Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
3108/16.7T8BRG.G1
Relator: ANA CRISTINA DUARTE
Descritores: FACTOS INSTRUMENTAIS – VALORIZAÇÃO
CONTRATOS DURADOUROS
INCUMPRIMENTO – JUSTA CAUSA – PERDA DE CONFIANÇA NO CUMPRIMENTO
MÁ FÉ
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 10/03/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: 2.ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
1 - Os factos instrumentais, sendo puramente probatórios, não têm que ser (nem devem ser) objecto de articulação específica pelas partes, sendo a instrução e julgamento o momento próprio para os mesmos emergirem, cabendo ao juiz atendê-los e valorá-los em sede da fundamentação da convicção quanto fixa os factos – essenciais ou complementares - provados e não provados

2 – Ocorrendo mora no cumprimento contratual, torna-se necessário a sua conversão em incumprimento definitivo, através da fixação de um prazo razoável para que o devedor cumpra, sob pena de o credor poder tomar a obrigação como definitivamente incumprida e resolver o contrato.

3 - A fixação desse prazo para considerar a obrigação definitivamente incumprida, torna-se desnecessária quando o credor conseguir fazer prova de que perdeu definitivamente o interesse na prestação.

4 - Ocorre, ainda, a possibilidade de o credor poder tomar a obrigação como definitivamente incumprida quando, após a mora, o devedor declara de forma unívoca, séria, clara e definitiva a intenção de não cumprir a obrigação a que está adstrito.

5 - Nos contratos de natureza duradoura, o fundamento típico para a cessação é a existência de uma justa causa ou existência de um incumprimento grave que torne inexigível a manutenção da relação contratual.

6 - A perda de confiança no cumprimento futuro do contrato pode justificar a resolução e, como tem entendido a jurisprudência, não há, então, que lançar mão da interpelação admonitória.

7 - O instituto da litigância de má-fé acautela um interesse público de respeito pelo processo, pelo tribunal e pela justiça, destinando-se a assegurar a moralidade e eficácia processual, com reforço da soberania dos tribunais, respeito pelas suas decisões e prestígio da justiça.
Decisão Texto Integral:
Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães

I. RELATÓRIO

“T. T., Lda.” deduziu ação declarativa contra “X Unipessoal, Lda.”, “Y – Sociedade Central de Cervejas e Bebidas, SA”, “Cerveja W España, SA” e “Cerveja W International, BV” pedindo que seja reconhecida e declarada a cessação ilícita por parte da 1.ª ré do contrato de sub-cessão de utilização de espaço celebrado entre a autora e a 1.ª ré, em 19 de fevereiro de 2014 e, em consequência, sejam as rés solidariamente condenadas a indemnizar a autora pelos danos emergentes e lucros cessantes, na quantia de € 316.760.00, bem como no pagamento dos juros que se vierem a vencer sobre a quantia indicada, desde a data da citação até efetivo e integral pagamento.

As rés contestaram, excecionando a incompetência territorial e a justa causa na resolução do contrato, pedindo a improcedência da ação. Em reconvenção, pediram que a autora seja condenada a pagar à 1.ª ré a quantia de € 28.000,00, acrescida de juros de mora, relativa aos prejuízos causados pelo incumprimento. Pediram, ainda, a condenação da autora como litigante de má-fé.
A autora replicou, respondendo à matéria da reconvenção e, a convite do tribunal, respondeu às exceções suscitadas pelas rés.
Teve lugar a audiência prévia, na qual se julgou o tribunal territorialmente competente, julgando improcedente a exceção de incompetência territorial.
Foi proferido despacho saneador, admitida a reconvenção, definido o objeto da ação e os temas da prova.
Teve lugar a audiência de julgamento, após o que foi proferida sentença que julgou a ação improcedente, absolvendo as rés dos pedidos deduzidos pela autora e julgou procedente o pedido reconvencional, condenando a autora a pagar à 1.ª ré a quantia de € 28.000,00, acrescida de juros, à taxa legal estabelecida para os créditos comerciais, devido desde a data da sentença até integral pagamento. A autora foi condenada como litigante de má-fé no pagamento de multa equivalente a 50 UCs e no pagamento de indemnização às rés, em montante a fixar ulteriormente.

A autora interpôs recurso, tendo finalizado a sua alegação com as seguintes
Conclusões:

a) O presente recurso tem por objeto a Sentença proferida a fls. (…), a qual julgou totalmente improcedente os pedidos formulados pela Autora contra as Rés, e que assentavam na resolução ilícita, por parte da 1.ª Ré, do contrato de sub-cessão de espaço celebrado em 19 de fevereiro de 2014, entre a Autora e a 1.ª Ré, e que, em consequência absolveu as Rés dos pedidos, bem como condenou a Autora no pedido reconvencional deduzido pela 1.ª Ré contra a Autora e, ainda como litigante de má-fé, bem como, por último, ordenou seja dada vista ao Ministério Publico, para promover, querendo, procedimento criminal contra o legal representante da Autora, por crime de falsas declarações;
b) Sem prejuízo de a A. entender que a sentença recorrida deve ser revogada, pelas razões que sumariamente se invocarão de seguida, cumpre em primeiro lugar à A. requerer que seja a sentença declarada nula, por falta de pronúncia do Tribunal a quo sobre os factos alegados pela A. nos artigos 68.º a 70.º da petição inicial;
c) Na medida em que a referida factualidade não consta nem dos factos provados, nem dos factos não provados, ter-se-á necessariamente que concluir que a sentença é nula, o que aqui se invoca para os devidos e legais efeitos, devendo, em consequência, os autos baixar novamente ao Tribunal a quo para prolação de nova sentença, retificando-se os mencionados vícios;
d) Sem prejuízo do que antecede, diga-se que o próprio Tribunal ad quem está em condições de suprir tal vício, porquanto, factos alegados nos artigos 68.º a 70.º da petição inicial foram confessados pela própria 1.ª R.;
e) Os factos alegados nos artigos 68.º a 70.º foram confessados pela 1.ª R. na carta datada de 25 de Julho de 2014, junta aos autos a fls. 169. e 170., na qual consta o seguinte: “Chamamos a atenção para o facto da alternativa que agora nos apresentam representar uma redução de área de estacionamento de cerca de 32% em relação à área contratada”, pelo que deverá ser aditada tal matéria à matéria de facto provada, para os devidos e legais efeitos;
f) Acresce ainda que, entende a A. que foram provados factos instrumentais que se revelam essenciais à boa decisão da causa;
g) Na verdade, o Tribunal a quo só poderia debruçar-se sobre a validade do fundamento invocado pela 1.ª R. para cessar o contrato de sub-cessão celebrado entre a 1.ª Ré e a Autora se i) conhecesse as necessidades de estacionamento da 1.ª R. por referência ao número de veículos pesados que integram a sua frota quando comparado com o número de lugares de estacionamento disponíveis e ii) concluísse que, em função dessa mesma necessidade, os lugares disponíveis para a 1.ª R. parquear as suas viaturas se revelavam insuficientes;
h) Ficou provado do depoimento das testemunhas da própria 1.ª R., L. Q., B. D., D. A. e S. C., cujos depoimentos se encontram devidamente acima identificados, que o número de veículos pesados que integravam a frota da 1.ª R. era constituída, no máximo, por 50 viaturas, sendo que, caso viessem a integrar também os veículos que estavam alocados à operação da Malveira, (cerca de 10 veículos pesados), o que nunca se verificou, a frota da Autora ascenderia no máximo a 60, pelo que, face à referida prova, deverá ser aditada a seguinte matéria à factualidade provada: “A frota de veículos pesados de distribuição utilizada pela 1.ª R., durante o tempo em que decorreu a execução do contrato, foi no máximo de 50 carros, sendo que, a 1.ª R. tinha ainda a expetativa de integrar mais 10 veículos pesados de distribuição provenientes da operação da Malveira”.
i) Já quanto aos lugares de estacionamento, disponibilizados à 1.ª R., foi demonstrado que dentro da zona de logradouro, contígua ao armazém, estacionavam cerca de 20 a 25 veículos pesados de distribuição, e ao longo da fachada, podiam estacionar-se cerca de 25 veículos pesados de distribuição (após 17 de Julho de 2014), e em cada uma das ilhas, cerca de mais 25 viaturas pesadas, conforme resulta do depoimento das testemunhas, nomeadamente, da testemunha S. C..
j) Deve assim ser aditada a seguinte matéria “Os lugares de estacionamento estavam, pelo menos, distribuídos da seguinte forma: 20 a 25 veículos pesados de distribuição na zona do logradouro contígua ao edifício, 25 veículos pesados de distribuição ao longo da fachada do edifício e pelos menos 25 lugares de estacionamento em cada uma das ilhas”;
k) Deve ainda ser aditada à matéria de facto, uma vez que resulta da prova produzida, que a 1.ª R. nunca implementou a solução de estacionamento apresentada pela A., na carta enviada à 1.ª R., e datada de 17 de Julho de 2014, conforme aliás resulta do ponto 2.37 da matéria de facto e do depoimento do legal representante da A., do depoimento das testemunhas A. S., B. D. e S. C., cujos depoimentos se encontram acima devidamente identificados, pelo que deverá ser aditada a seguinte matéria “A 1.ª R. nunca pôs em prática a solução que a A. negociou com o M. e que consta da carta de 17 de Julho de 2014;
l) Acresce ainda que, para além dos factos que devem ser aditados e acima elencados, o Tribunal a quo sempre deveria concluído diferentemente quanto aos pontos 2.13, da matéria de facto a que de seguida se faz referência, caso tivesse valorado devidamente a prova produzida, quer testemunhal quer documental;
m) Quanto ao ponto 2.13 da matéria de facto provada, o Tribunal a quo errou ao ter qualificado o montante pago pela 2.ª R, à aqui Recorrente, como um pagamento de um preço, uma vez que ficou, claramente demonstrado, em sede de audiência de julgamento, que o montante de Euros 1.200.000,00 tinha natureza de indemnização e se destinavam a ressarcir a A., aqui Recorrente, pelo facto de a atividade de distribuição passar a ser realizada internamente pelas empresas que constituem o grupo das RR.;
n) Ficou provado que a 2.ª R. não queria dar visibilidade contabilística à indemnização que acordou pagar à A., pelo que as partes acordaram que seria ficcionada, para efeitos de pagamento de Euros 600.000,00, a aquisição de equipamento diverso que existiam no armazém, sendo que, conforme ficou aliás demonstrado pela prova testemunhal produzida - veja-se o depoimento do legal representante da A. e da testemunha L. C. -, parte dos equipamentos que constavam do anexo ao contrato de cessação e que ficticiamente foram adquiridos pela 2.ª R. nem eram da propriedade da A., aqui Recorrente;
o) Ademais, caso a matéria de facto provada no ponto 2.13, não seja alterada, tal consubstanciariam uma contradição insanável com a matéria de facto provada no ponto 2.14, pelo que, deve a referida factualidade ser alterada nos seguintes termos:
“2.13 Assim, em 19 de fevereiro de 2014, a autora e a segunda ré acordaram cessação da relação comercial que mantinham há vários anos entre elas, com efeitos a partir de 28 de fevereiro de 2014, bem como, na mesma data de 19 de fevereiro de 2014, as partes acordaram o pagamento de uma indemnização a favor da autora no valor de € 1.200.000,00, conforme documento 7 de fls. 202 a 212, que aqui se dá por reproduzido. (20º PI).”[sublinhado nosso];
p) Do mesmo modo, não pode a A., aqui Recorrente conformar-se com a matéria considerada provada no ponto 2.15 da matéria de facto, porquanto, também neste caso tal factualidade contraria, quer a restante matéria considerada provada, quer a prova testemunhal produzida;
q) Conforme resulta acima demonstrado, o documento assinado entre as partes junto a fls. 202 a 212, não corresponde à verdadeira vontade das partes, mas sim corporiza a intenção da 2.ª R. de não pretender que ficasse evidenciado o pagamento da indemnização à A. aqui Recorrente;
r) Pelo que, em face da prova produzida, deve o referido ponto da matéria de facto ser alterado, passando aí a constar “2.15. Como a segunda ré não pretendia que o referido valor de €1.200.000,00 fosse contabilizado exclusivamente com a natureza de indemnização, as partes dispuseram na cláusula 3ª, nº 1 de tal acordo de cessação que a Y (…) pagará à segunda contraente (ora autora) o preço global de € 600.000,00 (…) relativo à compra pela Y (…) dos veículos e equipamento diverso identificados no Anexo I ao presente acordo e que deste fica a fazer parte integrante, constando do ponto 5º dos Pressupostos do acordo que as partes pretendem assentar os termos e condições da cessação da referida relação de prestação de serviços (…) incluindo no que respeita à compra e venda de determinados activos da segunda outorgante (aqui autora)” [sublinhado nosso];
s) Quanto ao ponto 2.19 da matéria de facto provada, e apesar de ter sido produzida prova abundante sobre tal matéria – nomeadamente, sobre que lugares em concreto estavam incluídos no objeto do contrato, o Tribunal a quo na fundamentação da matéria de facto limitou-se a declarar o seguinte: “o Tribunal fundou a sua convicção com fundamento no conjunto das provas produzidas, nomeadamente nos depoimentos das testemunhas inquiridas, declarações e depoimento de parte prestados e documentos juntos aos autos”;
t) Apesar de as duas testemunhas essenciais à descoberta da verdade, neste concreto ponto da matéria de facto, terem prestado depoimentos em sentidos opostos, em sede de acareação a testemunha L. Q. não conseguiu por em causa minimamente o depoimento prestado pela testemunha L. C., admitindo que, a “esta distância já não se recordava”, mas que “poderia eventualmente ter dito que a planta teria tantos lugares”, conforme aliás resulta do depoimento acima transcritos e cuja gravação também se encontra devidamente identificada;
u) A testemunha J. F., responsável pela elaboração das plantas no depoimento prestado e cujo gravação está devidamente acima identificada, confirmou que i) não lhe foi solicitado que a planta identificasse especificamente os lugares de estacionamento, representando a planta apenas a estrutura viária onde o edifício está implantado, ii) não tem conhecimento daquilo que as partes teriam acordado em termos contratuais e iii) se a planta tivesse por objetivo também identificar os estacionamentos estes teriam que estar identificados e legendados, o que não se verifica;
v) Assim, deverá o ponto 2.19 da matéria de facto, ser alterado em função da prova produzida, nos seguintes termos: “Apesar de o Anexo I do mesmo contrato ter como epígrafe “Planta com delimitação do Espaço (incluindo lugares de estacionamento assinalados)”, sendo constituído por quatro plantas: Planta do R/C, a qual inclui os “estacionamentos assinalados”, Planta do Piso 1, da Cobertura e Alçados, as partes nunca acordaram que a 1.ª R. pudesse delimitar e identificar os lugares de estacionamento, nos termos indicados na clausula 1.2 do contrato, também no que respeita a 2.ª ilha (ilha norte) situada entre a zona frontal do armazém e as oficinas.”
w) E, em consequência, deve ser considerado não provado o ponto 2.51 da matéria de facto;
x) O Tribunal a quo errou ainda no ponto 2.28 da matéria de facto provada, ao olvidar-se de identificar o legal representante da A. que acompanhou as negociações com as RR., uma vez que tal facto revela-se importante uma vez que, foi com fundamento precisamente neste ponto, que o Tribunal a quo entendeu que o legal representante da A. prestou falsas declarações;
y) Sem prejuízo de a A. ir demonstrar que nenhum indício de verifica da prática de qualquer crime, esclareça-se que ficou demonstrado em juízo que, quem conduziu as negociações com as RR. e esteve presente em todas as reuniões e visitas ao local foi o outro gerente da A., e à data, ainda seu legal representante, L. C., conforme aliás resulta dos depoimentos transcritos, e devidamente identificados, da testemunha L. C. e do depoimento prestado pelo legal representante da A.;
z) Assim, requer-se a alteração da matéria de facto indicada no ponto 2.28, no seguintes termos: “Nessas visitas e reuniões esteve sempre presente o legal representante da autora, L. C., que acompanhou todo este processo de negociação do contrato de sub-cessão de utilização de espaço, bem como os funcionários e representantes da primeira e segunda rés, pelo que a primeira e segunda rés conheciam em detalhe o espaço utilizado pela autora (40º e 41ºPI)” [sublinhado nosso];
aa) Errou ainda o Tribunal a quo na decisão da matéria de facto quanto ao ponto 2.50, porquanto, ainda que a A. continue a defender que as ilhas frontais ao edifício nunca estiveram incluídas no objeto do contrato, mesmo que viesse a admitir, apenas por dever de patrocínio, que, da prova produzida teria resultado que tais lugares de estacionamento estavam incluídos no objeto do contrato, ainda assim, da prova documental e testemunhal carreada para os autos, não resulta (nem era suscetível de resultar) que tais lugares pudessem ser utilizados pela 1.ª R. a título exclusivo; Senão vejamos,
bb) Em primeiro lugar, não consta do contrato junto aos autos, nem no Anexo 1 ao mesmo, qualquer menção à natureza exclusiva dos referidos lugares de estacionamento;
cc) Da cláusula 1.2 do contrato sub judice, resulta que a 1.ª R., na qualidade de cessionária, poderia apenas identificar os lugares de estacionamento, mas da referida cláusula não se pode retirar que tal delimitação pressupunha a utilização exclusiva dos lugares por parte da 1.ª R.;
dd) Aliás, resulta precisamente o contrário: se ficou expressamente acordado entre as partes que não era “permitida uma vedação em torno dos mesmos”, tal significa que a 1.ª R. não poderia impedir a sua utilização por terceiros, ou seja, não tinha direito à utilização exclusiva dos referidos lugares;
ee) Se as partes tiveram o cuidado de acordar expressamente uma cláusula contratual que versava precisamente sobre a questão do estacionamento, e na referida clausula não existe qualquer alusão à utilização exclusiva dos lugares de estacionamento, tal só pode significar que nunca a A. se comprometeu a atribuir à 1.ª R., lugares de estacionamento, que esta pudesse utilizar a título exclusivo;
ff) E tanto assim é que as partes apenas fizeram constar do contrato uma “formulação redonda” que permitia que a 1.ª R. pudesse delimitar os lugares de estacionamento por forma a ficarem melhor identificados, mas já não permitia a sua vedação;
gg) Qualquer interlocutor colocado na posição da 1.ª R., teria concluído que um qualquer terceiro poderia utilizar os referidos lugares de estacionamento, porquanto, desde o momento em que celebrou o contrato que a 1.ª R. sabia não era permitida a vedação de acesso aos mesmos, única forma de garantir que terceiros não utilizariam, indevidamente, tais lugares de estacionamento;
hh) Acresce que, não corresponde à verdade, que durante as negociações, a 1.ª R. tenha transmitido à A. que a utilização desses lugares a titulo exclusivo era condição fundamental para a celebração do contrato, pois da prova produzida em audiência de discussão e julgamento, em momento algum ficou demonstrado tal realidade;
ii) Na apreciação da prova o Tribunal a quo errou redondamente ao confundir duas realidades distintas: i) a necessidade da operação ser necessariamente suportada por lugares de estacionamento versus ii) a possibilidade de utilização desses lugares de estacionamento a título exclusivo;
jj) E, tal equívoco é facilmente demonstrado, porquanto, o Tribunal a quo, ao analisar criticamente a prova, nomeadamente, a prova testemunhal das duas testemunhas que participaram direta e pessoalmente em todas as negociações – L. Q. e L. C. – nunca refere, na fundamentação da matéria de facto, que tais testemunhas referiram que os lugares de estacionamento deveriam ter natureza de parque privativo ou exclusivo;
kk) Entende a A., que o Tribunal a quo está convencido que a 1.ª R. terá transmitido à A. as suas preocupações com a necessidade de terem lugares de estacionamento disponíveis, e que o estacionamento era uma questão crítica para a implementação da operação de distribuição, mas em nenhum momento, o próprio Tribunal a quo refere ter ficado convencido que o representante da 1.ª R, L. Q., durante as negociações tenha referido que a 1.ª R. necessitava de utilizar, a título exclusivo, tais lugares de estacionamento;
ll) Atente-se, aliás, que é o próprio Tribunal a quo que na fundamentação da matéria de facto, afirma que a testemunha L. Q. confirmou que “o Senhor T. (legal representante da autora) tinha boas relações com o M., bem como que o espaço poderia ser delimitado, mas não vedado”;
mm) E, nem mesmo se pretenda defender que a testemunha P. R., confirmou a natureza exclusiva dos lugares de estacionamento, porquanto, não só a referida testemunha, apesar de ter estado presente nas negociações, não teve o papel preponderante que foi assumido pela testemunha L. Q., como bastará atentar na fundamentação da matéria de facto constante da própria sentença para se concluir que o próprio Tribunal a quo não criou a convicção nesse sentido;
nn) Acresce ainda que, mesmo que se entendesse que do depoimento prestado pela testemunha J. F., arquiteto que procedeu à elaboração das plantas, resultaram provados os factos que o Tribunal a quo elenca na sentença recorrida - o que não se concede - sempre se dirá que, mesmo que assim fosse, nenhuma referência é feita, pelo próprio Tribunal a quo, ao analisar tal depoimento, à natureza exclusiva dos estacionamentos;
oo) Bastar-se-á atentar no depoimento da testemunha L. C., acima transcrito e cuja gravação foi também devidamente identificada, para se concluir, sem qualquer dúvida, que toda a sentença enferma de um equívoco essencial: a confusão entre o que constitui o objeto do contrato de sub-cessão celebrado entre as partes e a natureza do direito atribuído à 1.ª R. sobre esse mesmo objeto, pelo que, os pontos da matéria de facto deverão ser reformulados de forma a desfazer qualquer equivoco;
pp) Acresce ainda que, não pode a A. aceitar o entendimento do Tribunal a quo no sentido em que os operadores podem fazer tudo o que o Regulamento do M. não proíba, porquanto, o próprio Regulamento prevê que as regras relativas à circulação e estacionamento de veículos são da competência do M. (artigo 12.º n.º 2 do Regulamento Geral”) e que “a ocupação dos lugares de estacionamento far-se-á de acordo com a sinalização existente”, pelo que se deverá concluir que a 1.ª R., nos termos do contrato, estava apenas autorizada pelo M., a estacionar os seus veículos nos termos da sinalização por esta aprovada e que permitia que “identificassem e delimitassem os lugares de estacionamento”, sem permitirem a sua vedação;
qq) Em face do exposto, entende a A. que a matéria do ponto 2.50 deve ser alterada nos seguintes termos: “A utilização dos espaços de estacionamento constantes no anexo I sempre esteve na base das negociações, tendo sido condição essencial para que a primeira ré tivesse celebrado o contrato com a autora, tendo a ré sempre evidenciado que essa utilização era fundamental para a celebração do contrato. (94º contestação, cfr. 14º tema da prova)”;
rr) A A. também não pode aceitar a conclusão do Tribunal a quo vertida nos pontos 2.53 a 2.57 da matéria de facto provada, porquanto, entende que, da prova produzida, não resulta demonstrado que foi a falta de lugares disponíveis que causou constrangimentos à atividade e danos à 1.ª R.;
ss) Ficou provado que a 1.ª R. utilizou, durante todo o tempo de execução do contrato, uma frota no máximo de 50 veículos pesados de distribuição, sendo que, a expetativa da A., que nunca chegou a concretizar-se, seria de acrescentar a esta frota mais 10 veículos provenientes da operação da Malveira;
tt) Conforme ficou acima provado, os lugares de estacionamento que o Tribunal a quo considerou integrarem o objeto do contrato, distribuíam-se da seguinte forma: 20/25 lugares de estacionamento na zona do logradouro, 25 lugares de estacionamento na fachada do edifício e 25 lugares de estacionamento em cada uma das ilhas, pelo que resulta patente que os lugares existentes no logradouro e os lugares que a A. disponibilizou em 17 de Julho de 2014, ao longo da fachada do edifício, eram suficientes para fazer face às efetivas necessidades de estacionamento da 1.ª R. em função da frota que esta possuía!;
uu) Atenta as obrigações resultantes da cláusula 1.2 do contrato de sub-cessão de utilização de espaço celebrado entre as partes, dúvidas não restam que, a partir de 17 de Julho de 2014, a 1.ª R. pode utilizar mais lugares de estacionamento que os que alega ter contratado, porquanto, passou a ter à sua disposição os lugares de estacionamento ao longo da fachada do edifício e até às oficinas para veículos pesados, não só nos precisos termos que constavam no contrato, mas ainda a titulo exclusivo;
vv) Tendo ficado demonstrado que a 1.ª R. tinha disponíveis no logradouro e na fachada do edifício lugares de estacionamento suficientes para estacionar a totalidade da sua frota, nunca o Tribunal a quo poderia ter considerado que a falta de disponibilização da totalidade dos lugares de estacionamento (cerca de 100 lugares!) tenha sido a causa dos constrangimentos provocados na atividade da 1.ª R. ou que tal falta tinha permitido roubos de produto dentro das viaturas;
ww) Aliás, conforme resulta provado nos autos, a 1.ª R. nunca implementou a solução apresentada pela A. e negociada com o M. e que lhe permitia ter acesso a mais 25 lugares de estacionamento para pesados próximo do armazém, conforme aliás é confirmado pelas testemunhas da 1.ª R., pelo que, se a 1.ª R. continuou alegadamente a sofrer de constrangimentos na operação e danos resultantes de roubos, tal facto só a si é imputável;
xx) Ficou ainda demonstrado que os constrangimentos da operação resultaram também do facto de a operação ser realizada “a céu aberto” (e não num espaço fechado e murado) que permitisse um melhor controlo de toda a operação, dos veículos e dos produtos, conforme aliás resulta do depoimento de A. S., acima transcrito;
yy) Assim, e em face de todo o exposto, o Tribunal a quo deveria ter considerado não provada a matéria constantes nos pontos 2.53 a 2.56;
zz) Considerou ainda o Tribunal a quo, no ponto 2.59 da matéria de facto, que o adiamento do da transferência da operação da Malveira se ficou a dever ao facto da 1.ª R., àquela data, ter já problemas com a falta de estacionamento, bem como, considerou ainda no ponto 2.60 da matéria de facto provada que, em resultado do adiamento da cessação do contrato, por culpa imputável à A., a 1.ª R. teve ainda que suportar as rendas devidas pelo arrendamento do armazém.
aaa) Entende a A. que as razões e ordem de argumentos acima invocados e que demonstram que nem os constrangimentos, nem os danos invocados pela 1.ª R. resultam do facto de a A. não ter disponibilizado a totalidade dos lugares de estacionamento, nas duas ilhas frontais ao edíficio, são as mesmas que sustentam que a A. não pode ser responsabilizada pelo adiamento da cessação do contrato de arrendamento das instalações da Malveira, razão pela qual se dão por reproduzidos os argumentos acima alegados
bbb) Não se pode admitir que, atenta a atividade da 1.ª R., seriam tais estacionamentos – delimitados e identificados – que iriam evitar os constrangimentos com a operação e os roubos e, certamente, que seriam tais lugares que iriam permitir que a 1.ª R. acrescentasse à sua frota mais 10 veículos, provenientes da Malveira;
ccc) Em qualquer circunstância, tendo a 1.ª R. já, à data, uma frota superior à da A., que não era suscetível de ser parqueada dentro do espaço fechado do logradouro, sempre teriam que existir constrangimento e roubos, sendo irrelevante se tal frota incluía 50 ou 60 veículos (Cfr. depoimento das testemunhas B. D. e S. C., cujo depoimento gravado se encontra devidamente acima identificado);
ddd) Sublinhe-se que a 1.ª R. conhecia o espaço antes de ter celebrado o contrato, sabia que a totalidade da sua frota não era suscetível de ser parqueada dentro do logradouro, sabia que ao longo da fachada do edifício, apenas podia ser estacionados veículos ligeiros e sabia que apenas podia identificar e delimitar os lugares das ilhas, pelo que, não existindo possibilidade de manter a totalidade da frota em parque fechado, sempre teria que ter equacionado a possibilidade da ocorrência dos constrangimentos e roubos que alega ter sofrido;
eee) Assim, deverão os pontos 2.59 e 2.60 da matéria de facto, pelas razões acima invocadas, ser considerados não provados;
fff) Caso o Tribunal a quo tivesse decidido a matéria de facto nos termos acima pugnados, a decisão de Direito dos presentes autos sempre teria sido outra, fazendo-se justiça ao julgar a resolução do contrato operada pela 1.ª R. infundada e, consequentemente, ilícita e condenando-se a 1.ª R. a pagar à A. os prejuízos por esta sofridos e provados nos autos, em resultado da cessação ilícita do contrato;
ggg) Na verdade, atenta a prova produzida, entende a A que a 1.ª R. pode, pelo menos desde 17 de Julho de 2014, usufruir da totalidade dos lugares de estacionamento constantes do contrato;
hhh) Mesmo que assim não se entendesse, o que não se concede, diga-se que sempre o Tribunal a quo deveria ter considerado que 1.ª R. não tinha o direito de utilizar, a título exclusivo, os lugares de estacionamento objeto do contrato, estando apenas autorizada a identificar e a delimitar os lugares de estacionamento;
iii) O facto de terceiros estacionarem nos lugares que a 1.ª R. tinha direito a utilizar, nunca poderá ser imputado à A., porquanto, não ficou acordado que cabia à A. a fiscalização da utilização indevida dos referidos lugares de estacionamento;
jjj) Acresce que, a 1.ª R. desde o início do contrato nunca identificou ou delimitou quaisquer lugares de estacionamento em nenhuma das áreas identificadas na planta do contrato, pelo que, não poderá, mais tarde, e com fundamento nesse facto, alegar não ter disponíveis tais lugares e, com esse fundamento, resolver o contrato;
kkk) No caso em apreço está em causa uma relação duradoura, pelo que o contrato apenas pode ser resolvido, casos razões imputadas à parte inadimplente forem de tal forma graves que justifiquem a sua cessação antecipada;
lll) Ficou provado nos autos que, pelo menos desde 17 de Julho de 2014, e mesmo que não se tenha em conta a ilha frontal ao edifício que também nessa data lhe foi disponibilizada, a 1.ª R. tinha disponíveis a titulo de exclusividade – ao longo da fachada do edifício a 1.ª R. onde foi ainda autorizada a colocar placas com a identificação reservado Z / X – juntamente com os do logradouro, um numero de lugares suficientes para estacionar a totalidade dos veículos que constituíam a frota da A., pelo que falta de lugares de estacionamento não poderia, em qualquer circunstância fundamentar a cessação do contrato, nos termos do artigo 802.º n.º do Código Civil!
mmm) E, mesmo que se entendesse que não tinha ficado demonstrado que os lugares disponibilizados, em 17 de Julho de 2014 se revelavam suficientes para a 1.ª R. estacionar a totalidade dos seus veículos pesados – o que apenas por dever de patrocínio se concede – tenha-se em consideração que a própria 1.ª R. confessou, na carta que remeteu em 25 de Julho de 2014 à A., que apenas estão em falta cerca de 32% das totalidade de lugares;
nnn) Apesar de a A. ter um frota de 50 veículos e de ter disponíveis à data, segundo a própria 1.ª R., 68 lugares de estacionamento – ou seja número suficiente para incluir ainda os 10 veículos que estavam alocados à operação da Malveira – a 1.ª R. entendeu, ainda assim, resolver o contrato celebrado com a A., o que não se revela legitimo atento o disposto no artigo 802.º n.º 2 do Código Civil;
ooo) Assim, a 1.ª R. resolveu o contrato, sem fundamento, violando assim o artigo 798.º do Código Civil, a contrario sensu;
ppp) Acresce ainda que, mesmo que assim não se entendesse, à data da cessação do contrato, a A. não estava em mora no cumprimento, pelo que a cessação se revela ilícita, no termos do artigo 808.º do Código Civil;
qqq) Caso a 1.ª R. quisesse efetivamente colocar a A. nunca situação de mora, nos termos do artigo 808.º n.º 1 do Código Civil, e posteriormente, convolar tal mora em incumprimento definitivo, sempre teria que i) ter tentado utilizar os lugares de estacionamento alegadamente constantes da planta, nos termos definidos no contrato (o que não se verificou), ii) ter implementado, a partir de 17 Julho de 2014, a utilização dos lugares de estacionamento exclusivos que lhe foram atribuídos e iii) ter concedido à A. um prazo para que esta negociasse uma solução que permitisse a delimitação e identificação dos lugares que constavam na planta junto do M..
rrr) Ora, tendo ficado demonstrado que a 1.ª R. limitou-se a enviar cartas à A. “reclamando a exclusividade da totalidade dos lugares de estacionamento”, sem nunca ter tentado utilizar tais lugares nos termos definidos no contrato, nem sem nunca tentado, de boa-fé, implementado as soluções que a A. foi tentando obter junto do M., revela-se claramente abusivo vir a resolver o contrato com tal fundamento;
sss) Ora, ficou demonstrado que quem geria todo o estacionamento nas zonas públicas e nas vias de acesso ao mercado era o M., pelo que, mesmo que se admitisse, por mera hipótese de raciocínio, que a A. estava impedida de identificar e delimitar os lugares nos termos do contrato – o que não resultou provado – sempre tal facto seria apenas da responsabilidade do M., não podendo, com este fundamento, a 1.ª R. resolver o contrato.
ttt) Dito de outro modo, se a 1.ª R. não utilizou os lugares contratualmente acordados (o que não se concede e apenas se admite por hipótese de raciocínio) tal facto deveu-se apenas ao M., pelo que, não tendo a A. possibilidade de alterar tais circunstâncias, não pode entender-se que a A. deu causa culposa à resolução, pelo que, a 1.ª R. teria apenas direito a reduzir o contrato;
uuu) Ademais, os constrangimentos na operação, furtos e danos alegadamente sofridos pela 1.ª R. não se revelam, por si só, fundamento para a cessação do contrato, porquanto, era à 1.ª R. e apenas a esta que cabia organizar e planificar a operação;
vvv) Assim, se a 1.ª R. não tinha a operação organizada, nunca identificou estacionamentos, nunca colocou placas ao longo da fachada do armazém, nunca transformou os lugares de estacionamento de ligeiros para pesados, nunca identificou ou delimitou, de forma permanente e sistemática, os lugares de estacionamento existentes na ilha frontal ao armazém e se, em virtude de tal atuação, a sua operação revelava-se morosa, difícil de gerir e permitia roubos, tal facto deve-se apenas e só à 1.ª R., não se relevando fundamento válido para a resolução do contrato;
www) Em face do acima exposto, é seguro concluir que o Tribunal a quo errou ao ter considerada válida a resolução do contrato e, consequentemente, errou ao ter considerado que a A. deu causa ao aditamento da cessação do contrato de arrendamento relativo às instalações da Malveira;
xxx) Acresce ainda que, a sentença recorrida deve ainda ser revogada na parte em que absolveu a 1.ª R. do pedido de condenação contra esta formulado no sentido de pagar à A. o valor em que esta incorreu ao ter que repor as iluminárias que a 1.ª R., indevidamente, retirou do armazém, aquando da entrega do mesmo;
yyy) Em primeiro lugar, conforme resulta da prova produzida, a 2.ª R. não adquiriu qualquer equipamento, uma vez que o montante pago, no qual as iluminárias foram ficticiamente incluídas, foi entregue à A., a titulo de indemnização pela cessação da atividade;
zzz) Ficou evidenciado nos autos, que as RR. bem sabiam que o pagamento daquela quantia não se destinava a pagar qualquer beneficiação / benfeitoria realizada pela A. no imóvel, mas sim compensa-la de forma “não contabilisticamente visível” pela cessação do contrato e pelo facto de deixar de ter atividade
aaaa) Aliás, resulta do depoimento prestado pela testemunha L. C., que o sistema de iluminação era propriedade do próprio M. não tendo a A. efetuado qualquer melhoria ao mesmo;
bbbb) E, mesmo que assim não se entendesse, na medida em que o contrato foi celebrado entre a A. e a 2.ª R., - e esta nunca comunicou à A. que seria a 1.ª R. a adquirir o referido sistema de iluminação - sempre seria a 2.ª R. a proprietária das iluminárias, pelo que nunca Tribunal a quo poderia ter decidido, como decidiu, que a 1.ª R. adquiriu as iluminárias;
cccc) Acresce ainda que, as iluminárias não correspondem a uma beneficiação feita pela A. no imóvel, na medida em que, quando recebeu o imóvel o sistema de iluminação tinha já lá sido colocado pelo M. (conforme resulta do depoimento da testemunha L. C.);
dddd) Assim, na medida em que a 1.ª R. recebeu o imóvel já com essas iluminárias, sempre deveria ter devolvido o imóvel, no mesmo estado em que o recebeu, tal como prevê a cláusula 6.1 do contrato celebrado entre as partes;
eeee) Caso porém, assim não se entenda, o que não se concede e apenas se admite por dever de patrocínio, e se se considerasse, por mera hipótese, i) que o sistema de iluminação constituía uma benfeitoria feita pela A. e que ii) a 2.ª R. pagou a benfeitoria à A., aquando da celebração do contrato de cessação da atividade, nem mesmo nessa circunstância tinha a 1.ª R. direito a retirar as referidas iluminarias;
ffff) Na verdade, ficou provado que na cláusula 9.ª do contrato, celebrado entre a A. e o M. e de que a 1.ª R. teve conhecimento, as partes convencionaram que “reverterão para a M., S.A. todas as benfeitorias efectuadas no Espaço, incluindo equipamentos que nele se possam considerar integrados como fazendo parte do Espaço (v.g. equipamentos de ar condicionado, instalações eléctricas, elevadores, etc.)”;
gggg) Do mesmo modo, A. e 1.ª R. convencionaram, cláusula 7.2 do contrato de sub-cessão de espaço que findo o contrato, “todas as obras e benfeitorias realizadas pela CESSIONÁRIA que se encontrem integradas no espaço, reverterão a favor da CEDENTE (com excepção das que possam ser retiradas sem danificação do Espaço)”;
hhhh) Ou seja, não só a 1.ª R. sabia que todas as benfeitorias feitas pela A. deveriam reverter para o M., como ainda não pode a A. equacionar como é que o Tribunal a quo pôde considerar que o facto da 1.ª R. ter retirado um sistema de iluminação completo, deixando um armazém sem luz, não constitui, para efeitos contratuais (e de boa fé!), uma “danificação do espaço”;
iiii) Retirar do armazém a totalidade do sistema de iluminação que o M. tinha colocado, conforme aliás, era do conhecimento da 1.ª R. e que faziam parte integrante do espaço (já anteriormente, mas também quanto o receberam) constitui uma violação flagrante do que foi acordado pela partes, pelo que, em nenhuma circunstância, tinha a 1.ª R. qualquer direito de retirar o sistema de iluminação colocado no teto do armazém;
jjjj) Em face do exposto deve a sentença recorrida ser também revogada quanto a esta matéria e substituída por outra que condene a 1.ª R. a pagar à A. a quantia de Euro 29.360,00;
kkkk) Acresce ainda que, a condenação como litigante de má-fé não só consubstancia uma condenação claramente injusta, como não representa aquilo que foi a conduta processual da A., que ao longo do processo tudo fez para que o Tribunal pudesse livremente apreciar a prova e decidir em função da sua valoração, pelo que a A. não poderá deixar de se insurgir, com todas as suas forças, contra tão injusta condenação;
llll) A condenação como litigante de má-fé pelos dois fundamentos invocados pelo Tribunal a quo são manifestamente infundados, na medida em que a A. não formulou pretensão sem fundamento, nem omitiu factos relevantes para a decisão da causa;
mmmm) O facto de A. ter reclamado à 1.ª R. o pagamento da quantia de Euros 2.500,00 (correspondente à diferença da renda que inicialmente pagava ao M. e aquela que veio mais tarde a negociar e que estava em vigor à data da cessação do contrato) não consubstancia qualquer formulação de pretensão cujo fundamento a A. não podia ignorar;
nnnn) Ora, esquece-se o Tribunal a quo que a A. provou em audiência de julgamento que tinha legítimas e fundadas expetativas de manter essa renda até ao final do contrato, atentas as boas relações do legal representante da A. com a administração do M. e que, aliás, ficaram demonstradas na matéria de facto considerada provada pelo Tribunal a quo;
oooo) Se, porém, o Tribunal a quo entende que as expetativas da A. não estão provadas ou que não serão suficientemente fundadas que justifiquem a sua compensação, ou mesmo se tivesse entendido que tais expetativas do ponto de vista jurídico não são indemnizáveis, tinha absolvido a 1.ª R. do pedido, mas em momento algum, se vislumbra fundamento para condenar a A. como litigante de má-fé;
pppp) Aliás que foi a própria A. que, voluntariamente, juntou aos autos o aditamento do contrato com o M. e quer o legal representante da A. quer a testemunha L. C. responderam a todas as perguntas que lhes foram colocadas sobre esta questão;
qqqq) Ademais o facto da A. erroneamente indicado o valor da renda devido à data da celebração do contrato, tal não tem qualquer relevância nem consequência nos autos, porquanto o pedido peticionado tinha apenas em conta as diferenças do valor da renda após a cessação do contrato de sub-cessão de espaço;
rrrr) Acresce que, revela-se perfeitamente aceitável, no trafego comercial que um arrendatário que tenha celebrado um contrato por um período curto e, posteriormente, acorde com o Senhorio um alargamento significativo do prazo, obtenha em contrapartida uma redução da renda, não sendo legítimo entender-se que tinha obrigação de comunicar tal facto a terceiro, anulando a mais valia, que decorre apenas do seu esforço comercial e do seu empenho nas negociações;
ssss) Por fim, resulta demonstrado do depoimento das testemunhas que a 1.ª R. nunca exigiu qualquer comprovativo do valor da renda que a A. pagava ao M. durante a execução do contrato;
tttt) Por outro lado, também não assiste qualquer razão ao Tribunal a quo ao referir que a A. atuou de má-fé ao não ter junto ao processo as plantas que constituem o Anexo 1, ao contrato celebrado entre as partes;
uuuu) As plantas em si mesmo são um meio de prova, pelo que sentido fazia a A. juntar aos autos um documento que, em sua opinião, não espelha o objeto do contrato e que foi elaborado com base num erro manifesto que, no entendimento, da A. deu causa aos presentes autos?;
vvvv) As plantas foram elaboradas num contexto contratual muito específico, em data próxima à celebração do contrato e sem que tenham sido devidamente analisadas pelo legais representantes da A., pelo que, a A. sempre afirmou não aceitar que tais documentos fizessem prova do que as partes efetivamente acordaram;
wwww) Salvo o devido respeito, trazer aos autos um documento em que assenta todo o litígio e que a A. não reconhece ser idóneo para provar os factos que dele decorrem, porque é contrário ao acordo das partes, não seria defender, convenientemente, os seus interesses e a sua posição processual;
xxxx) Durante toda a prova produzida, a A. nunca tentou escamotear, esconder ou deturpar os factos que levaram à elaboração da planta (tendo, aliás, voluntariamente apresentado nos autos o arquiteto que as elaborou) e na medida em que as testemunhas depuseram sobre o tema, inclusivamente, por iniciativa da A., não compreende a A. como a sua posição pode ser entendida como um comportamento de má fé processual;
yyyy) Aliás, tendo a 1.ª R. junto aos autos as plantas com a contestação, a A. veio em resposta, apresentar a sua posição e justificar porque razão entendia que os lugares que constavam da planta não deviam integrar na sua totalidade o objeto do contrato;
zzzz) O Tribunal a quo decidiu assim contra o Direito e contra a Justiça, pelo que se clama que V. Exas. repondo a verdade, absolvam a A. do pedido de condenação como litigante de má-fé;
aaaaa) Insurge-se, ainda, a A. contra o Tribunal a quo ao ter entendido que existem indícios de que o legal representante da A. terá faltado à verdade uma vez que “negou que a questão do estacionamento em causa tivesse alguma vez sido discutida entre as partes aquando da negociação do contrato de sub-cessão de espaço”;
bbbbb) Ora, tal conclusão mais uma vez assenta no esmo erro: O Tribunal confundiu aquilo que são as declarações do legal representante sobre a natureza do direito de utilização que a 1.ª R. reclama, como o facto de ter sido discutido ou não, durante o processo negocial, a necessidade de estacionamentos!
ccccc) O que o legal representante da A. afirmou é que a A., durante as negociações, nunca exigiu a exclusividade dos lugares de estacionamento, tendo apenas sido discutido – e nessa matéria não consigo a título pessoal, mas com a testemunha L. C. – as necessidades de estacionamento da 1.ª R.;
ddddd) Quanto às ilhas, esclareceu o legal representante da A., nunca a 1.ª R. ter exigido que as mesmas fossem de utilização exclusiva, sendo que essa questão só se colocou mais tarde, aquando das cartas remetidas pela 1.ª R. à A., a reclamar a exclusividade dos lugares das duas ilhas de estacionamento frontais ao armazém,
eeeee) E, nesse momento, o legal representante da A. foi negociar com o M., conseguindo alargar o espaço de estacionamento da fachada do edifício (até às oficinas), permitir que estes lugares passassem a ser lugares de estacionamento reservados da 1.ª R. e destinados a veículos pesados, bem como conseguiu que a A. pudesse delimitar com pinos e bandeirolas os lugares de estacionamento da ilha localizada em frente ao portão;
fffff) Só nunca segunda fase, e perante a iminente resolução do contrato, conseguiu o legal representante que o M. permitisse a utilização, a título exclusivo, os lugares existentes na segunda ilha;
ggggg) Ora, conforme resulta acima demonstrado o Tribunal a quo deturpou claramente o sentido das declarações do legal representante da A., e com fundamento nesse erro interpretativo manifesto, considerou, erradamente, existirem indícios da prestação do crime de falsas declarações;
hhhhh) A decisão tomada de remeter as declarações do legal representante da A. para o Ministério Publico no sentido de ser instaurado procedimento criminal contra o mesmo é um erro de Direito manifesto que põe em causa o bom nome, a reputação e a imagem que o legal representante da A., ao longo de mais de 50 anos de trabalho, tem vindo com esforço, e reconhecimento social, a construir.

Nestes termos e nos demais de Direito aplicáveis, deverá o presente recurso ser julgado totalmente procedente por provado e, em consequência:

a) Deve ser a sentença declarada nula por falta de pronúncia sobre os factos alegados, ou caso assim não se entenda,
b) Deve, em qualquer circunstância, ser a mesma revogada, substituindo-se por outra que condene a 1.ª R. nos pedidos contra si formulado nos autos e absolva a A. do pedido reconvencional.
c) Mais se requer seja a sentença revogada na parte que condenou a A. como litigante de má fé;
d) E, por fim, seja revogado o despacho que ordenou que o processo fosse remetido ao Ministério Público para eventual promoção de procedimento criminal contra o legal representante da A. pela alegada prática do crime de falsas declarações.
Ao julgardes assim Venerandos Desembargadores estareis a fazer como sempre a costumada Justiça!

As rés contra alegaram, pugnando pela confirmação da sentença recorrida.
Ambas as partes juntaram pareceres elaborados por Professores de Direito.
O recurso foi admitido como de apelação, a subir nos próprios autos, com efeito devolutivo. A Sra. Juíza pronunciou-se sobre nulidade invocada nas alegações, considerando que a mesma não se verifica.
Foram colhidos os vistos legais.

As questões a resolver prendem-se com a nulidade da sentença, impugnação da decisão de facto, tomada de posição sobre a resolução lícita ou ilícita do contrato e suas consequências ao nível das indemnizações peticionadas, litigância de má-fé e despacho posterior à sentença que ordenou a remessa de certidão para o Ministério Público.

II. FUNDAMENTAÇÃO

Na sentença foram considerados os seguintes factos:

2. Da instrução e discussão da causa, resultaram provados os seguintes factos:

2.1. A autora é uma sociedade comercial que se dedica à distribuição, comercialização, importação e exportação e representação de bebidas alcoólicas e não alcoólicas, vinhos, espumantes, licores águas minerais, cervejas e refrigerantes e transporte rodoviário de mercadorias, conforme cópia da respetiva certidão permanente junta a fls. 47 a 52, que aqui se dá por reproduzida. (1ºPI)
2.2. A autora, anteriormente denominada BB – Distribuição de Bebidas, L.da, celebrou com a segunda ré, em 30 de abril de 2007, um denominado “Acordo de Princípios”, nos termos do qual passou a prestar serviços de “operação comercial, para os concelhos de Oeiras e Cascais”, conforme documento 5 junto a fls. 83 a 96 que aqui se dá por reproduzido. (11ºPI)
2.3. Nos termos do referido “Acordo de Princípios”, competia à autora proceder à entrega dos produtos nos pontos de venda, à recolha dos produtos e vasilhames, à faturação, à cobrança, à gestão/risco de crédito e à guarda e responsabilidade dos stocks, recebendo em contrapartida, inicialmente, uma remuneração correspondente a uma percentagem sobre o preço de venda a retalho, e posteriormente um valor fixo por tonelada transportada, bem como uma percentagem sobre o valor da faturação para compensar o risco de crédito assumido pela autora na cobrança das faturas decorrentes da venda dos produtos da segunda ré. (12ºPI)
2.4. Por via desse Acordo de Princípios, a autora assumiu as obrigações decorrentes da distribuição, gestão, cobrança e pagamentos dos produtos da segunda ré, na área da Grande Lisboa (a qual foi sendo alargada durante o período da sua execução, sempre por iniciativa da segunda ré). (14º PI)
2.5. Dispõe a alínea a) da Cláusula 4ª desse “Acordo de Princípios”: “A BB não desenvolverá serviços de operação logística (ou outros), bem como as actividades de distribuição, agência (ou outras) a entidades que produzam e/ou comercializem produtos e/ou linhas de negócio directa ou indirectamente concorrentes com os produtos e/ou linhas de negócio da Y e, bem assim, o exercício de qualquer actividade que requeira e/ou determine a afectação de meios humanos, materiais ou logísticos que se revelem necessários para o cabal cumprimentos da prestação de serviços à Y”. (239º contestação)
2.6. A segunda ré comunicou a sua intenção de cessar tal “Acordo de Princípios” com a autora, com efeitos a partir de 1 de Janeiro de 2014, por comunicação datada de 28 de Outubro de 2013, conforme cópia da referida carta junta como documento 6 a fls. 98. (15ºPI).
2.7. A cessação dessa relação comercial deveu-se ao facto de a segunda ré pretender assumir, dentro do seu próprio grupo empresarial e sem recurso a contratação de empresas externas, à distribuição dos seus produtos. (16ºPI)
2.8. A autora tinha celebrado em 01.04.2013 um denominado “contrato de utilização de espaço” relativo a um armazém destinado à atividade logística, pelo prazo de um ano, renovável automaticamente por igual período, com o M. - Mercado Abastecedor da Região de Lisboa, S.A., conforme documento de fls. 714 a 719 e também de fls. 868 a 881, que aqui se dá por reproduzido, sendo nesse local que a autora desenvolvia a sua actividade à data da cessação daquele Acordo” com a segunda ré (art.s 26º e 27º PI).
2.9. Dispõe a cláusula 2ª, nº 3, desse “contrato”, que o operador (aqui autora) compromete-se a libertar o Espaço em bom estado de conservação e asseio, de modo a permitir a sua imediata utilização, sem recurso a obras de beneficiação. (citado documento).
2.10. Ficou ainda convencionado na cláusula 4ª do mesmo contrato que a taxa de utilização a pagar pela autora à M. era de €20.000,00, acrescida de IVA. (citado documento)
2.11. Na sua cláusula 9ª convencionaram a autora e o M. que reverterão para a M., S.A. todas as benfeitorias efectuadas no Espaço, incluindo equipamentos que nele se possam considerar integrados como fazendo parte do Espaço (v.g. equipamentos de ar condicionado, instalações eléctricas, elevadores, etc.). (cit documento)
2.12. Visando a primeira ré assumir internamente a atividade que até então era desenvolvida pela autora, as partes encetaram negociações com vista a acordarem a cessação da relação que mantinham e a assunção por parte da primeira ré do “negócio” da autora. (19º PI).
2.13. Assim, em 19 de fevereiro de 2014, a autora e a segunda ré acordaram cessação da relação comercial que mantinham há vários anos entre elas, com efeitos a partir de 28 de fevereiro de 2014, bem como, na mesma data de 19 de fevereiro de 2014, as partes acordaram o pagamento de preço/indemnização a favor da autora no valor de € 1.200.000,00, conforme documento 7 de fls. 202 a 212, que aqui se dá por reproduzido. (20º PI).
2.14. Como a segunda ré não pretendia que o referido valor de €1.200.000,00 fosse contabilizado exclusivamente com a natureza de indemnização, esse acordo de cessação englobava a forma de pagamento da quantia de €600.000,00 (€393.000,00, atribuída aos veículos que a autora cederia à Z, agora primeira ré, e € 207.000,00 aos equipamentos utilizadas pela autora e benfeitorias aí realizadas, nomeadamente, a instalação de um novo sistema de iluminação, avaliado no montante de € 35.000,00, o que perfazia o montante total de € 600.000,00), sendo que os restantes €600.000,00 seriam diluídos mensalmente, ou seja, pagos com a retribuição mensal devida pela primeira ré à autora em virtude do denominado contrato de “sub-cessão de utilização de espaço” outorgado na mesma data, o que a autora aceitou. (21º e 22º PI e 297º contestação)
2.15. Assim, dispõe a cláusula 3ª, nº 1 de tal acordo de cessação que a Y (…) pagará à segunda contraente (ora autora) o preço global de € 600.000,00 (…) relativo à compra pela Y (…) dos veículos e equipamento diverso identificados no Anexo I ao presente acordo e que deste fica a fazer parte integrante, constando do ponto 5º dos Pressupostos do acordo que as partes pretendem assentar os termos e condições da cessação da referida relação de prestação de serviços (…) incluindo no que respeita à compra e venda de determinados activos da segunda outorgante (aqui autora). (citado documento)
2.16. Na mesma data de 19 de fevereiro de 2014, a autora e a Z, actualmente primeira ré, celebraram entre si um contrato denominado de “sub-cessão de utilização de espaço”, pelo prazo de cinco anos, conforme documento 2 junto a fls. 57 a 71, que aqui se dá por reproduzido, do qual faz parte integrante o seu Anexo I constituído pelas plantas juntas em audiência de julgamento a fls. 1124 a 1127. (25ºPI e citados documentos)
2.17. Pelo referido Contrato, “a CEDENTE [ora autora] cede a utilização do Espaço à CESSIONÁRIA, a qual, por sua vez, aceita essa cedência de utilização, nos termos e condições estabelecidos no presente Contrato”, enquanto “a CESSIONÁRIA pagará à CEDENTE, mensalmente, a quantia de € 30.000,00 (trinta mil euros) ”, conforme cláusulas 1.1 e 5.1 do contrato, respectivamente. (11º contestação)
2.18. Nos termos da cláusula 1.2. desse mesmo contrato, “os lugares de estacionamento incluídos no Espaço, conforme melhor identificados no Anexo I poderão ser delimitados pela CESSIONÁRIA, por forma a ficarem melhor identificados não sendo no entanto permitida a colocação de uma vedação em torno dos mesmos”. (12º e 89º contestação e citado documento)
2.19. O Anexo I do mesmo contrato tem como epígrafe “Planta com delimitação do Espaço (incluindo lugares de estacionamento assinalados) ”, sendo constituído por quatro plantas: Planta do R/C, a qual inclui os “estacionamentos assinalados”, Planta do Piso 1, da Cobertura e Alçados. (82, 83º, e 84º contestação)
2.20. Nos termos da cláusula 4.3 do contrato, decorridos os primeiros 20 (vinte) meses de duração do contrato, a Cessionária poderá denunciar o contrato a todo o tempo mediante comunicação à Cedente com 120 dias de antecedência. (291º contestação)
2.21. Nos termos da cláusula 7.2 do mesmo contrato, ficou convencionado que findo o contrato, todas as obras e benfeitorias realizadas pela CESSIONÁRIA que se encontrem integradas no espaço, reverterão a favor da CEDENTE (com excepção das que possam ser retiradas sem danificação do Espaço). (301º contestação)
2.22. A autora exigiu a emissão pela primeira e segunda rés da “side letter” junta como documento 9 a fls. 141 a 143, pelo facto de no acordo de cessação, a segunda ré ter exigido que fosse formalmente declarado que as partes nada mais tinham a receber uma da outra.
2.23. Assim, aquelas emitiram na mesma data de 19 de fevereiro de 2014, um documento que as partes denominaram de “Side letter relativa a contrato de sub-cessão de utilização de espaço”, no qual expressamente declararam que “em caso de cessação do Contrato antes de decorrido o respetivo prazo de 60 (sessenta) meses de duração a Y [segunda ré] ou a Z [primeira ré] se comprometem a pagar à T. T., Lda. o montante previsto na cláusula 4.5 do Contrato, qualquer que seja a causa de cessação, e sem prejuízo do disposto nas cláusulas 4.4 e 13 do Contrato”. (23º e 33º PI)
2.24. Tendo em vista o acordo referido supra em 2.14., a autora negociou com o M. um aditamento ao referido contrato de utilização de espaço mencionado em 2.8., alargando o prazo em mais cinco anos, passando para seis anos, contados desde 1/04/2013, conforme documento nº 10, datado de 31/01/2014, junto a fls. 720 a 721 e ainda a fls. 882 a 884, que aqui se dá por reproduzido. (32º PI e citado documento)
2.25. No dia 3 de março de 2014, a autora entregou à ré o espaço objecto do denominado contrato de “sub-cessão de utilização de espaço”, conforme auto de entrega do espaço junto como documento 10 a fls. 145. (35º PI)
2.26. As primeira e segunda rés, bem como os seus funcionários e legais representantes, conheciam o espaço objecto de sub-cessão, desde o momento em que a autora passou aí a exercer a sua atividade a favor da segunda ré. (38ºPI)
2.27. Aquando das negociações para a celebração do contrato de sub-cessão de utilização de espaço, os representantes das primeira e segunda rés visitaram as referidas instalações, com vista a definirem, em termos práticos e logísticos, a forma como aí iriam desenvolver a sua atividade. (39ºPI)
2.28. Nessas visitas e reuniões esteve sempre presente o legal representante da autora, que acompanhou todo este processo de negociação do contrato de sub-cessão de utilização de espaço, bem como os funcionários e representantes da primeira e segunda rés, pelo que a primeira e segunda rés conheciam em detalhe o espaço utilizado pela autora (40º e 41ºPI)
2.29. Em 8 de Maio de 2014 (apenas dois meses após entrega do armazém), a autora recebeu uma carta da primeira ré, alegando que a celebração do contrato teve como pressuposto a possibilidade de utilizar em exclusivo um conjunto de lugares de estacionamento (para além da zona de estacionamento adjacente ao armazém), razão pela qual, caso não pudesse beneficiar de tais lugares, perderia o interesse no contrato, conforme cópia da referida carta junta como documento 11 a fls. 147 e aqui se dá por integralmente reproduzida. (42º PI)
2.30. Nessa carta referiu a primeira ré, além do mais, que: “o referido conjunto de lugares de estacionamento foi condição essencial para a celebração do Contrato por parte da Z, ao ponto de, não podendo esta agora beneficiar de tal utilização, ficar em causa o interesse na manutenção do contrato”. “Nestes termos, notificamos formalmente V. Exas para que facultem de imediato à Z a utilização exclusiva dos lugares de estacionamento cuja cedência foi objecto do Contrato, sob pena de nos vermos obrigados a recorrer a todos os meios legais que entendamos adequados à defesa dos nossos direitos”. (125º contestação)
2.31. Em resposta, a autora refutou qualquer incumprimento contratual, conforme carta datada de 19 de Maio de 2014, enviada pela autora à primeira ré, junta como documento 12 a fls. 151 a 152, que aqui se dá por integralmente reproduzida. (43º PI)
2.32. Contudo, sabendo que a primeira ré utilizava um número muito superior de veículos pesados face ao número de veículos que a autora possuía quando explorava aquele armazém, e admitindo que a primeira ré pudesse estar com algumas dificuldades de estacionamento dos seus veículos que pretendia ver “facilitadas” pelo M., a autora contactou o M. no sentido deste consentir que os lugares de estacionamento existente ao longo de toda a fachada exterior do armazém passassem a ser de utilização exclusiva da primeira ré, conforme consta da mesma carta. (44.º PI)
2.33. A autora tinha todo o interesse que também a primeira ré cumprisse o contrato até ao final do seu termo, nomeadamente, continuando a exercer a sua atividade no armazém cedido e a pagar as retribuições devidas durante o período de 60 meses. (45ºPI)
2.34. Em 2 de junho de 2014, a primeira ré voltou a remeter nova carta à autora reclamando que lhe fossem disponibilizados “os lugares de estacionamento” nos termos acordados no contrato, no prazo de 15 dias (e que correspondiam aos lugares de estacionamento público, existentes em duas ilhas frontais ao armazém e localizadas no arruamento onde se situa o armazém), sob pena de a primeira ré considerar o contrato definitivamente incumprido, conforme cópia da carta junta como documento 13 a fls. 158 a 161, e aqui se dá por integralmente reproduzida, na qual refere a primeira ré expressamente além do mais:
“a Z só tem interesse na utilização de todo o Espaço. Sem a possibilidade de utilização simultânea e em exclusivo dos lugares de estacionamento e da área coberta, o contrato perde toda a sua utilidade e, consequentemente, a Z perde o seu interesse na continuidade do mesmo.” (…)“O desenvolvimento útil, racional e economicamente viável da distribuição de produtos através da utilização de veículos pesado implica necessariamente a possibilidade de os parquear num espaço próximo àquele que serve de armazém de apoio logístico”. “A utilização exclusiva de todo o conjunto dos lugares de estacionamento delimitados no Anexo I, foi uma condição essencial à celebração do negócio, de tal forma que se tivesse a Z sabido da impossibilidade de os utilizar em exclusivo não teria, de modo algum, celebrado o Contrato.” “Assim, e considerando todo o exposto, vimos, pelo presente, interpelar formalmente a T.T. para que num prazo de 15 dias a contar da data de recepção da presente carta, ponha termo à situação de incumprimento em que se encontra, sob pena de, decorrido este prazo, considerarmos o contrato definitivamente incumprido, com todas as consequências legais daí decorrentes.”. (47º PI e 137º contestação)
2.35. Em face desta posição da primeira ré, a autora, em 18 de Junho de 2014 voltou a reiterar que não estava a incumprir nenhuma obrigação contratual, que a primeira ré sabia que apenas podia utilizar os lugares de estacionamento nos mesmos termos que a autora o tinha feito no passado quando utilizava o espaço em questão, e que o facto de a primeira ré não ter dimensionado convenientemente a sua atividade quando celebrou o contrato com a autora não poderia ser fundamento para resolver o contrato, conforme cópia da carta junta como documento 14 a fls. 163 a 164, que aqui se dá por integralmente reproduzida (48ºPI).
2.36. Nessa mesma carta, a autora informou a primeira ré que estava em contacto com o M. “no sentido de sensibilizar esta entidade para as dificuldades de estacionamento da V/ empresa, e, nesta medida, tentar obter uma solução que facilite o exercício da V/ atividade”. (49ºPI)
2.37. Em 17 de Julho de 2014, e após uma reunião entre os representantes da autora e da primeira ré, na qual foi apresentada a solução que a autora tinha negociado com o M., a autora comunicou formalmente à primeira ré, conforme carta junta como documento n.º 15 a fls. 166 a 167, que aqui se dá por reproduzida, o seguinte:
- Criação, ao longo de toda a fachada lateral do armazém, desde o portão de acesso até à zona da oficina da T., de uma zona de parqueamento destinada aos veículos pesados de V. Exas., podendo V. Exas. proceder à delimitação dos lugares de estacionamento, mediante tracejado a tinta no solo (alterando, assim, o traçado de forma a permitir o parqueamento de veículos pesados, em vez de veículos ligeiros). Os lugares de estacionamento podem ser identificados mediante a colocação de placas na parede com a menção “Reservado / Z”, podendo ainda V. Exas. colocar separadores amovíveis ao longo de toda área de estacionamento.
- Utilização por V. Exas. de parte dos lugares de estacionamento existentes na ilha frontal à entrada do armazém. Conforme definido na reunião realizada entre a T.T. e o V/ grupo de trabalho, tais lugares de estacionamento podem ser delimitados num dos topos da ilha e na zona alinhada pelo início da fachada do armazém da MM., com separadores amovíveis, nos quais pode constar a menção “Reservado”, bem como poderão ser colocados quatro postes (com bandeiras) nas quatro extremidades da zona da ilha a delimitar, com a indicação “reservado/veículos pesados/Z”.
- Relativamente às restantes ilhas existentes no mesmo arruamento onde se encontra localizado o armazém, as mesmas continuam a manter o seu caráter público, podendo, nessa medida ser utilizadas quer por V. Exas. quer pelos V/ funcionários, como por terceiros”. (50º PI)
2.38. Em 25 de Julho de 2014, a primeira ré respondeu à carta da autora, alegando que a solução da autora não disponibilizava a totalidade da área de estacionamento prevista no contrato, concedendo à autora 30 dias para disponibilizar todos os lugares de estacionamento contratados ou soluções alternativas razoáveis, sem o que a primeira ré continuará a reservar-se o direito de considerar o contrato como definitivamente incumprido, conforme carta junta como documento n.º 16 a fls. 169 a 170, que aqui se dá por reproduzida. (51º PI e 147º contestação).
2.39. Em 29 de Agosto de 2014, a autora respondeu à carta da primeira ré, voltando a reiterar que o contrato não estava a ser incumprido pela autora, que nunca a autora tinha transmitido à primeira ré, expressa ou tacitamente, que os lugares das ilhas de estacionamento eram de utilização exclusiva da primeira ré e que a primeira ré conhecia, antes de celebrar o contrato, toda a zona do mercado abastecedor, sabendo que não existem ilhas de estacionamento atribuídas exclusivamente aos utilizadores dos espaços/armazéns cedidos pelo M., conforme cópia da carta junta como documento n.º 17 a fls. 174 a 175, que aqui se dá por integralmente reproduzida. (52º PI)
2.40. Nessa carta, conclui a autora que a partir dessa data não estava mais disponível para negociar com o M. qualquer outra solução alternativa de estacionamento. (149º contestação e citado documento)
2.41. Pelo menos desde essa data de 29/08/2014, a primeira ré intensificou a sua prospecção para identificar outro local para fazer deslocar a sua operação. (172º contestação)
2.42. Após essa pesquisa a primeira ré, em inícios de Outubro de 2014, concluiu as negociações com a GD para a celebração de contrato-promessa de um novo espaço para fazer deslocar a sua operação que estava situada no M., tendo outorgado tal contrato com data de 1 de Outubro de 2014, ficando convencionado na cláusula 4ª que poderia ocupar o espaço a partir dessa mesma data, conforme documento 8 junto a fls. 554 a 559, que se dá por integralmente reproduzido. (174º contestação e citado documento)
2.43. No dia 03 de Outubro de 2014, L. C., gerente da autora, entrou em contacto telefónico com L. Q., responsável da primeira e segunda rés, sendo que, no decurso desta conversa, este informou o primeiro que iriam mesmo abandonar as instalações do M. e que já tinham encontrado outro local para a operação. (178º contestação)
2.44. Entretanto, depois de negociações com o M., a autora conseguiu, a título excepcional, que a primeira ré passasse a utilizar, também a título exclusivo, os lugares de estacionamento existentes nas ilhas situadas no arruamento onde se encontra o armazém, conseguindo tal autorização devido ao facto do sócio da autora e presidente do Grupo T., manter uma boa relação com a administração do M. com quem trabalhava há vários anos. (55º e 56º PI)
2.45. Assim, em 10 de Outubro de 2014, a autora comunicou à primeira ré que esta poderia passar a utilizar, com efeitos imediatos, a totalidade dos lugares de estacionamento que alegava deverem ser-lhe atribuídos para uso exclusivo ao abrigo do contrato, nos termos da comunicação que remeteu à autora, nessa mesma data, por correio e por telefax:
“Em face do exposto, e ainda que a T. T. esteja plenamente convicta que nunca incumpriu qualquer obrigação contratual, na medida em que disponibilizou para utilização exclusiva de V. Exas., desde o primeiro dia da vigência do contrato, todos os lugares de estacionamento acordados, e por forma a evitar qualquer litígio entre as partes decorrente de uma eventual resolução infundada do contrato, a T. T. vem informar V. Exas. que poderão, a partir da data da receção da presente carta, passar a utilizar, a titulo exclusivo e nos termos indicados no ponto 1.2 do contrato, todos os lugares de estacionamento existentes nas duas ilhas frontais ao armazém”, conforme cópia da carta junta como documento n.º 18 a fls. 177 a 180 e comprovativo de envio via telefax, que aqui se dá por integralmente reproduzida (57ºPI).
2.46. No mesmo dia, a primeira ré remeteu um telefax à autora, comunicando a resolução do contrato, fundada na alegada não disponibilização da totalidade dos lugares de estacionamento, com efeitos a 30 de Novembro de 2014, conforme cópia da carta junta documento n.º 19 a fls. 182 e aqui se dá por integralmente reproduzido. (59ºPI)
2.47. A autora respondeu à carta enviada pela primeira ré, informando-a que a resolução do contrato se revelava ilícita, e foi comunicada após a disponibilização da totalidade dos lugares de estacionamento, conforme cópia da carta, datada de 15 de outubro de 2014, junta como documento 20 a fls. 184 a 188 e aqui se dá por integralmente reproduzida. (60ºPI)
2.48. Era do pleno conhecimento da autora, porque disso foi informada antes da celebração do contrato, ainda na fase em que a primeira ré estava em processo de decisão sobre o futuro da sua operação, que o propósito das instalações do M. seria não apenas para tal operação, que se iniciou em Março de 2014, mas também para acomodar as restantes operações que a primeira ré tinha no distrito de Lisboa (78º e 79º contestação)
2.49. Como a autora bem sabia, a operação da primeira ré envolveria carga e descarga de bens, para além de conferência de cargas – antes e depois da distribuição diária no mercado – e o próprio estacionamento das viaturas em local adequado (espaço, proximidade, visibilidade e segurança) envolvendo veículos pesados. (93º contestação)
2.50. A utilização exclusiva dos espaços de estacionamento constantes no anexo I sempre esteve na base das negociações, tendo sido condição essencial para que a primeira ré tivesse celebrado o contrato com a autora, tendo a ré sempre evidenciado que essa utilização exclusiva era fundamental para a celebração do contrato. (94º contestação, cfr. 14º tema da prova)
2.51. As partes, ao celebrarem o contrato de sub-cessão, quiseram incluir no objeto do contrato, não apenas o espaço de estacionamento adjacente ao edifício e situado num dos topos do edifício, que a autora utilizava no passado, mas a utilização exclusiva dos espaços de estacionamento assinalados na planta junta como Anexo I (13º tema prova)
2.52. A autora não tinha direito de utilização exclusiva sobre os lugares de estacionamento existentes nas ilhas/bolsas localizadas em frente do seu armazém, o que a primeira ré sabia, mas a autora assumiu, desde a primeira hora, que os estacionamentos “não seriam problema”, nunca tendo revelado qualquer problema ou entrave em garantir a sua utilização por parte da primeira ré, até por força das “boas relações” que a autora mantinha com a administração do M.. (95º e 96º contestação e parte final do 14º tema de prova)
2.53. A não disponibilização de todos os estacionamentos, condicionou e criou inúmeros constrangimentos diários e estruturais à operação, com um impacto negativo na eficiência e na gestão diária de cargas e descargas, bem como na conferência e parqueamento de viaturas, para além da criação de condições propícias a roubos da carga das viaturas, como veio a ocorrer. (101º contestação)
2.54. O número de encomendas e o total de cargas foi sempre aumentando durante todo o curto período em que o contrato esteve em execução, pelo que a ausência de lugares de estacionamento exclusivos perto do armazém onde se efectuava a carga e descarga de produtos foi sendo cada vez mais penalizante da operação da primeira ré. (106º contestação)
2.55. A primeira ré confrontou-se, em muitas situações, com a necessidade de parquear as viaturas em zonas afastadas do armazém de cargas de descargas dos seus produtos e em zonas não visíveis dos seus trabalhadores. (111º contestação)
2.56. Este facto fez com que, aquando da imobilização das viaturas após a sua carga em armazém (processo esse executado durante o fim da tarde/início da noite), quando não havia lugares de estacionamento disponíveis perto das suas instalações, parte significativa das viaturas carregadas com a mercadoria ficassem no exterior entre outras viaturas externas à operação, muitas vezes até em locais afastados das instalações e fora da visibilidade dos responsáveis da primeira ré. (112.º contestação)
2.57. Tal também acontecia igualmente aquando da imobilização das viaturas com vasilhame recolhido e mercadoria devolvida das voltas, após conferência interna das mesmas. (113.º contestação)
2.58. Em 26/08/2013, conforme documento junto a fls. 677 a 678, a primeira ré denunciou o contrato de arrendamento do espaço na Malveira com efeitos a 6 de Setembro de 2014, tendo em vista a concentração da sua operação. (art. 155º contestação)
2.59. Tendo em consideração os problemas relacionados com os espaços de estacionamento, que causavam transtornos na operação diária da primeira ré, mesmo sem os veículos da Malveira, a primeira ré adiou a transferência da operação da Malveira para o M., tendo celebrado com data de 26/06/2014, um aditamento ao contrato de arrendamento que mantinha para utilização das instalações na Malveira, mantendo a utilização desse espaço até Dezembro de 2014, conforme documento 7 junto a fls. 551 a 553 e se dá por integralmente reproduzido. (156º contestação)
2.60. Tal fez com que a primeira ré tivesse de suportar uma renda adicional de €7.000,00/mês no armazém da Malveira até 31 de Dezembro de 2014. (157º contestação)
2.61. Desde o início das negociações para a celebração do contrato que a autora afirmou à primeira ré que o valor da renda que pagava pelo Espaço cedido era de € 20.000,00, facto que foi comunicado pela autora através do seu gerente L. C. à ré. (279º e 280º contestação)
2.62. A autora, através do seu sócio-gerente F. T., informou mesmo a primeira e segunda rés que o M. (entidade pública) aceitaria a cedência do espaço a terceiros, mas o preço do metro quadrado não poderia ser superior ao preço pago pelo Operador (a aqui autora) ao M., reiterando a autora, através do seu sócio gerente, que a renda se situava nos €20.000,00. (281º e 282º contestação)
2.63. Desde o início, a autora sempre disse à primeira ré que o valor que iria receber a título de renda, sem contar com os €10.000,00 adicionais que tinham sido devidamente explicados ao M., tinha de ser o mesmo que esta iria pagar ao M.. (287º contestação)
2.64. Após a cessação da relação contratual que uniu a autora à segunda ré, esta deixou de exercer qualquer actividade, já que, a segunda ré era a única cliente da autora e, por essa razão, quando a primeira ré comunicou a cessação do contrato de sub-cessão de utilização de espaço e, posteriormente, em 1 de Dezembro de 2014, entregou o espaço à autora, esta viu-se confrontada com a obrigação de pagar ao M. a retribuição devida pela utilização de um espaço, que não só não utilizava, como, uma vez que não exercia à data qualquer atividade, não tinha qualquer expetativa de vir a utilizar. (86º e 87ºPI)
2.65. A autora, por forma a não ver os seus prejuízos acumularem-se mensalmente, foi obrigada a negociar com o M. a cessação antecipada do contrato de cessão de utilização de espaço e, consequentemente, também a entrega antecipada do armazém, o que veio a verificar-se em março de 2015. (90ºPI)
2.66. O M. aceitou a entrega do armazém contra o pagamento de uma indemnização no valor de € 73.800,00 (IVA incluído), conforme fatura emitida pelo M. à autora junta como documento 21 a fls. 1038 e acordo de revogação de fls. 885 a 889 que aqui se dá por reproduzido (91º PI)
2.67. Entre Dezembro de 2014 e Março de 2015, a autora suportou as retribuições devidas no âmbito do contrato celebrado com o M., relativas aos meses de Dezembro de 2014 e Janeiro, Fevereiro e Março de 2015, no valor global de € 86.100,00 (IVA incluído). (94º e 97º PI)
2.68. Após a cessação do contrato, a primeira ré continuou (e até à data, continua) a pagar mensalmente à autora a quantia de € 10.000,00 (acrescido de IVA). (100º PI)
2.69. No aditamento celebrado com o M. mencionado em 2.24., a autora conseguiu uma redução no montante a pagar a título de taxa de utilização para o valor de €17.500,00 (acrescido de IVA), no período de 1/04/2014 a 31/03/2015, conforme cláusula 4ª do mesmo aditamento. (cit documento)
2.70. A primeira ré, quando entregou o imóvel à autora, sem o conhecimento ou consentimento desta, retirou de todo o espaço as luminárias que iluminavam o armazém. (107º PI)
2.71. Após a entrega do armazém pela primeira ré, a autora contratou uma empresa para que esta procedesse à reposição de 157 luminárias no espaço e procedeu ao pagamento do respetivo preço, no valor de €29.360,00. (109ºPI)
2.72. A ré X conhece o Regulamento do M., nos termos do qual consta expressamente que: i) compete ao M. a conservação e manutenção das vias públicas, parques de estacionamento e iluminação (artigo 15.º n.º 2 alínea b)), ii) as regras relativas à entrada, saída, circulação de pessoas, veículos e mercadorias, parqueamentos e estacionamento e limite de velocidade de veículos no interior do Mercado são estabelecidas na NE-03 (art. 12.º n.º 2), anexa a este RI, conforme cópia do Regulamento Interno junta a fls. 622 a 643, que aqui se dá por reproduzida. (41º articulado resposta)

2.73. Da referida NE-03, consta que:

“ 4. Estacionamento de veículos
a) A ocupação dos lugares de estacionamento far-se-á de acordo com a sinalização existente.
b) Nenhum local de estacionamento pode ser utilizado para depósito de bens ou de taras.
c) Qualquer veículo cuja permanência em espaços públicos destinados a estacionamentos seja superior a 24 horas, sem autorização da Entidade Gestora, fica sujeito a ser rebocado pelos serviços do mercado ou autoridades competentes para o efeito, ficando o proprietário sujeito às sanções previstas neste RI ou na lei aplicável.
d) Os veículos não podem estacionar em frente de bocas de incêndio, de rampas de acesso aos pavilhões, nem sobre os passeios, zonas verdes ou zonas de uso público de peões.
e) Devem ainda ser observadas as seguintes normas:
No Horário de Aprovisionamento, o qual precede o Horário Público de Venda, os veículos dos clientes dos utentes instalados no Mercado não podem estacionar junto das zonas de acostagem dos Espaços, nem dos cais colectivos, utilizando para o efeito as bolsas de estacionamento existentes no Mercado;
Durante o Horário Público de Venda, os veículos dos clientes dos utentes instalados no Mercado podem estacionar na zona de acostagem junto de cada boxe e dos cais colectivos apenas no tempo estritamente necessário às operações de carga;
Os veículos dos utentes instalados no Mercado deverão evitar estacionar nas zonas de acostagem dos seus Espaços, durante o Horário Público de Venda, deixando o espaço disponível para os compradores;
Os veículos dos utentes instalados no Mercado não poderão estacionar nas zonas de acostagem dos Espaços de terceiros.
f) Não é permitido o estacionamento de veículos nas zonas de acostagem dos Entrepostos e Armazéns sem a devida autorização do Utente instalado no respectivo espaço.
g) As viaturas pesadas de grande porte deverão estacionar nos parqueamentos apropriados para o efeito”. (42º articulado resposta)
2.74. A referida sociedade Z foi objeto de uma fusão por incorporação na sociedade CC – Comércio de Produtos Alimentares, L.da, tendo a referida fusão sido registada em 1 de outubro de 2014 e comunicada à autora nesse mesmo dia, conforme cópia da referida comunicação junta como documento 3 a fls. 73 e aqui se dá por reproduzida. (3º PI)
2.75. A CC alterou, entretanto, a sua denominação social para X UNIPESSOAL, L.da, conforme cópia da respectiva certidão permanente junta como documento 4 a fls. 75 a 80 e aqui se dá por reproduzida. (4ºPI)
2.76. Estas sociedades Z e CC no passado, e actualmente a X, aqui primeira ré, foram e são sociedades integralmente detidas pela sociedade Y – Sociedade Central de Cervejas e Bebidas, S.A., aqui segunda ré. (7ºPI)

Não se provaram os demais factos alegados com eventual relevo para a decisão da causa atendendo ao objecto do litígio e aos temas da prova enunciados, designadamente que:

A) Da petição:
- que o valor de 1.200.000,00 referido supra em 2.13.decorreu de proposta da segunda ré;
- que a autora foi obrigada a aceitar o aditamento celebrado com o M. para atingir o objectivo da segunda ré;
- que a primeira e a segunda rés sabiam que o espaço que lhes seria sub-cedido pela autora apenas incluía o armazém e o parque de estacionamento adjacente ao edifício e situado num dos topos desse mesmo edifício;
- que a primeira ré nunca teve intenção de cumprir o contrato até ao final do termo estipulado;
- que à data de 29/08/2014, a primeira ré já tinha outro espaço em vista, de maiores dimensões e onde passaria a exercer a sua actividade;
- que a questão do estacionamento foi apenas um pretexto usado pela primeira ré para poder deixar de utilizar o espaço em causa - por ter verificado que o mesmo não se adequava à sua atividade - sem ter que indemnizar a autora, e que aquela comunicou a resolução do contrato por ter tido conhecimento da carta da autora do dia 10.10.2014;
- que o facto referido em 2.44. foi comunicado à primeira ré via telefone;
- que à data da celebração do contrato de sub-cessão, a autora pagava ao M. a quantia de 17.500 €, acrescida de IVA;

Da contestação:

- que o conjunto dos espaços de estacionamento atingem o total de 2498 m2;
- que o telefonema referido em 2.42. ocorreu por volta das 19h00;
- que foi em virtude da celebração do contrato de sub-cessão com a autora que a ré denunciou o contrato que mantinha para utilização das instalações da Malveira.

Começa a apelante o seu recurso por considerar que a sentença é nula por não se pronunciar sobre a totalidade da factualidade alegada pela autora, designadamente, a constante dos artigos 68.º a 70.º da petição inicial, incorrendo na violação do disposto nos artigos 615.º, n.º 1, b) e 607.º, n.º 4 do CPC.
Sobre tal nulidade já se pronunciou a Sra. Juíza em 1.ª instância, considerando que a mesma não se verifica.

Vejamos.

De acordo com o artigo 615.º, n.º 1, alínea b) do CPC, é nula a sentença quando não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão, sendo certo que, na fundamentação da sentença – artigo 607.º n.º 4 do CPC -, o juiz declara quais os factos que julga provados e quais os que julga não provados, analisando criticamente as provas, indicando as ilações tiradas dos factos instrumentais e especificando os demais fundamentos que foram decisivos para a sua convicção; tomará em consideração os factos admitidos por acordo, provados por documentos ou por confissão reduzida a escrito, compatibilizando toda a matéria de facto adquirida e extraindo dos factos apurados as presunções impostas pela lei ou por regras de experiência.

Quanto à fundamentação, ela desdobra-se em fundamentação de facto, na qual se descriminam os factos provados e se faz a respectiva análise crítica da prova, seguindo-se a esta a respectiva subsunção jurídica do direito aos factos, que deverá ser o suporte da parte decisória. A dupla fundamentação da sentença em processo civil, nos termos do artigo 607.º, n.ºs 3 e 4 do CPC cumpre o imperativo constitucional do artigo 205.º, n.º 1 da Constituição da República Portuguesa.

Conforme vem sendo decidido uniformemente pela jurisprudência, a falta de motivação a que alude a alínea b) do n.º 1 do artigo 668.º do CPC, motivo de nulidade da decisão, é a total omissão dos fundamentos de facto ou de direito em que assenta a decisão. «Uma especificação dessa matéria apenas incompleta ou deficiente não afecta o valor legal da sentença» - Acórdão do STJ de 05/05/2005, in www.dgsi.pt/jstj.

Veja-se, também, o Acórdão da Relação de Guimarães de 17/11/2004, in www.dgsi.pt/jtrg, onde se pode ler «O Tribunal Europeu dos Direitos do Homem (TEDH), repetidamente aconselha que: a extensão da obrigação de motivação pode variar consoante a natureza da decisão e deve analisar-se à luz das circunstâncias do caso concreto; a motivação não deve revestir um carácter exageradamente lapidar, nem estar por completo ausente (cf. Vincent e Guinchard, Procédure Civile, Dalloz, §1232, e arestos aí citados). Mostra-se ainda útil esclarecer, a este propósito, que a exegese do disposto no art.º 668º nº1 al..b) C.P.Civ., de há muito vem entendendo que a fundamentação insuficiente ou deficiente não constitui causa de nulidade da decisão, embora justifique a sua impugnação mediante recurso – veja-se, por todos, Teixeira de Sousa, in «Estudos», página 222. Só a ausência de qualquer fundamentação é susceptível de conduzir à nulidade da decisão. Ao aludir-se a “ausência de qualquer fundamentação” quer referir-se a falta absoluta de fundamentação, a qual porém pode reportar-se seja apenas aos fundamentos de facto, seja apenas aos fundamentos de direito. Torna-se necessário que o juiz “não concretize os factos que considera provados e coloca na base da decisão” (cf. Varela, Bezerra e S. e Nora, Manual, §222). As nulidades da sentença devem ser encaradas à semelhança das nulidades insanáveis do petitório (artº 193º C.P.Civ.) – são nulidades de tal forma graves que tornam imprestável, imperceptível a peça a que se reportam. Da mesma forma, se a petição é omissa quanto à indicação da causa de pedir, a petição é inepta – artº 193º nº2 al.a) C.P.Civ».

Também a doutrina se pronuncia em sentido idêntico. Veja-se Teixeira de Sousa in «Estudos sobre o Processo Civil», pág. 221, «esta causa de nulidade verifica-se quando o tribunal julga procedente ou improcedente um pedido (e, por isso, não comete, nesse âmbito, qualquer omissão de pronúncia), mas não especifica quais os fundamentos de facto ou de direito que foram relevantes para essa decisão. Nesta hipótese, o tribunal viola o dever de motivação ou fundamentação das decisões judiciais (artigo 208.º, n.º 1 CRP e artigo 158.º, n.º 1 CPC) …o dever de fundamentação restringe-se às decisões proferidas sobre um pedido controvertido ou sobre uma dúvida suscitada no processo (…) e apenas a ausência de qualquer fundamentação conduz à nulidade da decisão (…); a fundamentação insuficiente ou deficiente não constitui causa de nulidade da decisão, embora justifique a sua impugnação mediante recurso, se este for admissível».

Lebre de Freitas in «Código de Processo Civil Anotado», vol 2.º, pág. 669, refere que «há nulidade quando falte em absoluto indicação dos fundamentos de facto da decisão ou a indicação dos fundamentos de direito da decisão, não a constituindo a mera deficiência de fundamentação».

De igual modo Antunes Varela in «Manual de Processo Civil», 2.ª edição, pág. 687, entende que a nulidade existe quando falte em absoluto a indicação dos fundamentos de facto ou a indicação dos fundamentos de direito da decisão e não a mera deficiência de fundamentação.

No caso dos autos, de forma alguma ocorre a referida nulidade.

A carta identificada no artigo 68.º da petição inicial, está dada por reproduzida no facto provado n.º 2.38 e tanto basta para que se considere que a matéria constante dos artigos 68.º a 70.º foi tida em conta, uma vez que os demais considerandos desses artigos, são meramente conclusivos ou contêm matéria de direito, não suscetível de integrar os factos provados ou não provados.

Ou seja, a matéria de facto relevante contida naqueles artigos consta dos factos provados, pelo que improcede a invocada nulidade.

A apelação prossegue com o pedido de reapreciação da matéria de facto provada.

Quanto ao pedido de aditamento do facto “A partir de 25 de julho de 2014, a 1.ª ré considerava que a área destinada ao estacionamento tinha sofrido uma redução de cerca de 32% em relação à área contratada”, com base na confissão da própria ré, constante da carta de 25/07/2014, adiantámos já o nosso entendimento de que o ponto n.º 2.38 dos factos provados contém em si tal facto (confissão), uma vez que dá por reproduzida essa carta, pelo que não vemos necessidade de aditar qualquer outro facto relacionado com a mesma.

De seguida, pretende a apelante que sejam considerados provados três factos instrumentais, não alegados por qualquer das partes, mas que reputa essenciais à boa decisão da causa:

- que a frota da ré era, no máximo, de 50 carros, a que acresceriam mais 10 provenientes da operação na malveira;
- que os lugares de estacionamento comportavam 20 a 25 veículos pesados na área do logradouro contígua ao edifício, 25 veículos pesados na área localizada ao longo da fachada do edifício e 25 lugares nas áreas correspondentes a cada uma das ilhas;
- que a 1.ª ré nunca pôs em prática a solução que a autora negociou com o M. e que consta da carta datada de 17 de julho de 2014.

Vejamos.

Nos termos do disposto no artigo 5.º, n.º 1 do Código de Processo Civil “Às partes cabe alegar os factos essenciais que constituem a causa de pedir e aqueles em que se baseiam as exceções invocadas”. Além dos factos articulados pelas partes, o juiz pode ainda considerar os factos instrumentais que resultem da instrução da causa e os que são complemento ou concretização dos que as partes hajam alegado e resultem da instrução da causa, desde que sobre eles tenham tido a possibilidade de se pronunciar, nos termos do disposto no n.º 2 deste artigo 5.º.

Os factos instrumentais servem apenas de apoio à formação da convicção acerca da restante factualidade, designadamente quando, a partir deles, se possam inferir outros factos mediante presunções judiciais (situações em que, aliás, basta que sejam enunciados na motivação da sentença) – cfr. Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Sousa, CPC Anotado, Vol. I, pág. 29.

Já os factos complementares são factos essenciais à procedência das pretensões formuladas ou das exceções deduzidas que sejam complemento ou concretização de outros oportunamente alegados pelas partes - Pais de Amaral, “Direito Processual Civil”, 2015, págs. 301/302; Lopes do Rego, “Comentários ao Código de Processo Civil”, vol. I, 2ª ed., págs. 252/3 - aqueles que sejam complemento ou concretização dos que as partes hajam alegado.

Conforme podemos ler no Acórdão do STJ de 13/07/2017, processo n.º 442/15.7T8PVZ.P1.S1 (Fonseca Ramos): “Mantém-se actual a consideração de que “São factos instrumentais aqueles que, sem fazerem directamente a prova dos factos principais, servem indirectamente para prová-los, pela convicção que criam da sua ocorrência” – Acórdão este Supremo Tribunal de Justiça, de 18.5.2004 – Proc. 1570/04”.

Veja-se, também, o Acórdão do STJ de 14/03/2019, processo n.º 84/07.0TVLSB.L1.S1 (Ilídio Sacarrão Martins): “Os factos instrumentais destinam-se a realizar prova indiciária dos factos essenciais, já que através deles se poderá chegar, mediante presunção judicial, à demonstração dos factos essenciais correspondentes – assumindo, pois, em exclusivo uma função probatória e não uma função de preenchimento e substanciação jurídico-material das pretensões da defesa” – Lopes do Rego Comentários ao Código de Processo Civil, Volume I, 2ª edição, 2004, Almedina pág. 252”.

Os factos instrumentais, sendo puramente probatórios, não têm que ser (nem devem ser) objecto de articulação específica pelas partes, sendo a instrução e julgamento o momento próprio para os mesmos emergirem, cabendo ao juiz atendê-los e valorá-los em sede da fundamentação da convicção quanto fixa os factos provados e não provados (Artigo 607º, nº 4, do Código de Processo Civil).

Neste sentido, pode ler-se no recente Acórdão da Relação de Guimarães de 24/01/2019, processo n.º 9370/15.5YIPRT.G1 (José Alberto Moreira Dias): “Quando alegados e não contestados e quando a admissão dos mesmos não tenha sido afastada por prova posterior, ou quando não alegados, mas a respetiva prova resulte da instrução da causa, os factos instrumentais não devem, por via de regra, ser alvo de um juízo probatório específico, no sentido de o juiz os dever julgar como provados em sede de julgamento da matéria de facto, devendo este, pura e simplesmente considerá-los em sede de fundamentação/motivação do julgamento que fez em relação aos factos essenciais ou complementares”.

Ou seja, os factos instrumentais, não alegados, que a apelante pretende ver aditados à matéria de facto (independentemente da questão de saber se os mesmos estariam ou não provados), devem apenas ser considerados em sede de fundamentação/convicção do juiz relativamente aos factos essenciais, eles servem apenas de apoio à formação da convicção acerca da restante factualidade, assumindo, assim, em exclusivo, uma função probatória.

Ora, como se verifica da fundamentação de facto inserta na sentença, os depoimentos das testemunhas que a apelante convoca para considerar provados os factos instrumentais – B. D., D. A., S. C., L. C., L. Q. e A. S. – foram considerados na formação da convicção do julgador e conduziram, designadamente, aos factos provados números 2.53 a 2.57, que vão em sentido oposto à conclusão que a apelante pretenderia retirar dos factos instrumentais que considera essenciais para a decisão da causa.

Como se viu já, os factos instrumentais não têm lugar autónomo nos factos provados e, se são instrumentais, nunca poderiam ser essenciais, como pretende a apelante. Por outro lado, os factos em causa – necessidades de estacionamento da ré por contraposição ao número de lugares efetivamente disponibilizados – não podem considerar-se provados com o sentido que a apelante lhes pretende inculcar. Se os pequenos extractos salientados pela apelante poderiam conduzir a essa convicção, a verdade é que dos depoimentos daquelas testemunhas não resulta necessariamente essa prova, não só porque é referido um número superior de viaturas (L. Q.), como não estão de acordo quanto ao número de viaturas que caberia em cada um dos espaços em questão (L. Q. e D. A.), como, sobretudo, a questão da disponibilização exclusiva dos espaços para parqueamento das viaturas pesadas, foi salientada, não só por estas testemunhas, como por A. S., P. R. e S. C., para além de resultar da documentação junta aos autos – contrato e anexo I e cartas trocadas entre as partes.

Do que fica dito, resulta a improcedência do peticionado aditamento aos factos provados dos factos instrumentais referidos.

Finalmente, ainda quanto à matéria de facto, entende a apelante que deveriam ser alterados os pontos 2.13, 2.15, 2.19, 2.51 (que deveria transitar para os não provados), 2.28, 2.50, 2.53 a 2.57 (devendo considerar estes últimos, não provados), 2.59 e 2.60 (também não provados).

No ponto 2.13, a apelante pretende retirar a expressão “preço”, mantendo apenas “indemnização” e acrescentar ao ponto 2.15 o seguinte: “Como a segunda ré não pretendia que o referido valor de € 1.200.000,00 fosse contabilizado exclusivamente com a natureza de indemnização, as partes dispuseram na cláusula 3.ª…”. Para o efeito sustenta-se no depoimento do seu legal representante e na testemunha L. C., que havia sido também legal representante da autora até data próxima à do início do julgamento.
Quanto a esta questão, nada há a alterar ao decidido em 1.ª instância.
O ponto 2.15 dos factos provados, mais não faz do que transcrever a cláusula 3.ª do Acordo de Cessação da prestação de serviços de operação logística celebrado entre a autora – e subscrito pelo seu legal representante - e a segunda ré, bem como o ponto 5 dos Pressupostos desse acordo, que claramente referem a compra e venda de determinados ativos da autora (veículos e equipamento diverso identificados no anexo 1 desse acordo). De tal anexo consta a identificação de 20 veículos pesados e diversos equipamentos, entre os quais, os aparelhos de ar condicionado e os portões, que o legal representante da autora expressamente confessou que eram propriedade da autora. É certo que, quanto ao mais, disse que os restantes equipamentos eram do M. (também as cadeiras, mesas, móveis de apoio, secretárias, carrinhos de distribuição?) e, portanto, nem sequer podiam ser vendidos, querendo assim demonstrar que não houve um preço, mas apenas uma indemnização e que o constante do contrato e anexo foi uma ficção criada pelas partes, para que o montante total não aparecesse como indemnização.
Ora, ainda que fosse verdade que parte dos equipamentos não pertencia à autora, ninguém discute que, pelo menos os veículos pesados, os portões e o ar condicionado eram da autora e, consequentemente, foram adquiridos pela ré, mediante um preço, que foi parte do valor total pelo qual foi efetuado o acordo de cessação.
Aliás, o que a apelante pretende introduzir no ponto 2.15, já consta do ponto 2.14, ou seja, que a ré não pretendia que o valor de € 1.200.000,00 fosse contabilizado exclusivamente com a natureza de indemnização. Daí a necessidade de parte ser devido como preço e outra parte como indemnização. Não se vê, portanto, necessidade de introduzir qualquer modificação nestes pontos da matéria de facto.

Os pontos seguintes da matéria de facto provada, que a apelante pretende ver alterados, prendem-se com os lugares de estacionamento que fariam parte do objeto do contrato – pontos 2.19 e 2.51 – e que é verdadeiramente a questão central destes autos.
Ao contrário do que refere a apelante, o tribunal dedicou a esta questão quatro páginas da motivação da decisão de facto, o que se compreende, uma vez que foi esta questão dos lugares de estacionamento que estariam incluídos no contrato que esteve na base do alegado incumprimento e resolução do contrato.
E, uma vez mais, aqui, o tribunal decidiu bem.
É impossível esquecer o teor do contrato e respetivo anexo. Nos termos do mesmo a autora cedeu a utilização do espaço à ré “nos termos e condições estabelecidas no presente contrato”, resultando da cláusula 1.2 que “os lugares de estacionamento incluídos no espaço, conforme melhor identificados no Anexo I, poderão ser delimitados…”, sendo que este Anexo I tem como epígrafe “Planta com delimitação do espaço (incluindo lugares de estacionamento assinalados) ”, sendo constituídos por quatro plantas: planta do r/c, a qual inclui os “estacionamentos assinalados”, planta do piso 1, da cobertura e alçados.
O arquitecto que elaborou estas plantas – testemunha J. F. – referiu de forma clara e objetiva que, despois de já ter elaborado umas primeiras plantas do armazém, lhe foi solicitado pela autora a elaboração de uma nova planta da qual constasse a estrutura viária da frente do edifício, tendo-lhe sido solicitado que a área exterior de estacionamento passasse para o desenho, o que só acontece quando se pretendem usar os exteriores. Deste depoimento resulta, assim, que o problema dos estacionamentos foi falado e foi decidido inclui-lo nas plantas, nos termos que aí constam.
Ora, apesar das testemunhas L. C. e L. Q. (acareadas) terem sido contraditórias entre si, não pode, evidentemente, esquecer-se o teor do contrato e das plantas, esclarecido por quem as desenhou, bem como o depoimento da testemunha P. R., que acompanhou as negociações do contrato e que confirmou que o problema do estacionamento (existência de zonas exclusivas para a ré) foi falado entre as partes e era condição essencial para a celebração do contrato, tendo a autora sempre dito que isso não seria problema, tudo conjugado com as regras da experiência que nos alertam para o facto de que a ré, com necessidades de estacionamento dos seus veículos pesados, muito superiores às da autora, e em crescendo, nunca poderia aceitar ficar apenas com a disponibilidade de estacionamento que a autora possuía anteriormente, sob pena de o seu negócio não se poder concretizar.
Por outro lado, as tentativas por parte do legal representante da autora de negar esta negociação, esbarram com as cláusulas contratuais e a existência do referido Anexo I, com os espaços de estacionamento delimitados, não tendo este legal representante conseguido oferecer uma explicação para o teor destas cláusulas e anexo e porque é que assinou o contrato nesses termos.
Daí que esta questão esteja bem decidida, mantendo-se o teor dos pontos 2.19 e 2.51 dos factos provados.

O ponto seguinte com o qual a apelante não concorda é o ponto 2.28 dos factos provados, pretendendo que fique a constar do mesmo que o legal representante que acompanhou todo o processo de negociações foi o, então gerente da autora, L. C..
Ora, este facto provado é a transcrição dos artigos 40.º e 41.º da petição inicial, que foi aceite pelas rés na contestação, sendo certo que nunca foi alegado qual dos legais representantes da autora é que esteve sempre presente nas visitas e reuniões. O que é certo é que, apesar de toda a negociação ter sido acompanhada pelo gerente L. C., também o legal representante F. T. participou nas negociações e teve reuniões com a parte contrária, com intervenção decisiva no teor e valores do contrato. O que releva, tal como consta da petição inicial é que em todas as reuniões e visitas esteve sempre presente o legal representante da autora (um ou o outro), que acompanhou todo o processo de negociação, nada havendo, por isso, a alterar.

Prossegue a apelante, discordando da redação do ponto 2.50 dos factos provados. Entende que deve ser retirada a expressão “exclusiva”.
Também aqui não podemos concordar. Se a ré podia identificar e delimitar os espaços de estacionamento – de acordo com o contrato e Anexo I, como já vimos – então é porque os mesmos lhe ficariam afectos de forma exclusiva, pois não teria esse trabalho se outros utentes do M. pudessem aí estacionar livremente.
O próprio L. C. admite, no seu depoimento que “Há o objetivo da Central – que me dizem que a operação é muito melhor – de querer espaços exclusivos. Queriam eles, como qualquer empresa do M. quer”, ou seja, não há dúvida que a ré queria espaços de estacionamento exclusivos e que os negociou com a autora. Mais à frente, quando recebeu a primeira reclamação da ré “Eh pá, estamos aqui com problemas, estão pessoas aqui a parquear no nosso espaço”, o que mostra, claramente, que a ré considerava os espaços de utilização exclusiva. Por outro lado, nada há no Regulamento do M. que impeça a existência de zonas exclusivas de estacionamento, como, aliás, vem referido na motivação da decisão de facto.
Mais remetemos aqui para o que acima já dissemos quando analisámos o depoimento da testemunha P. R., que acompanhou as negociações e foi claro quando esclareceu que necessitavam dos espaços de estacionamento como exclusivos e que, se não tivessem essa possibilidade, não teriam assinado o contrato. O mesmo resulta do depoimento de L. Q., aliás de forma muito expressiva, tendo explicado com bastante pormenor o porquê da essencialidade de espaços de estacionamento exclusivo no tipo de operação logística que desenvolvem, ligada à distribuição.
Daí que improceda, também, esta pretendida alteração.

A discordância da apelante prossegue quanto aos pontos 2.53 a 2.57 dos factos provados, relativos aos constrangimentos na atividade da ré provocados pela falta de lugares de estacionamento.
Ora, como se verifica da leitura da resposta da autora – artigo 48.º - à matéria de exceção articulada pelas rés, “a autora aceita corresponder à verdade os factos alegados pela ré e relativos aos alegados constrangimentos verificados na sua atividade e resultantes do facto de não ter parqueamento para as cerca de 40 viaturas que tinha à sua disposição”, factos esses alegados em 101.º e seguintes da contestação e que, como se vê dos factos provados, estiveram na base dos pontos 2.53 a 2.57 que, agora, a apelante questiona.
Por outro lado, analisada a prova sobre esta matéria, não ficam dúvidas sobre os referidos constrangimentos – veja-se os depoimentos de A. S. (que a apelante cita, mas sem razão, uma vez que, mesmo nos extratos citados, esta testemunha refere que “o espaço não estava ajustado à atividade”, “não era aceitável andarmos com os carros na rua e não termos espaço, estacionarmos entre viaturas (ligeiras) é que era a operação mais crítica”, “foi-me transmitido que era para ser um espaço exclusivo…era mais fácil estacionar, tirar o carro, agilizava a operação e minimizava questões de roubos”), L. Q. (que esclarece que o problema não era derivado de os veículos não caberem todos dentro do armazém, até porque, atualmente, por questões ambientais, nem sequer estacionam nenhum veículo dentro do armazém), S. C. e D. A. – todos referindo que o problema era a não existência de espaço exclusivo, a necessidade de espalhar os camiões pelo recinto do M., com os problemas que daí advinham para a segurança e vigilância, bem como ter que procurar espaços entre os veículos ligeiros, com as dificuldades inerentes, não só de manobra, como de localização pelos novos motoristas. Um dos motoristas, D. A., refere mesmo que havia estacionamento em frente ao armazém, mas que os lugares estavam sempre ocupados, designadamente, por veículos ligeiros e que tinham que procurar estacionamento longe, o que era muito perturbador para a operação. Veja-se que L. Q. refere que o segurança contratado, não podia abarcar todos os veículos, uma vez que eles ficavam espalhados por todo o recinto. Não é importante, como defende a apelante, que as viaturas pudessem aparcar dentro do armazém, mas sim que estivessem visíveis e concentradas num mesmo local.
Do que fica dito resulta que o argumento da apelante, de que haveria lugares para mais viaturas do que aquelas que a ré movimentava, é irrelevante, uma vez que o que criou os constrangimentos, foi a não disponibilização dos espaços de estacionamento exclusivos, conforme Anexo I ao contrato e que já acima salientámos.
Daí que seja de manter estes pontos da matéria de facto provada.

Finalmente, a apelante considera que os pontos 2.59 e 2.60 dos factos provados, relativos ao adiamento da transferência da operação da Malveira, deveriam passar para os não provados.
Entende que as mesmas razões e argumentos já invocados anteriormente, no sentido de que, nem os constrangimentos, nem os danos invocados pela ré resultam do facto de a autora não ter disponibilizado a totalidade dos lugares de estacionamento nas duas ilhas frontais, são os mesmos que sustentam que não pode a autora ser responsabilizada pelo adiamento da cessação do contrato de arrendamento das instalações da Malveira.
Ora, a ser assim, dispensamo-nos de repetir o nosso entendimento, já explanado, em concordância com o da 1.ª instância e que conduziu à não alteração da decisão de facto nos termos pretendidos pela apelante.
As testemunhas, aliás, não tiveram dúvidas em afirmar que, sem os espaços de estacionamento em exclusivo, na área do armazém, não seria possível transferir a operação da Malveira, que só poderia ter acontecido, caso a ré pudesse utilizar em exclusivo os espaços de estacionamento previstos, designadamente, nas duas ilhas – L. Q., S. C., D. A. e B. D..

Improcede, assim, totalmente, a impugnação da decisão de facto, mantendo-se os factos provados e não provados tal como constam da sentença. E é a partir destes factos que deverá fazer-se o enquadramento jurídico, sendo desnecessário pronunciarmo-nos sobre os considerandos das alegações da apelante, no capítulo intitulado “Do Direito”, que pressupõem a alteração na matéria de facto por si propugnada e que não obteve vencimento.

Considerando a matéria de facto provada, não haverá dúvidas que a autora incorreu em mora, ao não disponibilizar todo o espaço de estacionamento exclusivo a que se tinha vinculado contratualmente. Tal incumprimento é culposo, uma vez que a culpa se presume, nos termos do artigo 799.º do Código Civil, e a autora não logrou ilidir tal presunção.

Torna-se necessário, contudo, a conversão da mora em incumprimento definitivo, através da fixação de um prazo razoável para que o devedor cumpra, sob pena de o credor poder tomar a obrigação como definitivamente incumprida e resolver o contrato. A fixação desse prazo para considerar a obrigação definitivamente incumprida, torna-se desnecessária quando o credor conseguir fazer prova de que perdeu definitivamente o interesse na prestação – artigo 808.º do Código Civil. Ocorre, ainda, a possibilidade de o credor poder tomar a obrigação como definitivamente incumprida quando, após a mora, o devedor declara de forma “unívoca, séria, clara e definitiva a intenção de não cumprir a obrigação a que está adstrito – Brandão Proença, Lições de Cumprimento e Não Cumprimento das Obrigações, 2.ª edição, Porto, 2017, pág. 355 e ss e, na jurisprudência, Acórdãos do STJ de 23/11/2017 e de 16/04/2012, processos n.ºs 212/12.4TVLSB.L1.S1 (Maria do Rosário Morgado) e 743/2001.E1.S1 (Granja da Fonseca), conforme citação colhida no Parecer junto a estes autos, subscrito pela Professora Ana Taveira da Fonseca.
Nos autos, não há dúvida, portanto, que ocorreu o incumprimento definitivo suscetível de conduzir à resolução do contrato.
A mora foi convertida em incumprimento definitivo através das interpelações efetuadas pela ré à autora para cumprir a obrigação de disponibilização exclusiva de todos os lugares de estacionamento cuja cedência foi objeto do contrato – cartas de 8 de maio de 2014, 2 de junho de 2014 (com fixação de prazo de 15 dias para o cumprimento) e 25 de julho de 2014 (com a fixação de um novo prazo de 30 dias para a disponibilização de todos os lugares contratados). O facto de, nestas cartas, a ré ter mantido em aberto a possibilidade de exigir o cumprimento da obrigação, não equivale a qualquer renúncia a considerar a obrigação definitivamente incumprida. Caso o devedor não cumpra, o credor poderá exercer todos os direitos que a lei lhe reconhece por virtude do incumprimento da obrigação – direito a exigir a realização coerciva da prestação ou direito a resolver o contrato ou a pedir uma indemnização substitutiva da prestação em falta – veja-se, com maior desenvolvimento desta ideia, o Parecer junto aos autos e já supra referido. No mesmo sentido, o Acórdão do STJ de 09/02/2012, processo n.º 930/04.0TVSLB.L1.S1 (Lopes do Rego), in www.dgsi.pt, onde se entende que a interpelação não precisa de elencar expressamente quais as consequências jurídicas que poderão decorrer do incumprimento da obrigação para que o contraente fiel possa, decorrido o prazo por este fixado, tomar o incumprimento como definitivo.
Por outro lado, em 29 de agosto de 2014 a autora declarou de forma inequívoca, séria, clara e definitiva que não estava mais disponível para negociar qualquer outra solução alternativa de estacionamento, pelo que a ré podia tomar a obrigação como definitivamente incumprida.
Finalmente, não há dúvida que, em face dos desenvolvimentos que a questão foi tendo e considerando o teor das cartas trocadas, caso a ré não pudesse beneficiar dos estacionamentos contratualizado, perderia o interesse no contrato, pois tais lugares de estacionamento foram condição essencial para a celebração do mesmo. Veja-se a carta de 2 de junho “a Z só tem interesse na utilização de todo o espaço. Sem a possibilidade de utilização simultânea e em exclusivo dos lugares de estacionamento e da área coberta, o contrato perde toda a sua utilidade e, consequentemente, a Z perde o seu interesse na continuidade do mesmo”. Ou seja, foi claramente invocada a perda de interesse na manutenção do contrato.
Para além do mais, e como bem se refere na sentença recorrida, estamos, aqui, perante um contrato de natureza duradoura, sendo que o fundamento típico para a cessação deste tipo de contratos é a existência de uma justa causa ou existência de um incumprimento grave que torne inexigível a manutenção da relação contratual. O contrato poderá cessar sempre que o incumprimento afete de tal forma a relação de confiança que a contraparte tinha no cumprimento futuro do contrato, que seja possível concluir que é inexigível impor-se ao contraente fiel a manutenção do vínculo contratual. A perda de confiança no cumprimento futuro do contrato pode justificar a resolução e, como tem entendido a jurisprudência, não há, então, que lançar mão da interpelação admonitória – ver Acórdãos do STJ de 09/01/2007, 15/12/2011 e de 15/01/2015, todos em www.dgsi.pt.
Deve relevar, aqui, que, para a ré, a existência do espaço de estacionamento exclusivo era fundamental (havia sido condição essencial para a celebração do contrato), tanto mais que pretendia concentrar no M. todas as operações que tinha no distrito de Lisboa, tendo a autora conhecimento de tais factos. Ao longo do tempo em que durou o contrato, não só tal problema não foi resolvido, como acabou por se acentuar, com o aumento do número de cargas e com a impossibilidade que acabou por constatar, de deslocar a operação da Malveira, o que obrigou a ré a prolongar o contrato de arrendamento do espaço situado na Malveira, face à impossibilidade de transferir essa operação para o M.. Tudo com as consequências que já analisámos ao discutir os factos provados. E, a partir de determinada altura, quando a autora deu por terminadas as negociações relativas a esta problemática, não havia mais fundamento para a ré confiar que a autora iria cumprir o contrato.
Assim, face ao incumprimento grave das obrigações emergentes do contrato, incumprimento esse que destruiu a confiança que a ré depositava na autora, não é objetivamente exigível que o vínculo obrigacional se mantivesse.
Vemos, portanto, que, no caso dos autos, a ré podia resolver o contrato com justa causa mas, ainda assim, procedeu à conversão da mora em incumprimento definitivo, pelo que não há qualquer dúvida quanto à licitude da resolução operada.

A apelante invoca, ainda, o abuso de direito por considerar que, aquando da resolução do contrato, tinha já sido disponibilizado à ré um conjunto de lugares de estacionamento que permitiam aparcar todas as suas viaturas.
Estando assente que a ré tinha o direito de resolver o contrato, ao exercer tal direito terá atuado em termos ofensivos da justiça e do sentimento jurídico dominante, em desconformidade com a boa-fé, os bons costumes e o fim económico ou social do direito – artigo 334.º do Código Civil?
Pensamos que não.
Os termos contratuais eram claros e ficou provado que a autora conhecia a essencialidade da questão para a ré e que sempre lhe assegurou que os estacionamentos não seriam um problema e, por outro lado, face ao comportamento da autora, já descrito, não era juridicamente exigível à ré que continuasse vinculada ao contrato que havia celebrado, que não lhe permitia desenvolver a sua atividade, face aos constrangimentos que a falta de estacionamento exclusivo trazia à sua operação. De tudo foi dando a ré conhecimento à autora, até que esta pôs um ponto final na possibilidade de continuar a tentar resolver a questão. Sobretudo a partir deste momento, mas mesmo anteriormente, a confiança da ré em que o contrato vá ser cumprido no futuro deixa de existir (daí a justa causa para a resolução). Tal quebra de confiança, levou a ré a procurar um espaço alternativo e a celebrar um contrato-promessa de arrendamento com um terceiro, para fazer deslocar a sua operação para este novo espaço.
Assim, na data em que a autora deu conhecimento da solução que encontrara para o estacionamento (contrariando a recusa em negociar que havia previamente anunciado), já a ré tinha outorgado o novo contrato relativo a um novo local para instalar a sua operação logística.
Como bem se diz na sentença recorrida: “Tal circunstância, para além de reforçar a invocada perda de interesse na manutenção do contrato, afasta, por si só, em nosso entender, qualquer abuso de direito, na medida em que tendo a primeira ré já disponível um outro local para a operação, não lhe era exigível que mantivesse o contrato celebrado com a autora, a fim de continuar a dispor de um local relativamente ao qual, para além de não lhe estarem a ser disponibilizados os lugares de estacionamento contratualizados, carecia de interesse em manter, por ter em vista e dispor de um local alternativo”.

Finalmente, a apelante suscita a questão do pagamento que lhe seria devido para repor as iluminárias indevidamente retiradas pela ré.
Também aqui sem razão, pois não só todo o sistema de iluminação constava do anexo que identificava os equipamentos adquiridos pela ré (englobados no preço de € 600.000,00) no acordo de cessação da relação comercial que manteve com a autora e, portanto, sendo seus tais equipamentos, poderia retirá-los quando resolveu o contrato, como as partes haviam convencionado, no contrato de sub-cessão que “findo o contrato, todas as obras e benfeitorias realizadas pela cessionária que se encontrem integradas no espaço, reverterão a favor da cedente (com exceção das que possam ser retiradas sem danificação do espaço) ”, o que claramente aconteceu no caso, uma vez que a retirada do sistema de iluminação não envolve a danificação do espaço.

Fica, para apreciar, a questão da litigância de má-fé.
Na sentença recorrida a autora foi condenada como litigante de má-fé no pagamento de multa equivalente a 50 UCs e no pagamento de indemnização às rés em montante a fixar ulteriormente.
Aí se considerou que a autora omitiu a alegação de factos relevantes para a decisão da causa ao não proceder à junção do contrato, cuja resolução se discute, na sua íntegra, tendo omitido a junção do seu Anexo I, que se reporta aos lugares de estacionamento e que constituem o núcleo essencial do litígio, tendo atuado, pelo menos, com culpa grave, atenta a natureza pessoal dos factos em causa.
Foi considerada, também, uma divergência no montante da renda que a autora pagava ao M., entre aquela que foi alegada e a que se veio a provar que existia, pretendendo a autora obter um ganho de causa sobre a ré, com base nessa divergência.
Vejamos.
A condenação como litigante de má-fé constitui sanção civil para o inadimplemento gravemente culposo ou doloso dos deveres de cooperação e de boa-fé (ou probidade) processual (arts. 7.º e 8.º do C.P.C.) – cfr Abrantes Geraldes, Temas da Reforma do Processo Civil Vol. I (2ª edição revista e ampliada), pag. 97.
A condenação de uma parte como litigante de má-fé consubstancia um verdadeiro juízo de censura sobre a sua atitude processual, com o marcado intuito de moralizar a actividade judiciária.
O instituto em causa acautela um interesse público de respeito pelo processo, pelo tribunal e pela justiça, destinando-se a assegurar a moralidade e eficácia processual, com reforço da soberania dos tribunais, respeito pelas suas decisões e prestígio da justiça – destina-se a combater a específica virtualidade da má-fé processual, que transforma a irregularidade processual em erro ou irregularidade judicial – cfr. Pedro de Albuquerque, Responsabilidade Processual Por Litigância de Má-fé, Abuso de Direito e Responsabilidade Civil em Virtude de Actos Praticados No Processo, Almedina, pp. 55 e 56.
Com efeito, a tendência actual é para valorizar os princípios da boa-fé e da cooperação processuais para que o processo realize a sua função em prazo razoável, ou seja, usando a terminologia da norma, “para se obter, com brevidade e eficácia, a justa composição do litígio” (artigo 7º, 1, do Código de Processo Civil). Princípios que apontam para a cooperação dos intervenientes no processo no sentido de nele se apurar a verdade sobre a matéria de facto e, com base nela, se obter a adequada decisão de direito de modo a que, sem dilações inúteis, proporcionem condições para que a decisão seja proferida no menor tempo possível. Contudo, «se a parte procedeu de boa-fé, convicta da sua razão, a conduta é perfeitamente lícita e, perante o insucesso da sua pretensão, o risco inerente à sua actuação é suportar o encargo das custas. Ao invés, se procedeu de má-fé, se sabia que não tinha razão ou se não ponderou com prudência os seus pretensos motivos, é ilícita a sua conduta e dá azo à condenação em multa e indemnização à parte contrária, se esta a pedir» - vide Acórdão da Relação do Porto de 22/03/2011, in www.dgsi.pt/jtrp.
A condenação como litigante de má-fé há-de afirmar a reprovação e censura dos comportamentos da parte que, de forma dolosa ou, pelo menos, gravemente negligente (situações resultantes da inobservância das mais elementares regras de prudência, diligência e sensatez, aconselhadas pelas mais elementares regras do proceder corrente e normal da vida), pretendeu convencer o tribunal de pretensão cuja falta de fundamento não devia ignorar, alterou a versão dos factos relativos ao litígio ou que fez do processo ou meios processuais uso manifestamente reprovável.
A afirmação da litigância de má-fé depende da análise da situação concreta, devendo o processo fornecer elementos seguros para por ela se concluir, exigindo-se no juízo a realizar uma particular prudência, necessária não só perante o natural conflito de interesses, contrário, normalmente, a uma ponderação objectiva, e por vezes serena, da respectiva intervenção processual, mas também face ao desvalor ético-jurídico em que se traduz a condenação por litigância de má-fé - cfr., entre outros, os Ac. do STJ de 14/03/2002 e 15/10/2002, in www.dgsi.pt/jstj.
Para se concluir pela verificação de uma tal conduta dolosa ou gravemente negligente deverá o processo revelar, de forma segura e inequívoca, que a parte negou, ou alterou factos cuja veracidade conhecia ou não podia deixar de conhecer (de acordo com o padrão de conduta exigível a uma pessoa normalmente prudente, diligente, sagaz e sensata) ou que afirmou a existência de uma realidade que sabia falsa ou que não podia deixar de saber ser falsa (de acordo com aquele padrão de conduta exigível).
Ora, não podemos deixar de concordar com o tribunal recorrido na análise feita a esta questão.
O Anexo I do contrato de sub-cessão de utilização de espaço, é um elemento essencial na resolução da questão que foi posta ao Tribunal. O contrato, quer nos seus considerandos, quer na cláusula 1.2, remete expressamente para o referido Anexo I, explicitando que o objeto do contrato inclui um conjunto de lugares de estacionamento “conforme melhor identificado na planta que constitui o Anexo I”. No final do contrato ficou a constar que os anexos fazem parte integrante do mesmo e que o Anexo I contém a planta com delimitação do espaço. Contudo, a autora, junta, a seguir ao contrato, uma folha em branco, apenas com os dizeres “Anexo I – Planta com delimitação do espaço (incluindo lugares de estacionamento assinalados)”.
Considerando que a questão essencial em discussão nos autos era, precisamente, a questão da inclusão ou não no objeto do contrato de espaço de estacionamento exclusivo para a ré, de acordo com o que constava dessa planta, não pode deixar de se considerar que a autora, ao retirar deliberadamente do contrato tal Anexo, incorre em omissão de alegação de factos relevantes para a decisão da causa, factos que conhecia, face à sua natureza pessoal (tinham sido negociados pelos seus legais representantes), violando os deveres de cooperação das partes e dos seus mandatários, fazendo do processo um uso manifestamente reprovável. Tais princípios apontam para a cooperação dos intervenientes no processo no sentido de nele se apurar a verdade sobre a matéria de facto e, com base nela, se obter a adequada decisão de direito.
Não está aqui em causa a interpretação de tal documento ou a divergência das partes relativamente ao teor das negociações quanto à questão do estacionamento, pois aí é perfeitamente legítimo que as partes não fossem concordantes e o tribunal – como em todos os casos – acabasse por criar uma convicção que desse ganho de causa a uma das partes, em desfavor da outra.
O que está em causa é a omissão da junção de tal documento que, como se veio a constatar, era o elemento essencial para a compreensão do objeto contratual, face à remissão que para ele fazia o contrato, nesse particular. Ora, a autora sabia bem dessa essencialidade, sabia que foi ela própria que, na fase final das negociações, mandou elaborar a planta para conter no objeto do contrato o espaço de estacionamento. Alega, agora, que até arrolou como testemunha, o arquitecto que desenhou as plantas, mostrando que não tinha intenção de esconder nada. Acontece que essa testemunha só foi arrolada pela autora após a junção das ditas plantas por parte da ré.
Verifica-se, portanto, que se encontram verificados os pressupostos da condenação por litigância de má-fé – artigo 542.º, n.º 2, alíneas b), c) e d) do Código de Processo Civil.

Quanto à discordância relativamente ao despacho que determinou que fosse aberta vista ao Ministério Público por considerar que os autos indiciam a prática pelo legal representante da autora do crime de falsidade de depoimento, no sentido de ser eventualmente instaurado procedimento criminal, este Tribunal de recurso não pode revogar tal despacho, como pretende a apelante.
Não só o mesmo foi proferido já após a sentença que é objeto de recurso, como se trata de um poder/dever do magistrado que presidiu à audiência, não sindicável em sede de recurso, cabendo ao Ministério Público decidir se, no caso em apreço terá ou não sido cometido o crime em análise.

III. DECISÃO

Em face do exposto, decide-se julgar improcedente a apelação, confirmando-se a sentença recorrida.
Custas pela apelante.
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Guimarães, 3 de outubro de 2019

Ana Cristina Duarte
Fernando Fernandes Freitas
Alexandra Rolim Mendes