Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
667/04-2
Relator: GOMES DA SILVA
Descritores: TELECOMUNICAÇÕES
TELEFONE
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 05/12/2004
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: 1. Todos os cidadãos têm o direito de utilizar os serviços de telecomunicações de serviço público, mediante o pagamento dos preços e tarifas correspondentes (art. 17º-nº1 da Lei nº 91/97, de 1 de Agosto).
2. O respectivo contrato escrito, unitário, sinalagmático e duradouro, há-de conter um determinado conteúdo informativo e eficaz protecção dos direitos dos utilizadores de um serviço tão fundamental, nomeadamente a obrigação do barramento selectivo de chamadas com destino aos serviços de telecomunicações complementares e aos serviços de telecomunicações de valor acrescentado, para além de expressa declaração do assinante ao acesso a estes (arts. 12-g) e 16º-nº3-d) do DL 240/97, de 18 de Setembro).
3. Não se tendo provado o cumprimento destas obrigações pela , esta incumpriu o contrato, não sendo credora dos correspondentes preços.
4. Consistindo a prescrição no instituto por virtude do qual a contraparte pode opor-se ao exercício de um direito, quando este não se verifique durante certo tempo indicado na lei e que varia consoante os casos, completada a prescrição, pode o beneficiário invocá-la, recusando o cumprimento da obrigação debitória.
5. A Lei nº 23/96, de 26 de Julho, que consagra as regras a que deve obedecer a prestação dos serviços públicos essenciais, como o telefónico, teve a preocupação de proteger os consumidores ou utentes; por isso, no seu art. 10º-nº1 veio balizar marcadamente o prazo a partir do qual o débito pela correspondente prestação do serviço público carecia de exigibilidade judicial; daí que tenha estabelecido o prazo prescricional presuntivo de seis meses, contados desde cada período de fornecimento.
Decisão Texto Integral: ACORDAM EM CONFERÊNCIA NA SECÇÃO CÍVEL DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE GUIMARÃES:


I –

INTRODUÇÃO

1. Aos 2002.09.13, "A", intentou acção declarativa de condenação, com processo comum, sob a forma sumário, contra "B".

2. Propunha-se obter sentença que condenasse a R. no pagamento da quantia de 6.742,00 €, mais juros legais.

3. Em síntese, alegou:
Celebrou com a R. um contrato de prestação de serviço telefónico, tendo montado nas instalações desta o respectivo posto, que a mesmo utilizou.
A R. não procedeu à liquidação de parte do custo das chamadas realizadas, naquele valor.

4. Contestou a R., excepcionando a prescrição da dívida e, no mais, alegando que parte das chamadas que lhe são imputadas não tinham sido feitas por si nem com o seu consentimento.

5. A A. respondeu à excepção.

6. Saneada a causa, foi logo proferida decisão que, tendo julgado procedente a excepção da prescrição, em consequência, absolveu a R. do pedido (arts.4930-1-3 e 494º a contrario, ambos CPC).

7. Irresignada, dela apelou a A., tendo rematado as suas alegações com dez conclusões.

8. A Apelada propugnou a manutenção da sentença.

9. Importa apreciar e decidir.


II –

FUNDAMENTOS FÁCTICOS

1.
Vem tida por provada a seguinte factualidade, não objecto de impugnação e, pois, fixada:
1. A A. tem por objecto principal o estabelecimento, a gestão e a exploração das infra-estruturas de telecomunicações, a prestação do serviço público de telecomunicações e de outros serviços de telecomunicações, bem como o exercício de actividades complementares, subsidiárias ou acessórias daquelas.
2. Para o destinar à sua actividade, a R. requereu à A. a prestação de serviço de telecomunicações, mediante o pagamento mensal de taxas fixas no tarifário em vigor. Satisfazendo o pedido, a A. montou nas instalações da R. o posto telefónico com o n0 258821954.
3. Desde sempre a R. utilizou a rede pública comutada, originando e recebendo chamadas, tendo-lhe sido debitadas, mensalmente, as facturas correspondentes a essa, utilização e ao tráfego gerado, facturas que incluíam, além do valor das chamadas efectuadas, as taxas de assinatura mensal.
4. A R. não pagou à A. a seguinte mensalidade, que inclui as taxas e o tráfego gerado, incluindo serviços de audiotexto de Janeiro de 2001.
5. A data limite de pagamento era de 30/1/01, tendo a respectiva factura sido apresentada à R. em Janeiro de 2001.

2.
Excluíu-se da materialidade assente o seguinte:
i. - o valor (parte) do não pago à R., referido sob o nº 4, ascendia a 5.770,77 € e
ii. - era esse o montante não pago, referido no nº 5.
Cumprindo a cada um das partes o ónus de alegar e provar os factos correspondentes à previsão da norma que aproveita à sua pretensão ou à sua excepção, aquela não logrou a prova do montante facturado, em função da impugnação da R. dos teores dos arts. 7º, 8º e 9º da petição, feita no art. 17º da contestação.
A Apelante, em honra das regras da boa fé e do constante dos arts. 9º-nº2 da Lei nº 23/96, de 23 de Junho, e 1º do DL nº 230/96, de 29 de Novembro, devia ter junto factura descriminada dos serviços em causa e respectivas datas e custos individualizados, estabelecendo mapas comparativos com referência aos outros períodos de fornecimento; é que, sendo à R. extremamente difícil, senão impossível, fazê-lo, por via de não dispor dos correspondentes meios técnicos, sobre aquela impendia tal obrigação (cfr. art. 516º CPC e Vaz serra, RLJ, 106º/314). Sibi imputet, pois.


III –

FUNDAMENTOS JURÍDICOS

1.
Balizando o recurso, a A. elencou censuras ao saneador-sentença que se reconduzem ao seguinte:
§ como os telefónicos, os serviços de audiotexto estão sujeitos à prescrição de curto prazo de seis meses ou antes de cinco anos?

2.
a)
Nestes autos, a A.-Recorrente peticionou a condenação da R. no pagamento da quantia de 6.742 €, para além dos juros legais, sendo 5.770,77 € da factura nº AO74869404, emitida aos 2001.01.15, e 971,23 € relativos a juros moratórios vencidos.
Tal montante reportar-se-á à prestação de serviços de audiotexto, contados com referência ao mês de Janeiro de 2001.
Neles, a R. foi citada pelos CTT com data de 2002.09.19 (fls. 11).

b)
Perante a dilucidação de um contrato de prestação de serviço telefónico, importa lançar mão do regime previsto no DL nº 240/97, de 18 de Setembro, que regulamentou a Lei nº 91/97, de 1 de Agosto.
Todos têm direito de utilizar os serviços de telecomunicações de uso público, mediante o pagamento dos preços e tarifas correspondentes; tais serviços são os destinados ao público em geral, quer se trate de serviços fixos de telefone, pela oferta do transporte directo da voz, em tempo real, em locais fixos, permitindo a qualquer utilizador, através do equipamento ligado a um terminal da rede, comunicar com outro ponto terminal (cfr. art. 2º-b) da Lei nº 91/97), quer se trate de serviços de comunicações móveis, nos quais o acesso do assinante é efectuado através de um sistema de índole não fixa, pela utilização radioeléctrica do espaço (cfr. art. 2º-a) do Regulamento aprovado pelo DL nº 290-B/99, de 30 de Julho).
Foi nessa base que livremente contrataram A. e R.. Por isso, estava a A. obrigada ao cumprimento integral do contrato, tendo de proceder segundo as regras da boa fé, em toda a sua actuação, inclusive em função da natureza pública do serviço e da protecção devida aos consumidores finais; entre tais condutas, impunham-se à A. especiais deveres de informação e esclarecimento, de modo a não vir a causar qualquer prejuízo aos mesmos nem se guiar pela obtenção de lucro fácil, sobretudo no domínio das condições de oferta para utilização dos inúmeros serviços proporcionados pelo telefone (cfr. os arts. 7º do Regulamento da Exploração do Serviço Fixo de Telefone, aprovado pelo DL nº 474/99, e 5º do Regulamento dos Serviços de Telecomunicações Móveis, aprovado pelo DL nº 290-B/99).
Na verdade, devendo conhecer os seus clientes e o seu grau cultural, tinha de esclarecê-los conscienciosamente sobre os seus direitos e deveres, pelo menos quanto ao preço e certas especificidades do chamado serviço de audiotexto, consabidamente cheio de ciladas e alimentado por empresas sem escrúpulos que a A. notoriamente conhece e tem deixado actuar como autênticas predadoras.
Neste sector, a Apelante devia ter estado desperta para a salvaguarda dos direitos dos consumidores, em vez de movida por uma exploração comercial infrene (vejam-se as recentes sequelas da indevida taxa de activação), pois que tal decorre dos arts. 12º--g), quanto à obrigação de barramento selectivo de chamadas com destino aos serviços de telecomunicações complementares (os questionados) e aos de valor acrescentado, e 16º-nº3-d), sobre a inclusão no contrato escrito de serviço telefónico de cláusula contendo manifestação da vontade do utilizador em aceder ou não aos serviços de telecomunicações de valor acrescentado, de modo selectivo. Só assim teria cumprido as regras a que se obrigara e granjeado a sua actuação mais justa aceitação pública.

c)
O contrato celebrado entre a Apelante e a Apelada, para a utilização de um bem prestado (o serviço público de telefone) é unitário e duradouro, implicando relação obrigacional complexa, de execução e desenvolvimento continuados; e não pode ser cindido, de acordo com as conveniências momentâneas de uma das partes (no caso a mais forte), em tantos quantos os que lhe convenham: serviço de telefone e de audiotexto (como pretende, para contornar as regras impositivas sobre a prescrição) ou, como, já agora, poderia ser de fax, de telegramas, de despertar, etc.. É que só por uma vez contrataram as partes, sobre o uso de um único bem, embora veiculando subprestações autonomizadas comercialmente, e não por tantas quantas a evolução técnica e os serviços de marketing conseguiram criar produtos novos.

3.
a)
Aquele contrato de utilização de serviço telefónico devia ser cumprido ponto por ponto (art. 406º CC).
Impunha-se, assim, à Apelante que mantivesse e proporcionasse à Apelada os dados do tráfego debitados e aludidos na factura, até ao prazo último do pagamento ou da sua impugnação (arts. 39º do Regulamento do S. F. T. e 6º da Lei nº 69/98, de 28 de Outubro). Sá assim teria prestado adequado esclarecimento à sua cliente e a exigível colaboração ao julgamento do dissídio.
A R. foi interpelada extrajudicialmente para cumprir com a apresentação da factura de fls. 6 e 7 (art. 805º-nº1 CC); só a partir do fim de Janeiro de 2001 se constituiu esta em mora debendi (art. 804º-nº2).

b)
Tentando operar uma ficção de contrato à parte, que abrangeria os serviços de auditexto, a Apelante indica com prazo de prescrição o prazo de dois anos, aludindo ao art. 317º-g) CC.
Terá, porém, na ânsia de encontrar um prazo relativamente razoável de prescrição, cometido um duplo equívoco: o citado normativo não contém tal alínea, ficando-se pela c), em que não cabe o crédito em causa; a dita alínea g) está antes contemplada no art. 310º, mas aí o prazo prescricional é, efectivamente, de cinco e não de dois anos.
Mas, como a Apelante implicitamente aceita para o que tem por puros “serviços telefónicos” (excluídos os de audiotexto, como vimos, numa especiosa interpretação do DL nº 381-A/97, de 31 de Dezembro), o prazo em causa é tão somente de seis meses – o dos créditos por prestação de serviços públicos essenciais.
Na verdade, essoutro diploma, que reorganizou e disciplinou os serviços de telecomunicações, não estabeleceu diversa disciplina quanto à prescrição presuntiva de curto prazo de seis meses, aludida na Lei nº 23/96; e o DL nº 177/99, de 21 de Maio, nem sequer prevê qualquer prazo de prescrição para os créditos resultantes da actividade dos operadores, no que se refere à prestação de serviços de audiotexto, devendo entender-se que se aplicam os daqueles serviços públicos essenciais (os mesmos seis meses).
As linhas gerais da pretensão da Apelante são, de resto, lucidamente rebatidas pelo Prof. Calvão da Silva, in Jurisprudência Anotada na RLJ, Coimbra, 2001/129, e na sentença de 2002.06.03, transcrita em “Direitos do


IV –

DECISÃO

Nestes termos, acorda-se, em nome do Povo:

1. julgar improcedente a apelação e

2. confirmar a sentença sub judicio.


Custas pela sucumbente.


Guimarães, 2004.05.12,