Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães | |||
Processo: |
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Relator: | FERNANDA PROENÇA FERNANDES | ||
Descritores: | ACIDENTE DE VIAÇÃO DANO BIOLÓGICO EQUIDADE PRINCÍPIO DA IGUALDADE DANOS NÃO PATRIMONIAIS ACIDENTE DE TRABALHO REEMBOLSO SUB-ROGAÇÃO | ||
Nº do Documento: | RG | ||
Data do Acordão: | 06/07/2023 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | APELAÇÃO PARCIALMENTE PROCEDENTE | ||
Indicações Eventuais: | 3ª SECÇÃO CÍVEL | ||
Sumário: | I. É hoje pacífico na jurisprudência que se deverá distinguir entre a incapacidade fisiológica ou funcional, por um lado, e a estrita incapacidade para o trabalho ou incapacidade laboral por outro. II. Pacífico também é que na fixação do montante indemnizatório, para alcançar a justa indemnização, o tribunal não deve estar limitado pelo uso de fórmulas matemáticas, nem limitado pelas tabelas da Portaria n.º 377/2008, de 26-05, revista pela Portaria n.º 679/2009, de 25-06, pois que as mesmas devem servir essencialmente como instrumento de trabalho e não como critérios de determinação rígidos. III. A utilização de critérios de equidade não deve impedir que se tenham em consideração as exigências do princípio da igualdade, no sentido de uma tendencial uniformização de parâmetros na fixação judicial das indemnizações, como também deverá ser dada a devida atenção às circunstâncias do caso concreto. IV. O direito de sub-rogação da seguradora não compreende custos judiciais que tenha suportado no âmbito do processo de acidente de trabalho inerente ao sinistro. | ||
Decisão Texto Integral: | Acordam na 3ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães I. Relatório. AA intentou a presente acção declarativa comum contra “L..., S.A.”, pedindo a condenação da ré a pagar-lhe a quantia de € 148.000,00, a título de danos patrimoniais e não patrimoniais (€ 98.000,00 pelo dano biológico e € 50.000,00 a título de dano não patrimonial), acrescida de juros moratórios à taxa de 4% que se vencerem desde a citação e até efectivo pagamento. Alegou, em síntese, ter sido interveniente num acidente de viação cuja culpa imputa ao segurado da ré. A ré contestou, alegando ter desde sempre aceitado a responsabilidade, impugnando, contudo, os danos, e pedindo a intervenção da seguradora laboral, “F..., S.A.”. Foi admitida tal intervenção, na sequência da qual a interveniente veio reclamar o reembolso de quantias já pagas. Aceitando a versão do sinistro, inicialmente peticionou a quantia de € 19.987,67 acrescida de juros, a título de incapacidade temporária absoluta, incapacidade temporária parcial, perda salarial e consultas, despesas, exames e tratamentos médicos, bem como despesas judiciais no tribunal de trabalho. Tal pedido veio a ser ampliado, uma primeira vez em 12.07.2022, para mais € 22.341,80, relativo a capital de remição, juros e transportes (€ 19.896,89 + € 2.429,06 + € 5,00 + € 0,85) e uma segunda vez em 17.01.2013, para mais € 471,86, com referência a consultas da especialidade de psiquiatria. A ré aceitou a documentação subjacente aos pedidos da congénere (vd. actas da audiência prévia e do julgamento). Realizou-se audiência prévia onde foi proferido despacho de selecção dos temas da prova. Realizado o julgamento, foi proferida sentença, com o seguinte dispositivo: “Dispositivo: Pelo exposto, vai a presente acção julgada totalmente procedente e, consequentemente, condenada a ré “L... S.A.” a pagar ao autor AA uma indemnização no valor de € 120.224,00 (cento e vinte mil, duzentos e vinte e quatro euros), acrescida de juros contados à taxa de 4%, a partir da notificação da presente sentença até integral pagamento. Mais vai a “L... S.A.” condenada a pagar à “F..., S.A.” a quantia de € 42.801,33 (quarenta e dois mil, oitocentos e um euros e trinta e três cêntimos), acrescida de juros à taxa resultante da Portaria nº 291/2003, de 8 de Abril (4%), contados desde a citação/notificação dos pedidos formulados, até integral pagamento. Custas na proporção do decaimento – art. 527º do CPC. D.N.”. * Inconformada com esta decisão, a ré dela interpôs recurso e formulou, a terminar as respectivas alegações, as seguintes conclusões (que se transcrevem): “CONCLUSÕES: 1. É manifestamente excessiva a indemnização arbitrada pelo Tribunal a quo (70.224,00 €) como ponto de partida para ressarcimento do dano consubstanciado no défice funcional permanente (IPG) que afeta o Autor. 2. In casu, haverá que ressarcir não uma perda de rendimentos – que não existe – mas sim a maior penosidade e esforço acrescido que o autor terá de desenvolver na sua vida diária e profissional para atingir os mesmos resultados. 3. A indemnização atinente à incapacidade ou défice parcial permanente que afeta o autor, enquanto dano biológico de cariz patrimonial, mesmo não implicando qualquer perda efetiva de rendimentos, deverá corresponder a um capital produtor dos rendimentos abstratamente perdidos, que se extinga no final do período em que, previsivelmente, esses rendimentos seriam obtidos. 4. Será, se assim suceder, pertinente recorrer, como mero auxiliar de cálculo, às conhecidas “tabelas financeiras” comumente utilizadas no cômputo das indemnizações. 5. Nesse cálculo haverá que ponderar vários fatores, tais como a idade da vítima, a retribuição líquida auferida, a incapacidade provada e o período previsível de duração da vida ativa. 6. Fazendo-se as contas através do uso das conhecidas “tabelas financeiras”, tendo em consideração a idade do autor à data do acidente (53 anos), o valor do seu rendimento líquido mensal (967,52 €), o défice funcional permanente (22 pontos) e o tempo previsível de vida ativa restante (cerca de 17 anos) atingimos um montante na casa dos 42.000,00 €. 7. Todavia, há que “temperar” esse valor através de desconto que tenha em consideração o benefício inerente ao recebimento antecipado e de uma só vez da totalidade do capital indemnizatório. 8. Contrariamente ao que defende a douta sentença em crise, conforme vem sendo noticiado e difundido, inclusivamente pelo Banco de Portugal, a taxa de juros dos depósitos a prazo tem vindo a subir, situando-se a mediana da Taxa Anual Nominal Bruta dos depósitos a prazo para novos clientes nos 1,91%. 9. “Temperando”, pois, o sobredito valor, afigura-se justo e equitativo descontar-lhe 1/8 e fixar, assim, a indemnização pelo) dano biológico patrimonial resultante do défice funcional permanente (IPG) de 22 pontos em montante não superior a 36.750,00 €. 10. Por outro lado, importa, ainda, retirar os devidos efeitos da circunstância provada de o recorrido ter recebido, em sede de acidente de trabalho, o capital de remição da pensão que aí lhe foi fixada, no montante de 19.896,89 €. 11. Resulta da lei e é pacífico na doutrina e na jurisprudência a regra da não cumulação das indemnizações por acidente de viação e trabalho, as quais se complementam até ao ressarcimento integral do dano. 12. Assim, caso se entenda ressarcir como dano patrimonial futuro o dano emergente da IPG, deverá à indemnização respetiva ser deduzido o montante do capital de remição recebido em sede de acidente de trabalho, também ela destinada a ressarcir o dano da incapacidade permanente, isto sob pena de duplo ressarcimento do mesmo dano. 13. De resto, a recorrente terá de pagar à interveniente F..., seguradora do risco laboral, a mencionada quantia de 19.896,89 €. 14. Ou seja, o recorrido, caso se entenda corrigir o montante arbitrado pelo tribunal a quo, conforme defende acima a recorrente, terá direito a receber 16.853,11 € pelo dano biológico patrimonial (36.750,00 € - 19.896,89 €). 15. Quando assim não se entenda, na eventualidade de ser mantida inalterada a indemnização arbitrada pelo tribunal a quo ou de encontrar este alto tribunal um valor intermédio, o que não se consente e apenas se equaciona por cautela de patrocínio, sempre terá de ser também esse montante deduzido de 19.896,89 €. 16. O montante de 50.000,00€, que o Tribunal a quo entendeu atribuir como compensação pelos danos não patrimoniais sofridos pelo recorrido, afigura-se manifestamente excessivo. 17. Com efeito, apesar de se reconhecer que os danos não patrimoniais sofridos pelo autor são relevantes e dignos de uma compensação pecuniária expressiva, entende a ora recorrente que o montante indemnizatório fixado a esse título é desajustado, quer face às concretas circunstâncias do caso, quer quando confrontado com o sentido das decisões que vêm sendo proferidas pela nossa Jurisprudência em casos análogos. 18. Os nossos Tribunais Superiores, em casos substancialmente mais graves do que o presente, vêm atribuindo montantes indemnizatórios por danos não patrimoniais muito inferiores àquele que aqui fixado pelo Tribunal a quo. 19. Na ausência de critérios matemáticos auxiliares, a indemnização dos danos não patrimoniais deverá ser calculada com base em critérios de equidade e atendendo a uma série de fatores tais como o grau de culpabilidade do responsável, a sua situação económica e a do lesado, devendo ser proporcionado à gravidade do dano. 20. Considerando os factos provados nestes autos, com relevância para a fixação de uma indemnização pelos danos não patrimoniais sofridos pelo recorrido e o sentido da Jurisprudência conhecida, a indemnização a arbitrar a título de danos não patrimoniais não deverá situar-se em montante superior a 27.500,00€, sob pena de não se coadunar à gravidade e extensão do danos morais sofridos. 21. Tal quantia traduz já de forma muito expressiva a gravidade das lesões da recorrida, sendo, ademais, certo que, os danos não patrimoniais se encontram já incluídos, em boa medida, no âmbito do dano biológico. 22. O direito de reembolso da interveniente F..., enquanto seguradora por acidente de trabalho em relação à recorrente, enquanto seguradora de acidente automóvel, decorre de uma sub-rogação legal nos direitos do sinistrado, conforme emerge do disposto no art. 17.º, n.º 4, da Lei n.º 98/2009. 23. Por isso, a referida interveniente F... apenas terá direito ao reembolso das quantias pagas ao sinistrado, ou despedido com este, nomeadamente em tratamentos médicos e hospitalares e assistência, não se incluindo nesse seu direito de reembolso as quantias referentes a encargos judiciais, taxas de justiça, honorários e despesas de mandatário e gastos com peritagem e averiguação do sinistro. 24. Portanto, os gastos respeitantes a despesas judiciais, no montante de 998,60 €, não integram o conteúdo da obrigação de indemnizar. 25. De sorte que a indemnização a pagar pela recorrente à interveniente F... deverá ser reduzida para o montante de 41.802,73€ (42.801,33€ - 998,60€). 26. A douta sentença recorrida violou, entre outras normas, os artºs 465.º, 483.º, 495.º, n.º 1, 562.º, 564.º e 566.º, todos do Código Civil. NESTES TERMOS, Concedendo provimento ao presente recurso, revogando o a douta sentença recorrida em conformidade, com o exposto, ou seja: a) Fixando em não mais do que 16.853,11 € a indemnização devida à autora como compensação pelo dano biológico inerente ao défice funcional permanente (já considerado o benefício do recebimento antecipado e o recebimento do capital de remição em AT), b) Fixando em não mais do que 27.500,00 € a indemnização correspondente aos danos não patrimoniais, e c) Reduzido a indemnização a pagar à interveniente F... para 41.802,73 €. V. Exas. farão, como sempre, INTEIRA e SÃ JUSTIÇA!”. * O autor apresentou contra-alegações, pugnando pela manutenção da decisão.* O recurso foi admitido como de apelação, a subir nos próprios autos e com efeito devolutivo.* Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.* II. Questões a decidir.Sendo o âmbito dos recursos delimitado pelas conclusões das alegações do recorrente – arts. 635.º, n.º 4 e 639.º, n.ºs 1 e 2 do Código de Processo Civil (doravante, abreviadamente, designado por CPC) –, ressalvadas as questões do conhecimento oficioso que ainda não tenham sido conhecidas com trânsito em julgado, a questão que se coloca à apreciação deste Tribunal consiste em saber se se mostram adequadas as indemnizações e o montante do reembolso fixados. * III. Fundamentação de facto.Os factos que foram dados como provados na sentença sob recurso são os seguintes: “1) No dia 22 de Fevereiro de 2018, pelas 15:20 horas, na Rua ..., ..., ..., freguesia ..., o autor, no exercício das suas funções de carteiro, conduzia o motociclo marca ..., matrícula ..-SE-.., na Rua ..., no sentido Sul/Norte. 2) Nessas circunstâncias de tempo e lugar, BB conduzia um veículo de marca ..., modelo ..., matrícula ..-..-ZP na mesma via, no sentido Este–Oeste, em direção à Avenida ...). 3) O autor circulava 40 km/h. 4) Usava capacete. 5) O tempo estava limpo e o piso seco. 6) Ao sair de um terreno privado, pertencente às instalações da Escola “...”, o veículo ZP não cedeu a passagem e abalroou o motociclo tripulado pelo autor, que circulava no sentido perpendicular ao seu, embatendo-lhe na parte lateral direita e causando a queda do autor. – 7) À data do acidente, o autor tinha 52 anos de idade e encontrava-se no exercício do trabalho de carteiro. 8) Em consequência do referido em 6), o autor foi transportado para o Hospital ..., onde deu entrada no Serviço de Urgência nesse mesmo dia, pelas 16:07h, apresentando amnésia para o sucedido e episódio de vómito copioso. 9) Realizou TAC-CE, que identificou fractura occipital mediana e a nível baso-occipital posterior bilateral, com ligeiro desalinhamento dos topos fracturários, e efectuou sutura do ferimento do couro cabeludo. 10) Foi transferido para o Hospital ... no mesmo dia, apresentando grau 14 na escala de coma de Glasgow, prostrado e sonolento. 11) Realizou TAC toraco-abdomino-pélvico que identificou fratura da espinha da omoplata esquerda, sem desalinhamento. 12) Fez novo TAC CE, que revelou provável foco contusional hemorrágico frontal alto direito; discreto subdural frontal esquerdo; contusão parenquimatosa hemorrágica subfrontal esquerda de pequenas dimensões. 13) Manteve seguimento nos serviços clínicos da Companhia de Seguros F..., no âmbito do seguro de trabalho, em consultas das especialidades de neurocirurgia, otorrinolaringologia e psiquiatria, com tratamento conservador. 14) Teve alta da F... no dia 13.11.2018, apresentando nessa data dor nos últimos graus de movimento do ombro esquerdo. 15) As lesões consolidaram-se em 22.02.2020. – 16) Por causa do traumatismo sofrido, passou a ter sensação de desequilíbrio, com desvio para a esquerda, o que afecta a marcha apressada, a corrida e a condução automóvel. 17) Por causa do traumatismo sofrido, passou a ter episódios de vertigem quando se levanta com rapidez da posição de sentado. 18) Por causa do traumatismo sofrido, passou a experimentar dificuldade em manter discurso fluido, na busca das palavras que já não lhe ocorrem, estando com o pensamento lentificado. 19) Perdeu memória anterior ao acidente e começou desde então a sentir dificuldade de memorização de nova informação. 20) Sexualmente, passou a estar muito condicionado, sentindo-se incapaz de concluir a relação sexual, ficando emocionalmente alterado com a mera abordagem desse assunto. 21) Sente dores na região frontal na linha média, com palpação, e na região cervical, necessitando de medicação analgésica tópica em SOS. 22) Sente omalgia esquerda constante, agravando com a mobilização do ombro. 23) Perdeu totalmente o olfato e o paladar. 24) Apresenta uma cicatriz rosada, na linha média da região frontoparietal, com 4 cm por 4,5, com ligeira depressão na sua região mais central; contractura do músculo trapézio bilateral, sendo mais evidente à esquerda. 25) Por causa do traumatismo crânio-encefálico, passou a ter cefaleias, dificuldade de concentração e de associação de ideias, alterações mnésicas, modificações do humor e fatigabilidade intelectual. 26) Entre 22.02.2018 e 13.11.2018, (265 dias) esteve sem poder trabalhar, tendo sofrido incapacidade parcial para o trabalho de 466 dias. 27) O autor viu condicionada a sua autonomia na realização dos actos correntes da vida diária, familiar e social durante 731 dias. 28) Sofreu dores de grau 4 numa escala de sete graus de gravidade crescente, tendo em conta o tipo de traumatismo, as lesões, os tratamentos efetuados e o período de recuperação funcional. 29) Sofreu um défice funcional permanente de integridade físicopsíquica de 22 pontos, podendo manter a profissão, mas com esforço acrescido. 30) Deixou de andar de motociclo e passou a deslocar-se somente a pé no exercício da sua atividade profissional. 31) Sofreu um dano estético permanente de grau 3, numa escala de sete graus de gravidade crescente, tendo em conta as cicatrizes. 32) Sofreu uma repercussão permanente na actividade sexual de grau 2, numa escala de sete graus de gravidade crescente. 33) Faz e fará futuramente toma medicamentosa de psicofármacos (antidepressivos e ansiolítico) e carecerá de manter acompanhamento em consultas da especialidade de psiquiatria e psicologia. – 34) Aquando do sinistro, auferia a retribuição mensal, líquida, global de € 967,52,00. 35) Antes do acidente, não tinha qualquer incapacidade física ou orgânica que lhe dificultasse a vida pessoal e profissional, sendo uma pessoa saudável, dinâmica e expedita. 36) Por causa do traumatismo sofrido no acidente, passou a sentir muita dificuldade em permanecer em ambientes com determinados ruídos, como o do aspirador, o da moagem do café, o do sino da igreja ou até o de uma rolha de espumante a saltar, o que o obriga a usar auscultadores no dia-a-dia, para abafar o som, e limita consideravelmente o seu quotidiano. 37) Não sentir o gosto da comida, nem o cheiro da mesma, implicou, por um lado, que o autor passasse a alimentar-se por mera necessidade e nunca por prazer, como antes sucedia, por outro, retirou-lhe um dos grandes prazeres que tinha na vida, que era cozinhar, designadamente para a sua família. 38) O autor sente dificuldade em dormir, tem pesadelos e sobressaltos no sono. 39) Tornou-se uma pessoa menos tolerante, pessimista e triste, nas relações familiares e a nível social. 40) Antes do acidente, era alegre, gostava de conviver, tinha entusiasmo, vigor e ânimo de vida. 41) À data do acidente, a responsabilidade civil pelos danos causados a terceiros pelo veículo de marca ..., modelo ..., matrícula ..-..-ZP encontrava-se transferida para a ora ré, por via de contrato de seguro titulado pela apólice nº ...60. 42) Por conta do acidente referido em 1) a 6), a interveniente F..., no âmbito do seguro de trabalho, pagou ao autor a quantia global de € 42.801,33 (€ 19.987,67 + € 22.341,80 + € 471,86), a título de: incapacidade temporária absoluta para o trabalho, incapacidade temporária parcial para o trabalho, perda salarial e consultas, despesas, exames e tratamentos médicos, bem como despesas judiciais no Tribunal de Trabalho ... e consultas da especialidade de psiquiatria.”. * Foram dados como não provados os seguintes factos:“a) Que depois do acidente o autor nunca mais tenha confeccionado qualquer refeição, nem recebido amigos para jantar. b) Que o autor demonstre constantemente medo de que algum dos seus familiares vivencie situação semelhante. c) Que o autor se sinta fraco e com falta de ar. d) Que antes do acidente o autor praticasse desporto habitualmente.”. * IV. Do objecto do recurso. Discorda a apelante do montante fixado pelo Tribunal a quo a título de dano biológico. Quer porque entende que devem ser considerados factores coadjuvantes da equidade, como as tabelas financeiras para cálculo do dano patrimonial futuro efectivo e a experiência jurisprudencial; quer porque entende ser de descontar 1/8 no valor a atribuir, pelo benefício inerente ao recebimento antecipado e de uma só vez da totalidade do capital indemnizatório; quer porque entende que a indemnização que foi paga no âmbito da acção laboral – no caso o capital de remição – deve ser deduzida à indemnização a atribuir ao autor, sob pena de duplo ressarcimento do mesmo dano. Vejamos. O dano biológico, tem sido entendido como “o dano-evento, reportado a toda a violação da integridade físico-psíquica da pessoa, com tradução médico-legal, ou como diminuição somático-psíquica e funcional do lesado, com repercussão na sua vida pessoal e profissional, independentemente de dele decorrer ou não perda ou diminuição de proventos laborais” (Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 20.03.2012, Proc. 571/10.3TBLSD.P1). No caso dos autos, as sequelas com que o autor ficou afectado constituem uma limitação relativamente à situação anterior ao acidente. Aquelas sequelas, constituem uma fonte de limitações na actividade profissional do autor e nas suas actividades correntes. Ora, como vem sendo jurisprudência praticamente unânime dos nossos Tribunais Superiores, a indemnização devida ao lesado/sinistrado a título de perda da sua capacidade de ganho (mesmo no caso do autor ter optado pela indemnização arbitrada em sede de acidente de trabalho), não contempla a compensação do dano biológico, consubstanciado na diminuição somático-psíquica e funcional do lesado, com repercussão na sua vida pessoal e profissional, porquanto estamos perante dois danos de natureza diferente. É que a indemnização fixada em sede de acidente de trabalho tem por objecto o dano decorrente da perda total ou parcial da capacidade do lesado para o exercício da sua actividade profissional habitual, durante o período previsível dessa actividade e, consequentemente, dos rendimentos que dela poderia auferir. Já a compensação do dano biológico tem como base e fundamento a perda ou diminuição de capacidades funcionais que, mesmo não importando perda ou redução da capacidade para o exercício profissional da actividade habitual do lesado, impliquem ainda assim um maior esforço no exercício dessa actividade e/ou a supressão ou restrição de outras oportunidades profissionais ou de índole pessoal, no decurso do tempo de vida expectável, mesmo fora do quadro da sua profissão habitual. Como se defende no Acórdão deste Tribunal da Relação de Guimarães de 03.05.2018, disponível em www.dgsi.pt, e com o qual concordamos: “Neste âmbito, considera-se hoje lição pacífica da jurisprudência que se deverá distinguir entre a incapacidade fisiológica ou funcional, por um lado, e a estrita incapacidade para o trabalho ou incapacidade laboral por outro. Quanto à primeira, a repercussão negativa da respetiva incapacidade permanente centra-se na diminuição da condição física, da resistência e da capacidade de esforços por parte do lesado, o que se traduzirá numa deficiente ou imperfeita capacidade de utilização do corpo no desenvolvimento das atividades pessoais em geral e numa consequente e igualmente previsível maior penosidade, dispêndio e desgaste físico na execução das atividades diárias, incluindo, eventualmente, se for o caso, as suas tarefas profissionais. É precisamente neste agravamento da penosidade (de carácter fisiológico ou físico-psíquico) e consequente maior esforço, maior sacrifício/penosidade no desempenho das atividades profissionais e, ainda, uma menor qualidade/conforto de vida em geral, decorrente da afetação da saúde, que deve radicar-se o arbitramento da indemnização pelo dano biológico. Nesta perspetiva, e como já antes se referiu, há, pois, lugar ao arbitramento de indemnização por danos patrimoniais, mesmo que se não haja feito prova de que o lesado, por força de uma incapacidade, venha a sofrer de qualquer diminuição dos seus proventos conjeturais futuros (diminuição da capacidade geral de ganho) ou, ainda, mesmo que não haja prova de uma estrita incapacidade para o desempenho da atividade profissional habitual, bastando, antes, que se tenha por demonstrado que o desempenho profissional (e a consequente manutenção do mesmo nível de rendimentos) obriga a maiores esforços, a maior penosidade no desempenho de tais atividades, sendo indiscutível o ressarcimento deste dano. Trata-se, no fundo, de indemnizar a se o dano corporal sofrido, quantificado por referência a um índice 100 (integridade psicossomática plena), e não qualquer perda efetiva de rendimento ou de concreta privação da capacidade de angariação de réditos, que pode não existir ou não ficar comprovada. Tal entendimento, que vem sendo acolhido pela jurisprudência, ao nível das Relações e do Supremo Tribunal de Justiça, tem na sua base a ideia de que a existência de uma incapacidade física, em consequência de lesões provocadas no corpo e na saúde do lesado, afeta, necessariamente, a sua capacidade funcional, pois que este verá afetadas as condições normais de saúde necessárias ao desenvolvimento adequado e normal daquela, sempre lhe exigindo um esforço ou transtorno acrescido, independentemente da sua repercussão negativa a nível salarial”. Diz-se ainda nesse acórdão, que por não se considerar o dano biológico ou dano na saúde apenas na sua vertente laboral, mas também na sua vertente pessoal, das actividades diárias e correntes, que não cessam com o termo da vida activa ou idade da reforma, o horizonte temporal a considerar para efeitos do cálculo do dano patrimonial futuro, como tem sido também perfilhado pelo STJ (por todos, cfr. Ac. STJ de 26.01.2016, Ac. STJ de 07.04.2016 e Ac. STJ de 10.11.2016.), não pode ser apenas aferido em função da idade da reforma, mas sim pelo termo expectável da vida do lesado, segundo os dados oficiais. Por outro lado, a jurisprudência emitida pelos nossos Tribunais Superiores, em sintonia, de resto com o preâmbulo e com o disposto no art. 1.º, n.º 2, da Portaria n.º 377/2008, de 26-05, vem invariavelmente decidindo que as tabelas constantes da Portaria n.º 377/2008, de 26-05, alterada pela Portaria n.º 679/2009, de 25-06, apenas relevam no plano extrajudicial ou, quando muito, como critério orientador ou referencial, mas nunca vinculativo para os tribunais (arts. 564.º e 566.º, n.º 3, do CC). E assim, no que ao dano biológico concerne, na medida em que o critério último, obrigatório e decisivo, é a equidade, tem, inclusive, a jurisprudência fixado, quase sem excepção, valores indemnizatórios excedentes aos que resultariam da simples e “automática” aplicação desses referentes da dita Portaria. Seguindo tal jurisprudência, com a qual concordamos, entendemos assim que na fixação do montante indemnizatório, para alcançar a justa indemnização, o tribunal não deve estar limitado pelas tabelas da Portaria n.º 377/2008, de 26-05, revista pela Portaria n.º 679/2009, de 25-06. Ora, impõe o n.º 2 do art. 564º do Código Civil que sejam tidos em conta os danos futuros desde que previsíveis. Ou seja, devem ser indemnizados os danos que ainda não se concretizaram, mas que, de acordo com o curso normal das coisas, sempre virão a concretizar-se no futuro. Quanto ao cálculo indemnização a este título, entendemos assim que há que recorrer a juízos de equidade e verosimilhança, nos termos do n.º 3 do art. 566º do Código Civil, tendo por referência a obtenção de “um capital produtor do rendimento que o lesado não irá auferir, que se extinga no fim da sua vida provável e que seja susceptível de garantir, durante essa vida, o rendimento frustrado” (cfr. neste sentido Acs. STJ de 16.06.2016, de 21.01.2016, e de 07.06.2019, todos disponíveis em www.dgsi.pt). Com efeito, o cálculo da indemnização em dinheiro deve ser feito segundo a denominada fórmula ou teoria da diferença, prevista no nº 2 do art. 566º do Código Civil. Se esta fórmula não puder ser aplicada por ser indeterminado o montante dos danos, o mesmo é dizer, se não puder ser averiguado o valor exacto dos danos, o tribunal julgará equitativamente dentro dos limites que tiver por provados (nº 3 do citado art. 566º); a equidade funcionará então como último recurso para permitir alcançar uma definição concreta do conteúdo de um direito subjectivo, designadamente do direito a uma indemnização, quando o valor exacto dos danos não foi apurado. Visando os montantes indemnizatórios que são objecto do presente recurso reparar e compensar danos em que não é possível a reconstituição natural, a indemnização em dinheiro deve ser fixada segundo juízos de equidade (fixação equitativa da indemnização), visando a procura da mais justa das soluções. E, como vem sendo pacificamente entendido na jurisprudência, a utilização de critérios de equidade não deve impedir que se tenham em consideração as exigências do princípio da igualdade, no sentido de uma tendencial uniformização de parâmetros na fixação judicial das indemnizações, como também deverá ser dada a devida atenção às circunstâncias do caso concreto (cfr. neste sentido Acs. do STJ de 04.06.2015 e de 06.12.2017, ambos disponíveis em www.dgsi.pt). Ora, como bem se afirma na decisão apelada: “Lançando mão do critério habitualmente usado para o cálculo do dano patrimonial futuro, creio pois ser de adoptar uma solução de cálculo que tome por base um rendimento que se situe entre a RMMG (que é de € 760,00 desde 1 de Janeiro de 2023) e o salário médio (que é de € 1170,00/€ 1395,00, o que funde nua média de cerca de € 1280,00, de acordo com os últimos dados da PORDATA - https://www.pordata.pt/portugal/salario+medio+mensal+dos+trabalhador es+por+conta+de+outrem+re] 1: a indemnização a arbitrar deve corresponder a um capital produtor do rendimento que se extinguirá no termo do período provável da vida do lesado, determinado com base na esperança média de vida (e não apenas em função da duração da vida profissional activa), com uma dedução que poderá situar-se entre 1/3 e ¼ dado o facto de ocorrer uma antecipação do pagamento de todo o capital. Ter-se-á que ter também em atenção a esperança média de vida dos homens e mulheres portugueses, consultável em http://www.pordata.pt/Portugal/Esperan%C3%A7a+de+vida+%C3%A0+nascen% C3%A7a+total+e+por+sexo+(base+tri%C3%A9nio+a+partir+de+2001)-418. Mais deverão valorar-se factores como a evolução dos rendimentos, a taxa de juro e do custo de vida. Usando esta ponderação, temos que a esperança média de vida do autor é de 78 anos (últimos dados são de 2020, operando-se o arredondamento na casa das unidades), tendo o sinistro ocorrido quando o mesmo tinha 52 anos, e descontando por ora, por facilidade de análise, os dois primeiros anos de incapacidade, o cálculo de base poderá configurar-se da seguinte forma: € 950,00 x 14 x 24 x 22% = € 70.224,00.” Não vemos qualquer fundamento para discordar de tal raciocínio. A tal acresce que, o argumento adiantado pela recorrente de que deve ser aplicado um factor correctivo ao montante indemnizatório encontrado, pelo facto de o apelado o auferir de imediato e na totalidade, não vinga no caso dos autos. Como se refere no Ac. STJ de 25 de Maio de 2017, disponível em www.dgsi.pt,: “Porém, e como vem sendo uniformemente reconhecido, o valor estático alcançado através da automática aplicação de tal tabela «objectiva» - e que apenas permitirá alcançar um «minus» indemnizatório - terá de ser temperado através do recurso à equidade – que naturalmente desempenha um papel corrector e de adequação do montante indemnizatório às circunstâncias específicas e à justiça do caso concreto, permitindo ainda a ponderação de variantes dinâmicas que escapam, em absoluto, ao referido cálculo objectivo: evolução provável na situação profissional do lesado, aumento previsível da produtividade e do rendimento disponível e melhoria expectável das condições de vida, inflação provável ao longo do extensíssimo período temporal a que se reporta o cômputo da indemnização (e que, ao menos em parte, poderão ser mitigadas ou compensadas pelo «benefício da antecipação», decorrente do imediato recebimento e disponibilidade de valores pecuniários que normalmente apenas seriam recebidos faseadamente ao longo de muitos anos, com a consequente possibilidade de rentabilização imediata em termos financeiros)”. Entendemos que o benefício da antecipação (o recebimento imediato e global da indemnização) deve ser ponderado no valor indemnizatório a fixar, com vista a valorar a vantagem e as prováveis potencialidades de ganho para o lesado, que decorrem do imediato recebimento do valor global dos danos futuros. Contudo, como se diz no já referido Ac. STJ de 25 de Maio de 2017, disponível em www.dgsi.pt,: “essa regra ou princípio geral – cuja razoabilidade e justificabilidade genérica é óbvia e inquestionada - pode e deve ser adequada às circunstâncias do caso concreto, podendo nomeadamente tal benefício ser eliminado ou apagado perante a existência provável de um particular agravamento dos danos patrimoniais futuros expectáveis que importa compensar.” Ora, como é público e notório, no âmbito das aplicações financeiras, as taxas de rendimento têm vindo a baixar constantemente para níveis quase negativos, desconhecendo-se a sua evolução futura (isto sem falar das situações de perda total ou parcial das aplicações financeiras, que a história recente bem demonstra e do aumento constante da inflação). No caso dos autos, ponderando a factualidade que se apurou, entendemos que, há motivo para ser eliminada ou apagada a redução do montante de capital a atribuir, a título de benefício da antecipação, considerando os danos patrimoniais futuros particularmente onerosos (vistas as limitações do autor) e a imprevisibilidade da variação da taxa de rentabilidade. Assim, considerando todos os factores acima assinalados, apreciando-os segundo um juízo de equidade e de bom senso e tendo presente os valores que, em situações semelhantes são atribuídos pela jurisprudência dos Tribunais Superiores (de que são exemplo todos os Acs. citados na sentença apelada e que nos escusamos de reproduzir), julgamos que, a indemnização encontrada na sentença recorrida, neste segmento, se mostra justa e adequada, não havendo, por conseguinte de ser alterada. Assim, nesta parte, o recurso improcede. * Mais entende a apelante que, atendendo aos danos morais sofridos pelo autor, é excessiva a verba compensatória arbitrada na sentença recorrida, sendo mais adequada a de 27.500,00€.Vejamos. A regra que fundamenta a indemnização dos danos não patrimoniais é o art. 496º do Código Civil, dispondo: “1. Na fixação da indemnização deve atender-se aos danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito. 2. (...) 3. O montante da indemnização será fixado equitativamente pelo tribunal, tendo em atenção, em qualquer caso, as circunstâncias referidas no artigo 494º; (…)”. Ensina-nos Antunes Varela que: “Danos não patrimoniais – são os prejuízos (…) que, sendo insusceptíveis de avaliação pecuniária, porque atingem bens (como a saúde, o bem estar, a liberdade, a beleza, a honra, o bom nome) que não integram o património do lesado, apenas podem ser compensados com a obrigação pecuniária imposta ao agente, sendo esta mais uma satisfação do que uma indemnização. (...) O montante da indemnização correspondente aos danos não patrimoniais deve ser calculado em qualquer caso (haja dolo ou mera culpa do lesante) segundo critérios de equidade, atendendo ao grau de culpabilidade do responsável, à sua situação económica e às do lesado e do titular da indemnização, às flutuações do valor da moeda, etc. E deve ser proporcionado à gravidade do dano, tomando em conta na sua fixação todas as regras de boa prudência, de bom senso prático, de justa medida das coisas, de criteriosa ponderação das realidades da vida”. (“Das Obrigações em Geral”, 6ª edição, l°, pg. 571). Com efeito, a fixação dos valores indemnizatórios por danos não patrimoniais ocorre segundo um juízo de equidade, tal como disposto no nº 4 do art. 496º do Código Civil, sendo, a esse propósito, paradigmática a afirmação constante do Ac. do Tribunal da Relação do Porto de 17/7/2009 (proc. nº 1943/05.0TJVNF.P1, disponível em www.dgsi.pt): “O montante da indemnização por danos não patrimoniais deve ser proporcionado à gravidade dos danos, apreciados objectivamente, sem consideração de critérios meramente subjectivos, não sendo de acolher pretensões manifestamente excessivas, mas também excluindo tendências banalizadoras dos valores e interesses morais, como a saúde, a integridade física, o bem estar, etc., que se pretende defender.” Quanto a tal dano escreveu-se na sentença apelada: “…provou-se que o autor viu condicionada a sua autonomia na realização dos actos correntes da vida diária, familiar e social durante 731 dias, tendo sofrido um défice funcional temporário total de 265 dias e um défice funcional temporário parcial de 466 dias, [artigo 35) dos factos provados]. Muito embora a seguradora F... o tenha ressarcido pelas perdas salariais e incapacidades laborais – nada disso está, de resto, peticionado pelo autor – [vd. artigo 42)] -, o certo é está em causa um período muito longo (dois anos) de limitação, o que deve ser sublinhado na apreciação do impacto psicológico. Provou-se também que, por causa do traumatismo craniano que sofreu, o autor passou a ter sensação de desequilíbrio, episódios de vertigem, dificuldade em manter discurso fluido e pensamento lentificado. Também começou desde então a sentir dificuldade de memorização de nova informação, para além de ter perdido memória de factos passados; está excessivamente sensível a ruídos, tendo que usar auscultadores no seu dia a dia; tornou-se uma pessoa embaraçada e confundida, incapaz de reslver problemas simples, assustadiça e de choro fácil. Sexualmente, habitualmente não conclui a relação sexual, o que tem um severo impacto emocional, frustrando-o. Além disso, perdeu alegrias que tinha na vida, por não poder saboreá-las: bebe e alimenta-se mas já não degusta, por ter perdido o paladar; perdeu a vontade de cozinhar para a família, deixando de o fazer, precisamente porque já nada consegue provar e apreciar. Ora, tudo isto evidencia o impacto absolutamente negativo que as sequelas tiveram na vida do autor, agora com uma vida muitíssimo mais difícil, triste e complicada e que, desligado à força de prazeres que tinha, vai-se também desligando de gestos e afectos que antes o preenchiam. Além de tudo isso, o autor sente dores, tendo-as sofrido em grau 4, numa escala de 7 graus de gravidade crescente; suportou um dano estético permanente de grau 3, por causa das cicatrizes; sofreu uma repercussão permanente na actividade sexual de grau 2 e um défice funcional permanente de integridade físico-psíquica de 22 pontos. Pode manter a profissão, mas com esforço acrescido, tendo deixado de poder usar o motociclo e passado a deslocar-se somente a pé. Acresce também que a toma medicamentosa de psicofármacos (antidepressivos e ansiolítico) e o acompanhamento em consultas da especialidade de psiquiatria e psicologia entraram na sua vida, para não mais sair, por causa deste acidente. Considerando a severidade do referido impacto, e atendendo aos padrões jurisprudenciais (mais recentes) relativos aos montantes indemnizatórios atinentes a danos não patrimoniais, com o subjectivismo sempre presente nas decisões que fazem apelo à equidade e de modo actualizado, considero que o valor peticionado de € 50.000,00 não é, de maneira algum, excessivo – exemplificativamente, vd. o Ac. do STJ de 23.10.2018, Rel.: HENRIQUE ARAÚJO, num caso em que o lesado tinha mais de 50 anos aquando do sinistro; o Ac. do TRP de 24.01.2018, Rel. MIGUEL BALDAIA DE MORAIS, num caso de maior gravidade, quer pela incapacidade, de 91 pontos, quer pela idade, de 17 anos e o Ac. do TRC de 10.11.2015, Rel. FONTE RAMOS, num caso de incapacidade de 20 pontos, para um lesado com 20 anos de idade aquando do sinistro.”. Concordamos com a ponderação efectuada, o que nos leva a ter por adequado o valor indemnizatório que foi considerado na sentença sob recurso. É que, ficaram significativamente afectadas a saúde e a vida pessoal, social e familiar do autor e é especialmente aqui que tem de operar o juízo de equidade, de modo a encontrar a justa solução do caso, ressarcindo devidamente o lesado. No geral, importa atender ao facto de ao autor ter sido imposta, para toda a sua vida, uma diminuição da sua qualidade de vida (não só menor desfrute dos prazeres da vida, como maiores sacrifícios físicos e psíquicos no normal acontecer dos dias). Ora, a indemnização por danos não patrimoniais não deve ser irrelevante ou simbólica, mas antes significativa, com vista a propiciar a compensação adequada ao dano sofrido. E como alerta Menezes Cordeiro, in Direito dos Seguros, 2.ª ed., Almedina, Coimbra, 2017, ps. 896 a 901 haverá de superar-se as “deprimidas cifras obtidas nos tribunais” (no campo indemnizatório), não valendo “a pena dispormos de uma Constituição generosa, de uma rica e cuidada jurisprudência constitucional e de largos desenvolvimentos sobre direitos de personalidade quando, no terreno, direitos fundamentais como a vida valham menos de € 60.000.”. Para além disso, o valor fixado mostra-se em sintonia com os critérios de avaliação previstos na lei e não se afasta dos padrões jurisprudenciais que, numa jurisprudência actualista, vêm sendo seguidos na concretização do casuístico juízo equitativo. Nestes termos, também neste segmento, improcede o recurso. * Finalmente, entende a apelante que o direito de reembolso da interveniente F..., enquanto seguradora por acidente de trabalho em relação à recorrente, enquanto seguradora de acidente automóvel, decorre de uma sub-rogação legal nos direitos do sinistrado, conforme emerge do disposto no art. 17.º, n.º 4, da Lei n.º 98/2009.Por isso, a referida interveniente F... apenas terá direito ao reembolso das quantias pagas ao sinistrado, ou que tenha despendido com este, nomeadamente em tratamentos médicos e hospitalares e assistência, não se incluindo nesse seu direito de reembolso as quantias referentes a encargos judiciais, taxas de justiça, honorários e despesas de mandatário e gastos com peritagem e averiguação do sinistro. Nessa medida entende que os gastos respeitantes a despesas judiciais, no montante de 998,60 €, não integram o conteúdo da obrigação de indemnizar, razão pela qual a indemnização a pagar pela recorrente à interveniente F... deverá ser reduzida para o montante de 41.802,73€ (42.801,33€ - 998,60€). Dispõe o art. 17.º da Lei n.º 98/2009, de 04.09, sob a epígrafe «Acidente causado por outro trabalhador ou por terceiro»: «1 - Quando o acidente for causado por outro trabalhador ou por terceiro, o direito à reparação devida pelo empregador não prejudica o direito de ação contra aqueles, nos termos gerais. 2 - Se o sinistrado em acidente receber de outro trabalhador ou de terceiro, indemnização superior à devida pelo empregador, este considera-se desonerado da respetiva obrigação e tem direito a ser reembolsado pelo sinistrado das quantias que tiver pago ou despendido. 3 - Se a indemnização arbitrada ao sinistrado ou aos seus representantes for de montante inferior ao dos benefícios conferidos em consequência do acidente, a exclusão da responsabilidade é limitada àquele montante. 4 - O empregador ou a sua seguradora que houver pago a indemnização pelo acidente pode sub-rogar-se no direito do lesado contra os responsáveis referidos no n.º 1 se o sinistrado não lhes tiver exigido judicialmente a indemnização no prazo de um ano a contar da data do acidente. 5 - O empregador e a sua seguradora também são titulares do direito de intervir como parte principal no processo em que o sinistrado exigir aos responsáveis a indemnização pelo acidente a que se refere este artigo.» O n.º 4 do art. 17.º da Lei n.º 98/2009, de 04.09, corresponde, no essencial ao anterior texto do n.º 4 do art.º 31.º da Lei n.º 100/97 de 13.09, excepto na parte em que neste último preceito se previa expressamente o “direito de regresso”, em vez da “sub-rogação”. Contudo, mesmo no âmbito da vigência do normativo de 1997, era unanimemente entendido, quer na doutrina, quer na jurisprudência, que não obstante a Lei falar em “direito de regresso”, do que se tratava realmente era de um verdadeiro direito de “sub-rogação” (cfr, por todos o Ac. do S.T.J. de 18.09.2014, in www.dgsi.pt). Dispõe o art. 592.º, n.º 1 do Cód. Civil, que: “fora dos casos previstos nos artigos anteriores ou noutras disposições da lei, o terceiro que cumpre a obrigação só fica sub-rogado nos direitos do credor quando tiver garantido o cumprimento, ou quando, por outra causa, estiver diretamente interessado na satisfação do crédito.”. Antunes Varela, in Das Obrigações em Geral, Vol. II, reimpressão da 7.ª Edição, Almedina, 2003, pp. 335-336 refere que se trata de uma “modalidade importante de transmissão do crédito, baseada no cumprimento da obrigação (ou em acto equivalente), a que a lei e os autores dão o nome de sub-rogação (arts. 589.º e segs.) ou a designação menos abreviada de sub-rogação por pagamento», e que pode definir-se, “segundo um critério puramente descritivo, como a substituição do credor, na titularidade do direito a prestação fungível, pelo terceiro que cumpre em lugar do devedor ou que faculta a este os meios necessários ao cumprimento”. Trata-se, assim, de um fenómeno de transferência de créditos “cujo fulcro reside no cumprimento”, o que significa que os direitos do sub-rogado se medem “sempre em função do cumprimento (art. 593.º, n.º 1).” Para além da sub-rogação legal genericamente consagrada no art. 592.º do Cód. Civil, “a lei prevê pontualmente que o terceiro que cumpra a obrigação possa ficar sub-rogado nos direitos que recaem sobre o devedor. Nesses casos especiais, a lei, considerando o modo como o pagamento se processa, declara que o terceiro fica investido na posição do sub-rogado. O terceiro intervém, pagando, para evitar, um prejuízo. (...) deparamos com casos específicos de sub-rogação legal noutras fontes normativas. Tal acontece, por exemplo, em matéria de acidentes de trabalho (L n.º 98/2009, de 04/09, artigo 17, n.º 4 (...)» (cfr. Paulo Olavo Cunha, Comentário ao Código Civil – Direito das Obrigações – Das Obrigações em Geral, Universidade Católica Editora, 2018, p. 639). Como ensinava Vaz Serra (RLJ, 99, 360): “A sub-rogação supõe o pagamento... e, portanto, o terceiro que paga pelo devedor só se sub-roga nos direitos do credor com o pagamento. Enquanto não o faz, não é sub-rogado e não pode, por isso, exercer os direitos do credor. (…) É que o eventual sub-rogado, enquanto não efectuar o pagamento, não tem crédito contra o terceiro responsável (crédito cujo montante será determinado pelo pagamento que fizer), e não tem sequer um crédito já existente mas ainda inexigível." O instituto da sub-rogação legal (crf. art.º 592º, n.º 1 do Cód. Civil), ao contrário do direito de regresso, não institui um novo crédito. A sub-rogação é um fenómeno de transferência de créditos, mediante o qual se dá “a substituição do credor, na titularidade do direito a uma prestação fungível, pelo terceiro que cumpre em lugar do devedor ou que faculta a este os meios necessários ao cumprimento” (cfr. Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, Vol. II, 5ª edição, Almedina, pág.334). Ora, estando nós, no caso dos autos, perante uma situação de sub-rogação, a concretização do direito da seguradora realiza-se por referência ao direito que o próprio lesado teria relativamente ao lesante e no qual, não se podem incluir os € 998,60 que a apelante suportou em despesas judiciais. De facto, como pode ler-se no sumário do Ac. da Relação do Porto de 18.02.2014, in www.dgsi.pt: “O direito de regresso da seguradora compreende indemnizações legais e encargos, sendo que estes comportam despesas inerentes à reparação em espécie e à reparação financeira ao sinistrado; já não compreendem custos judiciais e despesas com honorários a mandatários judiciais que a seguradora tenha suportado no âmbito do processo de acidente de trabalho inerente ao sinistro”. Donde se pode concluir pela absolvição da apelante quanto ao pagamento das quantias reclamadas a título de despesas judicias, no total de € 998,60. Procede, assim, nesta parte, a apelação. * Sumário (ao abrigo do disposto no art. 663º, n.º 7 do CPC):I. É hoje pacífico na jurisprudência que se deverá distinguir entre a incapacidade fisiológica ou funcional, por um lado, e a estrita incapacidade para o trabalho ou incapacidade laboral por outro. II. Pacífico também é que na fixação do montante indemnizatório, para alcançar a justa indemnização, o tribunal não deve estar limitado pelo uso de fórmulas matemáticas, nem limitado pelas tabelas da Portaria n.º 377/2008, de 26-05, revista pela Portaria n.º 679/2009, de 25-06, pois que as mesmas devem servir essencialmente como instrumento de trabalho e não como critérios de determinação rígidos. III. A utilização de critérios de equidade não deve impedir que se tenham em consideração as exigências do princípio da igualdade, no sentido de uma tendencial uniformização de parâmetros na fixação judicial das indemnizações, como também deverá ser dada a devida atenção às circunstâncias do caso concreto. IV. O direito de sub-rogação da seguradora não compreende custos judiciais que tenha suportado no âmbito do processo de acidente de trabalho inerente ao sinistro. * V. Decisão.Perante o exposto, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação em julgar parcialmente procedente a apelação, e em consequência: - absolver a ré do pagamento à interveniente da quantia de € 998,60, nessa parte revogando a sentença. - confirmar em tudo o restante a decisão recorrida. Custas da acção e do recurso pela ré/apelante e interveniente/apelada, na proporção dos respectivos decaimentos. * Guimarães, 7 de Junho de 2023 Assinado electronicamente por: Fernanda Proença Fernandes Jorge dos Santos Conceição Sampaio (O presente acórdão não segue na sua redacção as regras do novo acordo ortográfico, com excepção das “citações/transcrições” efectuadas que o sigam) |