Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
77/18.2YRGMR
Relator: VERA SOTTOMAYOR
Descritores: SANÇÃO DISCIPLINAR
IMPUGNAÇÃO
CADUCIDADE
PRAZO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 05/30/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: SECÇÃO SOCIAL
Sumário:
I – O prazo de impugnação das sanções disciplinares conservatórias da manutenção do contrato de trabalho e não abusivas é um prazo de caducidade.

II – Tais sanções distintas do despedimento devem ser impugnadas judicialmente no prazo de um ano contado desde a sua comunicação ao trabalhador/infractor.
Decisão Texto Integral:
Acordam na Secção Social da Relação de Guimarães

APELANTE: JOSÉ,
APELADO: X-INDÚSTRIA DE TECTOS METÁLICOS, S.A.
Comarca de Braga, Juízo do Trabalho de Guimarães.

I – RELATÓRIO

JOSÉ, solteiro, maior, residente na Rua … Guimarães, instaurou contra X-INDÚSTRIA DE TECTOS METÁLICOS, S. A., com sede em Rua … GMR, a presente acção declarativa de condenação, com processo comum, emergente de contrato individual de trabalho peticionando que:

a) Se revogue a sanção de 5 dias úteis de suspensão do seu contrato de trabalho;
b) Se condene a Ré a pagar-lhe a quantia de 124,09€ a título de reposição salarial e de subsídio de alimentação;
c) Se condene a Ré a conferir-lhe o gozo de 3 dias de férias não gozadas em 2016, por virtude da aplicação daquela sanção;
d) Se condene a Ré a reconhecer-lhe a carreira profissional indicada no artº 7º desta P. I., e a categoria profissional de perfilador de 1ª.
e) além de custas, procuradoria e tudo o mais que for de Lei.

A acção prosseguiu os seus normais termos e em sede de contestação a Ré veio invocar a excepção da caducidade do direito de impugnar a sanção disciplinar em causa, tendo o Tribunal a quo conhecido de tal excepção no despacho saneador considerando procedente e fazendo constar de tal despacho o seguinte dispositivo:

“Desta forma verifica-se a invocada caducidade da ação em relação à impugnação da sanção e, em consequência, nos termos do disposto nos artºs 576º, nº1 e 3 do C. P. Civil “ ex vi” al. a) do nº 2 do artº 1 do C.P. Trabalho, decide-se absolver a R. dos pedidos formulados sob as alíneas a), b) e c), que tinham como causa de pedir a impugnação da referida sanção.

Os autos terão, no entanto de prosseguir quanto ao pedido formulado na al. d)- “Ser a R. condenada a reconhecer ao A. a carreira profissional indicada no artº 7º da p.i. e a categoria profissional de perfilador de 1ª”.

Inconformado com este despacho, dele veio o Autor interpor recurso de apelação para este Tribunal da Relação de Guimarães, apresentando alegações que terminam mediante a formulação das seguintes conclusões, depois de devidamente aperfeiçoadas:

A. Vem o presente recurso de apelação interposto do douto despacho saneador, com a ref.a n." 153761469, que considerou existir caducidade da acção em relação à impugnação da sanção disciplinar e, em consequência, decidiu absolver a Ré dos pedidos formulados sob as alíneas a), b) e c), que tinham como causa de pedir a impugnação da referida sanção, isto porque não pode o Recorrente conformar-se com o mesmo.
B. O douto despacho recorrido entendeu que caducou o direito de acção do Autor impugnar a sanção disciplinar sofrida, por ter sido ultrapassado o prazo legal de um ano após a sua comunicação pela Ré.
C. O Recorrente não pode, no entanto, concordar com esta posição, por entender que estava em prazo e, portanto, não existir nenhuma caducidade da acção.

DOS FUNDAMENTOS DO RECURSO

D. O Recorrente entende que o prazo para impugnar a sanção disciplinar é de um ano após a cessação do contrato de trabalho e não de um ano após a sua comunicação ao trabalhador.
E. Tal posição tem, salvo melhor opinião, apoio legal no artigo 337.° do Código do Trabalho, uma vez que este normativo legal prescreve que os créditos emergentes do contrato de trabalho, da sua violação ou cessação, prescrevem apenas decorrido um ano após a cessação do contrato.
F. E este normativo deverá ter aplicação, também, nos prazos das impugnações de sanções disciplinares - cfr., entre outros, Ac. TRP, de 15.12.2003, FERREIRA DA COSTA, disponível em www.dgsi.pt..
G. Com este regime especial de prescrição dos créditos laborais consagrado no artigo 337.° do Código do Trabalho, o legislador não quis penalizar o trabalhador pela sua inércia, já que não lhe é exigível que promova a efectivação do seu direito durante a vigência do contrato, sendo certo que o não exercício expedito do direito pelo seu titular não faz presumir que ele tenha renunciado ao mesmo, nem o torna desmerecedor de protecção jurídica - cfr. JOÃO LEAL AMADO, obra citada, p. 177.
H. Também na Jurisprudência se encontra vasto acolhimento a esta tese, designadamente no Acórdão do TRL, de 30.03.2011, disponível em www.dgsi.pt, no Ac. do TRL, de 05.06.2013, disponível em www.dgsi.pt e no Acórdão do TRL, de 22.04.2009.
I. Além disso, este entendimento justifica-se atenta a especificidade da relação laboral relativamente às demais relações contratuais, já que só após a cessação do contrato terá o trabalhador a independência e a liberdade psicológica suficientes para ponderar a eventual instauração de uma acção judicial contra o empregador, quer para exigir o pagamento dos seus créditos, quer para impugnar uma sanção disciplinar, por já não se encontrar sob a subordinação jurídica e económica inerente ao contrato de trabalho.
J. As razões que fundamentam a suspensão da prescrição dos créditos laborais na pendência da relação laboral também legitimam a faculdade de impugnar a sanção disciplinar distinta do despedimento apenas após a cessação do contrato de trabalho.
K. Ou seja, deve aplicar-se, de forma analógica, in casu, o regime do artigo 337.° do Código do Trabalho.
L. Acresce ainda que, optando-se pela solução plasmada no despacho recorrido, o regime probatório previsto no n.° 2 do artigo 337.° do C.T., no que respeita ao crédito correspondente à indemnização por aplicação de sanção disciplinar abusiva vencido há mais de cinco anos, ficaria esvaziado de conteúdo.
M. Concluindo, diremos que o despacho saneador recorrido, violou os artigos 328.° e 337.°, ambos do Código do Trabalho.

Termos em que, com o douto suprimento de V. Exas. no que o patrocínio se revelar insuficiente, deve ser dado provimento ao recurso e, em consequência, ser revogado o despacho saneador, com a ref.a n.° 153761469, que considerou existir caducidade da acção em relação à impugnação da sanção disciplinar e, em consequência, decidiu absolver a Ré dos pedidos formulados sob as alíneas a), b) e c), só assim se fazendo a costumada JUSTIÇA!”

A Ré/Recorrida apresentou contra-alegação pugnando pela improcedência do recurso e formulando as seguintes conclusões:

– O presente recurso (nas condições em que se apresenta) deve ser rejeitado por falta de conclusões, uma vez que estas delimitam o objecto daquele e não podem consistir na mera repetição – praticamente ipsis verbis – do teor da motivação;
– O prazo para a impugnação judicial, pelo trabalhador, de sanções disciplinares não abusivas e conservatórias do posto de trabalho é de um ano a contar da sua comunicação ao infractor, mesmo que o contrato não tenha cessado, conforme jurisprudência uniforme do STJ há muito sedimentada, quer no domínio do pretérito ordenamento jurídico (LCT), quer na vigência do actual CT;
– É esta solução que (por via do preenchimento da lacuna através do recurso ao regime da anulabilidade) melhor se adequa à necessidade de evitar que o espectro da impugnabilidade recaia por longo período sobre a sanção disciplinar, assegurando a necessária paz jurídica e evitando que o empregador se defronte com irremovíveis dificuldades de prova de factos porventura ocorridos há dezenas de anos, como sucederia se a punição pudesse ser “atacada” depois do termo da relação laboral;
- Provado que a sanção disciplinar - não abusiva e diversa do despedimento - foi notificada ao apelante em 02/10/2015, vindo este a impugná-la judicialmente em 05/12/2016, muito bem andou a Meritíssima Juiz a quo ao julgar procedente a excepção peremptória de caducidade da acção;
– O douto despacho recorrido não violou portanto qualquer normativo legal, e muito menos o preceituado pelos artigos 328º e 337º do CT”

O Exmo. Sr.º Procurador-Geral Adjunto deu o seu parecer no sentido de não ser concedido provimento ao recurso, sufragando o entendimento de que as sanções disciplinares laborais, distintas do despedimento devem ser impugnadas judicialmente no prazo de um ano a contar da data da sua comunicação.
Notificados Recorrente e Recorrida de tal parecer, dentro do prazo legal, nada vieram dizer.
Colhidos os vistos, cumpre apreciar e decidir.

II – OBJECTO DO RECURSO

Delimitado o objeto do recurso pelas conclusões do Recorrente (artigos 635º, nº 4 e 639º, nºs 1 e 2, do Código de Processo Civil, aplicável por força do disposto nos artigos1.º n.º 2 al. a) e 87.º n.º 1 ambos do Código do Processo do Trabalho), não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso, a única questão trazida à apreciação deste Tribunal da Relação é a de saber se caducou ou não o direito do Autor impugnar a sanção disciplinar que lhe foi aplicada pelo empregador, no dia 22/09/2015 de “suspensão do trabalho, com perda de retribuição e antiguidade, pelo período de 5 dias úteis” ou se tal sanção disciplinar distinta do despedimento está apenas sujeita ao prazo de prescrição, aplicável às relações laborais previsto no artigo 337.º n.º 1 do Código do Trabalho.

III - FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

Na 1 ª instância consideram-se assentes os seguintes factos:

- O A. mantém, desde Junho de 1998, relação laboral com a R.;
- No dia 16 de Junho de 2015, o A. foi notificado da nota de culpa elaborada pela R;
- No dia 22 de Setembro de 2015, foi aplicada ao A. a sanção disciplinar de “suspensão do trabalho, com perda de retribuição e antiguidade, pelo período de 5 dias úteis”;
- Essa decisão foi notificada ao A. no dia 2 de Outubro de 2015
- O A. cumpriu a sobredita sanção disciplinar no período de 5 a 9 de Outubro de 2015;
- A presente ação foi instaurada no dia 05/12/2016;
- O A. ainda continua a prestar a sua atividade laboral para a ré.

IV – APRECIAÇÃO DO RECURSO

Da caducidade do direito de impugnar sanção disciplinar não abusiva e conservatória da manutenção do contrato de trabalho

Com a presente acção pretende o Autor, além do mais, impugnar a sanção disciplinar que lhe foi aplicada pela Ré durante o decurso da relação laboral, tendo a Ré invocado a caducidade do direito à acção, alegando que entre a data da comunicação da decisão de aplicação da sanção disciplinar ao Autor, o que ocorreu em 2/10/2015 e a instauração da presente acção, em 5/12/2016, mediou mais de um ano, sendo este o prazo previsto para impugnação daquela decisão.

Em consonância com a orientação uniforme do STJ, a decisão recorrida considerou que o Autor apenas dispunha de um ano contado da data da comunicação da decisão para impugnar a sanção disciplinar que lhe foi aplicada, estando por isso verificada a invocada caducidade do direito de impugnar a sanção disciplinar em causa e consequentemente absolveu a Ré dos pedidos que tinham como causa de pedir a impugnação da referida sanção.

Desde já deixamos consignado que por os factos que integram a causa de pedir subjacentes à aplicação da sanção disciplinar terem ocorrido na vigência do Código do Trabalho de 2009 é com base neste diploma que se apreciará o presente recurso.

Vejamos:

O Código do Trabalho de 2009, tal como os diplomas que o antecederam não prevê expressamente o prazo de impugnação das sanções disciplinares diversas do despedimento, daí que quer a doutrina quer a jurisprudência se venham pronunciando sobre esta questão de maneira não uniforme, com excepção da jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça que se tem pronunciado de forma consentânea, no sentido de tal prazo ser de um ano a contar da comunicação da aplicação da sanção, desde que não esteja em causa a impugnação de sanção disciplinar susceptível de ser considerada abusiva.

Na verdade, quer a jurisprudência dos Tribunais da Relação, quer a doutrina vêm divergindo quanto a esta questão, havendo quem defenda que o referido prazo é de um ano a contar da cessação do contrato de trabalho e quem defenda que o mesmo é de um ano a contar da comunicação ao trabalhador da aplicação da sanção disciplinar.

De forma resumida faremos uma resenha dos argumentos utilizados por cada uma das teses.

Os defensores da 1ª tese que sustentam que o trabalhador a quem foi aplicada uma sanção conservatória pode impugná-la no prazo de um ano contado desde a data da cessação da respectiva relação laboral, prazo que resulta do disposto no n.º 1 do art.º 337.º do CT, neles se incluem o Prof. João Leal Amado (in “Contrato de Trabalho”, 2 Edição, Janeiro 2010, publicação conjunta de Wolters Kluwer Portugal e Coimbra Editora, páginas 223 e 224 e in “Uma questão interessante: de que prazo dispõe o trabalhador para impugnar uma sanção disciplinar?”, Reflexões: Revista Científica da Universidade Lusófona do Porto, n.º 2, 2007, 9-23 e “Impugnação judicial de sanção disciplinar: que prazo?” – anotação ao Acórdão do STJ de 22/10/2008, Revista de Legislação e Jurisprudência, n.º 3954, ano 138, 2009, 169-180) e o Prof. Romano Martinez (in “Direito do Trabalho”, 2 ª ed., 2005, Almedina, págs. 605 e seguintes). Sustentam os defensores desta posição que as razões que fundamentam a suspensão da prescrição dos créditos laborais na pendência da relação laboral são também as que fundamentam a faculdade de impugnar a sanção disciplinar distinta do despedimento apenas após a cessação do contrato de trabalho.

Os defensores da 2ª tese que sustentam que o prazo de impugnação das sanções disciplinares diversas do despedimento é de um ano a contar da comunicação da aplicação da sanção, neles se incluem Maria Adelaide Domingues (in “Poder e Procedimento Disciplinar: algumas alterações introduzidas pelo Código do Trabalho de 2009”, estudo publicado na obra colectiva “Código do Trabalho – a revisão de 2009”, Edição Coimbra Editora – Grupo Wolters Kluwer, págs. 453 e ss.) e Nuno Abranches Pinto (in “Instituto Disciplinar Laboral”, 2009, pág. 139). Sustentam os defensores desta posição que são as razões de paz jurídica, estabilidade da relação laboral, celeridade, solidez e salvaguarda do efeito útil de processo disciplinar, os argumentos que suportam esta segunda tese.

Importa realçar de novo que o legislador, necessariamente conhecedor da discussão jurídica que há anos se levanta a propósito do prazo para a impugnação judicial de sanção disciplinar que não o despedimento, optou por nada dizer nem no Código do Trabalho de 2003, nem no Código do Trabalho revisto em 2009.

Do confronto das duas teses, sufragamos a posição que de forma consentânea tem vindo a ser assumida pelo Supremo Tribunal de Justiça e não vislumbramos motivos para nos afastarmos daquele entendimento pelo que iremos seguir de perto o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 12-02-2014, proferido no Proc. n.º 298/12.1TTMTS-A.P1.S1 (relator Leones Dantas) disponível em www.dgsi.pt, o qual faz uma resenha de vária jurisprudência daquele tribunal, no sentido sustentado, para de seguida analisar a questão da impugnação da sanção disciplinar susceptível de ser considerada abusiva, a qual nos dispensamos de analisar, já que no caso em apreço não está em causa a aplicação de qualquer sanção abusiva.

Assim em concordância com o entendimento defendido no referido acórdão e no que aqui nos interessa, passamos a seguir de perto e a citar:

“Uma das decisões base da jurisprudência desta secção sobre os prazos para impugnação das sanções disciplinares conservatórias é o acórdão de 13 de Maio de 1998, acórdão n.º 82/98, proferido ainda na vigência da LCT, onde se veio a decidir que «o prazo para impugnação das sanções disciplinares [aplicadas] aos trabalhadores pela sua entidade patronal é de um ano a contar da comunicação da aplicação das sanções».

Naquela decisão equacionou-se a possibilidade de aplicação à resolução da questão em causa do disposto no artigo 38.º, n.º 1, daquele diploma, que referia que «todos os créditos resultantes do contrato de trabalho e da sua violação ou cessação, quer pertencentes à entidade patronal, quer pertencentes ao trabalhador, extinguem-se por prescrição, decorrido um ano a partir do dia seguinte àquele em que cessou o contrato de trabalho, sem prejuízo do disposto na lei geral acerca dos créditos pelos serviços prestados no exercício de profissões liberais», dispositivo que corresponde, nas suas linhas gerais, embora também com diferenças, ao disposto no n.º 1 do artigo 337.º do Código de Trabalho, nos seguintes termos:

«E nem se diga que este artigo se refere só ao crédito, no sentido de prestação pecuniária, na linguagem generalizada. E nem ele pode ser entendido num puro critério civilístico, antes se tendo de atender às especificidades próprias do direito laboral. E, nestes termos, aquela expressão créditos, tem de ser entendida como um critério mais genérico, correspondendo ao direito pessoal (…), aí se incluindo o direito de impugnação de decisão disciplinar, pois, o que está em causa é o accionamento tempestivo de um direito.

(…)
Mas a aplicação do prazo referido no n.º 1 do falado art. 38.º também se afigura como não aplicável.

Na verdade, o despedimento – sanção mais grave – só pode ser impugnado no prazo de um ano a contar da data em que foi decretado. Assim sendo, e estando a impugnação do despedimento sujeita àquele prazo e condição, não se compreende que uma sanção menos grave pudesse ser impugnada dentro do critério definido pelo citado n.º 1, pois se o contrato se mantivesse em vigor por um período superior a um ano – v.g. 10 ou 20 anos - seria aquele prazo mais dilatado do que o correspondente ao do despedimento.

E com a aplicação daquele prazo, tal como o referido no n.º 1 o regulamenta, poderia acarretar para o trabalhador a dificuldade de prova para a impugnação. E aqui, haverá que ter em conta o disposto no n.º 2 do mesmo art. 38.º, que permite a reclamação de crédito pela aplicação de sanção abusiva, no prazo de um ano a contar do despedimento, mas exige que a prova se faça por documento idóneo.

Se se fosse aplicar aquele prazo à sanção não abusiva e, por isso menos grave – como ela não está sujeita à exigência daquele n.º 2, por não estar ali prevista, o que não é de aceitar.

Assim, de concluir é da não aplicação daquele prazo de um ano a contar do dia seguinte ao da cessação do contrato.

Assim, não se aplicando os normativos referidos, haverá que determinar qual o prazo para a reclamação já que ele terá de existir.

Afigura-se como mais correcta a solução de que a reclamação terá de ser feita no prazo de um ano a contar da comunicação da aplicação da sanção.

Esta é a solução que melhor se harmoniza com os princípios da estabilidade e certeza do direito disciplinar, evitando que se fique vários anos (…) sem se saber se determinada sanção se mantém ou é anulada».”

Foi suscitada a inconstitucionalidade desta interpretação, tendo sido proferido no proc. n.º 422/03, Acórdão do Tribunal Constitucional, em 23/05/2004, disponível em www.tribunalconstitucional.pt, em que se decidiu «a) Não julgar inconstitucional a norma, que a decisão recorrida reportou ao artigo 38.º, n.º 1, do Regime Jurídico do Contrato Individual de Trabalho, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 49 408, de 24 de Novembro de 1969, de acordo com a qual o prazo de impugnação judicial de decisão de sanção disciplinar de um dia de suspensão sem vencimento prescreve no prazo de um ano contado desde a data de comunicação da aplicação da respectiva sanção, mesmo que o contrato de trabalho não haja cessado».

No Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 29/11/2005 proferido na revista n.º 1703/05, disponível em www.dgsi.pt, mantendo a mesma orientação subjacente ao acórdão de 1998, sustenta-se que em face ao silêncio da lei sobre a questão e colocados perante uma lacuna jurídica será de ponderar que“[o] estabelecimento de prazos curtos no âmbito do direito disciplinar laboral e, especificamente ao nível do processo disciplinar com vista ao despedimento, justifica-se plenamente se pensarmos na especial configuração do poder disciplinar nesta área, tendo sobretudo em conta as gravosas consequências que, para efeitos do contrato individual de trabalho, decorrem tanto do comportamento do trabalhador que pratica, uma infracção disciplinar, quanto da entidade patronal que a sanciona. (…).

Com este poder que a lei lhe confere, o empregador dispõe de uma “singular” faculdade, (singular, porque se trata de relações entre particulares), qual seja a de reagir por via punitiva através de sanções reactivas, sempre que o trabalhador adopte uma conduta censurável e inadequada à correcta efectivação dos deveres contratuais, no âmbito da empresa e da permanência do contrato.

A sanção disciplinar, com esta configuração, tem sobretudo um objectivo conservatório — o de manter o comportamento do trabalhador adequado ao interesse da empresa — e constitui uma reacção dirigida à pessoa do próprio trabalhador, tentando que ele proceda de harmonia com as regras da disciplina estabelecida, reintegrando-o no padrão de conduta visado.

Sendo assim tão prementes as razões de paz jurídica nesta matéria, facilmente se compreende também que o prazo de impugnação da sanção disciplinar tenha de correr igualmente na vigência do contrato individual de trabalho.”

No referido acórdão recorrendo à integração de lacuna e considerando que com a impugnação da sanção disciplinar visa obter a sua anulabilidade, fixando a lei geral para este tipo de invalidade o prazo de um ano (art.º 287.º do CC), tal como é quando está em causa a sanção do despedimento (art. 345.º do CT2003), conclui-se que as sanções disciplinares laborais distintas do despedimento, devem ser impugnadas no prazo de um ano a contar da data da sua comunicação ao infrator, afirmando-se ainda a este propósito o seguinte:
“Se essa remoção (através de uma decisão jurídica-integradora) não for feita, estaremos necessariamente a admitir e a aceitar que a entidade empregadora fique indefinidamente na contingência de ver sindicada pelo tribunal e, eventualmente, anulada, qualquer decisão disciplinar que haja assumido.

Caberá reconhecer que essa situação brigaria, de forma intolerável, com o regime previsto na lei vigente para o exercício dos mais variados direitos.”

No mesmo sentido se decidiu nos Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 19 de Fevereiro de 2014, proferido no proc. n.º 4272/08.4TTLSB.L1.S1, de 22 de Outubro de 2008, proferido no proc. n.º 3787/08 e de 6 de Dezembro de 2011 proferido no proc. n.º 338/08.9TTLSB.L1.S1, disponível em www.dgsi.pt, tendo este último o seguinte sumário:

«I - É de caducidade o prazo de que os trabalhadores dispõem para impugnar judicialmente uma sanção disciplinar que lhes tenha sido aplicada pela sua entidade patronal, pois trata-se de um direito que deve ser exercido através de uma acção judicial, a intentar dentro de determinado prazo.
II - No Código do Trabalho aprovado pela Lei n.º 99/2003, de 27-08, prevê-se, de forma expressa, a admissibilidade da acção judicial para impugnar as sanções disciplinares (artigo 371.º), bem como o prazo de um (1) ano, a contar da data do despedimento, para intentar a respectiva acção de impugnação, mas é omisso quanto ao prazo de que o trabalhador dispõe para proceder à impugnação judicial de sanção disciplinar distinta do despedimento.
III- Não contendo a lei qualquer norma aplicável à situação referida, e inexistindo qualquer preceito análogo que possa resolver a referida lacuna, quanto ao início da contagem do prazo, a integração das lacunas de lei deverá fazer-se por analogia iuris, isto é, pelo espírito do sistema jurídico, traduzindo-se na criação de norma que o próprio intérprete produziria se tivesse de legislar dentro do espírito do sistema.
IV - Atendendo a que com a impugnação judicial de uma sanção disciplinar se visa obter a sua anulabilidade, estabelecendo a lei geral (art. 287.º do Código Civil) o prazo de um ano prazo para a impugnação das invalidades, e que é, também, esse o prazo que o art. 435.º do Código do Trabalho de 2003 fixa para a sanção especifica do despedimento, as sanções disciplinares laborais, distintas do despedimento, na vigência do CT, devem ser judicialmente impugnadas no prazo de um ano a contar da data da sua comunicação ao infractor, sob pena de caducidade desse direito.»

Voltando de novo a referir o Acórdão do STJ de 12/02/2014 que analisou esta problemática aí se escreveu o seguinte a este propósito:

“3- O artigo 329.º do Código de Trabalho de 2009 consagra no seu n.º 7 o direito de acção judicial para a impugnação de sanções disciplinares aplicadas ao trabalhador, na linha de idêntica solução consagrada no n.º 2 do artigo 371.º do Código do Trabalho de 2003.

Mesmo na vigência da LCT já a jurisprudência configurara o direito à impugnação de sanções disciplinares diversas do despedimento pela via do direito de acção e definira os parâmetros enquadradores do respectivo exercício.

Este direito confere ao trabalhador a possibilidade de provocar a sindicância judicial da decisão da entidade empregadora que lhe aplicou uma sanção disciplinar, nomeadamente, do respeito pelos parâmetros legais que enquadram o exercício do poder disciplinar e do respeito pelo princípio consagrado no n.º 1 do artigo 330.º do mesmo código, e obter, por esse modo, a anulação daquela sanção.
Essa sindicância é exercida pela via do direito de acção.


A acção através da qual o trabalhador impugne uma sanção que lhe tenha sido aplicada pode enquadrar um pedido de indemnização pelo carácter abusivo da sanção, quando o trabalhador entenda que se mostram preenchidos os pressupostos dessa categoria de sanções que, importa dizê-lo, não esgota o universo das sanções ilegais susceptíveis de impugnação.

Por outro lado, importa igualmente que se tenha presente que, na generalidade dos casos, a impugnação visa apenas o ressarcimento do trabalhador pelos danos sofridos, sejam eles materiais ou morais, porque a sanção já terá sido executada.

De facto, prevendo o n.º 2 do artigo 330.º do Código de Trabalho que a sanção seja executada nos três meses subsequentes à decisão, sob pena de caducidade, a impugnação judicial da decisão visará normalmente sanções já executadas e daí o relevo que a indemnização assume nesse contexto, porque, rigorosamente, será essa indemnização o conteúdo mais relevante que o trabalhador pode obter pela via da impugnação, não se olvidando também o cancelamento de sanções declaradas ilícitas nos respectivos registos disciplinares, previsto no artigo 332.º do mesmo código.~

3.1 - Assente que a acção para a impugnação de uma sanção disciplinar pode integrar um pedido de responsabilização civil da entidade empregadora, nomeadamente, nas situações em que a sanção se possa considerar abusiva, pergunta-se qual o real sentido e utilidade da norma do n.º 2 do artigo 337.º do Código de Trabalho.

Tal como acima referimos, essa norma estabelece uma específica exigência probatória relativamente à prova dos pressupostos de créditos reclamados.

Pela sua inserção sistemática esta norma não pode deixar de ser interpretada em conjunto com o n.º 1 do mesmo dispositivo que estabelece um regime de prescrição dos créditos emergentes da relação de trabalho no prazo de um ano contado do termo do contrato.

Deste modo, os créditos cuja prova fica condicionada pelo n.º 2 terão forçosamente de ser accionados nos termos do n.º 1 deste artigo.

A norma em causa não tem efectivamente qualquer sentido fora do contexto normativo onde se insere, e esse é o que é definido pelo n.º 1 do artigo relativamente à prescrição de créditos derivados da relação de trabalho, sejam eles do trabalhador, ou do empregador.

Daqui decorre que a acção para efectivação da responsabilidade do empregador pela aplicação de sanções abusivas, e é apenas sobre essa que incide o presente recurso, poderá ser exercida até um ano, após o termo do contrato, independentemente da data em que tais sanções tenham sido aplicadas, uma vez que essa aplicação é o pressuposto daquela forma de responsabilização.

É aqui que entra a restrição probatória decorrente do n.º 2 daquele artigo, impondo que os pressupostos dessa forma de responsabilização, fundamentalmente a decisão da entidade empregadora que aplicou tal sanção, só possam ser provados por documento idóneo.

Mau grado aquele n.º 2 contenha uma exigência ao nível da prova dos factos que integram os pressupostos dos créditos referidos, ele ficaria sem qualquer conteúdo útil se o pedido de ressarcimento daqueles créditos não pudesse ser efectuado no contexto do n.º 1 deste dispositivo.

3.2 – Assente que o disposto no n.º 1 do artigo 337.º é aplicável relativamente a créditos decorrentes da aplicação de sanções abusivas, embora com a ressalva em termos probatórios prevista no n.º 2 deste dispositivo relativamente a decisões sancionatórias que tenham ocorrido antes dos cinco anos anteriores à apresentação da respectiva petição inicial, torna-se necessário ponderar a específica situação dos créditos emergentes de sanções abusivas face ao regime geral de impugnação das sanções disciplinares.

Como vimos, a impugnação em geral de sanções disciplinares diversas do despedimento deve ocorrer no prazo de um ano após a comunicação da decisão sancionatória, sob pena de caducidade, não havendo qualquer razão válida para afastar a orientação definida nesta Secção e há muito sedimentada.

Quando esteja em causa a impugnação de sanções abusivas, por força do disposto no n.º 1 do artigo 337.º, os créditos derivadas dessa aplicação não prescrevem na pendência da relação laboral, o que só ocorre no prazo de um ano após a cessação da mesma.

Relativamente a este tipo de sanções, e face ao regime de prescrição que lhes é aplicável, cedem os interesses que estão subjacentes ao regime de impugnação em geral das sanções disciplinares e que motivaram a jurisprudência definida por esta Secção, o que decorre do exercício abusivo do poder disciplinar e da violação de direitos que está inerente à respectiva aplicação.

(…)
Refira-se que se não se demonstrar a natureza abusiva da sanção aplicada, em acção instaurada após o decurso do prazo de um ano contado a partir da comunicação da decisão, o atinente direito de acção terá de se considerar caducado com fundamento no seu exercício intempestivo.

4 – A diferenciação de regimes que resulta deste entendimento relativamente à forma de impugnação das sanções disciplinares, tomando em consideração as especificidades das sanções abusivas, decorre da especial gravidade dos factos que são pressuposto dessas sanções e revela-se materialmente fundada sob o ponto de vista da segurança jurídica, da proporcionalidade e da justiça e não se baseia em qualquer motivo constitucionalmente impróprio, carecendo de sentido a afirmação de que a mesma introduz diferenciações onde a lei não o prevê, «já que em momento algum o legislador manifestou a intenção de distinguir tais hipóteses».”

Em suma, conclui-se do transcrito Acórdão e como se sumariou que:

- as sanções disciplinares laborais não abusivas, distintas do despedimento, devem ser impugnadas judicialmente no prazo de um ano a contar da data da sua comunicação ao infractor;
- Estando em causa a impugnação de sanções abusivas diversas do despedimento, a acção respectiva pode ser instaurada até um ano após o termo da relação de trabalho, estando os créditos derivados da respectiva aplicação sujeitos ao regime de prescrição decorrente do n.º 1 do artigo 337.º do Código do Trabalho de 2009 e aos condicionalismos probatórios previstos no n.º 2 do mesmo artigo, quando vencidos há mais de cinco anos.

Tal como acima deixamos expresso sufragamos e subscrevemos este entendimento, razão pela qual deixamos consignado que estando in casu perante um direito que deve ser exercido através de uma acção judicial, a intentar dentro de determinado prazo, é de caducidade o prazo que os trabalhadores dispõem para impugnar judicialmente uma sanção disciplinar que lhes tenha sido aplicada pela sua entidade patronal, aplicando-se por isso as regras da caducidade, salvo se a lei se referir expressamente à prescrição.

No caso em apreço a comunicação da sanção aplicada ao Recorrente ocorreu em 2/10/2015, pelo que quando instaurou a acção em 5/12/2016 para impugnar tal sanção, já havia decorrido o prazo de um ano, verificando-se a caducidade da acção relativamente à impugnação da sanção.

Pelos motivos expostos julga-se improcedente o recurso de apelação, sendo de confirmar nessa medida a decisão recorrida ao considerar caducado o direito do recorrente impugnar a sanção disciplinar conservatória que lhe foi aplicada, uma vez que a respectiva impugnação judicial ocorreu mais de um ano após a sua comunicação ao recorrente.

V - DECISÃO

Nestes termos, acordam os juízes que integram a Secção Social deste Tribunal da Relação em julgar totalmente improcedente a apelação e consequentemente mantêm-se a decisão recorrida.
Custas da apelação a cargo do Recorrente, sem prejuízo da isenção de que beneficia.
Notifique.
Guimarães, 30 de Maio de 2018

Vera Maria Sottomayor (relatora)
Antero Dinis Ramos Veiga


Com o voto de concordância da Exma. Srª Desembargadora Alda Martins, que não assina por não estar presente (cfr. art.º 153º n.º 1 do CPC.)