com interesse para a apreciação desta questão provou-se:
30) No dia do acidente os AA. seguiam como passageiros do FI, a A. no banco do passageiro da frente e o A. no banco traseiro (art.º 73.º da p.i.);
31) Por força do embate os airbags dispararam, tendo a A. sofrido uma queimadura por força da fricção do airbag na mão esquerda (art.ºs 74.º e 75.º da p.i.);
32) Motivo pelo qual a Autora foi assistida no local pelos Bombeiros e posteriormente por eles transportada ao Centro Hospitalar do Médio Ave (art.ºs 76.º e 77.º da p.i.);
33) Onde foi sujeita a vários exames de raio X (art.º 78.º da p.i.);
34) Depois de medicada, a A. teve alta durante a madrugada do dia 20/04/2014 (art.º 79.º da p.i.);
35) A A. permaneceu com algumas dores durante cerca de uma semana, o que lhe dificultava a movimentação da mão esquerda e a realização de algumas tarefas domésticas (art.º 80.º da p.i.);
36) A A. sofreu um susto com o embate, que lhe causou receio pela sua vida (art.º 81.º da p.i.);
37) A A. ainda hoje tem receio de andar de carro (art.º 82.º da p.i.);
41 - O A. sofreu um susto no dia do acidente, já que seguia no veículo, e temeu pela sua vida e do seu agregado familiar (mulher e filha) que seguiam no veículo (art.º 90.º da p.i.);
42) Todas estas situações acarretaram perdas de tempo, aborrecimentos e tensão nervosa ao A. (art.º 91.º da p.i.);
Estabelece o art.º 496º do CC, que na fixação da indemnização deve atender-se aos danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito.
Antunes Varela, in Código Civil Anotado, vol. I, 3ª edição, Coimbra Editora, 1982, pág. 473, citando vários acórdãos do STJ, refere que “os simples incómodos ou contrariedades não justificam a indemnização por danos não patrimoniais”.
A factualidade provada em 41 e 42, concretamente o susto que o autor marido sofreu com o acidente e o receio pela sua vida e pela dos seus familiares (mulher e filha), que seguiam no veículo e que provocaram ao autor “tensão nervosa”, traduzem mais do que um “simples incómodo e aborrecimento”, constituem uma lesão da integridade psíquica do autor, merecendo a adequada tutela do direito (art.º 496º do CC).
Por seu turno o montante de €1.000, atribuído à autora para a compensar pelas lesões sofridas, que demandaram assistência hospitalar, submissão a exames de raio X e medicação, bem como as dores que teve de suportar durante uma semana e a falta de mobilidade da mão, que lhe dificultou a realização das tarefas do quotidiano, nomeadamente as domésticas, a que se junta o susto, receio pela vida e medo, que ainda hoje sente, de andar de automóvel, mostra-se adequado.
Na fixação desta indemnização o Tribunal apenas tem de atender aos danos concretamente sofridos e não ao montante peticionado, que constitui apenas limite da condenação da ré. O facto de a autora ter alegado mais danos de natureza não patrimonial do que os que provou e para sua compensação ter peticionado a quantia de €1.000, não implica qualquer redução do montante indemnizatório, visto que, no seu juízo de equidade, o Tribunal tem apenas de encontrar o montante que entenda justo para compensar o dano dessa natureza, podendo mesmo atribuir montante superior ao peticionado a este título, desde que se justifique e se contenha dentro do pedido globalmente formulado [entre muitos outros ver o ACSTJ de 24-10-2002, (02A2623) in dgsi.pt.]
Pelo exposto também neste ponto não acompanhamos a apelante.
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Aponta ainda a apelante um erro no ponto 4. do dispositivo, pois que o contrato de seguro celebrado com a sua seguradora fixa a franquia a observar, em caso de sinistro com danos materiais, em 10% do valor do sinistro, com um mínimo de €3.000,00 e um máximo de €25.000,00, não sendo assim correcta a condenação da ré./apelante a pagar “(…) 10% dos valores referidos em 1.1 (…) e 1.2 (…)” e menos ainda é que deva pagar aos AA. “(…) as indemnizações referidas em 1.1 (…) e 1.2 na medida em que excederem a responsabilidade da R. T de €25.000,00 (aliás, caso se deva prosseguir para incidente de liquidação e pagando a R. a franquia de € 3.000,00, nada mais poderá ser-lhe pedido/exigido se a indemnização, na sua totalidade, não exceder os €30.000,00).
Com interesse para a apreciação desta questão provou-se:
48) À data dos factos, a aqui R. tinha transferido a sua responsabilidade civil decorrente de sinistros desta natureza, através de um contrato de seguro do ramo (e denominado) responsabilidade civil/exploração para a Companhia de Seguros T, S. A. (art.º 35.º da contestação);
49) Este seguro é facultativo e previa, à data do acidente dos autos, uma franquia 10% do valor do sinistro, com um mínimo de €3.000,00 e um máximo de € 25.000,00, por sinistro quanto aos danos materiais (art.º 36.º da contestação);
50) O mesmo seguro não tem franquia para sinistros de danos corporais (art.º 36.º da contestação).
No citado excerto decisório consta:
4.- condena-se a R. A a pagar aos AA. a importância correspondente a 10% dos valores referidos em 1.1 [als. a), b), e c)] e 1.2, no mínimo de € 3.000,00, correspondente à franquia contratual do seguro que celebrou com a R. T, e pagar aos AA. as indemnizações referidas em 1.1 [als. a), b), e c)] e 1.2 na medida em que excederem a responsabilidade da R. T de € 25.000,00.
Estamos no âmbito do seguro facultativo e não do seguro obrigatório, pelo que a ré é responsável pelo pagamento integral das indemnizações, uma vez que o contrato que celebrou com a interveniente tem apenas eficácia entre as partes, sendo inoponível ao lesado. Em nosso entender não se impunha a discriminação complexa constante do dispositivo, bastando a condenação solidária da ré e da interveniente (art.º 316º nº 3 al. a) no pagamento das indemnizações, deduzindo-se no tocante à interveniente o montante das franquias contratadas, cujo pagamento incumbiria apenas à ré A.
Terá de se efectuar a necessária adaptação, eliminando-se o segmento 4. da decisão e aditando-se aos 1., 2. e 3. a condenação da ré no pagamento das indemnizações pela seguinte forma:
1.- Condena-se a ré A e a interveniente Companhia de Seguros T, S.A., solidariamente, a pagarem as seguintes importâncias, deduzidas, no tocante à interveniente e quanto aos danos materiais, da franquia contratual, correspondente a 10% do valor do sinistro, com um mínimo de €3.000,00 e um máximo de €25.000.
1.1- Aos autores:
a) A quantia global de € 8.970,00 (oito mil novecentos e setenta euros), pela reparação do veículo, acrescida dos juros de mora à taxa legal, que é actualmente de 4%, desde a citação até integral pagamento;
b) A quantia diária de € 5,00 (cinco euros) desde 19/04/2014 até à efectiva indemnização dos AA., a título de paralisação do veículo, a apurar em sede de liquidação;
c) A quantia que os AA. vierem a gastar com o aparcamento do veículo desde 19/04/2014 até à efectiva indemnização dos AA., a apurar em sede de liquidação;
1.2.- À autora., as quantias de € 21,95 (vinte e um euros e noventa e cinco cêntimos) e de € 8,49 (oito euros e quarenta e nove cêntimos), acrescidas dos juros de mora à taxa legal, que é actualmente de 4%, desde a citação até integral pagamento;
2.- À autora a quantia €1.000 (mil euros), acrescida dos juros de mora à taxa legal, que é actualmente de 4%, desde esta sentença até integral pagamento;
3.- Ao autor a quantia €100 (cem euros), acrescida dos juros de mora à taxa legal, que é actualmente de 4%, desde esta sentença até integral pagamento;
4.- absolve-se as RR. do demais peticionado.
V - DELIBERAÇÃO
Nestes termos, acordam os juízes deste Tribunal da Relação de Guimarães em julgar parcialmente procedente a apelação, rectificando-se o dispositivo da sentença nos seguintes termos:
1.- Condena-se a ré A e a interveniente Companhia de Seguros T, S.A., solidariamente, a pagarem as seguintes importâncias, deduzidas, no tocante à interveniente e quanto aos danos materiais, da franquia contratual, correspondente a 10% do valor do sinistro, com um mínimo de €3.000,00 e um máximo de €25.000.
1.1- Aos autores:
a) A quantia global de € 8.970,00 (oito mil novecentos e setenta euros), pela reparação do veículo, acrescida dos juros de mora à taxa legal, que é actualmente de 4%, desde a citação até integral pagamento;
b) A quantia diária de € 5,00 (cinco euros) desde 19/04/2014 até à efectiva indemnização dos AA., a título de paralisação do veículo, a apurar em sede de liquidação;
c) A quantia que os AA. vierem a gastar com o aparcamento do veículo desde 19/04/2014 até à efectiva indemnização dos AA., a apurar em sede de liquidação;
1.2.- À autora., as quantias de € 21,95 (vinte e um euros e noventa e cinco cêntimos) e de € 8,49 (oito euros e quarenta e nove cêntimos), acrescidas dos juros de mora à taxa legal, que é actualmente de 4%, desde a citação até integral pagamento;
2.- À autora a quantia €1.000 (mil euros), acrescida dos juros de mora à taxa legal, que é actualmente de 4%, desde esta sentença até integral pagamento;
3.- Ao autor a quantia €100 (cem euros), acrescida dos juros de mora à taxa legal, que é actualmente de 4%, desde esta sentença até integral pagamento;
4.- absolve-se as RR. do demais peticionado.
Mantém-se a condenação quanto a custas.
As custas da presente apelação incumbem à apelante na proporção de 90%.
Guimarães, 15-12-2016
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(1) Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 597/2009, de 18 de Novembro