Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
1500/10.0GBGMR.G1
Relator: MARIA LUÍSA ARANTES
Descritores: INJÚRIA
OFENSAS À HONRA
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 02/17/2014
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: JULGADO PROCEDENTE O DE MANUEL C... E JULGADOS IMPROCEDENTES OS DE JOSÉ C. E MARIA C...
Sumário: Não comete o crime de injúria quem profere a expressão “vocês são uns palhaços, não sei como o povo vos escolheu”, dirigida a um presidente de Junta de Freguesia no âmbito de uma contenda motivada por questões relacionadas com a atuação dos membros da autarquia, por a mesma se traduzir num juízo de valor em que se exerce o direito de crítica.
Decisão Texto Integral: Acordam, em conferência, os juízes na secção criminal do Tribunal da Relação de Guimarães:

I – RELATÓRIO
No processo comum (com intervenção do tribunal singular) n.º1500/10.0GBGMR.G1, por sentença proferida em 15/7/2013 e depositada na mesma data, foi decidido:
a. Condenar a arguida Maria C... pela prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de ameaça agravado, p. e p. pelas disposições conjugadas dos artigos 10º, 14.º, 26º, 1ª proposição, e 153º, n.º1, e 155.º, n.º1, al. c), do Código Penal, na pena de 130 (cento e trinta) dias de multa à razão diária de € 6,20 (seis euros e vinte cêntimos);
b. Condenar a arguida Maria C... pela prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de injúria, agravado, p. e p. pelas disposições conjugadas dos artigos 10º, 14.º, 26º, 1ª proposição, e 181º, n.º1, 184.º, do Código Penal, na pena de 95 (noventa e cinco) dias de multa à razão diária de € 6,20 (seis euros e vinte cêntimos);
c. Condenar a arguida Maria C... pela prática do concurso de crimes referidos em a) e b) na pena única de 175 (cento e setenta e cinco) dias de multa à razão diária de € 6,20 (seis euros e vinte cêntimos);
d. Condenar o arguido José C... pela prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de injúria, agravado, e p. pelas disposições conjugadas dos artigos 10º, 14.º, 26º, 1ª proposição, e 181º, n.º1, e 184.º, do Código Penal, na pena de 95 (noventa e cinco) dias de multa à razão diária de € 6,70 (seis euros e setenta cêntimos);
e. Condenar o arguido José C... pela prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de injúria, agravado, e p. pelas disposições conjugadas dos artigos 10º, 14.º, 26º, 1ª proposição, e 181º, n.º1, e 184.º, do Código Penal, na pena de 95 (noventa e cinco) dias de multa à razão diária de € 6,70 (seis euros e setenta cêntimos);
f. Condenar o arguido José C... pela prática do concurso de crimes referidos em d) e e) na pena única de 140 (cento e quarenta) dias de multa à razão diária de € 6,70 (seis euros e setenta cêntimos);
g. Condenar o arguido Manuel C... pela prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de injúria, agravado, e p. pelas disposições conjugadas dos artigos 10º, 14.º, 26º, 1ª proposição, e 181º, n.º1, e 184.º, do Código Penal, na pena de 90 (noventa) dias de multa à razão diária de € 6,20 (seis euros e vinte cêntimos);
h. Condenar os arguidos no pagamento das custas do processo, fixando-se a individual taxa de justiça devida em 3 e ¼ UC’s (sem prejuízo de isenção ou dispensa de que possa beneficiar).

Mais julgar parcialmente procedente o pedido de indemnização apresentado pelos demandantes Maria M... e Carlos M... e, em consequência:
i. Condenar os demandados e arguidos Maria C..., José C... e Manuel C... no pagamento da quantia de € 550,00 (quinhentos e cinquenta euros), a título de danos não patrimoniais sofridos por Maria M... e acrescida de juros de mora desde a presente decisão e até efetivo e integral pagamento;
j. Condenar os demandados e arguidos Maria C..., José C... e Manuel C... no pagamento da quantia de € 550,00 (quinhentos e cinquenta euros), a título de danos não patrimoniais sofridos por Carlos M... e acrescida de juros de mora desde a presente decisão e até efetivo e integral pagamento;
k. Absolver os demandados e arguidos dos demais montantes reclamados e
l. Condenar os demandados e arguidos Maria C..., José C... e Manuel C... no pagamento das custas do processo respeitantes à parte cível na proporção de 50% e condenar os demandantes Maria M... e Carlos M... no pagamento dos restantes 50% das custas que sejam devidas, face aos respetivos decaimentos (sem prejuízo de isenção ou dispensa de que possam beneficiar).
Os arguidos, inconformados com a decisão, interpuseram recurso, extraindo da motivação apresentada as seguintes conclusões [transcrição]:
1. Confrontaram-se em audiência duas versões bem distintas: a dos Ofendidos e a dos arguidos.

2. Na sentença, o Tribunal não valorizou as contradições entre os depoimentos dos Ofendidos entre si e várias testemunhas inclusive indicadas pelo Ministério Público.

3. As testemunhas de acusação apresentaram versões eivadas de discrepâncias.

4. Com base nessas discrepâncias, o Tribunal não poderia ter valorado uma das versões em detrimento de outra.

5. A sentença deveria ter dado como não provados os factos constantes da pronúncia e elencados na sentença com os nºs 2 a 9.

6. As expressões imputadas ao arguido Manuel C... e constantes da matéria provada, nas circunstâncias em que foram produzidas e atenta a qualidade dos Ofendidos não são manifestamente injuriosas.

7. Errou o Tribunal Rec.do ao considerar as referidas expressões como objetivamente injuriosas e que o Rec.te Manuel C... tivesse intenção de ofender os ofendidos na sua honra e consideração, conclusão a que chegou por erro notório de apreciação da prova, vício previsto no artº 410º nº 2 c) do CPPenal.

8. Nunca estariam reunidos os elementos constitutivos do crime de injúrias, quer de ordem objetiva quer de ordem subjetiva, impondo-se a revogação da sentença recorrida e a absolvição dos Rec.tes.

9. A decisão recorrida violou as normas constantes dos artºs 180º nº 1, 183º nºs 1 e 2 e 184º do CPenal.

ATENTO O EXPOSTO ESPECIFICA-SE

10. Estarem incorretamente julgados os factos constantes dos pontos 2 a 9 dos factos provados com relevo para a decisão da causa elencados na sentença recorrida.

11. Impõem decisão diversa da proferida os depoimentos das partes civis e testemunhas supra mencionadas

12. nas passagens que igualmente supra se aludem.

Os demandantes Maria M... e Carlos M... responderam aos recursos, pugnando pela sua improcedência [fls.739/740].
O Ministério Público junto da 1ª instância apresentou resposta aos recursos, sustentando que os mesmos devem ser julgados improcedentes [fls.743 a 758].
Remetidos os autos ao Tribunal da Relação, foi aberta vista para efeitos do art.416.º n.º1 do C.P.Penal, tendo a Exma. Procuradora-Geral Adjunta emitido parecer no sentido da confirmação da sentença recorrida [fls.767 a 770].
Cumprido o disposto no art.417.º n.º2 do C.P.Penal, não foi apresentada resposta.
Colhidos os vistos legais, foram os autos levados à conferência.

II – FUNDAMENTAÇÃO

Decisão recorrida
A sentença recorrida deu como provados e não provados os seguintes factos bem como a respectiva fundamentação:
« II.A. Dos factos:
II.A.1. Dos factos Provados:
Com relevo para a boa decisão da causa, resulta demonstrado que:
Da decisão de pronúncia:
1. No dia 21 de novembro de 2011, cerca das 19,30 horas, os ofendidos Maria M... e Carlos M... estavam nas instalações da Junta de Freguesia de S..., em S..., Guimarães.
2. Aí verificaram que nas imediações das instalações da junta se encontrava presente um grupo populares, revoltados por não terem acesso ao interior das instalações da Junta e entre os quais estava a arguida Maria C... que, dirigindo-se à ofendida Maria M..., secretária da Junta de Freguesia de S..., dirigiu lhe as seguintes expressões: “és uma puta, uma vaca”, “andas a roubar o povo”.
3. Acto continuo e dirigindo-se ainda à ofendida Maria M..., disse ainda que “quando te apanhar vais ver”, efetuando em simultâneo, na direção desta, um gesto com a mão, representativo de agressão, ou seja, com o braço e mão esticada, efectuou movimentos contínuos de cima para baixo.
4. O arguido José C... que também se encontrava entre os presentes, dirigindo-se ao ofendido Carlos M..., Presidente da Junta de Freguesia, dirigiu-lhe as seguintes expressões “seu filho da puta”, “você é um chulo”.
5. No interior das instalações da Junta de Freguesia, o arguido José C... ao cruzar-se com a ofendida Maria M..., dirigiu-lhe as expressões “sua filha da puta”, “és uma filha da puta”.
6. E o arguido Manuel C..., dirigindo-se também ao ofendido Carlos M... proferiu a expressão “vocês são uns palhaços, não sei como o povo vos escolheu”.
7. Os arguidos Maria C..., José C... e Manuel C..., bem sabendo da qualidade de Presidente e Secretária da Junta de Freguesia e pretendendo visá-los nessa mesma qualidade, ao proferirem aquelas expressões injuriosas, agiram de forma livre, deliberada e conscientemente com o propósito concretizado de ofender os membros da autarquia local, na sua honra pessoal e profissional, resultado que representaram, bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei.
8. Também a arguida Maria C... agiu de forma livre, deliberada e conscientemente, com o propósito conseguido de causar intranquilidade, receio e temor no espírito da ofendida, convicta esta que ficou da possibilidade da arguida poder vir a concretizar a referida ameaça, bem sabendo que a sua conduta e expressão proferida eram adequadas a tal e que tal era proibido e punido por lei.
9. Agiram sempre os arguidos de forma deliberada, livre e conscientes, bem sabendo serem as suas condutas proibidas e punidas pela lei penal.

Do pedido de indemnização civil apurou-se que:

10. As palavras dirigidas pelos arguidos aos ofendidos provocaram nestes um sentimento de ingratidão, tristeza e aborrecimento.
11. Como consequência da atuação da arguida Maria C..., a ofendida ficou com medo que esta viesse a concretizar as suas palavras, o que lhe causou desgosto e constangimento.
12. O sucedido foi comentado nos diversos encontros da população em geral.
13. Os ofendidos ficaram vexados e feridos na sua honra e consideração.

Mais se provou que:

14. Maria C... tem a 4.ª Classe.
15. Maria C... é casada e vivem com o arguido Manuel C..., estando este desempregado e a auferir em média € 445,00/mês.
16. Maria C... está inativa e tem como fonte de rendimentos a exploração de um café, com cerca de € 600,00/mês.
17. Maria C... e seu agregado familiar vive em casa própria, pela qual nada pagam.
18. Maria C... e seu agregado familiar têm um Volkswagen Passat do ano de matrícula de 2002.
19. Maria C... não tem antecedentes criminais.
20. José C... tem o 9.º Ano de escolaridade.
21. José C... é casado e vive com a sua mulher, que é auxiliar de educação e aufere, em média, € 550,00/mês.
22. José C... é chefe de secção e aufere em média € 600,00/mês.
23. José C... é pai de um jovem de 16 anos e de uma criança de 07 anos de idade.
24. José C... e seu agregado familiar vivem em casa emprestada, do pai, pela qual nada pagam.
25. José C... e seu agregado familiar têm um Mercedez CLK do ano de matrícula de 1998 e um Peugeot 307 do ano de matrícula de 2001.
26. José C... não tem antecedentes criminais.
27. Manuel C... tem o 9.º ano de escolaridade.
28. Manuel C... é casado com a arguida Maria C..., estando esta inativa e a viver de rendimentos da exploração de um café, em média, de € 600,00/mês.
29. Manuel C... está desempregado e aufere em média € 445,00/mês de subsídio de desemprego.
30. Manuel C... e seu agregado familiar vivem em casa própria e pela qual nada pagam.
31. Manuel C... e seu agregado familiar têm um Volkswagen Passat do ano de matrícula de 2002.
32. Manuel C... não tem antecedentes criminais.

*
II.A.2. Dos Fatos Não Provados:
Com relevo para a boa decisão da causa, ficou por demonstrar que:
a. Foi por volta das 19h30 do dia 21 de novembro de 2011, que os ofendidos Maria M... e Carlos M... se dirigiram às instalações da Junta de Freguesia de S..., em S..., Guimarães, por terem sido alertados do facto de alguém ter invadido as instalações da junta, o que provocou que o alarme disparasse.
b. Os ofendidos e demandantes despenderam, cada um, em transportes a quantia de € 50,00 para se deslocarem à GNR e prestarem declarações.
c. Os ofendidos e demandantes exercem as suas funções de Presidente e de Secretária da Junta de Freguesia com grande apego e seriedade, com o intuito de melhor servir a população da freguesia de S....
d. Por várias vezes, os ofendidos, no exercício das suas funções, são contatados a horas tardias na sua própria casa por diversas pessoas residentes na freguesia, para lhes resolverem problemas relacionados com documentos, fornecimentos de bens essenciais, ou outras questões.
e. Os ofendidos e demandantes no exercício das suas funções deslocam-se por diversas vezes a instituições públicas para tratar de assuntos de interesse da freguesia, suportando despesas do seu próprio bolso, em muitas das situações.
f. As palavras proferidas pelos arguidos causaram nos ofendidos um sentimento de raiva.
g. O sucedido foi comentado nas reuniões de Junta e de Assembleia de Freguesia, tendo sido posta em causa a idoneidade pessoal para o exercício do cargo de elemento da Junta e a sua seriedade como pessoa.
h. Os ofendidos ainda hoje se sentem observados de soslaio por muito dos seus conterrâneos, despoletando expressões de descompustura, troça, desconfiança, escárnio, menosprezo, chacota relativamente aos ofendidos e sua família.
*
II.A.3. Da Motivação dos Fatos:
Em processo penal vigora o princípio da aquisição da prova articulado com os princípios da investigação e da verdade material e da presunção de inocência do arguido, impondo ao tribunal construir os suportes da sua decisão por apelo aos meios de prova validamente produzidos e, independentemente de quem os ofereceu, investigar e esclarecer oficiosamente os factos em busca da verdade material.
A prova, então, recolhida em sede de audiência de julgamento é, depois, apreciada segundo a orientação decorrente do princípio da livre apreciação da prova, isto é, a valoração da prova de acordo com as regras da experiência e a análise crítica e conjugada de toda a prova produzida, salvo se a lei dispuser diferentemente – cfr. artigos 127º, 163º, 169º e 374º, nº 2, ambos do Código de Processo Penal.
Foi, pois, à luz de tais princípios que se formou a convicção deste tribunal e, consequentemente, se procedeu à seleção da matéria de facto relevante.
Quanto à matéria de fato dada como provada e constante de 1. e, consequentemente, dada como não provada em a., a mesma foi assim respondida tendo em conta a valoração positiva das declarações dos demandantes, Maria M... e Carlos M..., prestadas de forma clara, coerente e verosímil e donde se pode perceber que existiram dois momentos distintos no dia 21.11.2010 em que teriam acontecidos os fatos: o primeiro, perto das 19h30 e no final da troca das fechaduras nas instalações da Junta de Freguesia de S..., o segundo, já por volta das 21h00 e na sequência do alarme das referidas instalações ter disparado.
Corroboraram a descrição temporal dos fatos efetuada pelos ofendidos e demandantes – existência de dois momentos distintos, o primeiro na sequência da troca de fechaduras; o segundo, na sequência do alarme ter tocado - os depoimentos de José P..., membro da lista do grupo de pessoas que integravam a Junta de Freguesia, que de forma clara e convincente, se referiu à existência desses dois momentos; João S..., tesoureiro da Junta de Freguesia, que de forma clara e objetiva delimitou o seu testemunho claramente ao primeiro momento; António M..., presidente da Assembleia de Freguesia de S..., que de forma manifestamente desinteressada e coesa delimitou igualmente o seu testemunho ao primeiro momento mas também tendo referido ter sabido de incidentes no segundo momento identificado pelos ofendidos; Bruno F..., GNR que de forma transparente e segura, declarou que, por força das suas funções, se deslocou ao local na fase da mudança das fechaduras; Eduardo G..., furriel da GNR que se deslocou às referidas instalações “já de noite” e já com conhecimento que outra patrulha já lha tinha estado; Armindo P..., Guarda da GNR que acompanhou o furriel G... e que, do que se lembrou, pode claramente perceber-se e situar-se o seu depoimento no segundo momento dos incidentes ocorridos naquele dia na Junta de Freguesia; Herculano Alves Cunha, pai do arguido José C..., que, não obstante o seu depoimento claramente reservado e interessado, depôs no sentido de ter estado nas instalações da Junta depois das 20h00, ou seja, no “segundo momento”; Manuel S..., reformado, que de forma clara evidenciou no seu discurso terem havido dois momentos em que “o povo começou a chamar nomes”, a “haver desabafos”; Ricardo C..., vice-presidente da IPSS e membro da equipa dos arguidos Manuel C... e José C..., que, pese embora ter apresentado um discurso pouco espontâneo e fluído, delimitou o mesmo ao primeiro momento dos “incidentes; Carlos C..., pessoa que esteve ligada à parte desportiva do Centro Social, que depôs, claramente e ainda que sem grandes detalhes de relevo ou fatos concretos, sobre o segundo “momento do incidente; Joaquim F..., presidente do Grupo Folclórico que utiliza(va) o edifício também utilizado pela Junta de Freguesia que se referiu no seu depoimento aos dois momentos (ainda que nos termos a que infra se dirá); e Arménio C..., Guarda da GNR que acompanhou o Guarda Bruno F... na deslocação ao edifício da Junta de Freguesia ao final da tarde de 21.11.2010.
No sentido de terem ocorrido dois momentos/períodos com (possíveis) incidentes e não um só (e seguido) foram, igualmente, o auto de ocorrência solicitado pelo tribunal e junto a fls. 541 a 551, que não merece qualquer reparo nem quanto à sua genuinidade, autoria ou conteúdo, e, ainda, as declarações dos arguidos Maria C..., José C... e Manuel C..., na medida em que, pese embora terem negado a prática dos fatos ilícitos, confirmaram que no dia 21.11.2010 ocorreram dois momentos distintos nas instalações da Junta de Freguesia e que geraram confusão, referindo o primeiro como tendo-se dado ao final da tarde e na sequência da troca das fechaduras.
Desta feita, portanto, a resposta positiva ao fato constante de 1. e a resposta negativa ao fato constante de a..
No que diz respeito à fatualidade constante de 2. e 3., 7. a 9. e imputada à arguida Maria C..., foi a mesma respondida de forma positiva uma vez que o tribunal valoração as declarações da demandante ofendida, Maria M..., que os confirmou na íntregra, em detrimento das declarações da arguida, que os negou in tottum, por aquela prova declarativa se ter revelado bem mais espontânea, coesa e verosímil, e por ter sido corroborada por outros meios de prova, nomeadamente, testemunhal, o que já não aconteceu com as declarações da arguida.
Na verdade, Maria M... enunciou com detalhe o que aconteceu no dia 21.11.2010 no edifício onde funciona a Junta de Freguesia de S..., quais são as sua funções nessa Junta, bem como qual o “papel” da arguida na IPSS que utiliza o mesmo edifício, e quais foram as concretas palavras e gestos que esta lhe dirigiu quando se preparavam para sair do edifício, o que tudo fez no sentido de confirmar na íntegra os fatos considerados provados. Estas declarações afiguraram-se-nos dignas de acolhimento, não apenas pelo modo como foram prestados e já por nós referido, mas também por terem sido corroboradas pela demais prova declarativa e testemunhal produzida e nos termos que se passará a explicitar.
Sobre os fatos de que foi vitima a sua mulher e secretária da Junta, pronunciou-se Carlos M..., também ele demandante e ofendido, que, de forma espontânea e coerente, referiu que quando se preparavam para sair das instalações da Junta de Freguesia, estando militares da GNR no local, ter presenciado a arguida Maria M... a dirigir àquela as expressões “filha da puta”, “andas a roubar o povo” e “quando te apanhar vais ver”, acompanhada esta com gestos em tudo idênticos a tal expressão, isto é, de quem quer bater; mais referiu que a confusão de populares que se gerou não o fez ter dúvidas da autoria de tais palavras e gestos, por conhecer perfeitamente a arguida como sendo mulher do arguido Manuel C..., presidente da associação que utilizava as instalações da Junta e que, com a decisão da troca de fechaduras, ficara prejudicada.
Sobre a mesma matéria pronunciou-se de forma emotiva mas que se nos afigurou genuína João S..., tesoureiro da Junta e que se encontrava no local quando os fatos ocorreram e muito próximo quer da vitima quer da arguida, tendo de forma escorreita esclarecido o tribunal do momento em que a arguida se dirigiu à ofendida (quando esta se preparava para sair do edifício) e do que ouviu aquela dirigir a esta (apelidando-a de “vaca”, “puta” e “andas a roubar o povo” e ameaçando-a que lhe batia, proferindo a expressão dada como provada e acompanhada dos gestos descritos e também dados como provados).
Finalmente, não infirmaram, antes reforçaram a fiabilidade dos meios de prova indicados pela acusação e, nessa medida, reforçando a versão vertida na decisão de pronúncia e relatada pela ofendida demandante, os depoimentos de algumas das testemunhas arroladas pela defesa, como foram os prestados por Ricardo C..., vice-presidente do Centro Social e Cultural, liderado pelo arguido Manuel C..., de Carlos C..., pessoa ligada à área desportiva do aludido Centro e de Manuel S..., reformado e frequentador do Centro, pois por todos foi unanimemente referido terem ouvido do exterior do edifício e para os membros da Junta “palavras de ordem”, “desabafos” como os identificados pela ofendida, nomeadamente, “filhos da puta”, “andais a roubar o povo” (circunstancialismo negado ou minimizado por todos os arguidos, note-se), já não conseguindo, porém, precisar ao tribunal a autoria dos mesmos.
Já quanto ao depoimento de Joaquim F..., de nada de concreto ao mesmo se pode retirar, dado este ter assumido não ter estado sempre ao lado da arguida Maria C... a ponto de poder garantir que ela não tenha proferido as expressões que lhe são imputadas.
Acresce dizer que, os meios de prova vindos de referir, conjugados com imagem global decorrente da demonstração dos fatos objetivos, com a idade e modo de vida apurado à arguida à data da prática dos fatos, na convoção ainda das regras do normal acontecer e da experiência comum, convenceu-se o tribunal de que a arguida praticou os fatos que lhe são imputados e que os fez de forma lúcida, deliberada e consciente, conhecedora da antijuridicidade dos mesmos.
Por seu turno, a convição positiva do tribunal quanto aos fatos imputados ao arguido José C... e constantes de 4. e 5. e 7. e 9., estribou-se, por um lado, nas declarações do ofendido e demandante, Carlos M..., e, por outro, na prova declarativa e testemunhal apresentada pelo Ministério Público e pelos próprios demandantes, tudo em detrimento das declarações do arguido.
Com efeito, o arguido José C... negou a prática dos fatos mas fê-lo de forma que, pelos gestos, expressões faciais e tom de voz empregado, se afigurou ao tribunal interessada, emotiva, sem objetividade, razão pela qual não nos mereceu credibilidade. Por outro lado, as suas declarações não foram corroboradas por nenhum outro meio de prova, isto é, não foram confirmadas por prova documental, testemunhal ou declarativa produzida nos autos e que fosse no sentido de o arguido ter estado na presença dos ofendidos e, nessa circunstância, não ter atuado no sentido expresso na decisão instrutória, pois a arguida Maria C... referiu não ter visto o que o arguido José C... andava a fazer aquando da confusão gerada à porta das instalações da Junta, e o arguido Manuel C... referiu não ter havido “bocas” de ninguém (onde se poderia, então, incluir o arguido José C...), todavia, em sentido completamente oposto à restante prova produzida em audiência, nomeadamente, toda a prova testemunhal, incluindo a arrolada pela defesa como já supra se referiu (ainda que a propósito da atuação de Maria C...).
Foi, portanto, relevante para convencer o tribunal da verificação positiva da prática dos fatos imputados ao arguido José C..., as declarações do ofendido e demandante, Carlos M..., que de forma clara, objetiva e coerente enunciou as expressões que ouviu ao arguido, bem como narrou as circunstâncias em que as mesmas foram proferidas, o que tudo fez no sentido de confirmar integralmente os fatos dados como provados.
Foi igualmente relevante para a formação da convição positiva do tribunal as declarações da ofendida e demandante, Maria M..., que descreveu sem incongruências e com naturalidade os fatos de que foi vítima por parte daquele arguido e que ocorreram nas escadas interiores do edifício (e no segundo período temporal em que lá esteve), tudo nos termos exarados supra.
Corroboraram as declarações dos ofendidos e demandantes, e, portanto, contribuíram para a formação da convição positiva do tribunal quanto aos fatos que são imputados ao arguido José C..., as declarações de Maria M... (e por referência aos fatos de que foi vitima o seu marido) que, de forma que se nos afigurou genuína e segura, disse em tribunal ter ouvido ao arguido o epípeto “chulos” quando este estava cá fora e quando o seu marido e demais membros da Junta de Freguesia se preparavam para abandonar o local, acompanhados da GNR; também foi importante o depoimento de João S..., que por estar muito próximo do ofendido e demandante e do arguido, assegurou em tribunal ter presenciado o arguido a dirigir as expressões supra dadas como assentes para o Sr. Presidente da Junta (tendo, aliás, adiantado que aquele o fez também para outras pessoas); e assumiu igual relevância também o depoimento de José P..., por referência aos fatos ocorridos no interior das instalações da Junta e de que foi vitima Maria M..., por os ter relatado de forma congruente, objetiva e clara e nos termos dados como assentes.
Foi igualmente importante para a credibilização do que foi transmitido pelo ofendido e demandante e, nessa medida, contribuindo para a formação da convição positiva do Tribunal, o depoimento isento, claro e preciso do agente da autoridade que se encontrava no local quando os membros da Junta de Freguesia de S... pretendiam abandonar o edifício. Esta testemunha, perfeitamente idónea e imparcial, asseverou em tribunal ter tentado “acalmar” os ânimos aos arguidos José C... e Manuel C... (e destas concretas pessoas, tendo, por mais que uma vez ao longo do seu depoimento, evidenciado não ter quaisquer dúvidas quanto aos mesmos – situação, aliás, que acabou por ser confirmada quanto à certeza das pessoas pelo próprio arguido José C... nas suas declarações finais e a propósito de situações posteriores em que foi fiscalizado por este agente de autoridade) e ter ouvido a um destes dois arguidos as expressões dadas como provadas em 4., que espontaneamente identificou e selecionou no conjunto de outras expressões que o tribunal o confrontou, ainda que já não tenha sido capaz de se recordar a qual deles. Ora, a falta de precisão reconhecida por esta testemunha é perfeitamente aceitável, face ao decurso do tempo e face ao seu exercício de funções que desempenha diariamente, e é perfeitamente suprível, como é consabido, por outros meios de prova, nomeadamente e como se já mencionou e resulta exposto, pela prova declarativa.
Acrescente-se que os depoimentos das testemunhas arroladas pela defesa não abalaram a credibilidade dos meios de prova vindos de referir nem trouxeram ao processo algo de oposto ao que era imputado ao arguido José C....
Na verdade, o pai deste arguido, Herculano C... e Manuel S..., reformado e pessoa conhecida dos arguidos, referiram terem existido insultos, terem presenciado os epípetos, mas atenta a distância a que se encontrava das pessoas que estava junto à entrada do edifício, não foi capaz de as imputar ao seu filho, nem, no oposto, atestar que não fora ele quem as proferira.
Por sua vez e de forma estranha, face a toda a prova produzida, referiu a testemunha Ricardo C... que estava “na linha da frente” dos populares e não se ter apercebido de qualquer altercação! Sem prejuízo, não se ter apercebido não é sinónimo de não ter acontecido nem do inverso, relembre-se… daí que o depoimento desta testemunha e quanto a esta matéria não foi relevante, por inócuo.
Por conseguinte e como já referido, com base nos meios de prova vindos de indicar e analisar, conjugados estes ainda com as regras do normal acontecer e da experiência comum, que o tribunal fundou a sua convicção positiva quanto aos fatos cuja pratica era imputada ao arguido José C..., nomeadamente, ainda, quanto aos fatos relacionados com o elemento subjetivo do ilícito, pois face ao que declarou o arguido e ao que resultou da prova produzida, não tem dúvidas o tribunal que José C... à data da prática dos fatos estava livre e lúcido e agiu deliberadamente, sabendo que era ilícita e penalmente punível a sua conduta.
Consigna-se que por não terem presenciado fatos passíveis de integrar ilícitos penais, face ao momento em que se deslocaram ao edifício e o momento em que os mesmos ter-se-iam dado, não assumiram relevância para a formação da convição do tribunal e quanto a tal matéria os depoimentos dos agentes da GNR, Eduardo G... e Armindo P.... Quanto aos fatos perpetrados no interior do edifício e sobre a pessoa de Maria M... também não se atendeu, por disso terem evidenciado nada saberem, face ao local onde se encontravam, aos depoimentos de Herculano C..., de Manuel S..., Ricardo C..., Carlos C... e Joaquim F....
Finalmente e quanto aos fatos constantes de 6., 7. e 9. e imputados ao arguido Manuel C..., cabe dizer que a resposta positiva aos mesmos fundou-se não na valoração das suas declarações, que os negou, por não se mostrarem nem coerentes nem suportadas pela demais prova produzida em audiência de julgamento ou pelas regras do normal acontecer; mas sim, nas declarações bem mais espontâneas e objetivas do ofendido e demandante, que os descreveu sem incongruências, e nos depoimentos de José P... que, de forma clara e assertiva, referiu ter presenciado o arguido a dirigir mais que uma vez e em mais que um sítio concreto a expressão “palhaços” aos representantes da Junta de Freguesia, onde se incluía, como referiu a testemunha, para alem de outros, o ofendido Carlos M....
A corroborar as declarações do ofendido e demandante e, portanto, corroborando a versão trazida a juízo na decisão instrutória, foi ainda o depoimento do agente da autoridade Bruno F..., prestado da forma já por nós referida, pois esta testemunha assegurou ter ouvido a um dos arguidos, Manuel C... ou José C..., a expressão “palhaços”, quando os membros da Junta, incluindo o ofendido, estavam para abandonar o local (Instalações da Junta de Freguesia).
Ora, conjugando os meios de prova vindos de referir com as regras da lógica (que permitem extrair a ideia que a expressão “palhaço” é vocabulário não estranho ao arguido Manuel), não se nos ficaram dúvidas que o arguido Manuel C... proferiu aquele epíteto e nas circunstâncias e termos descritos pelo ofendido e demandante.
Acresce que todos os meios de prova vindos de referir a este propósito, bem como a imagem global decorrente da prova dos fatos objetivos, permitiram ao tribunal ficar convencido que o arguido Manuel C... sabia da antijuridicidade da sua conduta, quis pratica-la, livre e lúcido que se encontrava na sua pessoa.
Mais uma vez se consigna que a prova testemunhal indicada pela defesa, face ao local onde referiram estar e ao momento em que ali se encontravam, não permitiu abalar a credibilidade da prova apresentada pelo Ministério Público ou pelos ofendidos e demandantes e, nessa medida, abalar a convição positiva do tribunal dos fatos imputados ao arguido Manuel C....
No que diz respeito à matéria relacionada com o pedido de indemnização civil apresentado pelos ofendidos e demandantes, o tribunal convenceu-se positivamente dos fatos de 10. a 13., face à prova que foi produzida em audiência de julgamento e na sequência também da prova da matéria criminal, nomeadamente, valorou o tribunal as declarações de ambos os ofendidos, prestados de forma que se nos afigurou espontânea e credível, e nos depoimentos das testemunhas que lidavam e lidam com os ofendidos enquanto membros da Junta de Freguesia, como foram o Fernando Pereira, João S... e António M.... E, ainda, o depoimento de Manuel S..., jardineiro da Junta que de forma clara e genuína transmitiu ao tribunal que os incidentes foram comentados nos dias seguintes. Na convocação ainda das regras da experiência comum, por todos estes meios de prova não ficaram dúvidas ao tribunal da verificação dos fatos exarados de 10.a 13. e nos termos em que o foram.
Estes meios de prova, ainda que conjugados com as regras da experiência comum, não foram suficientes nem assertivos, porém, para convencer o tribunal da realidade constante de c., f., g. e h., razão pela qual o tribunal lhes respondeu negativamente.
O tribunal respondeu ainda de forma negativa aos fatos constantes de b., d. e e. dado não ter sido apresentada e realizada qualquer prova quanto aos mesmos.
Por último, no que concerne aos elementos relacionados com a situação pessoal e económica dos arguidos, vertidos de 14. a 32., o tribunal assim lhes respondeu tendo em consideração a valoração das declarações dos arguidos, prestadas de forma que se nos afigurou bem mais espontânea e genuína e que se revelaram, face às regras da experiência e do senso comum, verosímeis, a valoração dos certificados do registo criminal de cada um deles, junto a fls. 510 e sgs, e a valoração dos relatórios sociais dos arguidos, juntos a fls. 514 e sgs., prova documental que não foi nem merece ser questionada, e tudo permitindo perceber o percurso de vida dos arguidos, a composição dos respetivos agregados familiares, os rendimentos e bens conhecidos e, bem assim, os seus contatos com o sistema judiciário português.»

Apreciação
Atento o disposto no art.412.º n.º1 do C.P.Penal, o âmbito do recurso é delimitado pelo teor das conclusões extraídas pelos recorrentes da motivação apresentada, sem prejuízo da apreciação das questões de conhecimento oficioso, como são os vícios da sentença previstos no art.410.º n.º2 do C.P.Penal.
No presente recurso, face às conclusões formuladas, as questões trazidas à apreciação deste tribunal são as seguintes:
-erro de julgamento, devendo ser dados como não provados os factos vertidos nos pontos 2 a 9 dos factos provados,
- erro notório na apreciação da prova – art.410.º n.º2 al.c) do C.P.Penal,
- não preenchimento dos elementos constitutivos do crime de injúria no que se refere ao arguido Manuel C....

-Impugnação da matéria de facto
Os recorrentes impugnam os pontos 2 a 9 dos factos provados, os quais deveriam constar antes dos factos não provados, sustentando que o tribunal a quo errou na apreciação da prova produzida em julgamento, pois face a versões contraditórias, acolheu sempre a tese da acusação/ofendidos e afastou a dúvida que, na opinião dos recorrentes, esteve sempre presente ao longo das várias sessões de julgamento.
Tendo sido documentadas, mediante gravação, as declarações prestadas em audiência de julgamento, este tribunal pode conhecer amplamente da decisão de facto, desde que se mostre cumprido o disposto no art.412.º n.ºs 3 e 4 do C.P.Penal
Dispõe o art.412.º n.º3 do C.P.Penal «quando impugne a decisão proferida sobre matéria de facto, o recorrente deve especificar:
a) Os concretos pontos de facto que considera incorrectamente provados;
b) As concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida;
c) As provas que devem ser renovadas.»
E o n.º4 do mesmo dispositivo estabelece «Quando as provas tenham sido gravadas, as especificações previstas nas alíneas b) e c) do número anterior fazem-se por referência ao consignado na acta, nos termos do disposto no n.º2 do art.364.º, devendo o recorrente indicar concretamente as passagens em que se funda a impugnação.»
Como é entendimento pacífico da jurisprudência, o recurso de facto para a relação não é um novo julgamento em que a 2ªinstância aprecia toda a prova produzida em 1ªinstância, como se o julgamento ali realizado não existisse; ao invés, os recursos, em matéria de facto, são remédios jurídicos destinados a colmatar erros de julgamento, os quais devem ser indicados com menção das provas que os evidenciam.
Note-se que o art.412.º n.º3 al.b) do C.P.Penal refere «As provas que impõem decisão diversa da recorrida» e não as que permitiriam uma decisão diversa. A garantia do duplo grau de jurisdição da matéria de facto não subverte o princípio da livre apreciação da prova que está deferido ao tribunal da 1ªinstância, o qual beneficia da imediação e da oralidade, sendo que na formação da convicção do julgador não intervêm apenas elementos racionalmente demonstráveis, mas também factores não materializados e que são imperceptíveis na gravação de um depoimento, como a linguagem gestual, o olhar, etc.
No caso vertente, a pretexto de impugnarem a decisão proferida sobre a matéria de facto, os recorrentes mais não fazem do que colocar em causa a convicção do tribunal recorrido, pretendendo a aplicação do princípio in dubio pro reo face à existência de versões de sinal contrário e que à versão dos ofendidos/demandantes não seja atribuída credibilidade perante algumas discrepâncias com os depoimentos de determinadas testemunhas.
Atentemos na impugnação que é feita dos pontos 2 e 3 e 7 a 9 dos factos provados.
Nos termos da motivação da factualidade assente, a convicção do tribunal relativamente aos aludidos pontos baseou-se nos depoimentos da ofendida Maria M..., do seu marido Carlos M..., também ele ofendido, nos depoimentos de João S..., Ricardo C..., Carlos C... e Manuel S..., estando devidamente explicitado o raciocínio percorrido pelo tribunal para concluir como o fez, sendo conjugados estes meios de prova.
Ora, os recorrentes pretendem questionar o facto de ter sido atribuída credibilidade à ofendida Maria M..., quando a mesma afirmou que o seu filho não estava presente e as testemunhas de defesa e o agente Bruno F... disseram o contrário, assim como os ofendidos afirmaram que tentaram chegar ao dialogo com os populares e a testemunha João S..., que o tribunal considerou credível, disse que não houve conversa, só tendo ouvido “chamar nomes” (sic). Esquecem-se os recorrentes que é ao julgador, não aos sujeitos processuais, que cabe apreciar quais os depoimentos que merecem credibilidade e se o merecem na totalidade ou só parcialmente, salientando-se que o tribunal não tem de aceitar ou recusar um depoimento na sua totalidade, tendo a tarefa de destrinçar aquilo que lhe merece crédito. Como afirma o Prof. Enrico Altavilla, in Psicologia Judiciaria, Vol.II, 3ªedição, pág.12, o interrogatório como qualquer testemunho está sujeito à critica do juiz, que poderá aceitar como verdadeiras certas partes e negar crédito a outras.
Por outro lado, o princípio in dubio pro reo não tem aplicação sempre que existam versões distintas. Este princípio, enquanto corolário da presunção de inocência do arguido até ao trânsito em julgado da sentença condenatória, pressupõe a existência de um non liquet que deve ser resolvido a favor do arguido. A sua violação só ocorre quando do texto da decisão recorrida decorrer que o tribunal ficou na dúvida em relação a qualquer facto e, nesse estado de dúvida, decidiu contra o arguido ou quando a dúvida se impunha face às regras da experiência.
No caso dos autos, a fundamentação da decisão impugnada não revela qualquer dúvida do tribunal a quo quanto aos factos em discussão nem a mesma se impõe de acordo com as regras da experiência comum.
Também quanto à impugnação dos pontos 4, 5 e 6 dos factos provados, os recorrentes não apontam erros de julgamento que imponham uma decisão diversa; ao invés, insurgem-se pelo tribunal ter atribuído credibilidade a umas testemunhas e considerado pouca credíveis outras. Por outro lado, também se esquecem que as testemunhas não presenciam um determinado episódio da mesma forma, podendo uma testemunha ser credível e apenas ter atentado em determinados aspectos do sucedido enquanto outra testemunha, igualmente credível, focou a sua atenção noutro aspecto do mesmo episódio, em consequência do que as duas testemunhas podem descrevê-lo termos não perfeitamente coincidentes.
Há casos em que, face à prova produzida, as regras da experiência comum permitem mais do que uma solução. Se a decisão do julgador, devidamente fundamentada, for uma das soluções plausíveis, ela é inatacável pois foi proferida de acordo com o princípio da livre apreciação – art.127.º do C.P.Penal –, que está deferido ao tribunal da primeira instância, o qual beneficia da imediação e da oralidade.
Insurgindo-se os recorrentes quanto à formação da convicção do tribunal recorrido, pelo modo como foi valorada a prova, não apontando erros de julgamento, a impugnação ampla da matéria de facto não pode proceder.
Como se refere no Ac. do Tribunal Constitucional n.º 184/2004, de 24.11.2004, in www.tribunalconstitucional.pt, «A censura quanto à forma de formação da convicção do Tribunal não pode (…) assentar de forma simplista no ataque da fase final da formação dessa convicção, isto é, na valoração da prova; tal censura terá de assentar na violação de qualquer dos passos para a formação de tal convicção, designadamente porque não existem os dados objectivos que se apontam na motivação ou porque se violaram os princípios para a aquisição desses dados objectivos ou porque não houve liberdade na formação da convicção.»
Em face do exposto, a apreciação da matéria de facto tem de se cingir aos vícios do art.410.º n.º2 do C.P.Penal, os quais, aliás, são de conhecimento oficioso, embora os próprios recorrentes invoquem o erro notório na apreciação da prova.
Dispõe o art.410.º nº2 do C.P.Penal: «Mesmo nos casos em que a lei restrinja a cognição do tribunal de recurso a matéria de direito, o recurso pode ter como fundamentos, desde que o vício resulte do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum:
a) A insuficiência para a decisão da matéria de facto provada;
b) A contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão;
c) Erro notório na apreciação da prova.»
O vício da insuficiência da matéria de facto provada para a decisão verifica-se quando da factualidade vertida na decisão se colhe faltarem elementos que, podendo e devendo ser indagados, são necessários para que se possa formular um juízo seguro de condenação (e da medida desta) ou de absolvição.
O vício da contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão ocorre quando há uma incompatibilidade, insusceptível se ser ultrapassada através do texto da decisão recorrida, entre os factos provados, entre factos provados e não provados ou entre a fundamentação e a decisão.
Existe erro notório na apreciação da prova quando, analisada a decisão recorrida na sua globalidade e sem recurso a elementos extrínsecos, é manifesto que o tribunal fez uma apreciação ilógica da prova, em patente oposição às regras básicas da experiência comum, ou seja, sempre que para a generalidade das pessoas seja evidente uma conclusão contrária à exposta pelo tribunal. Trata-se de um erro ostensivo, que é detectado pelo homem médio.
O recorrente Manuel C... defende que houve erro na apreciação da prova por o tribunal a quo ter considerado que a expressão “vocês são uns palhaços, não sei como é que o povo vos escolheu” é injuriosa.
Os vícios previstos no art.410.º n.º2 do C.P.Penal são referentes à matéria de facto e não ao seu enquadramento jurídico, pelo que o recorrente não enquadrou devida mente a questão suscitada, a qual será infra analisada, em sede de qualificação jurídica dos factos.
Atentando na decisão recorrida, não se descortinam quaisquer dos vícios previstos no mencionado art.410.º n.º2 do C.P.Penal. O raciocínio explanado pelo tribunal a quo na formação da sua convicção é perfeitamente claro, sem contradições, consentâneo com as regras da experiência comum, explicando as razões que o levaram a dar como provados os factos, os motivos pelos quais a versão dos ofendidos se mostrou coerente e a razão de não atribuir credibilidade à versão dos arguidos.
Não se verificando os vícios previstos no art.410.º n.º2 do C.P.Penal, considera-se definitivamente fixada a matéria de facto.

-Não preenchimento do crime de injúria no que se refere ao arguido Manuel C....
Na tese recursiva, a expressão “Vocês são uns palhaços, não sei como o povo vos escolheu”, proferida pelo arguido Manuel C..., não preenche o crime de injuria pelo qual este arguido foi condenado.
Nos termos do n.º 1 do art. 181.º do C.Penal «quem injuriar outra pessoa, imputando-lhe factos, mesmo sob a forma de suspeita, ou dirigindo-lhe palavras, ofensivas da sua honra ou consideração, é punido (…)».
O bem jurídico protegido pelo crime de injúria é a honra, a qual tem de ser vista numa dupla perspectiva: a honra interior, que se reconduz ao juízo valorativo que cada pessoa faz de si mesma e a honra exterior, equivalente à representação que os outros têm sobre o valor de uma pessoa, ou seja, a reputação, o bom nome, a consideração que uma pessoa goza no meio social. Como escreve o Prof.Beleza dos Santos, in “Algumas Considerações Jurídicas sobre Crimes de Difamação e de Injúria”, RLJ ano 92, n.º3152, pág.167/168, a honra consubstancia-se «naquele mínimo de condições, especialmente de natureza moral, que são razoavelmente consideradas essenciais para que um indivíduo possa com legitimidade ter estima por si, pelo que é e vale» e a consideração é «aquele conjunto de requisitos que razoavelmente se deve julgar necessário a qualquer pessoa, de tal modo que a falta de algum desses requisitos possa expor essa pessoa (…) ao desprezo público. (…). A honra refere-se ao apreço de cada um por si, à auto-avaliação no sentido de não ser um valor negativo, particularmente do ponto de vista moral. A consideração ao juízo que forma ou pode formar o público no sentido de considerar alguém um bom elemento social ou ao menos de não o julgar um valor negativo».
Porém, a ofensa à honra e consideração não pode ser perspectivada em termos estritamente subjectivos, ou seja, não basta que alguém se sinta atingido na sua honra –, na perspectiva interior/exterior – para que a ofensa exista. Para concluir se uma expressão é ou não ofensiva da honra e consideração, é necessário enquadrá-la no contexto em que foi proferida, o meio a que pertencem ofendido/arguido, as relações entre eles, entre outros aspectos. Nesta linha de raciocínio, o Prof.Beleza dos Santos, na ob. cit., pág.167, citando Jannitti Piromallo, escreve «os crimes contra a honra ofendem um sujeito, mas não devem ter-se em conta os sentimentos meramente pessoais, senão na medida em que serão objectivamente merecedores de tutela».
O direito ao bom-nome e reputação, com consagração constitucional [art.26.º da CRP] conflitua, por vezes, com o princípio constitucional da liberdade de expressão [art.37.º da CRP], o qual se traduz no direito de exprimir e divulgar livremente o pensamento. Este direito tem uma grande amplitude, permitindo que se emitam juízos desfavoráveis, criticas, embora com limites, entre eles o respeito devido à honra e dignidade.
Estes direitos ao bom-nome e reputação e à livre expressão, que têm, em princípio, igual valor não podem ser entendidos em termos absolutos e, em caso de conflito, têm de ser harmonizados nas circunstâncias concretas.
No caso concreto, o arguido Manuel C..., dirigindo-se a Carlos M..., presidente da Junta de Freguesia, proferiu a seguinte expressão “vocês são uns palhaços, não sei como o povo vos escolheu”
A palavra “palhaço” é polissémica. Segundo o Grande Dicionário da Língua Portuguesa, Circulo dos Leitores, significa artista de circo, aquele que diverte o público com habilidades, anedotas, etc; pessoa que por actos ou palavras faz rir os outros, falando-se especialmente de quem tem a pretensão de ser engraçado”. Já em www.lexico.pt, se refere que em sentido pejorativo significa o «indivíduo que está constantemente a fazer piadas e a tentar ser engraçado sem ter grande sucesso;
sujeito que não pode ser levado com seriedade; indivíduo que altera a sua opinião e pontos de vista com muita frequência». Como refere o Ac.R.Porto de 19/12/2007, proc. n.º0745811, e citado na motivação do recurso, quando uma palavra tem uma pluralidade de sentidos, não temos de acolher o significado atribuído pelo visado tão-só por se ter considerado ofendido, sendo que isso terá de resultar inequivocamente dos factos.
Mas ainda que se considere que o arguido Manuel chamou palhaço ao Carlos M..., Presidente da Junta de Freguesia, com o intuito de demonstrar a falta de apreço pelo mesmo, o certo é que tal afirmação não excede a grosseria, a falta de educação, trata-se de um mero juízo de valor que não tem aptidão para atingir a honra e consideração do visado. A este propósito, refere-se no Ac.R.Porto de 12/6/2002, recurso n.º332/02, relatado pelo então Desembargador Manuel Braz, acórdão frequentemente citado pelos nossos tribunais superiores, «é próprio da vida em sociedade haver alguma conflitualidade entre as pessoas. Há frequentemente desavenças, lesões de interesses alheios, etc., que provocam animosidade. E é normal que essa animosidade tenha expressão ao nível da linguagem. Uma pessoa que se sente incomodada por outra «pode compreensivelmente manifestar o seu descontentamento através de palavras azedas, acintosas ou agressivas. E o direito não pode intervir sempre que a linguagem utilizada incomoda ou fere susceptibilidades do visado. Só o pode fazer quando é atingido o núcleo essencial de qualidades morais que devem existir para que a pessoa tenha apreço por si própria e não se sinta desprezada pelos outros. Se assim não fosse a vida em sociedade seria impossível. E o direito seria fonte de conflitos, em vez de garantir a paz social, que é a sua função».
In casu, apelidar de palhaços e dizer que não sabe como o povo os escolheu (aos membros da junta de freguesia, que o visado integrava), no âmbito de uma contenda motivada por questões relacionadas com a actuação dos membros da junta de freguesia, traduz-se num juízo de valor em que se pretende exercer o direito de critica, mas não de humilhar, vexar, tanto mais que no âmbito da discussão relacionada com o exercício da actividade autárquica, as palavras são habitualmente mais contundentes e a critica veemente. O presidente de uma junta de freguesia, exercendo um cargo público, tem uma maior exposição e está mais sujeito à crítica do que o normal cidadão, para além de que a expressão que lhe foi dirigida não ultrapassa a grosseria.
Concluímos, assim, que o arguido Manuel C... ao proferir a citada expressão não cometeu o crime de injúria que lhe foi imputado, pelo que se impõe a sua absolvição
De realçar que os pontos 7 e 9 dos factos provados, no que ora releva, ou seja, em relação ao arguido Manuel C..., representa apenas o entendimento do tribunal recorrido de que o comportamento deste arguido constitui crime. Neste contexto, trata matéria de direito.
Assente que o arguido Manuel não incorreu na prática do crime de injúria, há que retirar as consequências quanto ao pedido de indemnização civil – art.403.º n.º3 do C.P.Penal.
Uma vez que não resultou provado que o comportamento do arguido Manuel foi ilícito, improcede o pedido de indemnização civil contra ele deduzido, pois o seu fundamento era a prática do facto ilícito.

III – DECISÃO
Pelo exposto, acordam os juízes na secção criminal do Tribunal da Relação de Guimarães em:
- julgar procedente o recurso do arguido Manuel C... e em consequência absolvê-lo do crime de injúria e do pedido de indemnização civil;
-julgar improcedentes os recursos interpostos pelos arguidos José C... e Maria C....
-Custas pelos recorrentes que decaíram, fixando em 4 Ucs a taxa de justiça devida por cada um deles.
(texto elaborado pela relatora e revisto por ambas as signatárias)