Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
2822/19.0T8VCT-A.G1
Relator: ANTÓNIO BEÇA PEREIRA
Descritores: ACÇÃO EXECUTIVA
ENTREGA DO LOCAL ARRENDADO
SITUAÇÃO DE FRAGILIDADE
SUSPENSÃO
CASA DE MORADA DE FAMÍLIA
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 03/10/2022
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: APELAÇÃO PROCEDENTE
Indicações Eventuais: 2ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
Nos termos do disposto na alínea c) do n.º 7 do artigo 6.º-E da Lei 1-A/2020, de 19 de março, com as alterações introduzidas pela Lei 13-B/2021, de 5 de abril, no caso de "execução da entrega do local arrendado, no âmbito das ações de despejo", os atos a realizar só ficam suspensos quando "o arrendatário (…) possa ser colocado em situação de fragilidade por falta de habitação própria ou por outra razão social imperiosa".
Portanto, para beneficiar desta suspensão do despejo, mesmo que se trate da casa de morada de família, o arrendatário tem o ónus de a requerer e de alegar e provar factos de onde resulte que, a concretizar-se a entrega do arrendado, ele ficará numa "situação de fragilidade por falta de habitação própria" ou que há uma "outra razão social imperiosa" que também justifica que, momentaneamente, não se realize tal entrega.
Decisão Texto Integral:
Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães

I
M. G. instaurou a presente ação executiva, que corre termos no Juízo Local Cível de Viana do Castelo, contra M. P., pedindo, nomeadamente, a entrega da fração autónoma letra .., correspondente ao rés-do-chão …, destinada a habitação, descrita no registo predial de Viana do Castelo sob o n.º ....
Alega, para além do mais, que por sentença de 31 de outubro de 2019, já transitada em julgado, foi declarado resolvido o contrato de arrendamento celebrado entre o exequente e a executada que tinha por objeto aquele imóvel, foi decretado o despejo imediato do arrendado e esta foi condenada a entregá-lo livre e desocupado de pessoas e bens.

A 6-1-2022 o exequente apresentou um requerimento em que solicita:

"1- Nos presentes autos já existe decisão final de despejo.
2- Nos termos do disposto no artigo 6.º-E, n.º 7, alínea c), da Lei n.º 1-A/2020, de 19 de março (aditado pela Lei n.º 13-B/2021, de 5 de abril), ficam suspensos no decurso do período de vigência do regime excecional e transitório previsto no presente artigo:
c) "Os atos de execução da entrega do local arrendado, no âmbito das ações de despejo, dos procedimentos especiais de despejo e dos processos para entrega de coisa imóvel arrendada, quando o arrendatário, por força da decisão judicial final a proferir, possa ser colocado em situação de fragilidade por falta de habitação própria ou por outra razão social imperiosa."
3- Ou seja, no caso dos autos, cabe à arrendatária alegar e provar que os atos de execução de entrega do local arrendado são suscetíveis de a colocar em situação de fragilidade por falta de habitação própria ou por outra razão social imperiosa.
4- Neste sentido, veja-se o Acórdão da Relação de Lisboa de 17.06.2021, processo 1055/20.7YLPRT.L1-6, in www.dgsi.pt.
5- Assim, atento o supra exposto, requer-se a V. Exa. o prosseguimento dos autos para entrega efetiva do arrendado."

A 19-1-2022 a Meritíssima Juiz, apreciando esta pretensão, proferiu o seguinte despacho:
"No acórdão invocado no requerimento em apreço está em causa uma situação distinta dos presentes autos.
A presente execução foi instaurada em 24 de janeiro de 2020 e tem como título executivo a sentença proferida no processo principal.
Nos termos do artigo 6.º-E, n.º 7, alínea b), da Lei n.º 1-A/2020, de 19 de março, aditado pela Lei n.º 13-B/2021, de 5 de abril, ficam suspensos no decurso do período de vigência do regime excecional e transitório previsto no presente artigo, os atos a realizar em sede de processo executivo relacionados com a concretização de diligências de entrega judicial da casa de morada de família.
Atento o disposto no mencionado artigo, aplicável à situação que nos ocupa, os presentes autos encontram-se suspensos, pelo que se indefere o requerido prosseguimento dos autos."

Inconformado com esta decisão, o exequente dela interpôs recurso, que foi recebido como de apelação, com subida em separado e efeito devolutivo, findando a respetiva motivação, com as seguintes conclusões:

1- Referem-se as presentes alegações ao recurso interposto pelo recorrente do douto despacho de 19.01.2022, que indeferiu o prosseguimento dos autos, com base no disposto no art.º 6.º-E, n.º 7, alínea b), da Lei n.º 1-A/2020, de 19 de março, aditado pela Lei n.º 13-B/2021, de 5 de abril.
2- É entendimento do recorrente que, no caso dos autos, estando em questão a entrega de local arrendado, não tem aplicação a alínea b) da referida norma, mas antes a alínea c), cabendo à arrendatária o ónus de alegar e provar que o despejo a poderá colocar em situação de fragilidade por falta de habitação própria ou por outra razão social imperiosa.
3- Assim, deveria o Tribunal a quo ter ordenado o prosseguimento dos autos, com base no referido art.º 6.º-E, n.º 7, alínea c).
4- Ao não ter ordenado o prosseguimento dos autos, o Tribunal a quo violou, por errada aplicação e interpretação, o disposto no art.º 6.º-E, n.º 7, alínea c), da Lei n.º 1-A/2020, de 19 de março, aditado pela Lei n.º 13-B/2021, de 5 de abril.
A executada não contra-alegou.
As conclusões das alegações de recurso, conforme o disposto nos artigos 635.º n.º 3 e 639.º n.os 1 e 3 do Código de Processo Civil, delimitam os poderes de cognição deste Tribunal e, considerando a natureza jurídica da matéria versada, a questão a decidir consiste em saber se quanto ao pedido de entrega do imóvel, na sequência do despejo que foi ordenado, a execução deve estar suspensa.

II
1.º
Para além do que acima se deixou dito, importa ainda ter presente que no processo 2822/19.0T8VCT, em que era autor o aqui exequente e ré a aqui executada, foi proferida, a 31 de outubro de 2019, a sentença apresentada nestes autos como título executivo, na qual se decidiu:
"Em face de todo o exposto, julgo a presente ação procedente e em consequência:
1. Declaro resolvido o contrato de arrendamento celebrado entre as partes em 28 de abril de 2015 e que tem por objeto a fração autónoma – letra "B" – correspondente ao rés-do-chão esquerdo frente, destinada a habitação, descrita na C.R.P. de Viana do Castelo sob o n.º ... e decreto o despejo imediato do arrendado, condenando a ré a entregá-lo livre e desocupado de pessoas e bens;
2. Condeno a Ré a pagar ao Autor a quantia de € 4.750,00 (quatro mil, setecentos e cinquenta euros), a título de rendas vencidas, bem como a quantia de € 290,30 (duzentos e noventa euros e trinta cêntimos), a título de juros vencidos, à taxa legal de 4%, contados até à data da propositura da ação e, bem assim, dos juros vincendos, à taxa legal em vigor, desde a propositura da ação e até efetivo e integral pagamento;
3. Condeno a Ré a pagar ao Autor as rendas vincendas, no montante mensal de € 125,00 (cento e vinte e cinco euros), desde a propositura da ação e até ao trânsito em julgado da sentença, acrescidas dos respetivos juros, à taxa legal em vigor, até efetivo e integral pagamento;
4. Condeno a Ré a pagar ao Autor, mensalmente, a quantia equivalente ao dobro da renda estipulada, ou seja, € 250,00 (duzentos e cinquenta euros), a contar do trânsito em julgado da sentença e até à entrega efetiva do arrendado, acrescida de juros, à taxa legal em vigor, até efetivo e integral pagamento."
2.º
O n.º 1 e as alíneas b) e c) do n.º 7 do artigo 6.º-E da Lei 1-A/2020, de 19 de março, com as alterações introduzidas pela Lei 13-B/2021, de 5 de abril, estabelecem que:
"1. No decurso da situação excecional de prevenção, contenção, mitigação e tratamento da infeção epidemiológica por SARS-CoV-2 e da doença COVID-19, as diligências a realizar no âmbito dos processos e procedimentos que corram termos nos tribunais judiciais, tribunais administrativos e fiscais, Tribunal Constitucional, Tribunal de Contas e demais órgãos jurisdicionais, tribunais arbitrais, Ministério Público, julgados de paz, entidades de resolução alternativa de litígios e órgãos de execução fiscal regem -se pelo regime excecional e transitório previsto no presente artigo.
7. Ficam suspensos no decurso do período de vigência do regime excecional e transitório previsto no presente artigo:
(…)
b) Os atos a realizar em sede de processo executivo ou de insolvência relacionados com a concretização de diligências de entrega judicial da casa de morada de família;
c) Os atos de execução da entrega do local arrendado, no âmbito das ações de despejo, dos procedimentos especiais de despejo e dos processos para entrega de coisa imóvel arrendada, quando o arrendatário, por força da decisão judicial final a proferir, possa ser colocado em situação de fragilidade por falta de habitação própria ou por outra razão social imperiosa".
A leitura destas duas alíneas permite-nos, desde logo, concluir que, no que se refere à "casa de morada de família", a alínea c) constitui uma exceção à regra estabelecida na alínea b) (1).
Assim, em princípio, "no decurso da situação excecional de prevenção, contenção, mitigação e tratamento da infeção epidemiológica por SARS-CoV-2 e da doença COVID-19", "ficam suspensos no decurso do período de vigência (…) [deste] regime excecional (…) os atos a realizar em sede de processo executivo (…) relacionados com a concretização de diligências de entrega judicial da casa de morada de família". Contudo, no caso de "execução da entrega do local arrendado, no âmbito das ações de despejo", os atos a realizar só ficam suspensos quando "o arrendatário (…) possa ser colocado em situação de fragilidade por falta de habitação própria ou por outra razão social imperiosa".
Portanto, deve entender-se que, "no âmbito das ações de despejo", para beneficiar da suspensão da execução do despejo, mesmo que se trate da "casa de morada de família", cabe ao arrendatário o ónus de a requerer e de alegar e provar factos concretos e objetivos de onde resulte que, a concretizar-se a entrega do arrendado, ele ficará numa "situação de fragilidade por falta de habitação própria" ou que há uma "outra razão social imperiosa" que também justifica que, momentaneamente, não se realize tal entrega; a suspensão da entrega do local arrendado não opera automaticamente (2).
Voltando ao nosso caso, dúvidas não restam de que estamos numa "execução da entrega do local arrendado, no âmbito das ações de despejo", decorrente da resolução de um "contrato de arrendamento celebrado entre as partes (…) que tem por objeto a fração autónoma letra "B" (…) destinada a habitação", pelo que, o mesmo é dizer que a situação em apreço se rege pelo disposto na alínea c) do n.º 7 do artigo 6.º-E da Lei 1-A/2020. Consequentemente, não tendo a executada alegado factos que correspondam a uma das situações aí previstas, nem, com base neles, solicitado a suspensão da entrega do arrendado, não há fundamento se conter a marcha da execução.
A Meritíssima Juiz fundou a sua decisão na alínea b), sem, no entanto, explicar por que motivo não ponderou sequer a aplicabilidade da alínea c) que o exequente tinha invocado no seu requerimento de 6-1-2022. Sucede que, como emerge do que se deixou dito, à situação sub iudice não se aplica o estabelecido em tal alínea b); trata-se, sim, de um caso abrangido pela alínea c).

III
Com fundamento no atrás exposto julga-se procedente o recurso, pelo que:
a) revoga-se a decisão recorrida;
b) determina-se que a execução prossiga a sua marcha.

Custas pela executada.
10 de março de 2022

António Beça Pereira
Ana Cristina Duarte
Alexandra Rolim Mendes


1. A alusão à "falta de habitação própria" significa que aqui se inclui, necessariamente, a "casa de morada de família".
2. Neste sentido pode ver-se os dois acórdãos citados pelo exequente, o Ac. Rel. Lisboa de 11-1-2022 no Proc. 16182/20.2T8SNT-A.L1-7 www.dgsi.pt, bem como a diversa jurisprudência e a doutrina citada nestes arestos.