Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
3455/20.3T8ENT-B.E1
Relator: JOSÉ LÚCIO
Descritores: PENHORA
ACTO DE DISPOSIÇÃO
EMBARGOS DE TERCEIRO
VALOR DA CAUSA
Data do Acordão: 11/07/2023
Votação: MAIORIA COM * VOT VENC
Texto Integral: S
Sumário:
1 – Dado o disposto no art. 819º do Código Civil, os actos de disposição de bens penhorados realizados posteriormente à sua penhora em execução não podem ser invocados na execução onde aquela penhora teve lugar, uma vez que a penhora implica a indisponibilidade desses bens.
2 - Sendo os embargos de terceiro um incidente da instância, o valor da causa deve ser fixado de acordo com o disposto no n.º 1 do art. 304º do CPC, pelo que em regra será coincidente com o valor do processo principal.
(Sumário elaborado pelo Relator)
Decisão Texto Integral:
ACORDAM OS JUÍZES DA 1ª SECÇÃO CÍVEL DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE ÉVORA:

I – RELATÓRIO
No processo executivo que constitui acção principal, em que são exequentes AA e BB e é executada CC, foi feita penhora da fracção autónoma que constitui o 1º andar direito do prédio constituído em propriedade horizontal sito na Praceta ..., na antiga freguesia de São Nicolau, em Santarém.
Essa penhora foi realizada a 07-01-2021, e encontra-se registada desde essa data, sendo o registo provisório por natureza.
Na sequência dessa penhora, no dia 15/07/2022 o agente de execução tomou formalmente posse do referido imóvel.
E posteriormente, em 30/09/2022, por apenso aos referidos autos de execução, veio a embargante “2016 Venda de Materiais de Construção Civil, Lda.,” deduzir contra exequentes e executada os presentes embargos de terceiro, pedindo que com a procedência dos embargos seja ordenada a devolução e entrega à embargante do imóvel penhorado, declarando ser a proprietária e legítima possuidora, e pedindo ainda que pela procedência dos embargos seja igualmente declarada a nulidade da penhora em causa.
Alega para tanto a embargante que adquiriu esse prédio por compra efectuada a 01/04/2022, por documento particular, e que essa aquisição está registada, desde 04/04/2022, estando desde então na posse do imóvel, até à diligência realizada no dia 15/07/2022, que desse modo ofendeu a sua posse.
Prosseguindo os autos, veio a ser proferida decisão que rejeitou os embargos deduzidos, declarando que são manifestamente improcedentes.
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II – O RECURSO
Inconformada com o decidido, a embargante intentou então o presente recurso de apelação, apresentando motivação que terminou com as seguintes conclusões:
A) Os presentes embargos de terceiro deveriam ter sido recebidos pelo Tribunal “a quo” e ordenado que seguissem os seus ulteriores termos até final.
B) A previsão do Artigo 342º, nº 1 do Código de Processo Civil permite que a defesa de posse se possa fazer valer em circunstâncias que nem seja posta em causa por penhora ou qualquer acto judicialmente ordenado.
C) No caso dos autos a penhora ainda nem sequer conseguiu ser concretizada validamente para o processo, por força da recusa no seu registo definitivo e já desde há dois (2) anos.
D) Atente-se nas “informações” constantes do documento obtido pela própria Secção do Tribunal “a quo” e junta aos autos com data de 29/11/2022, pois dela decorre, para além do que é referido na Sentença “sub judice” que:
1 – A conversão em definitivo da AP 488 – pedido de registo de penhora – foi recusada em 18/02/2022 (v. pág. 6 e início da pág. 7, com referência à Conservatória do Registo Predial de Paredes).
2 – A mesma recusa operada pela Sra. Conservadora da 2ª Conservatória do Registo Predial de Vila Franca de Xira, agora em 24/03/2022 (v. pág. 7).
3 – Recusa que motivou interposição de recurso hierárquico após nova apresentação e pedido do Agente de Execução (v. pág. 7 final, pág. 8 e pág. 9).
4 – Tal recurso hierárquico foi julgado improcedente (v. final da pág. 9 e início da pág. 10).
5 – E está pendente, agora, de Impugnação Judicial (final da pág. 10).
E) A Apelante no seu requerimento inicial consubstanciou em factos e documentos que
a) A sua posse é titulada (artigo 1259.º do Código Civil);
b) É de boa-fé (artigo 1260.º do Código Civil);
c) É pacífica (artigo 1261.º do Código Civil); e
d) É pública (artigo 1262.º do Código Civil).
F) A defesa da sua posse é o direito essencial que exercita com o incidente que deduziu de embargos de terceiro.
G) Sempre manteve a posse do bem imóvel penhorado e quer mantê-la, ou seja, melhor dizendo, retomá-la.
H) Como, mutatis mutandis, já o entendeu o Supremo Tribunal de Justiça (cfr. Acórdão de 2/11/2002, in Colectânea de Jurisprudência, Acórdãos do STJ de 2004, Tomo III, pág. 98 e ss.), ao acentuar que o titular do bem penhorado mantém toda a disponibilidade jurídica do bem penhorado e que os actos de disposição são válidos e eficazes em todas as direcções.
I) Pedindo, também, a restituição provisória da sua posse.
J) Não pretende reagir contra uma penhora nos autos principais que não lhe diz respeito, mas não podia deixar de sublinhar que é inválida, ineficaz e quiçá nula (havendo quem entenda que esta pode ser invocada a todo o tempo e até por terceiros).
K) O Tribunal “a quo” errou na aplicação do poder legal, em particular na errada aplicação da previsão do Artigo 342º, nº 1 do Código do Processo Civil e do Artigo 1278º do Código Civil.
L) O Tribunal “a quo” também errou na fixação do valor em causa, violando a previsão da 1ª parte do nº 1, do Artigo 304º do Código de Processo Civil, devendo esse valor ser fixado em 42.154,57€ (o valor dos autos principais de Execução).
M) A Apelante considera que a Sentença ora “sub judice” deve ser revogada e proferido Venerando Acórdão que determine o recebimento dos referidos embargos de terceiro e a sua ulterior e legal tramitação, ou seja e no fundo, que determine o normal prosseguimento dos autos com alteração do valor da causa para o indicado no requerimento inicial, incluindo a restituição provisória da posse à Apelante do seu bem imóvel.
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III – DAS CONTRA-ALEGAÇÕES
Não foram apresentadas contra-alegações, quer por exequentes quer por executada.
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IV – DA MATÉRIA A CONSIDERAR
A factualidade relevante, para efeitos de decisão do recurso, é aquela que consta do relatório inicial, para o qual remetemos, e a que alude também a recorrente nas suas alegações, e ainda os seguintes factos, fixados na sentença, factualidade esta que não vem questionada pela recorrente:
1) Pela Ap. 448 de 07/01/2021, foi registada a penhora desta execução sobre a fração descrita na Conservatória de Registo Predial de Santarém com o n.º ....
2) Pela Ap. 1647 de 02/09/2021, foi registada a aquisição da fração penhorada 325-C Santarém a favor de DD, por compra, à executada CC.
3) Em 1/04/2022, por Documento Particular Autenticado de Compra e Venda, DD (Primeiro Contraente) declarou vender, livre de ónus ou encargos, à embargante (Segundo Contraente), a fração penhorada 325-C Santarém.
4) Pela Ap. 194 de 04/04/2022, foi registada a aquisição, a favor da embargante, por compra a DD, da fração penhorada 325-C Santarém.
5) No dia 15/07/2022, o Agente de Execução Jorge Afonso tomou posse da fracção autónoma penhorada, descrita na Conservatória do Registo Predial de Santarém com o n.º ....
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V – DO OBJECTO DO RECURSO
1 - Como é sabido, o objecto do recurso é delimitado pelas conclusões das alegações, sem prejuízo das questões que sejam de conhecimento oficioso e daquelas cuja decisão fique prejudicada pela solução dada a outras (cfr. arts. 635.º, n.ºs 3 e 4, 639.º, n.º 1 e 608.º, n.º 2, do CPC).
Sublinha-se ainda a este propósito que na sua tarefa não está o tribunal obrigado a apreciar todos os argumentos apresentados pela recorrente, sendo o julgador livre na interpretação e aplicação do direito (cfr. art. 5.º, n.º 3, do CPC).
No caso presente, a questão colocada ao tribunal de recurso, tendo em conta o conteúdo das conclusões que acima se transcreveram, resume-se em decidir se devem ou não considerar-se improcedentes os embargos de terceiro, em face dos argumentos esgrimidos pela recorrente contra a decisão recorrida.
Por outro lado, também suscita a recorrente a questão do valor da causa fixado oficiosamente na sentença recorrida.
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VI – FUNDAMENTAÇÃO
Examinada a motivação apresentada pela recorrente para fundamentar o seu recurso, constata-se que o mesmo vem alegar e defender uma posse que adianta ter surgido de um negócio jurídico ocorrido em 01/04/2022.
Com efeito, foi nessa data que a embargante, por documento particular autenticado de compra e venda, adquiriu a DD a fracção penhorada nos autos de execução.
Essa aquisição mostra-se registada pela Ap. 194 de 04/04/2022.
Assim sendo, de acordo com o relato da própria embargante, antes dessa aquisição não tinha a posse, nem o direito de propriedade, sobre esse imóvel, passando a ter uma e outro nessa altura.
Porém, no dia 15/07/2022, foi desapossado por uma diligência realizada no âmbito do processo de execução: o agente de execução tomou posse da fracção autónoma penhorada.
Com efeito, o imóvel tinha sido penhorado no decurso dessa execução, a 07/01/2021.
Pretende agora a embargante invocar a seu favor o disposto no art. 342º, n.º 1, do Código de Processo Civil, de modo a retomar a posse do bem penhorado.
Diz a aludida disposição que “Se a penhora, ou qualquer ato judicialmente ordenado de apreensão ou entrega de bens, ofender a posse ou qualquer direito incompatível com a realização ou o âmbito da diligência, de que seja titular quem não é parte na causa, pode o lesado fazê-lo valer, deduzindo embargos de terceiro.
A decisão recorrida veio rejeitar a pretensão da embargante, invocando o disposto no art. 819º do Código Civil, relativo à disposição ou oneração dos bens penhorados:
Sem prejuízo das regras do registo, são inoponíveis em relação à execução os actos de disposição, oneração ou arrendamento dos bens penhorados.”
Transcrevemos a fundamentação da decisão recorrida, na parte relevante para apreciação do recurso.
“A penhora é de 07/01/2021.
A embargante alega que: “Ora a Executada já vendera em 30/08/2021 a fracção objecto destes autos ao cidadão DD, entregara-lhe as chaves da mesma e também conferiu-lhe a plena posse sobre aquela”.
Ora, esta venda já foi posterior à penhora.
E a venda de 01/04/2022, de DD, à embargante 2016 Venda de Materiais de Construção Civil, Lda. (de que, aliás, DD é legal representante), também já foi posterior à penhora.
Ambas as vendas tiveram lugar depois da penhora e do registo da mesma, e os atos de alienação também foram registados depois da penhora previamente registada.
Atento o disposto no art. 819.º do Código Civil, “Sem prejuízo das regras do registo, são inoponíveis em relação à execução os actos de disposição, oneração ou arrendamento dos bens penhorados”.
Sendo os atos de venda supra referidos posteriores à penhora registada, são inoponíveis à execução e à penhora.
Ainda que não constituam atos nulos, por falsidade/simulação (com eventual responsabilidade penal), e não sejam objeto de impugnação pauliana, e eventualmente possam transmitir a propriedade do imóvel penhorado, ainda assim os atos praticados, nos termos alegados, não são adequados nem aptos a extinguir a penhora previamente registada, nem conferem ao embargante, ainda que proprietário, o direito ao levantamento da penhora para respeito do direito de propriedade, já que a penhora é prévia às aquisições invocadas, e os posteriores adquirentes têm de a respeitar, já que goza de direito de sequela.
Pelo que, sendo esta a pretensão da embargante, não só há contradição entre o pedido e a alegação/causa de pedir, como o pedido é manifestamente improcedente.
O pedido é assim manifestamente improcedente, o que determina a rejeição liminar dos embargos de terceiro por manifesta improcedência (bem como da restituição provisória da posse).
Acresce que, embargando de terceiro, não sendo parte, não tem também a embargante legitimidade processual para arguir a nulidade da penhora – art. 197.º NCPC – que, aliás, não existe (só porque o registo da penhora é de 07/01/2021, e o auto de penhora é de 30/05/2021) – arts. 195.º e 755.º, esp. n.º 3, do NCPC.”
Julgamos que a sentença recorrida decidiu de acordo com as normas legais aplicáveis.
Na realidade, os dois negócios de compra e venda do imóvel penhorado, realizados posteriormente à sua penhora em execução, embora não fiquem afectados na sua validade, não podem ser invocados na execução onde aquela penhora teve lugar, uma vez que a penhora acarreta a indisponibilidade desse bem (cfr. Ac. Relação de Évora de 04-02-2016, processo n.º 796/14.2T8SLV-A.E1, relator Canelas Brás, in www.dgsi.pt).
Com efeito, por força do art. 819º do Código Civil são inoponíveis à execução os actos de disposição dos bens penhorados, sem prejuízo das regras do registo. Ora no caso em apreço quando foi realizada e registada a penhora do imóvel, em 07.01.2021, a embargante aqui recorrente não era dona nem possuidora do bem penhorado, uma vez que o adquiriu em 01.04.2022.
Ou seja, a penhora realizou-se e foi registada em data anterior à da compra e da aquisição da posse do mesmo por parte da embargante, pelo que é manifesto que tal acto de disposição depois do registo da penhora é ineficaz em relação ao exequente (cfr. Ac. da Relação de Guimarães de 15-01-2015, no processo n.º 278/09.4TBVLN-D.G1, relator António Sobrinho, in www.dgsi.pt).
É certo que a embargante alega que a diligência que ofendeu a sua posse foi a tomada de posse da fracção autónoma penhorada, que foi realizada no dia 15/07/2022 pelo agente de execução.
Porém, a este propósito é forçoso observar que a tomada de posse do bem penhorado é só a materialização da penhora realizada, um reflexo desse acto judicial (cfr. Ac. Relação de Évora de 11-04-2019, processo n.º 924/14.8TLLE-G.E1, relatora Elisabete Valente; e no mesmo sentido Ac. do STJ de 07-09-2021, processo n.º 956/04.4TCSNT-C.L1.S1, relator Jorge Dias, ambos in www.dgsi.pt).
Ora se os direitos adquiridos pelo embargante em relação ao imóvel em causa não são oponíveis à execução, por força da penhora realizada com anterioridade a essa aquisição, também não podem ser oponíveis à concretização material dessa penhora, como não o serão a uma eventual futura venda executiva.
Julgamos, pois, em consonância com a decisão recorrida, que dado o disposto no art. 819º do Código Civil os presentes embargos de terceiro são manifestamente improcedentes.
Nas suas conclusões a embargante tece ainda considerações quanto à validade da penhora, e às vicissitudes que têm dificultado a sua conversão (dificuldades relacionadas com o auto de penhora e com o registo então existente, já que à data a executada não figurava ainda como a única proprietária da fracção).
Embora a embargante declare que “não pretende reagir contra uma penhora nos autos principais que não lhe diz respeito” (sic), uma vez que faz referência a uma eventual nulidade justifica-se observar que tal questão já foi objecto de decisão judicial.
No apenso A correu incidente de oposição à penhora, deduzido pela executada, tendo sido julgada improcedente a oposição, e declarando-se então que a penhora registada como provisória mantém a qualidade e a prevalência, tanto mais que foi registada acção, mantendo-se a suspensão prevista no art. 119.º, n.º 5, do Código de Registo Predial; e que tal penhora não caducou, como resulta da certidão actualizada junta aos autos, mantendo-se activa e com o pedido de conversão em aberto, e ao abrigo do regime de suspensão previsto no citado nº5, do artº 119º, do Código de Registo Predial.
Esta decisão, proferida a 21-06-2022, transitou em julgado em 12-09-2022, pelo que, dado o disposto no art. 620º do CPC, não pode mais ser questionada no processo, pelo que também nesse ponto não procedem as alegações da embargante.
Em conclusão, o pedido de embargos deduzido pela embargante, atentos os seus fundamentos, apresenta-se manifestamente improcedente, pelo que resta confirmar a decisão impugnada.
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Na parte final das suas conclusões a embargante questiona ainda o valor da causa, fixado na sentença impugnada.
Diz a apelante que o tribunal errou na fixação do valor de causa em €100.000, entendendo que o critério a aplicar é o da primeira parte do nº 1 do Artigo 304.º do Código de Processo Civil, ou seja, o valor da causa principal, que é de €42.154,57.
Verifica-se que na sua petição de embargos a embargante atribuiu esse valor à causa, e no decurso do processo esse valor não foi questionado pelas partes demandadas.
Porém, no despacho saneador sentença aqui impugnado decidiu-se oficiosamente atribuir um valor diferente: “Fixa-se o valor da causa em 100.000 euros – arts. 297.º e ss., 306.º, n.º 2, NCPC.
Não houve outra fundamentação, mas pelos elementos do processo entende-se que foi fixado esse valor porque foi esse o valor da compra pela embargante do imóvel aqui em referência.
Segundo se depreende, foi considerado pelo julgador que uma vez que a embargante pretendia fazer valer o seu direito de propriedade sobre o imóvel então o valor da causa deveria ser o valor do imóvel, por aplicação dos critérios gerais do art. 297º do CPC.
Salvo o devido respeito, discordamos dessa iniciativa oficiosa.
Os critérios gerais do art. 297º não se aplicam ao caso presente, visto que existe critério especial a atender.
Observamos aliás, neste ponto, que os embargos de terceiro, como resulta do art. 342º do CPC, são um meio de defesa da posse, não estando em causa um pedido de reconhecimento da propriedade.
Os embargos de terceiro constituem um incidente da instância, como revela a sua inserção sistemática. É um procedimento regulado num capítulo do Código de Processo Civil que tem por epígrafe precisamente “dos incidentes da instância”.
Ora para os incidentes da instância existe norma especial, contida no art. 304º, n.º 1, do CPC, que estatui como regra que o valor dos incidentes é o da causa a que respeitam.
Não se vislumbra no caso razão para afastar essa regra, como o permite a segunda parte desse n.º 1 do art. 304º.
E por outro lado as restantes partes aceitaram, ainda que pelo silêncio, o valor da causa indicado pelo autor (cfr. n.º 4 do art. 305º do CPC).
Em conclusão, julgamos que deve ser fixado o valor da causa no valor do processo principal, que é de €42.154,57.
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VII - DECISÃO
Por todo o exposto, acordamos em julgar improcedente a apelação em apreço no que se refere à improcedência dos embargos, confirmando a decisão recorrida.
Julga-se procedente a mesma apelação no respeitante ao valor da causa, fixando esta em €42.154,57.
Custas pela embargante/recorrente, fixadas em 2/3 do valor total, considerando o decaimento verificado (cfr. art. 527.º, n.º 1, do CPC).
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Évora, 7 de Novembro de 2023
José Lúcio
Francisco Xavier (vencido, conforme declaração junta)
Maria Adelaide Domingos

Voto de vencido:
Votei vencido, quanto à questão da rejeição dos embargos de terceiro, porquanto entendo que a situação em apreço não se reconduz ao fundamento de rejeição liminar de embargos de terceiro por manifesta improcedência, como se decidiu.
Efectivamente, não obstante, em face do disposto no artigo 819º do Código Civil, o registo da venda do bem imóvel a terceiro não ser oponível na execução à penhora anteriormente registada, não tenho como assente que tal possa reconduzir à rejeição liminar dos embargos (que é o que está em causa no recurso), quando a penhora efectuada na acção executiva, embora anterior, está registada provisoriamente, por natureza, como é o caso, nos termos do artigo 92º, n.º, 2, alínea a), do CRP, e assim se mantém desde há mais de 2 anos, não tendo sido convertida em definitiva (foi pedida a sua conversão em definitiva, e duas vezes recusada, tendo ainda sido julgado improcedente o recurso hierárquico também interposto – cf. Certidão do Registo Predial junta aos autos, que antecede a decisão recorrida).
Não questiono que o registo provisório da penhora ainda se mantenha vigente, em função da instauração e registo da acção a que se reporta a AP. 1755 de 2022/03/31 e respectiva anotação de 2022/05/09 (acção com vista ao “reconhecimento da R. como única proprietária do imóvel à data de 07/01/2021” – data da penhora). Mas, tenho presente que o registo provisório por natureza é, em regra, um registo cautelar, com o qual se salvaguardam os direitos não admissíveis imediatamente a registo definitivo, e que, ainda que possa conferir uma eficácia e uma oponibilidade perante terceiros desde a data em que é lavrado (cf. artigo 6º, n.º 1 e 3 do CRP), tais efeitos estão condicionados a que, no prazo da sua vigência, venha a ser convertido em definitivo.
Assim, tendo presente este entendimento e que está em causa a mera decisão de rejeição liminar de embargos de terceiro por quem tem definitivamente registada a aquisição do bem objecto da penhora, revogava a decisão recorrida, admitindo liminarmente a petição de embargos [o que não interfere com o entendimento que se viesse a ter quanto ao seu andamento após os articulados, em caso de manutenção da pendência da dita acção, questão que aqui não está agora em apreciação].
Francisco Xavier