Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
543/23.8T8ENT.E1
Relator: ISABEL DE MATOS PEIXOTO IMAGINÁRIO
Descritores: PERSI
EXTINÇÃO
FORMA
Data do Acordão: 11/07/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário: - se a exceção dilatória insuprível é detetada em sede de despacho liminar a que haja lugar, é indeferida a petição ou o requerimento executivo, não sendo caso de absolvição do demandado da instância, que nela não consta;
- o PERSI extingue-se com a verificação de qualquer uma das circunstâncias previstas nas alíneas do n.º 1 do artigo 17.º;
- o PERSI é extinto por iniciativa da instituição de crédito sempre que se verifique qualquer uma das circunstâncias previstas nas alíneas do n.º 2 do artigo 17.º;
- o PERSI só pode ser extinto por iniciativa da instituição de crédito caso não se tenha já extinguido, nomeadamente pelo decurso do prazo de 90 dias;
- verificando-se qualquer uma das circunstâncias que, por força da lei, determinam a extinção do PERSI (n.º 1 do artigo 17.º), deve o cliente bancário ser informado do facto que determinou a extinção;
- não há lugar à descrição das razões que justificam a decisão da instituição de pôr termo ao procedimento porquanto essa decisão não foi tomada pela instituição.
(Sumário da Relatora
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Évora

I – As Partes e o Litígio

Recorrente / Exequente: Banco (…), SA
Recorrido / Executado: (…)

Foi apresentado requerimento executivo com vista à cobrança de livrança subscrita pelo montante de € 14.292,20 (catorze mil, duzentos e noventa e dois euros e vinte cêntimos) vencida e não paga, acrescida de juros vencidos e vincendos até efetivo e integral pagamento e honorários do Agente de Execução. Da livrança junta consta reportar-se a garantia do empréstimo n.º (…).
Foi proferido despacho convidando o Exequente a indicar a concreta natureza do crédito que esteve na base da emissão da livrança dada à execução tendo em vista aferir se, sendo caso disso, o exequente deu cumprimento ao Procedimento Extrajudicial de Regularização de Situações de Incumprimento (PERSI) estipulado no Decreto-Lei n.º 227/2012, de 25/10 e, em caso de incumprimento, para se pronunciar sobre a absolvição do executado da instância por procedência de exceção dilatória inominada insanável, de conhecimento oficioso.
O Exequente apresentou-se a juntar aos autos dois documentos, a saber:
- Carta datada de 28/10/2021, dirigida ao Executado, com o seguinte teor:
«(…)
Contrato de Crédito n.º (…)
Exm(a). Senhor(a),
Informamos V/Exa. que relativamente ao contrato de crédito em epígrafe, não foi possível proceder à liquidação dos seguintes valores já vencidos:
Detalhe das prestações em atraso:
(…)
Nos termos previstos no Decreto-Lei n.º 227/2012, de 25 de outubro, o contrato de crédito acima indicado foi integrado, na presente data, no Procedimento Extrajudicial de Regularização de Situações de Incumprimento (PERSI), sobre o qual pode encontrar informação detalhada no Anexo a esta carta. Para que possamos avaliar a capacidade financeira de V/Exa. e propor-lhe, quando tal seja viável, uma solução para a regularização da situação de incumprimento, solicitamos que, no prazo máximo de 10 dias a contar da receção desta carta, contacte o seu Balcão, prestando-lhe as seguintes informações atualizadas:
- situação profissional;
- dimensão do agregado familiar;
- rendimentos líquidos mensais do agregado familiar (incluindo prestações sociais);
- e encargos mensais com operações em outras instituições de crédito.
Para qualquer esclarecimento adicional, poderá contactar o seu Balcão.
(…)»;
No Anexo enviado consta, designadamente, que «O PERSI extingue-se no 91.º dia após o seu início, se não for prorrogado por acordo entre as partes, ou com a declaração de insolvência do cliente bancário.»
- Carta datada de 27/01/2022, dirigida ao Executado, com o seguinte teor:
«(…)
Contrato de crédito não hipotecário n.º (…)
Exmo(a). Senhor(a),
Informamos V. Exa. que, nos termos previstos no Decreto-Lei n.º 227/2012, de 25 de outubro, extingue-se na presente data o Procedimento Extrajudicial de Regularização de Situações de Incumprimento (PERSI) associado ao contrato de crédito acima indicado, por terem decorrido 91 dias após o seu início.
Para qualquer esclarecimento adicional ou para analisar soluções com vista à regularização da situação de incumprimento, poderá contactar:
- o seu Balcão, caso o contrato de crédito registe menos de 90 dias consecutivos de incumprimento,
- ou a nossa Área de Recuperação Pré-Judicial, através do telefone … (atendimento personalizado das 8h30 às 16h30 nos dias úteis), caso o contrato de crédito registe 90 ou mais dias consecutivos de incumprimento.
Caso o contrato de crédito atinja 140 dias consecutivos de incumprimento sem que seja alcançado um acordo entre as partes com vista à regularização do valor em incumprimento, poderá o Banco (…) resolver ou denunciar o mesmo, e intentar ação judicial tendo em vista a satisfação do seu crédito.
Nos termos legais, cumpre-nos prestar as seguintes informações gerais:
(…)».
Foi proferido despacho convidando o Exequente a exercer o contraditório acerca da eventual adoção do entendimento de acordo com o qual a carta de comunicação de extinção do PERSI não é susceptível de traduzir o cabal cumprimento do disposto no artigo 17.º, n.ºs 3 e 4, do Decreto-Lei n.º 227/2012, de 25/10, por não indicar o concreto fundamento legal da extinção nem, de forma conveniente, as concretas razões de facto pelas quais foi considerada inviável a manutenção do procedimento.
O Exequente apresentou-se a sustentar que, decorridos 91 dias desde a integração do executado no procedimento de PERSI e sem que as partes tenham acordado, por escrito, na sua prorrogação, este procedimento de PERSI extinguiu-se por não se ter verificado o pagamento integral dos montantes em mora nem a obtenção de um acordo entre as partes com vista à regularização integral da situação de incumprimento – n.º 1 do artigo 17.º do Decreto-Lei n.º 227/2012, de 25/10.

II – O Objeto do Recurso
Foi proferida decisão que, considerando não terem sido cumpridos os requisitos legais na comunicação datada de 27/01/2022 relativa à extinção do PERSI, julgou oficiosamente verificada a exceção dilatória inominada insanável decorrente da falta de demonstração do válido cumprimento da obrigação de comunicação de extinção do Procedimento Extrajudicial de Regularização de Situações de Incumprimento instituído pelo Decreto-Lei n.º 227/2012, de 25/10, absolvendo o Executado da instância executiva, indeferindo liminarmente o requerimento executivo.

Inconformado, o Exequente apresentou-se a recorrer, pugnando pela revogação da decisão recorrida, a substituir por outra que determine o processamento da ação executiva. As conclusões da alegação do recurso são as seguintes:
«A) Considera o Recorrente não existir exceção dilatória inominada consubstanciada na inobservância por parte da Recorrente das obrigações decorrentes do Decreto-lei 227/2012, de 25 de outubro, nomeadamente no que respeita à carta de extinção do PERSI remetida.
B) Entende o Recorrente que as cartas de extinção do PERSI cumpre os requisitos impostos no DL 227/2012, de 25/10 para cabal extinção do procedimento em causa e, nesse sentido, entendo o Recorrente estar-se na presença de um evidente erro de julgamento.
C) O empréstimo subjacente à emissão da livrança exequenda está inserido no âmbito de aplicação do Decreto-Lei n.º 227/2012, de 25 de outubro.
D) A 15.03.2023 o douto Tribunal de primeira instância proferiu despacho (Refª 92697865) a convidar o aqui Recorrente a alegar e demonstrar, no prazo de 10 (dez) dias, o cumprimento do PERSI.
E) No seguimento, por requerimento datado de 31.03.2023, veio o Recorrente proceder à junção aos autos das cartas remetidas aos ora Recorridos, demonstrativas do cumprimento do PERSI nos termos do disposto no DL 227/2012, de 25 de Outubro.
F) A 30.05.2023 o douto Tribunal de primeira instância proferiu despacho (referência 93495890) a facultar ao ora Recorrente prazo de 10 (dias) para exercício do contraditório “(…) acerca da eventual adoção do entendimento de acordo com o qual as cartas de comunicação de extinção do PERSI datadas de 27-01-2022 não são suscetíveis de traduzir o cabal cumprimento do disposto no artigo 17.º, n.ºs 3 e 4, do Decreto-Lei n.º 227/2012, de 25/10, por não indicarem o concreto fundamento legal da extinção nem, de forma conveniente, as concretas razões pelas quais foi considerada inviável a manutenção dos procedimentos”.
G) O ora Recorrente, através de requerimento datado de 01.06.2023 (referência 45740371), esclareceu o seu entendimento quanto à questão suscitada pelo Tribunal a quo relativamente ao conteúdo da carta de extinção do PERSI remetida ao aqui Recorrido, tendo o Tribunal a quo decido pelo indeferimento liminar do requerimento executivo.
H) O Recorrente reitera todo o teor e conteúdo do mencionado requerimento, mantendo o entendimento veiculado no mencionado requerimento.
I) Após ter sido comunicada ao aqui Recorrido a sua integração no PERSI, incumbia a estes remeter ao Recorrente a documentação necessária para avaliação da sua capacidade financeira por forma a ser possível ao Banco (…) propor uma solução para o incumprimento verificado.
J) Sucede que tal nunca logrou acontecer, não tendo existindo qualquer cooperação por parte dos ora Recorridos.
K) No anexo junto com a carta de integração no PERSI remetidas ao mesmo foi, desde logo, transmitido ao Recorrido que o PERSI seria extintos no 91.º dia após o seu início caso o ora Recorrido não colaborasse com o Recorrente no sentido de se alcançar acordo entre as partes, nomeadamente através do envio da documentação solicitada.
L) Ou seja, aquando da integração nos PERSI, o ora Recorrido já tinham conhecimento dos fundamentos para extinção do procedimento.
M) Não obstante nada foi comunicado ou remetido ao Recorrente, pelo que, a 27.01.2022, foi remetida ao Recorrido carta de extinção do PERSI com fundamento no facto de terem decorrido 91 dias desde o início do referido procedimento sem qualquer colaboração dos mesmos.
N) Considerando a análise conjunta da carta de integração e carta de extinção do PERSI, é forçoso concluir que está subentendido na carta de extinção que o processos será extinto por terem decorrido 91 dias desde o seu início sem que tivesse sido remetida a documentação solicitada e necessária para cabal análise de eventuais soluções para o incumprimento.
O) Acresce o facto de que o PERSI exigir igualmente a colaboração dos clientes bancários, aqui Recorridos, o que nunca se verificou.
P) De acordo com douta jurisprudência do Tribunal da Relação de Évora, Processo n.º 18/22.2T8ENT.E1, de 05.26.2022, “E daí possa suceder que, sem a colaboração do cliente bancário, todo o procedimento fique votado ao insucesso, decorrendo 91 dias apenas com a proposta inicial da instituição de crédito e sem qualquer resposta do cliente. Se o cliente bancário estava já informado que o PERSI se extinguia no 91.º dia após o seu início, se não for prorrogado por acordo das partes, pode a carta de extinção do procedimento limitar-se a invocar o decurso de tal prazo.”.
Q) No supra mencionado Acórdão pode ainda ler-se: “Ademais, interpretando o artigo 8.º, alínea a), do Aviso n.º 17/2012 do Banco de Portugal, a comunicação de extinção do PERSI deve conter, em termos claros, rigorosos e facilmente legíveis, a descrição dos factos que determinam a extinção do PERSI ou que justificam a decisão da instituição de crédito de pôr termo ao referido procedimento, com indicação do respetivo fundamento legal, o que é compatível com os n.ºs 1 e 2 do artigo 17.º do DL n.º 272/2012, que incluem factos que automaticamente extinguem o procedimento – o pagamento, o acordo, o decurso do prazo legal ou a declaração de insolvência do cliente bancário – e outros que envolvem um processo decisório da instituição de crédito”.
R) Concluindo o douto Tribunal da Relação de Évora o seguinte: “Ponderando, finalmente, que nos encontramos perante um despacho liminar de indeferimento, que deve ser reservado para situações de manifesta e indiscutível improcedência do pedido, mesmo que subsistam dúvidas sobre a ocorrência de uma exceção dilatória inominada, a execução deve prosseguir, tanto mais que o processo admite aos executados a oportunidade de deduzir a sua oposição, podendo invocar todos os fundamentos que possam ser invocados como defesa no processo de declaração – artigo 731.º do Código de Processo Civil”.
S) Entende o ora Recorrente que as cartas de integração e de extinção do PERSI remetida ao Recorrido é suscetível de traduzir o cabal cumprimento do disposto no artigo 17.º, n.º 3 e 4, do DL n.º 227/2012, de 25/10.
T) A concreta razão que levou à inviabilidade do PERSI foi efetivamente aquela que foi comunicada pelo Recorrente nas cartas de extinção remetida ao Recorrido.
U) Conforme e disposto na sentença que ora se recorre, entende o Tribunal a quo que “...Na verdade, além de não ser indicada a concreta base legal de suporte (remete-se apenas genericamente para os «termos previstos no Decreto-Lei n.º 227/2012, de 25 de Outubro»), o que só por si constitui uma fragorosa violação dos artigos 17.º, n.º 3, desse diploma e 9.º, alínea a), do Aviso n.º 7/2021, ao executado foi transmitido que aquele procedimento se extingui «por terem decorrido 91 dias após o seu início», mas nenhuma palavra se acrescentou no sentido de, «em termos claros, rigorosos e facilmente legíveis», informá-lo em que concretas razões se terá baseado a inviabilidade da manutenção do procedimento, descrevendo os concretos factos materiais e objetivos que determinaram a extinção ou que justificaram a decisão de pôr termo ao mesmo”.
V) Não pode o ora Recorrente concordar com o entendimento do Tribunal a quo dado que tal entendimento não se retira do teor e espírito da lei.
W) O ora Recorrido tem conhecimento da ausência de colaboração e da não entrega de qualquer documentação bem como dos factos que fundamentam a extinção do PERSI, dado que os mesmos foram comunicados na carta de integração remetida.
X) A explicação e fundamentação para extinção dos procedimentos encontra-se subentendida no teor da carta de integração e de extinção do PERSI remetidas ao Recorrido.
Y) Sendo facilmente percetível para o Recorrido quais os fundamentos para extinção do PERSI.
Z) Ademais, não se depreende do teor dos normativos legais aplicáveis ao presente caso que mais alguma explicação ou fundamentação fosse devida pelo Recorrente.
AA) O veredito nas alíneas do n.º 1 do artigo 17.º do DL 227/2012, de 25/10 é claro no que respeito aos fundamentos para extinção do PERSI.
BB) No caso concreto, de acordo com a alínea c) do referido normativo legal, é fundamento suficiente e automático a extinção do PERSI “No 91.º dia subsequente à data de integração do cliente bancário neste procedimento (…)”.
CC) Nada mais sendo exigido para que se verifique a extinção do procedimento dado que se trata de uma forma automática de extinção do mesmo.
DD) Nesta ótica veja-se o referido Acórdão do Tribunal da Relação de Évora, processo n.º 3358/20.1T8ENT.E1, de 02.09.2023.
EE) In casu, o fundamento legal e objetivo, conforme exigido legalmente, que determinou a extinção do PERSI foi concretamente transmitido ao ora Recorrido na carta de extinção remetida.
FF) Nesse sentido, atenta a prova documental produzida (cópia das cartas de extinção no PERSI) é forçoso concluir que o Recorrente cumpriu o postulado no Decreto-Lei n.º 227/2012, nada mais lhe sendo exigido.
GG) Deste modo, incorreu o Tribunal a quo num clamoroso erro de julgamento ao considerar que a carta de extinção dos PERSI remetidas aos ora Recorrido não cumpre o regime legal constante do Decreto-lei n.º 227/2012, de 25 de Outubro.»

Cumpre apreciar se existe fundamento para indeferimento liminar do requerimento executivo com fundamento na falta de demonstração do válido cumprimento da obrigação de comunicação de extinção do Procedimento Extrajudicial de Regularização de Situações de Incumprimento instituído pelo Decreto-Lei n.º 227/2012, de 25/10.

III – Fundamentos
A – Dados a considerar: os suprarreferidos.

B – A questão do Recurso
A decisão que foi oficiosamente proferida em 1.ª Instância, com fundamento na exceção dilatória insanável decorrente na falta de demonstração de extinção do PERSI (artigo 18.º/1, alínea b), do DL n.º 227/2012, de 25/10), determinou a absolvição do Executado da instância e o indeferimento liminar do requerimento executivo.
A absolvição do demandado/sujeito passivo da instância apenas pode ter lugar se este nela se encontra, se foi chamado à ação por meio de citação. Quando seja julgada procedente uma exceção dilatória insuprível em ação judicial em que teve lugar a citação, deve o Tribunal abster-se de conhecer do pedido e absolver o réu ou do requerido da instância – cfr. artigo 278.º do CPC.
Se a exceção dilatória insuprível é detetada em sede de despacho liminar a que haja lugar, é indeferida a petição (cfr. artigo 590.º/1, do CPC) ou o requerimento executivo (cfr. artigo 726.º/2, do CPC). O indeferimento liminar do requerimento executivo não consente a absolvição do Executado da instância, que nela não consta.
Vejamos, então, se existe fundamento para indeferimento liminar do requerimento executivo por falta de demonstração da extinção do PERSI.
O PERSI (Procedimento Extrajudicial de Regularização de Situações de Incumprimento) visa “aferir da natureza pontual ou duradoura do incumprimento registado, avaliar a capacidade financeira do consumidor e, sempre que tal seja viável, apresentar propostas de regularização adequadas à situação financeira, objetivos e necessidades do consumidor.”[1] Mantendo-se o incumprimento das obrigações decorrentes do contrato de crédito, o cliente bancário é obrigatoriamente integrado no PERSI, recaindo sobre a instituição de crédito o dever informar o cliente bancário da sua integração no PERSI, através de comunicação em suporte duradouro – artigo 14.º, n.ºs 1 e 4, do DL n.º 227/2012; extinto que seja o PERSI, cabe à instituição de crédito informar o cliente bancário, através de comunicação em suporte duradouro, da extinção do PERSI, descrevendo o fundamento legal para essa extinção e as razões pelas quais considera inviável a manutenção deste procedimento – artigo 17.º, n.º 3, do citado DL.
O artigo 17.º do mencionado procedimento, dispondo sobre a extinção do PERSI, determina o seguinte:
1 - O PERSI extingue-se:
a) Com o pagamento integral dos montantes em mora ou com a extinção, por qualquer outra causa legalmente prevista, da obrigação em causa;
b) Com a obtenção de um acordo entre as partes com vista à regularização integral da situação de incumprimento;
c) No 91.º dia subsequente à data de integração do cliente bancário neste procedimento, salvo se as partes acordarem, por escrito, na respetiva prorrogação; ou
d) Com a declaração de insolvência do cliente bancário.
2 - A instituição de crédito pode, por sua iniciativa, extinguir o PERSI sempre que:
a) Seja realizada penhora ou decretado arresto a favor de terceiros sobre bens do devedor;
b) Seja proferido despacho de nomeação de administrador judicial provisório, nos termos e para os efeitos do disposto na alínea a) do n.º 3 do artigo 17.º-C do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas;
c) A instituição de crédito conclua, em resultado da avaliação desenvolvida nos termos do artigo 15.º, que o cliente bancário não dispõe de capacidade financeira para regularizar a situação de incumprimento, designadamente pela existência de ações executivas ou processos de execução fiscal instaurados contra o cliente bancário que afetem comprovada e significativamente a sua capacidade financeira e tornem inexigível a manutenção do PERSI;
d) O cliente bancário não colabore com a instituição de crédito, nomeadamente no que respeita à prestação de informações ou à disponibilização de documentos solicitados pela instituição de crédito ao abrigo do disposto no artigo 15.º, nos prazos que aí se estabelecem, bem como na resposta atempada às propostas que lhe sejam apresentadas, nos termos definidos no artigo anterior;
e) O cliente bancário pratique atos suscetíveis de pôr em causa os direitos ou as garantias da instituição de crédito;
f) O cliente bancário recuse a proposta apresentada, sem prejuízo do disposto no n.º 1 do artigo anterior; ou
g) A instituição de crédito recuse as alterações sugeridas pelo cliente bancário a proposta anteriormente apresentada, sem prejuízo do disposto no n.º 2 do artigo anterior.
3 - A instituição de crédito informa o cliente bancário, através de comunicação em suporte duradouro, da extinção do PERSI, descrevendo o fundamento legal para essa extinção e as razões pelas quais considera inviável a manutenção deste procedimento.
4 - A extinção do PERSI só produz efeitos após a comunicação referida no número anterior, salvo quando o fundamento de extinção for o previsto na alínea b) do n.º 1.

5 - O Banco de Portugal define, mediante aviso, os elementos informativos que devem acompanhar a comunicação prevista no n.º 3.
Segue o artigo 18.º, dispondo sobre as garantias do cliente bancário, estatuindo que no período compreendido entre a data de integração do cliente bancário no PERSI e a extinção deste procedimento, a instituição de crédito está impedida de intentar ações judiciais tendo em vista a satisfação do seu crédito – cfr. n.º 1, alínea b).
O Aviso do Banco de Portugal n.º 7/2021, vigente à data da expedição da carta de comunicação de extinção do PERSI, determina no artigo 9.º o seguinte:
A comunicação pela qual a instituição informa o cliente bancário da extinção do PERSI deve conter, em termos claros, rigorosos e facilmente legíveis, os seguintes elementos:
a) Descrição dos factos que determinam a extinção do PERSI ou que justificam a decisão da instituição de pôr termo ao referido procedimento, com indicação do respetivo fundamento legal;
b) Identificação das consequências da extinção do PERSI nos casos em que não tenha sido alcançado um acordo entre as partes, devendo ser feita, em particular, referência à possibilidade de resolução do contrato e de execução judicial dos créditos e explicitadas as condições que, de acordo com o regime jurídico aplicável ao contrato de crédito em causa, têm de estar preenchidas para que a instituição possa proceder à resolução desse contrato;
c) Apresentação de informação sobre as disposições previstas no Decreto-Lei n.º 74-A/2017, de 23 de junho, a respeito do direito à retoma do contrato de crédito, quando esteja em causa um contrato de crédito à habitação;
d) Identificação das situações em que o cliente bancário pode solicitar a intervenção do Mediador do Crédito mantendo as garantias associadas ao PERSI;
e) Indicação dos elementos de contacto da instituição através dos quais o cliente bancário pode obter informações adicionais ou negociar soluções para a regularização da situação de incumprimento.
Decorre do citado regime que a integração de cliente bancário no PERSI é obrigatória quando verificados os seus pressupostos e a ação judicial destinada a satisfazer o crédito só poderá ser intentada pela instituição de crédito contra o cliente bancário, devedor mutuário, após a extinção do PERSI, conforme decorre do disposto no artigo 18.º, n.º 1, alínea b), do DL n.º 227/2012. A omissão da informação, a falta de integração do devedor no PERSI pela instituição de crédito ou a ausência de comunicação da extinção do procedimento constituem violação de normas de carácter imperativo. Deste modo, sendo o seu cumprimento verdadeira condição de procedibilidade, o respetivo incumprimento configura exceção dilatória atípica ou inominada e insuprível.[2]
Ora,
o PERSI extingue-se com a verificação de qualquer uma das circunstâncias previstas nas alíneas do n.º 1 do artigo 17.º: o pagamento integral ou outra causa de extinção da obrigação, o acordo para pagamento integral, o decurso do prazo de 90 dias a contar da integração no procedimento e a declaração de insolvência do cliente bancário;
o PERSI é extinto por iniciativa da instituição de crédito sempre que se verifique qualquer uma das circunstâncias previstas nas alíneas do n.º 2 do artigo 17.º.
E o PERSI só pode ser extinto por iniciativa da instituição de crédito caso não se tenha já extinguido, nomeadamente pelo decurso do prazo de 90 dias.
Verificando-se qualquer uma das circunstâncias que, por força da lei, determinam a extinção do PERSI (n.º 1 do artigo 17.º), deve o cliente bancário ser informado do facto que determinou a extinção. Não há lugar a descrição dos factos que justificam a decisão da instituição de pôr termo ao procedimento porquanto essa decisão não foi tomada pela instituição. Se o procedimento se extinguiu pelo decurso do prazo de 90 dias, não foi extinto por iniciativa da instituição de crédito. Se esta não decidiu determinar a extinção do PERSI, claro está que não tem que indicar as razões pelas quais considera inviável a manutenção do procedimento (que se extinguiu por força da lei).
Acompanhamos, assim, a jurisprudência deste Tribunal plasmada no Ac. de 09/02/2023[3] na análise do citado artigo 17.º: “quando ocorre um dos fundamentos de extinção enunciados no n.º 1, a tarefa informativa do Banco está facilitada já que aí se elencam, afinal, os fundamentos (automáticos[4]) de extinção do PERSI.
Não se descortina que explicitação adicional é de exigir ao Banco quando esteja em causa uma das situações aí objetivamente definidas: pagamento ou extinção da dívida, obtenção de um acordo; decurso do prazo de 90 dias subsequente à data de integração do cliente bancário neste procedimento ou declaração de insolvência do cliente bancário.
Portanto, a explicitação das razões da inviabilidade da manutenção do procedimento só faz, a nosso ver, sentido quando a extinção do PERSI tenha por fundamento uma das situações em que o Banco decide pôr-lhe termo à luz do disposto no n.º 2 do artigo 17.º, mormente nas elencadas nas alíneas c) e e) em que tal exigência se coloca com maior acuidade (v.g. discriminação dos atos praticados pelo cliente bancário que no entender do Banco são suscetíveis de pôr em causa os direitos ou as garantias da mesma instituição de crédito).”
Decorridos que sejam os 90 dias previstos no artigo 17.º/1, alínea c), do PERSI, o procedimento considera-se extinto ope legis. Tendo a instituição de crédito diligenciado pela concretização do PERSI antes de propor a ação executiva, inexiste fundamento para julgar verificada a exceção dilatória inominada invocada, devendo o requerimento executivo ser liminarmente admitido.[5]
Reiteramos, assim, o teor do Acórdão deste Tribunal proferido a 15/06/2023[6]: «se o procedimento bancário ficar votado ao insucesso por falta de colaboração do cliente bancário e se este estava já informado que o PERSI se extinguia no 91.º dia após o seu início, se não for prorrogado por acordo das partes, pode a carta de extinção do procedimento limitar-se a invocar o decurso de tal prazo.[7]
Na verdade, a explicitação das “razões da inviabilidade da manutenção do procedimento” só é exigível quando a extinção do PERSI tenha por fundamento uma situação que não seja de funcionamento automático (por natureza, o pagamento, o acordo ou a insolvência impedem a instauração da ação executiva e o decurso do prazo corresponde a um inadimplemento de uma obrigação positiva de informação que, ipso facto, inviabiliza a composição extrajudicial, por mútuo acordo, da situação de incumprimento) e que decorra da avaliação efetuada pela instituição bancária. (…) apenas nas situações contempladas no n.º 2 do mesmo artigo 17.º a instituição de crédito ou entidade equivalente fica vinculada com o ónus de justificar a razão do insucesso do processo negocial de regularização de dívidas, em termos claros, rigorosos e facilmente legíveis, de forma a que o correspondente motivo extintivo possa ser escrutinado pela parte e avaliado substancialmente pelo Tribunal.»
No caso em apreço, o cliente bancário foi informado na integração do PERSI fazendo-se menção de que o procedimento se extinguiria no 91.º dia após o seu início, se não fosse prorrogado por acordo entre as partes, ou com a declaração de insolvência do cliente bancário. Decorrido que estava o prazo de 90 dias, o cliente bancário foi informado da extinção do procedimento associado ao contrato de crédito por terem decorrido 91 dias após o seu início.
Nos termos das disposições conjugadas dos artigos 17.º, n.º 1, alínea c), n.ºs 3 a 5, 18.º do DL n.º 227/2012 e 9.º do Aviso do BP n.º 7/2021, afigura-se ter sido regulamente cumprido o regime legal atinente à extinção do PERSI, pelo que não está a Recorrente impedida de intentar a presente ação executiva tendo em vista a satisfação do seu crédito.
Se bem que o citado regime legal tenha em vista promover a concessão responsável de crédito pelas instituições financeiras, impondo-se uma atuação prudente, correta e transparente das referidas entidades em todas as fases das relações de crédito estabelecidas com os seus clientes enquanto consumidores[8], importa, por outro lado, acautelar o direito dos credores à cobrança dos respetivos créditos por via judicial. Aos Tribunais cabe servir os utentes da justiça, cujo preço estes, em regra, suportam, pelo que, para além dos casos expressamente previstos, não devem ser oficiosamente opostos entraves ao exercício judiciário dos direitos pelos respetivos titulares – note-se que são residualíssimas (inexistentes?) as arguições, pelos executados, de falta de conhecimento dos factos que determinaram a extinção do PERSI ou dos factos que justificaram a decisão da instituição de pôr termo ao PERSI antes de decorrido o respetivo prazo de vigência com fundamento na circunstância de ser equívoca, ou vaga, ou desprovida da indicação dos factos relevantes, a comunicação de extinção do PERSI.

Procedem as conclusões da alegação do presente recurso.

Sumário: (…)

IV – DECISÃO
Nestes termos, decide-se pela procedência do recurso, em consequência do que se revoga a decisão recorrida, a qual deverá ser substituída por outra que determine o prosseguimento da ação executiva.
Sem custas.
Évora, 7 de novembro de 2023
Isabel de Matos Peixoto Imaginário
José Manuel Tomé de Carvalho
Cristina Maria Dá Mesquita

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[1] Cfr. Preâmbulo do DL n.º 227/2012, de 25 de outubro.
[2] Ac. do TRE de 15/09/2022 (Maria Domingas Simões).
[3] Relatado por Maria João Sousa e Faro.
[4] É o próprio Banco de Portugal que no seu portal (https://clientebancario.bportugal.pt/pt-pt/gestao-do-incumprimento) assim os qualifica: “O PERSI extingue-se ainda automaticamente (…)”.
[5] Ac. do TRE de 11/05/2023 (José Manuel Barata).
[6] Relatado por José Manuel Tomé de Carvalho, subscrito pela ora relatora.
[7] Ac. do TRE de 26/05/2022 relatado por Mário Branco Coelho, subscrito pela ora relatora; decisão singular de 09/06/2023 proferida por Rui Machado e Moura.
[8] Cfr. preâmbulo do DL n.º 227/2012.