Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães | |||
Processo: |
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Relator: | ANABELA VARIZO MARTINS | ||
Descritores: | FOTOGRAFIAS DIREITO À IMAGEM FALTA DO CONSENTIMENTO DO VISADO INTERESSE PÚBLICO PROIBIÇÃO DE PROVA | ||
Nº do Documento: | RG | ||
Data do Acordão: | 04/17/2023 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Meio Processual: | RECURSO PENAL | ||
Decisão: | IMPROCEDENTE | ||
Indicações Eventuais: | SECÇÃO PENAL | ||
Sumário: | I- Em causa está o direito à imagem, sem incluir o núcleo duro da vida privada, tutelada pelo art.192º do C. Penal. II- A utilização das reproduções fotográficas, em ofensa daquele direito à imagem, para realização de finalidades que visam a eficiência da justiça, justifica-se neste caso, com apelo ao princípio da proporcionalidade entre os bens jurídicos em confronto, devendo prevalecer a realização da justiça sobre o direito à imagem, afectada em medida pouco relevante, quando as mesmas estejam enquadradas em lugares públicos, visem a realização de interesses públicos ou que hajam ocorrido publicamente. III- Assim, apesar da falta de consentimento do visado, as imagens em causa, captadas em local público, não correspondem a qualquer método proibido de prova, por não violarem o núcleo duro da vida privada, avaliado numa ideia de proporcionalidade e por existir uma justa causa na sua obtenção e utilização, que é a prova de uma infracção criminal. | ||
Decisão Texto Integral: | Acordam, em conferência, os Juízes na Secção Penal do Tribunal da Relação de Guimarães: I- RELATÓRIO No processo comum, com intervenção do tribunal singular, com o nº 584/18.7GAFAF. do Tribunal Judicial da Comarca ..., Juízo Local Criminal ..., realizado julgamento, foi proferida sentença no dia 14 de Novembro de 2022, depositada no mesmo dia, em que foi decidido (transcrição na parte que releva): “1. Condenar o arguido AA, como autor material, na forma consumada, de um crime de ofensas à integridade física simples, p. e p. pelo art.º 143º, nº1 do Código Penal, na pena de €130 (cento e trinta) dias de multa, à taxa diária de € 5,00 (cinco euros), num total de € 650,00 (seiscentos e cinquenta euros). 2.Condenar o arguido AA, como autor material, na forma consumada, de um crime de dano, p. e p. pelo art. 212º, nº1 do Código Penal, na pena de 110 (cento e dez) dias de multa à taxa diária de € 5,00 (cinco euros), num total de € 550,00 (quinhentos e cinquenta euros). 3.Ao abrigo do disposto no art. 77.º, n.º 1 e 2, do Cód. Penal, condeno o arguido AA, pelos crimes referidos em 1) e 2), na pena única de 190 (cento e noventa) dias de multa à taxa diária de € 5,00 (cinco euros), o que perfaz a quantia global de € 950,00 (novecentos e cinquenta euros). 5.Julgar parcialmente procedente o pedido de indemnização cível deduzido contra o arguido e, consequentemente, condeno AA a pagar ao demandante cível BB a quantia global de € 1050,00 (mil e cinquenta euros:€300 de danos patrimoniais+ €750,00 de danos não patrimoniais), sendo que ao montante de danos não patrimoniais acrescem juros de mora à taxa legal supletiva para os juros civis a contar da presente sentença até integral pagamento (cfr. Ac. Uniformizador de Jurisprudência n.º 4/2002 de 9/05/2002), vencendo também juros o montante arbitrado a título de danos patrimoniais, mas estes contados desde a notificação do pedido de indemnização até efectivo e integral pagamento, e improcedente na restante quantia peticionada. “ Inconformado com tal sentença, dela veio o arguido interpor o presente recurso, apresentando a respectiva motivação que finalizou com as conclusões que a seguir se transcrevem: “A - As reproduções fotográficas juntas aos autos foram captadas pelo ofendido, à distância, para o interior do terreno do ofendido – e não na via pública -, devendo considerar-se ILÍCITAS, à luz da lei penal, uma vez que foram obtidas SEM O CONSEMTIMENTO, CONTRA A VONTADE do arguido, nos termos dos artigos 167.º do Código de Processo Penal e do artigo 199.º do Código Penal. B - A prova produzida não permite concluir com segurança que o arguido tenha desferido com um pau no ombro do ofendido e, bem ainda, tenha desferido uma pancada com esse pau na viatura deste. C - O tribunal a quo não observou as regras da normalidade e da experiência na interpretação da matéria provada, daí resultando um manifesto erro de apreciação da matéria de facto e de direito, não logrando fazer uma correta interpretação acerca da dinâmica e cronologia dos acontecimentos. D - O tribunal a quo não fez uma apreciação correta da prova produzida através do supracitado depoimento, porquanto deste não se pode extrair qualquer prova concreta e bastante que justificasse a resposta à matéria de facto indicada nos itens 1 a 8 da matéria considerada como provada. E - Na verdade, do depoimento do militar da GNR apenas podemos retirar que o mesmo não se recorda de nada, o que nos leva a concluir que a testemunha nada sabe ou sequer nada presenciou os factos. F - Quanto às lesões eventualmente provocadas pelo arguido, o ofendido limita-se tão só a responder “pronto”, nada dizendo, informando ou adiantando ao tribunal quanto à gravidade, extensão e repercussão dessas lesões na sua vida pessoal e profissional. G - A decisão de condenação do arguido não pode estribar-se em meros indícios. Os elementos carreados para o processo que sustentaram a decisão são pouco mais de teorias e académicas hipóteses de raciocínio. H - Em momento algum a prova produzida induz qualquer facto positivo que faça do arguido o autor material dos factos que lhe são imputados. I - O arguido jamais poderá aceitar que a sua condenação assente essencialmente no depoimento parcial e interessado do próprio ofendido e no depoimento inconclusivo, incerto e desconhecido do militar da GNR. J - A posição sustentada na decisão recorrida, na fragilidade da sua fundamentação, consubstancia uma violação do princípio processual in dubio pro reo, que é manifestação do direito fundamental consagrado no artigo 32.º, n.º 2, da Constituição.” O Mº Público em primeira instância respondeu ao recurso, pugnando pela sua improcedência e, em consequência, pela manutenção da sentença recorrida, apresentando a final as seguintes conclusões (transcrição): “1ª Com o devido respeito por opinião contrária, considera-se que a decisão doTribunal a quo se mostra justa, proporcional e adequada face à prova produzida em julgamento, não merecendo qualquer reparo ou censura, devendo, por isso, ser confirmada e mantida na integra. 2ª O arguido começa por invocar a ilicitude das reproduções fotográficas juntas aos autos porque obtidas sem o seu conhecimento e contra a sua vontade. 3ª Ora, a jurisprudência portuguesa tem sido praticamente uniforme no sentido de considerar legais as provas consistentes na gravação de imagens por privados, desde que exista, como no caso existia, uma justa causa para a sua obtenção. – Cfr. Acórdãos do TRE de 28-06-2011, do TRP de 23-10-2013 e do TRC de 10-10-2012, todos citados na douta sentença sob recurso e disponíveis em www.dgsi.pt. 4ª Podendo e devendo, assim, ser valoradas pelo Tribunal, como foram. 5ª Quanto ao erro na apreciação da prova, dir-se-à, com toda a sinceridade e honestidade intelectual, que não se percebe como é que o arguido vem refutar a decisão do Tribunal a quo, tentando fazer crer que a prova produzida e valorada pelo Tribunal para decidir como decidiu se circunscreveu apenas ao depoimento da testemunha CC e, mais grave ainda, que venha alegar que aquele nada viu. 6ª Resulta da douta sentença sob recurso que o Tribunal a quo formou a sua convicção quanto aos factos dados como provados e não provados, através da apreciação crítica e conjugada da totalidade da prova produzida, a saber: registos clínicos de fls. 06 e 07; registos fotográficos de fls. 08, 09, 18, 31 e 34; episódio de urgência de fls. 35 e 36; relatório do IML de fls. 11 e 14; auto de apreensão e exame directo de fls. 19; relatório de peritagem de fls. 53; certificado de registo criminal de fls. 186; em conjunto com a demais prova produzida em audiência de discussão e julgamento: declarações do arguido, do assistente e da testemunha de acusação, uma vez que as restantes, familiares do arguido, se remeteram ao silêncio. 7ª A factualidade apurada, e descrita sob os pontos 1 a 8 da matéria de facto, assentou em elementos de prova documental e testemunhal aos quais o Tribunal atribuiu relevância probatória. Na sua totalidade, são documentos cuja veracidade não foi questionada. 8ª Tal prova documental, aliada à prova testemunhal relativa aos factos é por demais extensa, evidente e inquestionável. 9ª Estando assim apreciada a prova – não obstante os poderes do Tribunal “ad quem” – art. 428.º e 431.º, al. a) do C.P.P. – não se vê razão para a alteração da matéria de facto, em termos de considerar não provados os factos questionados pelo recorrente. 10º Mantendo-se os factos provados, nenhuma crítica merece a sentença recorrida, mostrando-se assim preenchidos quer os elementos objetivos quer os elementos subjetivos dos tipos legais de crimes pelos quais foi acusado e condenado o recorrente. 11º Ainda assim, alega o recorrente que os depoimentos da testemunha e do ofendido justificariam resposta diversa à matéria de facto indicada nos itens 1 a 8 da matéria considerada como provada. 12º Para tentar justificar a sua alegação, cortou e usou estrategicamente excertos de ambos os depoimentos, pretendendo demonstrar que do depoimento da testemunha resultaram dúvidas, e que o ofendido/assistente também não fez prova dos factos. 13º O tribunal a quo valorou devidamente estes dois depoimentos, os quais devem ser lidos ou ouvidos na integralidade e não em excertos mais ou menos descontextualizados. 14º A testemunha militar da GNR, pese embora tenha apresentado um depoimento com algumas lacunas, o que é perfeitamente entendível face ao tempo decorrido entre os factos (2018) e a realização da audiência de discussão e julgamento (2022), não teve qualquer dúvida e antes foi esclarecedor quanto às circunstâncias de tempo e local, quanto ao motivo da deslocação da patrulha ao local, quanto à dinâmica dos acontecimentos que ainda teve oportunidade de presenciar, e a quem viu no local. 15º No que diz respeito à reportagem fotográfica aos danos no veículo, de facto, confrontado com as fotografias juntas aos autos pelo assistente, a testemunha esclareceu que não haviam sido por si captadas, mas que retratavam os mesmos danos. 16º Neste sentido, o depoimento da testemunha CC, prestado na audiência de 24/10/2022 e gravado no sistema de gravação digital integrado na aplicação informática Habilus em uso no Tribunal, com o código 20221024144140_5660270_2870581, de min. 01:30 a 02:51, min. 3:08 a 4:54; min. 05:44 a 6:38; min. 7:31 a 8:50, min. 10:57 a 11:31. 17º Estas declarações prestadas pelo senhor militar da GNR, mostraram-se sobreponíveis com o depoimento e a versão do ofendido/assistente, BB, prestado na audiência de 24/10/2022 e gravado no sistema de gravação digital integrado na aplicação informática Habilus em uso no Tribunal, com o código 20221024145807_5660270_2870581, de min. 05:29 a 06:38; min. 07:39 a 08:09, min. 08:17 a 09:38; min. 10:08 a 13:33 e min. 18:44 a 19:18. 18º O depoimento do assistente em audiência de discussão e julgamento, mostrou-se coerente, consistente, pormenorizado e sincero, tendo respaldo na demais prova produzida. 19º Em contraposição, a versão do arguido quanto aos factos apresentou manifestas e gritantes fragilidades, não se coadunando com o normal acontecer das coisas e com as regras da experiência comum. 20º Ainda que constitucionalmente consagrado, o princípio in dúbio pró reo não pode ser convocado para justificar todo e qualquer alegado erro na apreciação da prova e in casu, muito menos! 21º Tal princípio só se aplicará no caso do Tribunal se quedar com alguma dúvida em relação à prática dos factos e não quando disso tiver certeza. 22º Nos presentes autos, não se perspectiva qualquer falta, duvida ou insuficiência de prova quanto à essência dos factos, motivo pelo qual bem andou o Tribunal a quo ao não chamar à colação o aludido principio/regra. 23º Assim, e salvo o devido respeito, mas não poderia o Tribunal a quo deixar de concluir pela condenação do arguido, atenta a prova cabal e suficiente que foi levada a julgamento.” Também o assistente respondeu ao recurso, pedindo a sua improcedência e, em consequência, a manutenção da sentença recorrida, apresentando a final as seguintes conclusões (transcrição). “1ª Com o devido respeito por opinião contrária, considera-se que a decisão doTribunal a quo se mostra justa, proporcional e adequada face à prova produzida em julgamento, não merecendo qualquer reparo ou censura, devendo, por isso, ser confirmada e mantida na integra. 2ª O arguido começa por invocar a ilicitude das reproduções fotográficas juntas aos autos porque obtidas sem o seu conhecimento e contra a sua vontade. 3ª Ora, a jurisprudência portuguesa tem sido praticamente uniforme no sentido de considerar legais as provas consistentes na gravação de imagens por privados, desde que exista, como no caso existia, uma justa causa para a sua obtenção. – Cfr. Acórdãos do TRE de 28-06-2011, do TRP de 23-10-2013 e do TRC de 10-10-2012, todos citados na douta sentença sob recurso e disponíveis em www.dgsi.pt. 4ª Podendo e devendo, assim, ser valoradas pelo Tribunal, como foram. 5ª Quanto ao erro na apreciação da prova, dir-se-à, com toda a sinceridade e honestidade intelectual, que não se percebe como é que o arguido vem refutar a decisão do Tribunal a quo, tentando fazer crer que a prova produzida e valorada pelo Tribunal para decidir como decidiu se circunscreveu apenas ao depoimento da testemunha CC e, mais grave ainda, que venha alegar que aquele nada viu. 6ª Resulta da douta sentença sob recurso que o Tribunal a quo formou a sua convicção quanto aos factos dados como provados e não provados, através da apreciação crítica e conjugada da totalidade da prova produzida, a saber: registos clínicos de fls. 06 e 07; registos fotográficos de fls. 08, 09, 18, 31 e 34; episódio de urgência de fls. 35 e 36; relatório do IML de fls. 11 e 14; auto de apreensão e exame directo de fls. 19; relatório de peritagem de fls. 53; certificado de registo criminal de fls. 186; em conjunto com a demais prova produzida em audiência de discussão e julgamento: declarações do arguido, do assistente e da testemunha de acusação, uma vez que as restantes, familiares do arguido, se remeteram ao silêncio. 7ª A factualidade apurada, e descrita sob os pontos 1 a 8 da matéria de facto, assentou em elementos de prova documental e testemunhal aos quais o Tribunal atribuiu relevância probatória. Na sua totalidade, são documentos cuja veracidade não foi questionada. 8ª Tal prova documental, aliada à prova testemunhal relativa aos factos é por demais extensa, evidente e inquestionável. 9ª Estando assim apreciada a prova – não obstante os poderes do Tribunal “ad quem” – art. 428.º e 431.º, al. a) do C.P.P. – não se vê razão para a alteração da matéria de facto, em termos de considerar não provados os factos questionados pelo recorrente. 10º Mantendo-se os factos provados, nenhuma crítica merece a sentença recorrida, mostrando-se assim preenchidos quer os elementos objetivos quer os elementos subjetivos dos tipos legais de crimes pelos quais foi acusado e condenado o recorrente. 11º Ainda assim, alega o recorrente que os depoimentos da testemunha e do ofendido justificariam resposta diversa à matéria de facto indicada nos itens 1 a 8 da matéria considerada como provada. 12º Para tentar justificar a sua alegação, cortou e usou estrategicamente excertos de ambos os depoimentos, pretendendo demonstrar que do depoimento da testemunha resultaram dúvidas, e que o ofendido/assistente também não fez prova dos factos. 13º O tribunal a quo valorou devidamente estes dois depoimentos, os quais devem ser lidos ou ouvidos na integralidade e não em excertos mais ou menos descontextualizados. 14º A testemunha militar da GNR, pese embora tenha apresentado um depoimento com algumas lacunas, o que é perfeitamente entendível face ao tempo decorrido entre os factos (2018) e a realização da audiência de discussão e julgamento (2022), não teve qualquer dúvida e antes foi esclarecedor quanto às circunstâncias de tempo e local, quanto ao motivo da deslocação da patrulha ao local, quanto à dinâmica dos acontecimentos que ainda teve oportunidade de presenciar, e a quem viu no local. 15º No que diz respeito à reportagem fotográfica aos danos no veículo, de facto, confrontado com as fotografias juntas aos autos pelo assistente, a testemunha esclareceu que não haviam sido por si captadas, mas que retratavam os mesmos danos. 16º Neste sentido, o depoimento da testemunha CC, prestado na audiência de 24/10/2022 e gravado no sistema de gravação digital integrado na aplicação informática Habilus em uso no Tribunal, com o código 20221024144140_5660270_2870581, de min. 01:30 a 02:51, min. 3:08 a 4:54; min. 05:44 a 6:38; min. 7:31 a 8:50, min. 10:57 a 11:31. 17º Estas declarações prestadas pelo senhor militar da GNR, mostraram-se sobreponíveis com o depoimento e a versão do ofendido/assistente, BB, prestado na audiência de 24/10/2022 e gravado no sistema de gravação digital integrado na aplicação informática Habilus em uso no Tribunal, com o código 20221024145807_5660270_2870581, de min. 05:29 a 06:38; min. 07:39 a 08:09, min. 08:17 a 09:38; min. 10:08 a 13:33 e min. 18:44 a 19:18. 18º O depoimento do assistente em audiência de discussão e julgamento, mostrou-se coerente, consistente, pormenorizado e sincero, tendo respaldo na demais prova produzida. 19º Em contraposição, a versão do arguido quanto aos factos apresentou manifestas e gritantes fragilidades, não se coadunando com o normal acontecer das coisas e com as regras da experiência comum. 20º Ainda que constitucionalmente consagrado, o princípio in dúbio pró reo não pode ser convocado para justificar todo e qualquer alegado erro na apreciação da prova e in casu, muito menos! 21º Tal princípio só se aplicará no caso do Tribunal se quedar com alguma dúvida em relação à prática dos factos e não quando disso tiver certeza. 22º Nos presentes autos, não se perspectiva qualquer falta, duvida ou insuficiência de prova quanto à essência dos factos, motivo pelo qual bem andou o Tribunal a quo ao não chamar à colação o aludido principio/regra. 23º Assim, e salvo o devido respeito, mas não poderia o Tribunal a quo deixar de concluir pela condenação do arguido, atenta a prova cabal e suficiente que foi levada a julgamento.” Nesta instância, o Exmº Procurador-Geral Adjunto, remetendo, no essencial, para o teor da posição da Colega da primeira instância, que acompanhou, entendeu também que o recurso não merece provimento, porquanto: - No que toca à questão das fotografias juntas aos autos e utilizadas como ilustração da conduta do arguido importa ter em conta a norma constante do art.º 79º do C. Civil, que regula o direito à imagem e as situações em que se permite a recolha de imagens sem a permissão do retratado, sendo que dentro dessas excepções avulta a recolha de imagens com o intuito de documentar a prática de um ilícito penal ou qualquer situação que tenha na base o pressuposto da sua utilização no domínio da justiça; - Quanto ao erro na apreciação da prova, na motivação da decisão de facto, o tribunal elencou as razões da valoração que efectuou, identificando a prova que relevou na formação da sua convicção e indicando os aspectos da mesma que conjugadamente o levaram a concluir no sentido de considerar demonstrada a factualidade da acusação. Cumprido o disposto no art.º 417º, nº 2, do CPP, não foi apresentada resposta ao parecer emitido. Colhidos os vistos, procedeu-se à realização da conferência, por o recurso aí dever ser julgado - artigo 419º, nº 3, al. c), do Código de Processo Penal. II- FUNDAMENTAÇÃO 1 – OBJECTO DO RECURSO: A jurisprudência do STJ[1] firmou-se há muito no sentido de que é pelas conclusões que o recorrente extrai da motivação que apresenta que se delimita o objecto do recurso, devendo a análise a realizar pelo Tribunal ad quem circunscrever-se às questões aí suscitadas, sem prejuízo do dever de se pronunciar sobre aquelas que são de conhecimento oficioso.[2] Atentas as conclusões formuladas pelo recorrente, as questões a decidir são as seguintes. 1. Valoração de prova proibida (reproduções fotográficas); e 2. Impugnação da matéria de facto, por erro de julgamento, relativamente à factualidade inserta nos nºs 1 a 8 dos factos provados, designadamente por violação do princípio in dubio pro reo. 2- DA DECISÃO RECORRIDA Fundamentação de facto e motivação: “2.1. FACTOS PROVADOS[3]: 1. No dia 22 de Julho de 2018, pelas 19h30m, na Rua ..., em ..., o arguido AA muniu-se de um pau com cerca de 1,5 metros de comprimento e abeirando-se do assistente BB desferiu-lhe com o mesmo uma forte pancada no ombro direito. 2. Perante isto, e com receio de ser novamente agredido, o assistente BB fugiu do local a passo de corrida, tendo o arguido seguido no seu encalço, sempre com o dito pau na mão. 3. Poucos segundos depois, o arguido desistiu da perseguição e dirigiu-se para o veículo pertença do assistente que se encontrava nas imediações, de marca ...”, modelo ..., com a matrícula .... SW ... 4. Já próximo do referido veículo o arguido vibrou um número indeterminado de pancadas na sua porta dianteira e na porta traseira do lado esquerdo com o pau que na altura portava na mão. 5. Mercê da agressão de que foi vítima, o assistente BB sofreu, além de dores e mal estar, edema e escoriação da face externa do ombro direito, equimose em faixa na região lateral do deltóide do braço direito com 5 x 3 cm., lesões, essas, que lhe determinaram, como consequência directa e necessária, 05 (cinco) dias de doença sem afectação da capacidade de trabalho geral ou profissional. 6. De igual modo, da supra descrita actuação do arguido sobre as portas do .... SW .., resultou extensas amolgadelas e riscos nos referidos componentes do veículo, estragos, esses, cuja reparação ascendeu a 1.863,73 €. 7. Com a conduta descrita em 1. agiu o arguido com o propósito concretizado de lesar a integridade física do assistente BB. 8. O arguido sabia que ao actuar da forma supra descrita em 4. contra o veículo de matrícula .... SW .., que sabia não lhe pertencer, lograriam a danificação dos componentes atingidos, como sucedeu. 9. Agiu sempre de forma livre, voluntária e consciente, bem sabendo que o seu comportamento era proibido e punido por lei. Mais se provou: 10. Em consequência da conduta do arguido, acima melhor descrita, o demandante teve dores, ficando envergonhado perante terceiros que ali se encontravam, sentindo medo e receio pela sua integridade física, desgosto e abalo emocional. 11.A reparação da viatura automóvel foi suportada pela seguradora do demandante, com excepção do valor respeitante à franquia no montante de €300,00; 12.O Arguido AA: -é solteiro e trabalha na construção civil (pedreiro de 1ª), auferindo o salário mínimo nacional; -tem dois filhos de 18 e 25 anos, respectivamente; -vive sozinho, pagando €125,00 de renda de casa. -no seu crc junto a fls.186 nada consta averbado. 2- Factos não Provados: Não se provou: -Que foi o ofendido quem se dirigiu a arguido empunhando um pau, com intenção de o agredir, por razões relacionadas com arrendamento; -Que ao aperceber-se da sua intenção, o arguido fugiu para dentro de casa e refugiou-se no seu interior, tendo o ofendido se abeirado da porta do arguido, lhe desferido vários pontapés ao mesmo tempo que proferiu as seguintes palavras “vou-te aumentar a renda seu filho da puta”. -Posteriormente, quando o ofendido abandonou o local e já se encontrava de costas para a porta, o arguido tirou-lhe o pau, manietando-o, sem que o agredisse. -Que o arguido jamais desferiu qualquer pancada no veículo referido nos autos, desconhecendo se o mesmo pertence ao ofendido. Quaisquer outros factos com relevância para a decisão da causa articulados na acusação pública, no pedido de indemnização cível, contestação ou alegados em audiência de discussão e julgamento que não se encontrem descritos como provados ou que se mostrem em oposição aos provados ou prejudicados por estes. * Das alegadas fotografias ilícitasVeio o arguido alegar que as fotografias juntas aos autos devem ser consideradas ilícitas por terem sido obtidas sem o consentimento do arguido, invocando o disposto no art. 167.º do CPP e art. 199.º do C.Penal, pelo que não poderão ser valoradas pelo Tribunal. Não se nos afigura que tal deva colher. Com efeito, a junção das fotografias juntas aos autos, designadamente aquelas em que surge retratado o aqui arguido, neste contexto em concreto, não constitui nenhuma violação da vida privada nem do direito à imagem do visionado, não sendo necessário o seu consentimento para essa operação, tal como decorre do art. 79º, n.º 2, do Código Civil. Artigo 79.º (Direito à imagem) 1. O retrato de uma pessoa não pode ser exposto, reproduzido ou lançado no comércio sem o consentimento dela; depois da morte da pessoa retratada, a autorização compete às pessoas designadas no n.º 2 do artigo 71.º, segundo a ordem nele indicada. 2. Não é necessário o consentimento da pessoa retratada quando assim o justifiquem a sua notoriedade, o cargo que desempenhe, exigências de polícia ou de justiça, finalidades científicas, didácticas ou culturais, ou quando a reprodução da imagem vier enquadrada na de lugares públicos, ou na de factos de interesse público ou que hajam decorrido publicamente. Estão neste acaso as fotografias que foram juntas aos autos, vg aquelas onde surge retratado o arguido, na via pública, nos moldes aí captados, justificada por exigências da justiça, pois com as mesmas se pretende retratar a prática de ilícitos criminosos por parte daquele, enquanto se aguarda a chegada da autoridade policial chamada ao local, visando-se assim documentar infrações, não dizendo respeito ao «núcleo duro da vida privada» da pessoa visionada, sendo antes um meio necessário e apto ao exercício do direito de defesa, pelo que está excluída a ilicitude das mesmas, não constituindo um método proibido de prova, dado que existe uma causa de justificação para a sua obtenção. Cfr. Ac. TRE de 28-06-2011: - A obtenção das imagens através de sistema, tendo em vista a identificação de autores de crimes, visa documentar infrações e não diz respeito ao «núcleo duro da vida privada» da pessoa visionada; é um meio necessário e apto ao exercício do direito de defesa, pelo que está excluída a ilicitude do mesmo. Não constitui um método proibido de prova, dado que existe uma causa de justificação para a sua obtenção. Ac. Relação do Porto de 23-10-2013, para cujo teor se remete: “I- São válidas, podendo ser valoradas pelo julgador (não constituindo métodos proibidos de prova) as provas que consistem na gravação de imagens (no caso filmagem) feita por particular (ofendido), direccionada para um local público, particularmente dirigida para o seu veículo automóvel, estacionado na via pública, apenas com vista a apurar quem era o autor dos danos (consistentes em sucessivos e repetidos riscos e outros estragos) que nele vinham sendo causados, bem como a reprodução, em suporte de papel, de imagens dessa filmagem retiradas. II - A gravação de imagens em local público, por factos ocorridos na via pública, sem conhecimento do visionado, tendo como única finalidade a identificação do autor do crime de dano (que atinge o património do particular que fez a filmagem), o qual veio a ser denunciado às autoridades competentes, mesmo que não haja prévio licenciamento pela Comissão Nacional de Protecção de Dados, constitui prova válida (art. 125º do CPP) por neste caso existir justa causa para essa captação de imagens (desde logo documentar a prática de infracção criminal que atenta contra o património do autor da filmagem, que depois apresentou a respectiva queixa crime), por não serem atingidos dados sensíveis da pessoa visionada e nem ser necessário o seu consentimento até olhando para as exigências de justiça. III - A imagem captada nas circunstâncias deste caso concreto, por um lado não constitui nenhuma violação do “núcleo duro da vida privada”, nem do direito à imagem do visionado, não sendo necessário o seu consentimento para essa gravação, tal como decorre do art. 79º, nº 2, do CC (estando a filmagem do suspeito justificada por exigências de justiça) e, por outro lado, aquela conduta do particular que fez a filmagem de imagens em local público não constitui a prática do crime de “gravações e fotografias ilícitas” p. e p. no art. 199º, nº 2, do CP, nem tão pouco integra a prática de qualquer ilícito culposo segundo o ordenamento jurídico, mesmo considerado este globalmente. IV - Não sendo ilícita, nos termos da lei penal, a filmagem de imagens em local público, feita por particular, nas circunstâncias deste caso concreto, também a reprodução mecânica dessa filmagem (através da junção ao processo, quer do CD contendo a dita gravação de imagens, quer da reprodução em papel de imagens dela retiradas) é permitida, tal como decorre do art. 167º, nº 1, do CPP. V - Esta nova forma de “privatização da investigação” (expressão usada por Costa Andrade a propósito, entre outros casos, de gravação de imagens por agentes privados, por eles trazidas ao processo) tem de ser analisada caso a caso, tendo em vista a salvaguarda daquele «núcleo duro» da vida privada da pessoa visionada (que abrange os dados sensíveis tal como definidos pela Lei de Protecção de Dados Pessoais), o qual assume uma multiplicidade de vertentes. e Ac. da Relação de Coimbra de 10-10-2012, in www.dgsi.pt: “Não constitui crime (“gravações e fotografias ilícitas”, cfr. art.º 199º, do C. Penal) a obtenção de imagens, mesmo sem consentimento do visado, sempre que exista justa causa para tal procedimento, designadamente quando sejam enquadradas em lugares públicos, visem a protecção de interesses públicos, ou hajam ocorrido publicamente. A obtenção de fotogramas através do sistema de videovigilância existente num estabelecimento comercial, para protecção dos seus bens e da integridade física de quem aí se encontre, mesmo que se desconheça se esse sistema foi comunicado à CNPD, não corresponde a qualquer método proibitivo de prova, desde que exista uma justa causa para a sua obtenção, como é o caso de documentar a prática de uma infracção criminal, e não diga respeito ao “núcleo duro da vida privada” da pessoa visionada”. A conduta do aqui ofendido que tirou as fotografias juntas aos autos não constitui assim a prática de crime de “gravação e fotografias ilícitas” do art. 199º, n.º 2 do CP, nem tão puco integra a pratica de qualquer ilícito culposo segundo ordenamento jurídico o mesmo considerado globalmente. Não sendo ilícito nos termos da lei penal as imagens retratadas em foto, nestas circunstâncias do caso concreto, também a sua junção ao processo será permitida tal como decorre da possibilidade legal prevista no art. 167º do CPP. * 3- Convicção do Tribunal:A convicção do tribunal, no que concerne aos factos dados como e não provados, baseou-se, fundamentalmente, na apreciação crítica e conjugada da totalidade da prova oferecida, a saber: -na análise dos registos clínicos de fls.06- 07; nos registos fotográficos de fls. 08 e 09; 18; 31-34; no episódio de urgência de fls.35-36 e relatório do IML de fls. 11-14; no auto de apreensão e exame directo de fls. 19, no relatório de peritagem de fls. 53 e o certificado de registo criminal de fls.186. Em conjunto com a demais prova produzida em audiência de discussão e julgamento, a saber declarações do aqui arguido AA, do assistente BB e da testemunha de acusação CC, militar da GNR, já que as restantes duas testemunhas arroladas pela acusação, parentes do aqui arguido, se remeteram ao silêncio, fazendo uso da prerrogativa legal prevista no art.134.º do CPP. Ora, analisando toda a prova produzida em julgamento, lida de forma conjugada e consonância com as regras de experiência comum e normal acontecer ficou o Tribunal convicto que o aqui arguido, pese embora o negue, efectivamente agrediu o corpo do aqui ofendido, então seu senhorio e danificou a sua viatura nos moldes acima dados como provados. Com efeito, não só o aqui ofendido descreveu de forma que se afigurou isenta e verosímil o sucedido nesse dia, como a sua versão dos factos encontra respaldo na demais prova junta aos autos, designadamente no episódio de urgência e relatório do IML que atestam efectivamente que o aqui ofendido apresentava uma equimose no membro superior direito (ombro), lesão esta que resultou da agressão de que aqui foi vítima com o pau aqui apreendido no autos, e com a mesma compatível, de que o aqui arguido fez uso aliás não só no corpo do ofendido, como na sua viatura, o que de resto encontra confirmação nas fotografias juntas aos autos, as quais retratam pelo menos parte do episódio ocorrido, podendo nelas surpreender-se, como bem referiu o MP, uma postura de investida do aqui arguido, das mesmas resultando claro que o este quem era efectivamente o portador do pau aqui em discussão, aí se encontrando bem retratada a hostilidade do mesmo, a qual decorre da sua postura facial e corporal, perante um ofendido em fuga para evitar uma maior extensão de danos-o que explicará até alguns ângulos fotográficos menos conseguidos em razão dessa mesma fuga-, bem ficando aí também retratada a proximidade do arguido à viatura do ofendido, que acabou por danificar. Aliás o Sr. militar chamado ao local logrou ainda ele próprio visualizar in locco o aqui arguido com o pau numa das mãos, no meio da via, “atrás do outro”- o aqui ofendido, o que presenciou, tendo também logo visualizado nessa altura o veículo homologado, corroborando, em síntese, o teor do auto de notícia de fls.07. Face a tudo o acima dito caiu assim a defesa do arguido, de negação dos factos, resultando evidente da lesão constatável no corpo do ofendido e na sua viatura quem foi o aqui agressor e o aqui agredido, quem perseguia e quem fugia, e a razão pela qual fugia, bem como quem estava afinal munido do pau aqui efectivamente utilizado na agressão ao corpo e veículo do ofendido, e que em passo de corrida continuou a portar em plena via pública em contínua perseguição ameaçadora ao aqui ofendido, a que a presença policial entretanto parece ter posto cobro, pois só nesse momento, com a chegada da GNR o aqui arguido pousou o pau e regressou/recolheu à sua propriedade, enquanto o aqui ofendido, efectivamente prejudicado, apresentou queixa. Aliás pena é que não tenha em tempo sido requerida a preservação de imagens do posto de abastecimento da ..., como sugerido a fls. 3 v-cfr. fls.64. Quanto aos factos dados como não provados tal resultou do facto de que sobre os mesmos não ter sido feita qualquer tipo de prova, nos termos do art.127º do C.P.P., a mesma ter sido considerada não cabal e insuficiente para demonstrar os respectivos factos ou ter ficado demonstrado o contrário, nos termos acima melhor expostos, designadamente quanto a quem arcou com grande parte do montante necessário à reparação auto- a aqui seguradora do demandante. 3. APRECIAÇÃO DO RECURSO Cumpre agora apreciar as questões objecto de recurso. 3.1. Da valoração de prova proibida (reproduções fotográficas). Alega o recorrente que as reproduções fotográficas juntas aos autos devem considerar-se ilicítas, à luz da lei penal, uma vez que foram obtidas sem o consentimento, contra a vontade do arguido, nos termos dos artigos 167.º do Código de Processo Penal e do artigo 199.º do Código Penal e as respectivas, as imagens foram captadas pelo ofendido, à distância, para o interior do terreno do ofendido – e não na via pública. As diversas questões elencadas neste segmento do recurso pelo recorrente resumem-se a saber se o tribunal poderia fundar a sua convicção e assentar também a decisão de condenação do arguido na prova decorrente dessas reproduções fotográficas ou, dizendo de outro modo, se tal prova era proibida. Prevê o art.º 125º do C. P. Penal que, “São admissíveis as provas que não forem proibidas por lei” « Estabelece-se nesta norma uma das duas “ liberdades” consagradas nas “ disposições gerais” sobre a prova- a outra é, naturalmente, a relativa à apreciação dela ( artº 127º)»[4] Este princípio reflecte, por um lado, a atipicidade dos meios de prova, isto é, há uma liberdade da prova, pois são permitidas todas as provas que não forem proibidas e, por outro, as proibições de prova, pois existem meios e temas que são proibidos, bem como métodos que atentam contra Direitos, Liberdades e Garantias e Princípios Fundamentais. O art.º 126º do C. P. Penal densifica na lei ordinária uma das garantias do processo criminal previstas no artigo 32.º n.º 8 da C.R.Portuguesa, que prevê que, “São nulas todas as provas obtidas mediante tortura, coacção, ofensa da integridade física ou moral da pessoa, abusiva intromissão na vida privada, no domicílio, na correspondência ou nas telecomunicações”. Por sua vez, o artigo 26º, nº 1, da Constituição da República Portuguesa, sob a epígrafe “Outros direitos pessoais”, dispõe que “A todos são reconhecidos os direitos à identidade pessoal, ao desenvolvimento da personalidade, à capacidade civil, à cidadania, ao bom nome e reputação, à imagem, à palavra, à reserva da intimidade da vida privada e familiar e à protecção legal contra quaisquer formas de discriminação.” No direito à imagem está implícito, designadamente, o direito de cada um a não ser fotografado ou filmado sem o seu consentimento. Contudo, a própria lei fundamental, no seu artigo 18º, nº 2, admite a restrição dos “direitos, liberdades e garantias nos casos expressamente previstos na Constituição, devendo as restrições limitar-se ao necessário para salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos”. Ou seja, pese embora os princípios gerais acima referidos, a própria lei fundamental admite excepções e uma delas é a prevista no artigo 167º do Código de Processo Penal, segundo o qual as reproduções fotográficas “só valem como prova dos factos ou coisas reproduzidas senão forem ilícitas, nos termos da lei penal” (cfr. nº 1 na parte que releva). Esta disposição legal faz depender a validade da prova produzida por reproduções mecânicas da sua não ilicitude face ao disposto na lei penal. E, estatui a lei penal, no seu artigo 199º, sob o título “Gravações e fotografias ilícitas”, que: “1. Quem sem consentimento: a) (…); b) (…); 2. Na mesma pena incorre, quem, contra vontade: a) Fotografar ou filmar outra pessoa, mesmo em eventos em que tenha legitimamente participado; ou b) Utilizar ou permitir que se utilizem fotografias ou filmes referidos na alínea anterior, mesmo que licitamente obtidos. 3. (…).”. Alega o recorrente que as reproduções fotográficas são ilícitas, uma vez que foram obtidas sem o consentimento do arguido, nos termos dos artigos 167.º do Código de Processo Penal e do artigo 199.º do Código Penal, e as respectivas imagens não foram captadas na via pública. Sucede, porém, que, ao contrário do (só) agora alegado pelo recorrente, não existem elementos que sustentem que as fotografias em apreciação não tenham sido captadas na via pública ou de livre acesso ao público, salientando-se que foi na via pública que ocorreram os factos em causa nos autos, como decorre dos factos provados sob os nºs 1 e 2 e da própria motivação da decisão de facto, quando refere que: “ficando aí também retratada a proximidade do arguido à viatura do ofendido, que acabou por danificar” e “Aliás o Sr. militar chamado ao local logrou ainda ele próprio visualizar in locco o aqui arguido com o pau numa das mãos, no meio da via, “atrás do outro”- o aqui ofendido, o que presenciou, tendo também logo visualizado nessa altura o veículo amolgado, corroborando, em síntese, o teor do auto de notícia de fls.07.” E mais à frente “Face a tudo o acima dito caiu assim a defesa do arguido, de negação dos factos, resultando evidente da lesão constatável no corpo do ofendido e na sua viatura quem foi o aqui agressor e o aqui agredido, quem perseguia e quem fugia, e a razão pela qual fugia, bem como quem estava afinal munido do pau aqui efectivamente utilizado na agressão ao corpo e veículo do ofendido, e que em passo de corrida continuou a portar em plena via pública em contínua perseguição ameaçadora ao aqui ofendido, a que a presença policial entretanto parece ter posto cobro, pois só nesse momento, com a chegada da GNR o aqui arguido pousou o pau e regressou/recolheu à sua propriedade, enquanto o aqui ofendido, efectivamente prejudicado, apresentou queixa.” (sublinhados nossos). Por seu turno, quanto à invocada ausência de consentimento, a jurisprudência dos tribunais superiores tem considerado que será criminalmente atípica, a obtenção de fotografias ou de filmagens, mesmo sem consentimento do visado, sempre que exista justa causa nesse procedimento, designadamente quando as mesmas estejam enquadradas em lugares públicos, visem a realização de interesses públicos ou que hajam ocorrido publicamente, o que afasta a ilicitude da sua captação, tanto mais que não são atingidos dados sensíveis da pessoa visionada, que é vista a circular em local público. Como é referido no citado Ac. do STJ de 28.9.2011, proferido no processo nº 22/09.6YGLSB.S2, (relator Santos Cabral) “Na intima relação que coexiste entre o regime de admissibilidade de prova por reprodução mecânica - artigo 167 do Código de Processo Penal e o crime de gravação e fotografia ilícita - artigo 199 do Código Penal pode-se dizer, de forma redutora, que a gravação, ou fotografia, que não é crime, é admissível como prova”, adiantando que “o direito á palavra e o direito á imagem não são, nem devem ser, sacralizados como núcleo essenciais da vivência pessoal, e da comunidade, que se sobreponham a todo e qualquer tipo de ponderação de outros valores” e, acrescentando-se ainda que “age no exercício de um direito e, portanto vê excluída a ilicitude do seu comportamento, o agente cuja conduta é autorizada por uma disposição de qualquer ramo de direito”, o que está de acordo com o princípio da unidade da ordem jurídica.” A jurisprudência tem também entendido, de forma praticamente uniforme, que não constituem provas ilegais e, portanto, podem ser valoradas pelo tribunal (não constituindo métodos proibidos de prova) quer a gravação quer a captação de imagens por privados em locais públicos ou acessíveis ao público, desde que "exista uma justa causa para a sua obtenção, como é o caso de documentarem a prática de uma infração criminal, e não digam respeito ao «núcleo duro da vida privada» da pessoa visionada (onde se inclui a sua intimidade, a sexualidade, a saúde, a vida particular e familiar mais restrita, que se pretende reservada e fora do conhecimento das outras pessoas)» "quer a reprodução (v.g. em suporte de papel) de imagens que dessa gravação ou filmagem sejam retirados.[5] Nesse sentido, além da diversa jurisprudência citada na sentença que espelham esse entendimento, também se cita a título ilustrativo por ter alguma semelhança com o presente caso, o Ac. do Trib. Relação de Coimbra[6] : "I - A captação de imagens por particulares, em locais públicos ou de livre acesso ao público, não estando ferida de qualquer ilegalidade nem violando os direitos de personalidade que compreendem o direito à imagem, é meio admissível de prova. II - Efectivamente, as imagens assim captadas, por factos ocorridos nos referidos locais, do suposto autor do crime, não constituem nenhuma violação do “núcleo duro da vida privada” nem do direito à imagem daquele; por conseguinte, não é necessário o consentimento do visado para essa filmagem, nos termos exigidos pelo art. 79.º, n.º 2, do CC, porquanto a imagem do suspeito se encontra justificada por razões de justiça, nem tão pouco a referida recolha de imagens integra o crime de p. p. pelo art. 199.º, n.º 2, do CP". E, o sumário do já citado Ac. do Tribunal da Relação de Évora de 29-03-2016: “I-O artigo167.º do CPP contempla uma das hipóteses de proibição de prova expressamente previstas no CPP, pelo que é à luz do regime respetivo que deve ser apreciada a invocada proibição de prova por obtenção e utilização de imagens do arguido captado em vídeo contra a sua vontade presumida. II - Resulta da remissão do artigo 167.º do CPP para o campo da ilicitude penal, ser inadmissível e proibida a valoração de qualquer registo fotográfico (fílmico, vídeo, etc.) que, pela sua produção ou utilização, constitua o seu agente em autor de um crime de Gravações e fotografias ilícitas, previsto entre os Crimes contra outros bens jurídicos pessoais no artigo 199º do C.Penal, ou de um crime de Devassa da vida privada, previsto no artigo192.º do C.Penal entre os crimes contra a reserva da vida privada. III - Assim, como reverso da proibição da valoração das fotografias ou filmes ilícitos contida no artigo 167.º do CPP, é em princípio admissível a valoração das fotografias ou filmes que não tenham sido obtidos de forma penalmente ilícita, quer tal licitude resulte de não ser penalmente típico o comportamento em causa, quer de ser-lhe aplicável causa de justificação legalmente prevista, o que vale sobremaneira para as situações, como a presente, em que o agente da ação de fotografar ou filmar foi um particular. IV - Mesmo a entender-se que a finalidade, comum, de filmar a materialidade e autoria do crime e de utilizar posteriormente o vídeo como prova do facto, não constitui fundamento de atipicidade da conduta da assistente relativamente ao tipo legal de Gravações e fotografias ilícitas previsto no artigo 199.º do C.Penal, sempre se mostra excluída a ilicitude no caso concreto por se considerar ter a assistente agido ao abrigo do direito de necessidade previsto no artigo 34.º do C. Penal, o que vale tanto para a obtenção do vídeo como para a sua posterior utilização no presente processo, pois esta utilização constitui a concretização daquele mesmo fim.” Em causa está o direito à imagem, sem incluir o núcleo duro da vida privada, tutelada pelo art.192º do C. Penal. A utilização das reproduções fotográficas, em ofensa daquele direito à imagem, para realização de finalidades que visam a eficiência da justiça, justifica-se neste caso, tendo em consideração os fundamentos legais e jurisprudências acima citados, com apelo ao princípio da proporcionalidade entre os bens jurídicos em confronto, devendo prevalecer a realização da justiça sobre o direito à imagem, afectada em medida pouco relevante, quando as mesmas estejam enquadradas em lugares públicos, visem a realização de interesses públicos ou que hajam ocorrido publicamente. Assim, apesar da falta de consentimento do visado, as imagens em causa, captadas em local público, não correspondem a qualquer método proibido de prova, por não violarem o núcleo duro da vida privada, avaliado numa ideia de proporcionalidade e por existir uma justa causa na sua obtenção e utilização, que é a prova de uma infracção criminal. Em conclusão, as provas em causa não são proibidas, pelo que improcede a primeira questão suscitada pelo recorrente. 3.2. Impugnação da matéria de facto, por erro de julgamento, relativamente à factualidade inserta nos nºs 1 a 8, designadamente por violação do princípio in dubio pro reo. O recorrente considera errada a apreciação da prova produzida, defendendo que deveriam ser considerados não provados os factos insertos nos nºs 1 a 8 dos factos provados. A impugnação ampla da matéria de facto, tendo em vista o reexame dos erros de procedimento ou de julgamento e visando a modificação da matéria de facto, nos termos do art.º 431º, al. b), é sempre delimitada pelo recorrente através do ónus de especificação previsto nos n.ºs 3 e 4 do art.º 412º do C. P. Penal (diploma a que reportam as demais disposições citadas sem menção de origem). Mais concretamente impõe que o recorrente especifique: a)- os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados; b)- as concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida; c)- as provas que devem ser renovadas. Assim, no que diz respeito à alínea a) do mencionado preceito, impõe-se que o recorrente individualize/concretize o facto que considera mal julgado, não bastando uma remissão genérica para um conjunto de factos. No que toca à alínea b), o recorrente deve especificar as concretas provas que impõe que no caso concreto o tribunal a quo tivesse decidido de forma diferente, exigindo-se a indicação do concreto conteúdo probatório, não sendo suficiente, também a mera remissão genérica para um determinado meio de prova (para a integralidade de um depoimento, para o teor de todas as declarações de um determinado sujeito processual e para um documento). A especificação das «concretas provas» só se satisfaz com a indicação do conteúdo especifico do meio de prova ou de obtenção de prova e com a explicitação da razão pela qual essas «provas» impõem decisão diversa da recorrida.[7] No mesmo sentido, pronunciou-se o acórdão desta Relação, de 23-03-2015,[8] onde se defende que o ónus imposto pelas als. a) e b) do nº3 do artº412º do C.P.P. tem de ser observado para cada um dos factos impugnados “Em relação a cada um têm de ser indicadas as provas concretas que impõem decisão diversa (é mesmo este o verbo - «impor» - utilizado pelo legislador) e em que sentido devia ter sido a decisão. É que há casos em que, face à prova produzida, as regras da experiência permitem ou não colidem com mais do que uma solução.” Para além disso, quando as provas tenham sido gravadas, as especificações previstas nas alíneas b) e c) fazem-se por referência ao consignado na acta, devendo o recorrente indicar concretamente as passagens em que funda a impugnação (nº4 do citado artº412º). Revertendo ao caso concreto, o recorrente identificou pontos de facto que considera incorrectamente julgados, como sendo os insertos nos nºs 1 a 8, bem como as provas que, na sua perspectiva, impunham decisão diversa. Analisando as conclusões de recurso, verifica-se que o recorrente assenta, genericamente, a sua discordância relativamente a essa matéria de facto por não ter resultado provado que tenha desferido com um pau pancadas no ombro direito do ofendido, bem como na porta dianteira e traseira, ambas do lado esquerdo, do veículo deste. Como resulta da motivação da decisão de facto, o tribunal a quo para prova desses factos: “baseou-se, fundamentalmente, na apreciação crítica e conjugada da totalidade da prova oferecida, a saber: -na análise dos registos clínicos de fls.06- 07; nos registos fotográficos de fls. 08 e 09; 18; 31-34; no episódio de urgência de fls.35-36 e relatório do IML de fls. 11-14; no auto de apreensão e exame directo de fls. 19, no relatório de peritagem de fls. 53 e o certificado de registo criminal de fls.186. Em conjunto com a demais prova produzida em audiência de discussão e julgamento, a saber declarações do aqui arguido AA, do assistente BB e da testemunha de acusação CC, militar da GNR, já que as restantes duas testemunhas arroladas pela acusação, parentes do aqui arguido, se remeteram ao silêncio, fazendo uso da prerrogativa legal prevista no art.134.º do CPP. Ora, analisando toda a prova produzida em julgamento, lida de forma conjugada e consonância com as regras de experiência comum e normal acontecer ficou o Tribunal convicto que o aqui arguido, pese embora o negue, efectivamente agrediu o corpo do aqui ofendido, então seu senhorio e danificou a sua viatura nos moldes acima dados como provados. Com efeito, não só o aqui ofendido descreveu de forma que se afigurou isenta e verosímil o sucedido nesse dia, como a sua versão dos factos encontra respaldo na demais prova junta aos autos, designadamente no episódio de urgência e relatório do IML que atestam efectivamente que o aqui ofendido apresentava uma equimose no membro superior direito (ombro), lesão esta que resultou da agressão de que aqui foi vítima com o pau aqui apreendido no autos, e com a mesma compatível, de que o aqui arguido fez uso aliás não só no corpo do ofendido, como na sua viatura, o que de resto encontra confirmação nas fotografias juntas aos autos, as quais retratam pelo menos parte do episódio ocorrido, podendo nelas surpreender-se, como bem referiu o MP, uma postura de investida do aqui arguido, das mesmas resultando claro que o este quem era efectivamente o portador do pau aqui em discussão, aí se encontrando bem retratada a hostilidade do mesmo, a qual decorre da sua postura facial e corporal, perante um ofendido em fuga para evitar uma maior extensão de danos-o que explicará até alguns ângulos fotográficos menos conseguidos em razão dessa mesma fuga-, bem ficando aí também retratada a proximidade do arguido à viatura do ofendido, que acabou por danificar. Aliás o Sr. militar chamado ao local logrou ainda ele próprio visualizar in locco o aqui arguido com o pau numa das mãos, no meio da via, “atrás do outro”- o aqui ofendido, o que presenciou, tendo também logo visualizado nessa altura o veículo homologado, corroborando, em síntese, o teor do auto de notícia de fls.07. Face a tudo o acima dito caiu assim a defesa do arguido, de negação dos factos, resultando evidente da lesão constatável no corpo do ofendido e na sua viatura quem foi o aqui agressor e o aqui agredido, quem perseguia e quem fugia, e a razão pela qual fugia, bem como quem estava afinal munido do pau aqui efectivamente utilizado na agressão ao corpo e veículo do ofendido, e que em passo de corrida continuou a portar em plena via pública em contínua perseguição ameaçadora ao aqui ofendido, a que a presença policial entretanto parece ter posto cobro, pois só nesse momento, com a chegada da GNR o aqui arguido pousou o pau e regressou/recolheu à sua propriedade, enquanto o aqui ofendido, efectivamente prejudicado, apresentou queixa.” Entende, no entanto, o recorrente que, o tribunal recorrido fez uma incorrecta interpretação do conjunto de toda a prova produzida, mais concretamente: - Do depoimento da única testemunha CC, militar da GNR, que na sua óptica, não foi avaliado de uma forma objectiva, pragmática e não fazendo um enquadramento cronológico dos factos; -Do depoimento do ofendido, que foi considerado isento e verosímil, quando o mesmo se mostra premeditado, interesseiro, incoerente e contraditório, com demasiadas dúvidas e “esquecimentos”; e - Não existe justificação suficiente para que a Senhora Juiz não acreditasse nas declarações do próprio arguido. Vejamos se lhe assiste razão. Na motivação da decisão de facto, o Tribunal recorrido invocou ter estribado a sua convicção na análise “na apreciação crítica e conjugada da totalidade da prova oferecida”. Como é consabido o art.º 127º do C. P. Penal, prevê o princípio da livre apreciação da prova, princípio estruturante do direito processual penal português, dispondo que “Salvo quando a lei dispuser diferentemente a prova é apreciada segundo as regras da experiência e livre convicção da entidade competente.” Tal não significa, contudo, que a actividade de valoração da prova seja arbitrária, pois está vinculada à busca da verdade, sendo limitada pelas regras da experiência comum e da lógica do homem médio suposto pela ordem jurídica, bem como por algumas restrições legais. Exige-se que o julgador indique os fundamentos que foram decisivos para a formação da sua convicção, ou seja, os meios concretos de prova e as razões ou motivos pelos quais relevaram ou obtiveram credibilidade no seu espírito. Não basta indicar o concreto meio de prova gerador do convencimento, é também necessário expressar a razão pela qual, apoiando-se nas regras de experiência comum, o julgador adquiriu, de forma não temerária, a convicção sobre a realidade de um determinado facto. Também em idêntico sentido se escreveu no Ac. da Relação de Coimbra de 12-09-2018[9] “ O princípio da livre apreciação da prova assume especial relevância na audiência de julgamento, encontrando afloramento, nomeadamente, no art. 355.º do Código de Processo Penal. É aí, na audiência de julgamento, que existe a desejável oralidade e imediação na produção de prova, na receção direta de prova e se assegura o princípio do contraditório, garantido constitucionalmente no art.32.º, n.º5. (…) A convicção do Tribunal a quo é formada da conjugação dialética de dados objetivos fornecidos por documentos e outras provas constituídas, com as declarações e depoimentos prestados em audiência de julgamento, em função das razões de ciência, das certezas, das lacunas, contradições, inflexões de voz, serenidade e outra linguagem do comportamento, que ali transparecem.” No caso, ouvidas integralmente as gravações atinentes às declarações do arguido e do assistente e do depoimento da testemunha CC, militar da GNR, já que as restantes duas testemunhas arroladas pela acusação, parentes do aqui arguido, se remeteram ao silêncio, fazendo uso da prerrogativa legal prevista no art.134.º do CPP– cf. art. 412º, nº 6, do CPP – e analisada a restante prova pericial e documental produzida nos autos, consideramos que o tribunal a quo se cingiu a prova legalmente admissível e interpretou correctamente e em conformidade com os ditames legais o disposto no art.º 127º do Código de Processo Penal. Na verdade, o tribunal recorrido explanou, de modo claro e perceptível, na fundamentação da decisão de facto da sentença as fontes probatórias que acolheu para a tomada de decisão, o respetivo conteúdo e alcance, bem como justificou de forma segura e coerente os motivos porque credibilizou umas e descredibilizou outras, sempre dentro dos limites legais da livre convicção, respeitando as regras da experiência e da lógica. Não basta, pois, que o recorrente pretenda fazer uma revisão da convicção alcançada pelo tribunal recorrido por via de argumentos que permitam concluir que uma outra convicção era possível, havendo antes que demonstrar que, como já referimos, que as provas indicadas a impõem. Como persistentemente e uniformemente se vem sustentando na jurisprudência[10] a impugnação da matéria de facto, por erro de julgamento, não se resume, em ouvir as pessoas nas passagens concretas do seu depoimento, em que, no entender do recorrente, está inquinado e sobretudo não visa a realização de um segundo e novo julgamento, com base na audição das gravações e na apreciação total do acervo dos elementos de prova produzidos e que serviram de fundamento à decisão recorrida, como se esta não existisse, destinando-se antes a obviar a eventuais erros ou incorrecções da mesma, na forma como apreciou a prova, quanto aos concretos pontos de facto identificados pelo recorrente. No caso, as passagens das declarações do assistente e do depoimento da testemunha trazidos à colação pelo recorrente em relação aos alegados factos incorrectamente julgados, não impõem decisão diversa da recorrido, uma vez que através delas o recorrente não demonstra a existência de nenhum erro patente de julgamento, limitando-se a divergir do modo como o tribunal recorrido valorou a prova produzida na audiência de julgamento socorrendo-se para tanto de excertos descontextualizados e invocando a existência de discrepâncias e imprecisões. Mas mesmo assim sempre diremos que, ao contrário do alegado pelo recorrente, as declarações do assistente, à semelhança do que entendeu o tribunal recorrido, também se nos afiguraram lógicas, convincentes, quer quando consideradas individualmente, quando este descreve que foi agredido pelo arguido no ombro direito com um pau, instrumento que foi por ele também utilizado para danificar a sua viatura, quer quando conjugadas com a restante prova produzida, designadamente o exame médico, onde são descritas lesões compatíveis com essa agressão, nas fotografias juntas aos autos, que pelos fundamentos supra expostos, constituiu prova documental valorável pelo tribunal - art.º 167º, nº 1, do CPP, as quais retratam pelo menos parte do episódio ocorrido, podendo nelas surpreender-se uma postura de investida do aqui arguido, das mesmas resultando claro que era este o portador do pau, aí se encontrando bem retratada a hostilidade do mesmo, a qual decorre da sua postura facial e corporal, e com o depoimento da testemunha CC. É certo que esta testemunha apresentou algumas indecisões e falhas de memória ( certamente justificadas pelo tempo que decorreu desde a prática dos factos), mas resulta do seu depoimento que não teve qualquer dúvida que foi chamada ao local e quando ai chegou viu o arguido com um pau, que descreveu como sendo grosso, como cerca de 1m a 1,5 m, numa das mãos, no meio da via, a correr atrás do assistente, tendo também despois visualizado o veículo deste último com danos do lado do condutor. Por outro lado, as declarações do arguido foram na sua maioria inverosímeis, contraditórias nos pormenores e sem qualquer outro suporte probatório, mostrando-se, por isso, plenamente justificada a falta de credibilidade ou relevância que lhe foi atribuída pelo tribunal recorrido. Resulta, pois, da leitura da motivação da decisão de facto, supra transcrita, que o Tribunal a quo norteou-se pelo princípio da livre apreciação da prova e pelas regras da experiência comum, procedendo à avaliação global da prova produzida, numa perspetiva crítica, expondo de forma clara e segura as razões que fundamentaram a sua opção decisória, não competindo a este Tribunal censurar a decisão recorrida com base na convicção pessoal do recorrente sobre a prova produzida, sob pena de se desconsiderar o princípio da livre apreciação da prova, consagrado no citado artigo 127.º do Código Processo Penal. Entende ainda o recorrente que o Tribunal a quo violou o princípio in dubio pro reo. O princípio in dubio pro reo é corolário do princípio da presunção de inocência do arguido, constitucionalmente consagrado, no art.º 32º, nº 2, da CRP, que prevê que “todo o arguido se presume inocente até ao trânsito em julgado da sentença de condenação, devendo ser julgado no mais curto prazo compatível com as garantias de defesa”. É um dos princípios básicos do processo penal e tem aplicação na apreciação da prova, impondo que, em caso de dúvida insuperável e razoável sobre a valoração da prova, se decida sempre a matéria de facto no sentido que mais favorecer o arguido.[11] Como resulta do recurso, o recorrente invoca a violação deste princípio mais uma vez como fundamento na errada valoração dos elementos de prova pelo tribunal a quo, o que motivou que desse como incorrectamente provados os factos supra indicados. Por conseguinte apela a esse princípio essencialmente como corolário da sua apreciação da prova, não tendo alegado ou demonstrado que o tribunal a quo se defrontou com dúvidas que resolveu contra ele ou demonstrou qualquer dúvida na formação da sua convicção. O princípio in dubio pro reo só é, no entanto, desrespeitado quando o Tribunal, colocado em situação de dúvida irremovível na apreciação das provas, decidir, em tal situação, contra o arguido. Daí decorre que tal princípio só teria sido violado se da prova produzida resultasse que, ao condenar a arguido com base em tal prova, o juiz tivesse contrariado as regras da experiência comum ou atropelasse a lógica intrínseca dos fenómenos da vida, caso em que, ao contrário do decidido, deveria ter chegado a um estado de dúvida insanável e, por isso, deveria ter decidido a seu favor.[12] Ora, no caso concreto, como já foi dito, resulta de forma clara da sentença recorrida, mais concretamente da fundamentação da convicção sobre a matéria de facto, que o Tribunal a quo após uma análise crítica e conjugada da prova produzida, concluiu, sem qualquer dúvida razoável, e sem contrariar as regras da experiência comum, pela verificação dos factos imputados ao arguido e que motivaram a sua condenação. Importa acentuar que a apreciação pelo STJ[13] da eventual violação do princípio in dubio pro reo encontra-se dependente de critério idêntico ao que se aplica ao conhecimento dos vícios da matéria de facto: há-de ser pela mera análise da decisão que se deve concluir pela violação deste princípio, ou seja, quando, seguindo o processo decisório evidenciado através da motivação da convicção, se chegar à conclusão de que o tribunal, tendo ficado num estado de dúvida, decidiu contra o arguido. Deste modo, pelas razões supra explicitadas, é de concluir pela inteira correcção do juízo probatório efectuado pelo tribunal a quo sobre os referidos factos provados, o que afasta a conclusão de que deveria ter ficado em estado de dúvida sobre os mesmos, não se mostrando, por isso, violado o princípio in dubio pro reo consagrado no artigo 32.º, n.º 2, da CRP. Por conseguinte, não existem fundamentos para considerar os factos insertos nos nºs. 1 a 8 dos factos provados, como não provados. Improcede, assim, também esta questão. III. DECISÃO Nos termos e pelos fundamentos expostos, acordam os Juízes do Tribunal da Relação de Guimarães, em julgar improcedente o recurso interposto pelo arguido e, em consequência, decide-se confirmar a sentença recorrida. Custas pelo arguido, fixando-se a taxa de justiça em quatro unidades de conta (art.º 513º, n.º 1, do Código de Processo Penal e art.º 8º, n.º 9, do Regulamento das Custas Processuais e Tabela III anexa a este último diploma). (Texto elaborado pela relatora e revisto pelos signatários - art.º. 94º, n.º 2, do CPP) Guimarães, 17 de Abril de 2023 Anabela Varizo Martins (relatora) Paulo Almeida Cunha (1º adjunto) Helena Lamas (2ª adjunta)
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