Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
1036/02-2
Relator: ESPINHEIRA BALTAR
Descritores: RESPONSABILIDADE EXTRA CONTRATUAL
RESPONSABILIDADE CIVIL CONTRATUAL
PRESSUPOSTOS
COMÉRCIO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 01/22/2003
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Sumário: Responsabilidade civil extra contratual - Pressupostos - Grandes superficies
Decisão Texto Integral: 21

Apelação 1036/02 R. 19/02
Relator: Des. Espinheira Baltar
AdjuntoS: Des. Arnaldo Silva
Des. Silva Rato

Acordam em Conferência na Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães

"A", solteira, residente ..., veio intentar a presente acção contra a Ré "B", com sede ..., pedindo que a mesma fosse condenada a pagar-lhe a quantia de Esc. 6.327.803$00 a título de danos patrimoniais e não patrimoniais, acrescida de juros á taxa de 7% ao ano desde a citação até integral pagamento.
Alega para tanto que no dia 19 de Maio de 1997, pelas 11.30H, se deslocou ao Centro Comercial "C", sito na cidade de Braga, a fim de ali fazer compras, e que, após ter andado a pé dentro da loja do referido Centro Comercial e tendo pegado nas coisas que pretendia das prateleiras, dirigiu-se a uma das caixas, a fim de proceder ao pagamento dos bens que havia retirado das referidas prateleiras.
Alega ainda que ao passar junto da caixa n.º 29/30 escorregou e caiu, partindo a sua perna direita em consequência dessa queda.
Alega ainda que, conforme se constatou na altura, o piso junto à caixa 29/30 onde a A. passou, encontrava-se humedecido e extremamente escorregadio, sendo uma autêntica "ratoeira ", pois, sendo ainda um piso novo e muito liso, pois havia sido inaugurado há poucos dias, mais perigoso se tornou devido ao facto de estar humedecido junto à referida Caixa 29/30, sendo certo que essa queda foi provocada pela utilização de um produto de limpeza, que não se reconhecia nem era reconhecível.
Alega ainda que, por isso, naquele dia 19 de Maio de 1997, logo após a queda referida, foi conduzida ao Hospital de S. Marcos em Braga, onde deu entrada nos serviços de urgência, sendo posteriormente transferida para o Hospital de Barcelos onde ficou internada até ao dia 23/05/1997, ficando impossibilitada de se movimentar até ao dia 27 de Outubro de 1997, tendo sido submetida a uma intervenção cirúrgica.
Alega ainda que em consequência da referida queda das lesões que sofreu, ficou com uma incapacidade parcial permanente para o trabalho de 5%, e sofreu diversos prejuízos traduzidos na impossibilidade de frequentar as aulas e concluir o seu curso nesse ano, atrasando um ano na entrada no estágio remunerado.
Termina pedindo Esc. 2.000.000$00 pelo dano estético de que ficou a padecer, Esc. 1.500.000$00 pela incapacidade parcial permanente para o trabalho de 5% de que ficou a sofrer, Esc. 1.680.000$00 pela perda do ano lectivo que corresponde a um ano de estágio remunerado, e Esc. 1.147.803$00 de diversas despesas médicas e medicamentosas, deslocações para tratamento, despesas hospitalares, e um par de calças.
Na contestação, a Ré impugna a versão dos factos apresentada pela A. sustentando que a queda ocorreu já fora do hipermercado, no espaço entre a zona das lojas e as caixas do hipermercado, sendo certo que a autora se desequilibrou e caiu sem que o pavimento estivesse humedecido e escorregadio pela utilização de produtos de limpeza, embora nesse dia estivesse a chover.
Impugna também os prejuízos sofridos pela A. bem como o dever de os indemnizar.
Seguidamente a A. deduziu a intervenção principal provocada de "C".
Citada esta, veio contestar por excepção, sustentando que transferiu a sua responsabilidade para a Ré "B", situando-se o montante pedido dentro do capital seguro, pelo que será sempre a Ré a pagar a totalidade do que o tribunal vier a fixar.
Por impugnação vem sustentar que a A. caiu já fora da área do hipermercado, em local afecto à galeria comercial "C", que não é propriedade da interveniente, pelo que não é da sua responsabilidade, ou da seguradora Ré com quem celebrou contrato de responsabilidade civil o ressarcimento dos danos sofridos pela A.
Adere ainda à contestação apresentada pela Ré seguradora.
Na resposta a A. mantém a sua posição da p.i.
Elaborado o competente despacho saneador com factos provados e base instrutória, que não sofreu reclamações, procedeu-se a julgamento, com observância do legal formalismo, como da respectiva acta consta, não tendo as respostas á matéria de facto suscitado reclamações.

Foi proferida Sentença que absolveu a R. seguradora do pedido, com o fundamento de que se não verificaram os pressupostos da responsabilidade civil extracontratual, pelo facto de o acidente se dever a falta de cuidado da A. .

Inconformada a A, com o decidido, interpôs o respectivo recurso, formulando as seguintes conclusões:

1 – A recorrente no dia 19 de Maio de 1997 foi vítima de uma queda no Centro Comercial "C", sito em Braga, quando passava numa caixa deste para efectuar o pagamento das coisas que do mesmo trazia.

2 – Tal queda deveu-se ao facto do piso junto à caixa referida se encontrar humedecido e escorregadio, pelo que há nexo de causalidade entre o facto do piso estar humedecido e escorregadio e a queda da Recorrente.

3 – Na verdade, quem tira proveito de uma coisa, como a Recorrida segurada tira da sua área comercial sita em Braga, tem que criar todas as condições de circulação e segurança, a quem lhes dá proveito.

4 – Por isso, a Recorrida segurada é responsável quando não tem essas condições de segurança para os seus clientes, como no caso dos autos ao não ter o piso seco por forma a impedir que a recorrente escorregasse e caísse no chão, como qualquer outra pessoa cairia nas mesmas circunstâncias, causando-lhe as graves consequências referidas e provadas nos autos. Esta é, aliás, a fundamentação do acórdão da Relação de Lisboa referido sob o item 48º anterior destas alegações, que responsabiliza um estabelecimento, que não tem fins lucrativos, por uma pessoa cair em consequência do piso estar escorregadio.

5 – Em consequência dessa queda no chão, a recorrente partiu a sua perna direita, fracturando o terço inferior da mesma.

6 – Por isso, no dia do acidente a recorrente foi conduzida ao Hospital de S. Marcos em Braga, onde deu entrada, sendo no mesmo dia ainda conduzida ao Hospital de Santa Maria Maior em Barcelos onde ficou internada até ao dia 23 de Maio.

7 – A perna direita da recorrente desde o dia 19 de Maio de 1997 foi engessada até ao dia 27 de Outubro de 1997, passando todo o verão quente com muito sofrimento, causado por muito mau estar devido a um “formigueiro” que sentia.

8 – Porque a recorrente sentia muitas dores, a 3 de Junho de 1997 deu entrada novamente nos serviços de ortopedia do Hospital de Barcelos onde mais uma vez ficou internada até ao dia 11 de Junho de 1997, sendo submetida a uma operação cirúrgica com anestesia geral.

9 – Desde 28 de Outubro de 1997 até 23 de Dezembro de 1997 em consequência das lesões de que foi vítima por causa do acidente, a recorrente ficou com uma incapacidade parcial temporária de 50%, desde 24/12/97 até 3/3/98 ficou a recorrente com uma incapacidade parcial temporária de 25%.

10 – Em 6 de Maio de 1998 a recorrente deu novamente entrada no hospital de Santa Maria no Porto onde ficou internada até 8 de Maio de 1998.

11 – Entre 11 de Junho de 1997 e 21 de Novembro de 1997 a recorrente andou em tratamentos de fisioterapia num total de 40 sessões, sendo sujeita a outros tratamentos médicos e consultas de acompanhamento.

12 – Em consequência das lesões resultantes da queda ocorrida naquele fatídico dia 19/5/97, a recorrente que, à data do acidente era uma jovem de 23 anos de idade, conforme consta do assento de nascimento junto aos autos em 6/12/2000, ficou com uma incapacidade parcial permanente para o trabalho de 5% e com duas notórias cicatrizes, uma de 7 centímetros e outra de 5 centímetros na sua perna direita.

13 – O custo total das diversas operações cirúrgicas, tratamentos médicos e de diagnóstico importa em 1.146.903$00 ( 5.720,73 Euros), pagos pelo pai da recorrente com a obrigação de o reembolsar.

14 – À data do acidente a recorrente frequentava o quarto ano do seu curso de matemática na Universidade do Minho.

15 – Devido ao acidente a recorrente ficou totalmente impossibilitada de se deslocar, tendo, por isso, faltado a todas as aulas e exames até final do ano de 1997, tendo, por isso, reprovado o último ano do seu curso e retardado em um ano a sua entrada em estágio profissional, perdendo, deste modo, a prioridade que tinha na colocação de professores de matemática na escala nacional do Ministério da Educação.

16 – Durante os períodos de internamento, tratamentos e incapacidade no ano de 1997/1998, se a recorrente trabalhar pudesse, auferiria o salário de 120.000$00 (598,56 Euros).

17 – Assim, pelo facto da recorrente não trabalhar no ano seguinte ao do acidente, teve um prejuízo patrimonial de 120.000$00x14=1.680.000$00 (8.379 Euros).

18 – Devido a todas as consequências do acidente provadas nos autos, a recorrente teve e continua a ter graves prejuízos patrimoniais e morais.

Houve contra alegações da R. seguradora a pugnar pelo decidido.

Corridos os vistos, cumpre decidir.

Fundamentação.

Não tendo havido impugnação da matéria de facto, ao abrigo do disposto no artigo 713 nº6 do C.P.C. considera-se como assente a matéria de facto constante da sentença que aqui se transcreve:

a) No dia 19 de Maio de 1997, pelas 11.30H, a A. deslocou-se ao Centro Comercial "C", sito na cidade de Braga, a fim de ali fazer compras.
b) Após ter andado a pé dentro da loja do referido Centro Comercial e tendo pegado nas coisas que pretendia das prateleiras, a A. dirigiu-se a uma das caixas, a fim de proceder ao pagamento dos bens que havia retirado das referidas prateleiras.
c) Em consequência de uma queda no chão ocorrida nesse local a A. partiu a sua perna direita.
d) A queda referida em C) ocorreu em frente a uma das caixas do hipermercado (resposta quesito 1.º).
e) Ao passar na caixa anteriormente referida, a A. escorregou e caiu (resposta quesito 2.º).
f) O piso junto à caixa onde a A. escorregou e caiu estava humedecido e escorregadio (resposta quesito 4.º).
g) No dia do acidente chovia e por vezes, em alguns sítios do hipermercado formavam-se pingantes do tecto provenientes quer de condensação de humidade quer de infiltrações de água da chuva (resposta quesito 38.º).
h) Numa declaração junta por fotocópia a fls. 50, a A. declarou que no dia 19 de Maio cerca das 12 h. 30, ao sair do hipermercado, junto à caixa n.º 51 escorregou e caiu, e que a razão de ter caído ficou a dever-se ao facto de o chão estar molhado, referindo ainda que no dia do acidente estava a chover o que tornou o pavimento húmido (resposta quesito 39.º e 40.º).
i) O pavimento do "C" era à data do sinistro, lavado diariamente, sendo que a seguir à lavagem se seguia a sua integral secagem (resposta quesito 42.º).
j) O "C" havia aberto ao público 6 dias antes (resposta quesito 5.º).
k) O referido “Centro Comercial "C" pertence a "D", mas a sua gestão pertence à sociedade "E".
l) Naquele dia 19 de Maio de 1997, logo após a queda referida, foi conduzida ao Hospital de S. Marcos em Braga, onde deu entrada nos serviços de urgência, cerca das 13H10.
m) Ainda nessa dia 19/05/97, a A. foi conduzida ao Hospital de Santa Maria Maior em Barcelos, onde ficou internada até ao dia 23/05/97 (resposta quesito 6.º).
n) Nesse dia 19/05/97, a perna direita da A., que se encontrava partida, foi toda engessada, pelo que, desde esse dia a A. ficou impossibilitada de fazer qualquer movimento (resposta quesito 7.º).
o) A A. para se movimentar, precisava de uma terceira pessoa para a segurar (resposta quesito 8.º).
p) E, esta impossibilidade total de a A, se movimentar manteve-se até ao dia 27 de Outubro de 1997( resposta quesito 9º).
q) A A, passou, assim, todo o Verão quente de 1997 com a perna engessada, o que lhe agravou o sofrimento, pois causava-lhe muito mau estar, devido ao “formigueiro” que sentia (resposta ao quesito 10º).
r) Após a A, ter alta do Hospital de Barcelos em 23/5/97, foi para sua casa (resposta quesito 11º).
s) No entanto, porque as dores eram muitas, a A, em 3 de Junho de 1997, deu novamente entrada nos serviços de ortopedia do Hospital de Barcelos, onde ficou internada até 11 de Junho de 1997(resposta ao quesito 12).
t) Sendo submetida a uma operação cirúrgica no dia 6 de Junho de 1997 com anestesia geral ( resposta ao quesito 13).
u) Desde o dia 28 de Outubro de 1997 até 23 de Dezembro de 1997, a A, , em consequência das lesões de que foi vítima, resultantes do acidente referido, ficou com uma incapacidade parcial permanente de 50%( resposta quesito 14).
v) E, desde o dia 24 de Dezembro de 1997 até 3 de Março de 1998 foi atribuída à A. uma incapacidade parcial temporária de 25% (resposta quesito 15.º).
w) Desde o dia 11 de Junho de 1997 até 21 de Novembro de 1997 a A. andou em tratamento de fisioterapia, num total de 40 sessões, sendo sujeita a outros tratamentos médicos e consultas de acompanhamento (resposta quesito 16.º).
x) Em 6 de Maio, de 1998 a A., em consequência das lesões do acidente acima referido, deu entrada no Hospital de Santa Maria no Porto, onde ficou internada até ao dia 8 de Maio de 1998 (resposta quesito 17.º).
y) Em consequência das lesões de que foi vitima e resultantes da queda referida, a Autora ficou com uma incapacidade parcial , permanente para o trabalho de 5%, e com duas notórias cicatrizes, sendo uma de 7' centímetros e outra de 5 centímetros (resposta quesito 18.º).
z) O custo de todas as intervenções cirúrgicas e tratamentos supra referidos de que a A. foi objecto, por causa do acidente referido foi suportado pelo pai da A., em virtude de a mesma na altura ainda ser estudante, com o compromisso da A. de o reembolsar desses gastos oportunamente (resposta quesito 19.º).
aa) Na operação cirúrgica de que foi alvo no Hospital de Santa Maria no Porto e respectivo internamento, o pai da A. pagou a importância de 122.339$00 com o compromisso da A. de o reembolsar desses gastos oportunamente (resposta quesito 20.º).
bb) Mais pagou o pai da A, em taxa de urgência no Hospital de S. Marcos a quantia de 1.000$00 com o compromisso da A. de o reembolsar desses gastos oportunamente (resposta quesito 21.º).
cc) Em radiografias à perna direita, pagou o pai da A. a quantia de 31.000$00 com o compromisso da A. de o reembolsar desses gastos oportunamente (resposta quesito 22.º).
dd) Em despesas no Centro de enfermagem, pagou o pai da A. a quantia de 17.000$00 com o compromisso da A. de o reembolsar desses gastos oportunamente (resposta quesito 23.º).
ee) Em consultas externas pagou o pai da A. a quantia de 45.900$00 com o compromisso da A. de o reembolsar desses gastos oportunamente (resposta quesito 24.º).
ff) Mais pagou o pai da A. em consultas da especialidade de ortopedia relativas às lesões resultantes do acidente dos autos, a quantia de 122.000$00 com o compromisso da A. de o reembolsar desses gastos oportunamente (resposta quesito 25.º).
gg) Em tratamentos de fisioterapia na Clínica do Senhor da Cruz, L.da, gastou o pai da A. a quantia de 12.600$00 com o compromisso da A. de o reembolsar desses gastos oportunamente (resposta quesito 26.º).
hh) Em despesas medicamentosas gastou o pai da A. 6.589$00 com o compromisso da A. de o reembolsar desses gastos oportunamente (resposta quesito 27.º).
ii) Numas calças que no acidente ficaram danificadas gastou a A. a quantia de 13.800$00, pois as calças tiveram de ser rasgadas no Hospital por causa do gesso que lhe foi colocado na perna (resposta quesito 28.º).
jj) A despesa total no Hospital de Santa Maria Maior, em Consultas, operação cirúrgica, despesas de internamento e fisioterapia, importa na quantia de 775.575$00, que a A. terá que pagar a este Hospital, uma vez que a Ré se recusou a pagar (resposta quesito 29.º).
kk) A A. frequentava à data do acidente o quarto e último ano do seu curso de Matemática na Universidade do Minho (resposta quesito 30.º).
ll) E, devido ao acidente em causa, a A. ficou totalmente impossibilitada de se deslocar, tendo, por isso, faltado a todas as aulas e exames até final do ano (resposta quesito 31.º).
mm) Por causa do acidente a A. reprovou o último ano do seu curso e retardou em um ano a sua entrada em estágio- (resposta quesito 32.º).
nn) Durante todo este processo, esteve a A. sujeita a grande pressão psicológica, não só advinda do acidente e aos tratamentos subsequentes, intervenções cirúrgicas com anestesia geral que recebeu, mas também por não entrar em estágio, impedindo assim o início da sua actividade profissional (resposta quesito 33.º).
oo) Durante os períodos de internamento, tratamentos e incapacidade, e se trabalhar pudesse, a A. auferiria o salário mensal de 120.000$00 (resposta quesito 34.º).
pp) A referida sociedade "E", através da apólice n° 95/572820 transferiu para a Ré a sua responsabilidade civil geral (doc. de fls. 51 e 52).
Da análise das conclusões são suscitadas as seguintes questões que urge decidir:

1 – O acto gerador do dever de indemnizar – Responsabilidade Civil Extracontratual.

2 – Conteúdo da obrigação de indemnizar:

1 – Danos patrimoniais

2 – Danos não patrimoniais

Iremos decidir cada uma destas questões pela ordem enunciada.

1 – A primeira questão pressupõe analisar se se verificam os pressupostos da responsabilidade civil extracontratual da Ré, nos termos do artigo 483 nº1 do C.C..

Há a destacar, antes de mais, se a actuação omissiva da Ré é licita ou ilícita. Se estava obrigada a actuar ou não.

E isto, porque o que ficou provado é que o piso do estabelecimento da Ré, onde a A, escorregou e caiu, estava húmido e escorregadio – resposta restritiva ao artigo 4 da B.I..

E nesse dia, chovia e, por vezes, em alguns sítios do hipermercado, formavam-se pingantes no tecto provenientes quer de condensação de humidade quer de infiltração de água da chuva – resposta ao artigo 38 da B.I..

É esta a matéria provada, com relevo para a análise do acidente, no sentido de ser ou não imputável à Ré.

Destes factos poderemos concluir que o pavimento do estabelecimento gerido pela Ré, tornou-se escorregadio, porque ficou húmido, devido ao facto de estar a chover, e ter-se criado, em algumas zonas do mesmo, pingantes no tecto, provocados por condensação e infiltrações de água da chuva.

O que quer dizer que o piso, no dia do acidente, tornou-se perigoso à circulação das pessoas que visitavam o estabelecimento, como potenciais ou mesmo compradores dos produtos expostos.

E é um facto notório, que num estabelecimento deste género, circulam centenas e até milhares de pessoas por dia.

E incumbe ao dono dum estabelecimento aberto ao público, com esta dimensão, assegurar o seu funcionamento sem perigo para os utentes.

Faz parte do conteúdo das normas de segurança dos estabelecimentos abertos ao público, em que os utentes circulam livremente pelo seu interior a visitar os produtos expostos e comprá-los, se porventura estiverem interessados, como emerge da Portaria 22.970 de Outubro de 1967, do Decreto-lei 258/92 de 20 de Novembro, do Decreto-lei 445/91 de 20 de Novembro, do Regulamento Geral das Edificações Urbanas aprovadp pelo Decreto 38.382 de 7 de Agosto de 1951, alterado pelos Decretos-leis 43/82 de 8 de Fevereiro, 463/85 de 4 de Novembro, 61/93 de 3 de Março, 555/99 de 16 de Dezembro e 177/2001 de 4 de Junho, e outros diplomas que regulam as actividades específicas exercidas nas grandes superfícies, que definem as regras de construção, aprovação e licenciamento destes espaços comerciais. Na verdade, a infiltração de águas das chuvas e a condensação nos tectos, revelam defeitos de construção, cuja responsabilidade é inerente ao titular do direito de propriedade do estabelecimento.

Em face da situação acima relatada, perante um piso escorregadio, incumbia à Ré actuar de molde a evitar que o piso se mantivesse húmido, para o tornar não escorregadio. E, para isso bastava-lhe, de imediato, limpá-lo e secá-lo onde a humidade existisse e permanecesse.

E a R. sabia que o piso húmido não era seguro, na medida em que tinha o cuidado de, quando o lavava, o secar imediatamente. É o que se conclui da resposta ao quesito 42 da B.I..

E esse dever de limpar e secar o piso do estabelecimento faz parte das regras de higiene e segurança para um bom funcionamento do estabelecimento para os fins a que se destinava e exigível pelo alvará de licenciamento aprovado e conferido de acordo com a legislação já citada..

Pois, não se compreenderia, nem se compreende, que um estabelecimento desta envergadura, possa funcionar com um pavimento escorregadio, e, como tal, perigoso para a circulação dos utentes, ou clientela.

Em face do exposto, é de concluir que a Ré, ao não actuar como devia, tentando evitar as infiltrações da água da chuva, a condensação nos tectos e secar o pavimento, face à humidade nele existente, violou as normas de segurança, que visam proteger as pessoas que circulam no estabelecimento, pelo que, a sua actuação omissiva é ilícita, nos termos do artigo 486 e 483 nº1 do C.Civil.

E, além de ilícita, é censurável, na medida em que deveria estar mais atenta às condições do piso, e tomar as providências necessárias para evitar o acidente no público visitante.

Na verdade, devia e podia ter outro comportamento, na medida em que tinha conhecimento, ou pelo menos deveria tê-lo, no sentido de que o piso húmido tornava-se escorregadio, e, como tal, perigoso para a circulação das pessoas.

É o que revela a resposta positiva ao quesito 42 da B.I., segundo a qual o piso era diariamente lavado e seco, integralmente e de imediato.

Por outro lado, há nexo causal entre o facto e o dano provocado à A,, na medida em que a omissão do acto de secagem do piso condicionou a queda da A, não se tendo provado que a mesma tivesse origem no comportamento distraído e descuidado da A, como o revela a resposta negativa ao quesito 41 da B.I.

E isto justifica-se porque um piso escorregadio é propiciador, fomentador de quedas por escorregamento.

E face a tudo isto, julgamos que a Ré teve responsabilidade no acidente de que a A, foi vítima, e como tal, tem o dever de a indemnizar dos prejuízos sofridos, como o impõe o artigo 483 nº1 do C.Civil.

2 – A obrigação de indemnizar está regulada no artigo 562 e seguintes do C.Civil, e abarca os danos patrimoniais e não patrimoniais, e tem em conta os princípios de equidade e da teoria da diferença, para o seu cálculo, quando este tenha de ser em dinheiro.

No que concerne aos danos patrimoniais, há destacar os emergentes, os lucros cessante e danos futuros.

Da análise da matéria de facto dada como assente, é de concluir que a A, sofreu danos patrimoniais ememergentes, lucros cessantes e danos futuros, para além de danos morais.

No que se refere a danos emergentes, temos as despesas que a A, teve que suportar, ou terá de pagar ao seu pai, pelos tratamentos médicos, medicamentosos e hospitalares e outros conexos com a sua recuperação física.

O pai da A, responsabilizou-se pelo pagamento das despesas com o seu tratamento, com a condição de esta lhe pagar o devido, oportunamente. O que quer dizer que o débito é da A, não do pai, pelo que a ela terá de ser pago.

E as despesas com os tratamentos a que a A, foi sujeita, rondam a quantia de 1.147.803$00.

No que concerne a lucros cessantes, teremos de contabilizar aquilo que a A, deixou de ganhar, por força do acidente, que se traduz num ano de atraso na realização do estágio, na medida em que perdeu o ano, devido ao acidente.

Assim, tendo em conta o salário de 120.000$00, que auferiria se fosse estagiar, durante um ano, teria recebido a quantia de 1.680.000$00 ( 120.000$00x14).

No que se refere a danos futuros, teremos a valorização da incapacidade permanente parcial de 5% para o trabalho, para efeitos do cálculo da indemnização nos termos do artigo 564 nº2 e 566 do C.Civil, tendo em conta o salário de 120.000$00, para efeitos de estágio, único elemento seguro que temos nos autos, e que nos pode ajudar a encontrar a indemnização possível para o caso concreto.
A jurisprudência do S.T.J., que vem sendo aceite e aplicada nas instâncias, assenta em três pontos:

1 – Determinação dum capital produtor dum rendimento que se venha a extinguir no final do período provável de vida activa do lesado, susceptível de lhe garantir, durante esta, as prestações periódicas correspondentes à sua perda de ganho.

2 – Utilização de fórmulas abstractas ou critérios, como elemento auxiliar, com o objectivo de tornar o mais possível justas, actuais e minimamente discrepantes, as indemnizações.

3 – Uso de juízos de equidade como complemento para ajustar o montante encontrado à solução do caso concreto, uma vez que não é possível determinar um valor exacto dos danos sofridos pelo lesado.

Estes três pontos são indissociáveis, necessários para se encontrar, em cada caso, o montante indemnizatório mais adequado.

Há quem utilize fórmulas matemáticas mais ou menos sofisticadas, ligadas a tabelas financeiras, reduzindo substancialmente, para não dizer totalmente, a intervenção do julgador na determinação do montante indemnizatório, através de juízos de equidade.

Tabelas essas que, além de serem redutoras da intervenção do julgador, são complicadas, e, por vezes, de difícil utilização.

Através dum estudo apresentado pelo Juiz Conselheiro Sousa Dinis, na Colectânea de Jurisprudência, ano IX, Tomo I, 2001, do S.T.J., a fls. 6 a 12, foram delineados dois critérios, que atingem os mesmos resultados, que se revelam menos rígidos, e, em que o julgador acaba por ter grande intervenção na determinação do montante indemnizatório, através de juízos de equidade.

Um dos critérios assenta numa regra de três simples, tendo em conta uma determinada taxa de juro, adequada à realidade económica e financeira do país, ao aumento pecuniário que o lesado ou seus dependentes economicamente, deixaram de auferir, durante 14 meses, num ano, a idade activa provável do mesmo, fazendo um primeiro ajustamento com um desconto que variará com o nível de vida do país, do custo de vida, em que predominará o prudente arbítrio do juiz, tendo em conta estes dados ou outros relevantes.

E, encontrado um determinado valor, este poderá sofrer alterações para mais ou para menos, de acordo com juízos de equidade, tendo em conta a idade do lesado, a progressão na carreira e outros factores influentes, que possam existir.

O outro critério traduz-se na determinação do montante que o património do lesado deixou de auferir durante 14 meses, num ano, multiplicando-o pelo período de tempo provável de vida activa, reduzindo o montante encontrado de acordo com regras de equidade já apontadas, e finalmente, ajustando o respectivo valor ao caso concreto, recorrendo a juízos de equidade, de acordo com a progressão na carreira, ganhos de produtividade e outros elementos influentes existentes em cada caso.

Julgamos que estes critérios, e, em especial , o último, são mais fáceis de utilizar, mantendo critérios mínimos de segurança, e com a vantagem do julgador expressar o seu cunho pessoal ao caso concreto, recorrendo a juízos de equidade que a lei impõe, e que são a expressão jurisdicional mais rica e criativa.

Em face do exposto, julgamos que é de aplicar ao caso subjudice, o último critério enunciado, em detrimento das fórmulas matemáticas complicadas.

Para a determinação do montante indemnizatório teremos de ter em conta a idade da A. à data da alta clinica que se apurou em 5/6/98, ao salário de 120.000$00 durante 14 meses, à incapacidade para o trabalho de 5% ( incapacidade permanente parcial), perspectiva útil de vida da A, ao nível económico e social do pais, aos ganhos de produtividade e de progressão na carreira e outros que sejam influentes para o caso.

Tendo em conta estes elementos e aplicando as regras apontadas, encontraríamos como montante indemnizatório a quantia de 2.520.000$00. Porém, tendo em conta a idade da vítima, 25 anos, e as grandes probabilidades de ganhos de produtividade e progressão na carreira, uma vez que estamos perante uma pessoa com vista a uma licenciatura, o montante adequado seria de 3.000.000$00.

Relativamente aos danos não patrimoniais, teremos de destacar as dores que sofreu com duas intervenções cirúrgicas com anestesia geral, com um período de imobilidade total durante cerca de 5 meses, com a perna engessada, tendo de ser ajudada por terceira pessoa, e o grande incómodo que sofreu com o calor no verão de 1997, as angústias e ansiedades que viveu com o facto de não poder ir às aulas e ver perdido todo o esforço de um ano de estudos, na parte final do ano lectivo, o esforço despendido na sua recuperação com 40 sessões de fisioterapia, e com o período global de incapacidade parcial de 50% e 25%, entre Outubro de 1997 e Junho de 1998, e com o desgosto de manter durante a vida duas cicatrizes notórias na perna fracturada.

Tendo em conta todos estes factores, e à situação económica da A, e da R, é de concluir que o quantitativo adequado para compensar os danos não patrimoniais, é de 2.000.000$00.

Efectuados os cálculos globais, é de concluir que a A, tem a receber a quantia de 7.827.000$00.

O certo é que o montante peticionado é de apenas 6.327.803$00, que não pode ser ultrapassado, nos termos do artigo 661 nº1 do C.P.C. com a doutrina do AC.S.T.J. de 15/10/96, publicado no D.R. I série A de 26/11/96.

Assim, o montante a receber pela A, é de 6.327.803$00. E a este montante acrescerão os juros moratórios de 7% desde a citação, sobre as quantia de 1.680.000$00 e 1147.000$00, e desde a prolação deste acórdão sobre as quantias de 1.500.000$00 e 2.000.000$00, que correspondem às quantias peticionadas..

Esta quantia é da responsabilidade da R. seguradora, por força do contrato de seguro celebrado com a interveniente Carreou Portugal Soc. Explo. Centros Comerciais S.A., titulado pela apólice 95/572820, e junta fls. 51, por força do qual a seguradora assumiu a responsabilidade civil geral até ao montante 152.325.000$00. O problema da franquia reflecte-se apenas nas relações internas e não perante terceiros, beneficiários do contrato.

Decisão

Pelo exposto, acordam os juizes da Relação em julgar procedente a apelação e, consequentemente, revogam a sentença recorrida e condenam a Ré seguradora a pagar à autora, a quantia de 6.327.803$00 ( 31.562,95 Euros) a título de indemnização e os juros moratórios de 7% desde a citação, sobre a quantia de 1.680.000$00(8.379,60 Euros), a quantia de 1.147.000$00 ( 5.721,21 Euros), e desde a prolação deste acórdão sobre as quantias de 1.500.000$00 ( 7.481,97 Euros) e 2.000.000$00 ( 9.975,96 Euros).

Custas a cargo da R. seguradora ora recorrida.

Guimarães, 22-01-2003