Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
372/22.4T8STB-A.E1
Relator: TOMÉ DE CARVALHO
Descritores: RESTITUIÇÃO PROVISÓRIA DE POSSE
VALOR DA CAUSA
LITIGÂNCIA DE MÁ FÉ
Data do Acordão: 10/26/2023
Votação: RELATOR
Texto Integral: S
Sumário: 1 – A possibilidade de reapreciação da prova produzida em Primeira Instância, enquanto garantia do duplo grau de jurisdição em sede de matéria de facto, nunca poderá envolver a reapreciação global de toda a prova produzida, impondo-se, por isso, ao impugnante, no respeito dos princípios estruturantes da cooperação e da lealdade e boa-fé processuais, a observância do disposto no artigo 640.º do Código de Processo Civil quanto à prova gravada.
2 – No caso de esbulho violento, pode o possuidor pedir que seja restituído provisoriamente à sua posse, alegando os factos que constituem a posse, o esbulho e a violência.
3 – Na providência cautelar de restituição provisória de posse o requisito da violência esbulho tanto pode ser exercido sobre pessoas, como sobre coisas.
4 – A violência sobre coisas é relevante quando estas constituem um obstáculo ao esbulho ou quando o possuidor fica impedido de contactar com as coisas resultado dos actos empregues.
5 – Quando a providência foi decretada sem prévia audiência do requerido, este pode recorrer ou, se não recorrer, deduzir oposição susceptível de afastar os fundamentos da decisão, de modo a vir a ser reduzida ou revogada a medida já tomada.
6 – Na oposição a uma providência cautelar, para obtenção de uma revisão dos fundamentos fácticos de tal decisão favorável ao requerido/impugnante, necessário se torna que os novos meios de prova produzidos imponham uma decisão diversa sobre os pontos fácticos impugnados, sob pena de se manter o inicialmente considerado provado.
7 – Não é por se não ter provado a versão dos factos alegada pela parte e se ter provado a versão inversa, apresentada pela parte contrária, que se justifica, sem mais, a condenação da primeira como litigante de má-fé.
(Sumário do Relator)
Decisão Texto Integral: Processo n.º 372/22.4T8STB-A.E1
Tribunal Judicial da Comarca de Setúbal – Juízo Central de Competência Cível de Setúbal – J1
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Recurso com efeito e regime de subida adequados.
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Decisão nos termos dos artigos 652.º, n.º 1, alínea c) e 656.º do Código de Processo Civil:
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I – Relatório:
Na presente providência cautelar de restituição provisória de posse proposta por (…) contra (…), proferida decisão final o oponente veio interpor recurso da mesma.
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A requerente pedia que:
a) fosse determinada a restituição do gozo e fruição da habitação sita na Rua (…), n.º 3, Quinta do (…), (…), no Pinhal Novo, descrito na Conservatória do Registo Predial de Palmela sob o n.º (…) e inscrito na matriz rústica sob o artigo (…), da secção (…).
b) ordenada a prática pelo Requerido de todos os actos necessários à reposição da água, electricidade e funcionamento da fossa séptica, mais retirando as câmaras de videovigilância não consentidas pela Requerente.
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Procedeu-se à inquirição das testemunhas apresentadas pela Requerente, tendo sido decretada a restituição provisória da posse por decisão datada de 10/12/2021.
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Devidamente citado, o Requerido veio deduzir oposição alegando, em síntese, que não se mostravam reunidos os pressupostos de decretamento da providência, dado que a requerente nunca teve a posse do imóvel, tendo-se instalado no mesmo para obter alojamento gratuito e nunca contribuiu para a manutenção do imóvel, adiantando que a mesma ocupa abusivamente o imóvel e que nunca ocorreu qualquer corte de água ou de luz e que a mãe do requerido procedeu somente à mudança de titular.
O requerido pediu assim que fosse revogada a providência de restituição provisoria de posse.
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Em 07/04/2022, o Tribunal «a quo» declarou improcedente a oposição e manteve a decisão proferida nos autos que decretou a providência.
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Em 30/06/2023, ao abrigo do disposto no artigo 263º[1] do Código de Processo Civil, por ter ocorrido a transmissão do prédio em litígio, foi determinada a substituição do requerido (…) pelo adquirente do prédio (…).
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Inconformado com tal decisão proferida em sede de oposição, o recorrente apresentou recurso de apelação, que continha as seguintes conclusões:
71. Foi dado como provado pelo tribunal a ponto 3) que “Ao longo dos anos a Requerente ausentou-se para o estrangeiro por duas vezes em busca de trabalho, juntamente com o seu marido de nome (…)”.
72. O que contraria o voluntariamente alegado pela Recorrida no art.º 14.º da sua P.I.
73. Foi dado como provado a ponto 4, 5, 6 e 7 de Douta Sentença que
“4) As construções realizadas na quinta, com recurso a vários pedreiros, foram suportadas por (…) e por (…);
5) Foram iniciadas obras em 1995, e após o início das mesmas foi efectuada uma acção inspectiva pela Câmara Municipal de Palmela, tendo sido dada entrada de alvará de obra, com a respectiva apresentação de plantas de Implantação e Ampliação do Pavilhão, planta de Cobertura e ampliação do pavilhão;
6) Foi emitido alvará de obra e posteriormente foi emitido o alvará de Licença de utilização pela Câmara Municipal de Palmela, em 1997 para pavilhão de apoio agrícola, sempre em nome de (…);
7) A casa de banho usada pela Requerente na quinta é uma casa de banho utilizada por todas as pessoas que frequentavam a quinta”.
74. O que contraria o exposto a articulados 16.º, art.º 34.º e 37.º da P.I., vindo assim provar que a Recorrida alegou factos que sabia não corresponderem à verdade.
75. Foi dado como provado a ponto 9) que “em 26.08.2021 foi remetida à Requerente a carta identificada no ponto 16) dos factos assentes, pela solicitadora (…) para desocupação do imóvel com a referencia pela Sra. Solicitadora de que «Fui contactada pelo cabeça de casal da herança de (…) para me dirigir a V. Exa.»”.
76. O que contraria o exposto a art.º 18.º da P.I. da recorrida.
77. Foi dado como provado a pontos 10) e 11) de Douta Sentença que
“10) …, pai do requerido, em 04 de Novembro de 2020 celebrou um contrato com a sociedade (…) e (…), Mediação Imobiliária, Lda. para venda do imóvel,
11) Após o falecimento de seu pai o requerido indicou à agência imobiliária que face ao falecimento de seu pai, não pretendia proceder à venda do imóvel, solicitando assim o cancelamento do contrato e a remoção da publicidade de venda do imóvel”.
78. O que contraria o invocado pela recorrida a ponto 19.º da sua P.I.,
79. Foi dado como provado pelo Tribunal A quo, no ponto 12, 13 14, e 15 que “12) Após o falecimento do pai do requerido foi efectuada a denúncia do contrato de fornecimento de agua e serviços de saneamento com efeito a 30.11.2021;
13) Tendo o requerido celebrado novo contrato em seu nome;
14) Em 22.11.2021 foi solicitada junto da EDP a rescisão do contrato com vista à celebração de novo contrato em nome do requerido;
15) Foi efectuado pela EDP o corte de eletricidade no dia 30.11.2021”;
80. O que contraria o invocado pela Recorrida no ponto 21.º da sua P.I.
81. Donde resulta que, ao contrário do que foi intencionalmente invocado pela Recorrida,
82. Que esta se ausentou do local,
83. Que as obras foram efectuadas e suportadas pelos proprietários e não pela mesma,
84. E que ao contrário do por esta alegado, não foi efectuado o corte de electricidade e de água, como por esta alegado, em data anterior a 30.11.2021.
85. Sendo que tal sucedeu em sede da alteração de contratos e apenas em data posterior.
86. Tendo assim a recorrida distorcido os factos com vista à sua pretensão exposta e manifestada perante o Tribunal.
Donde, se crê que:
87. Não se verificam os pressupostos para a providência decretada, pois não se verificou o esbulho nem violência.
Da litigância de Má-fé
88. Que ao agir com a alegação de factos que bem sabe a recorrida não correspondem à realidade, distorcendo de forma intencional os factos e a realidade, agiu a mesma com má-fé.
Da matéria dada como não provada
89. Que ao contrário do vertido a alínea e) de Douta Sentença resulta do depoimento da testemunha (…), o qual viveu largos anos no local, que a recorrida se instalou contra a vontade dos anteriores proprietários.
90. E que, conforme resulta do depoimento da mesma testemunha (…) e dos documentos juntos aos autos com a oposição apresentada, nomeadamente página 2 do documento 6, o local onde é a cozinha era destinado à “Criação de …”.
91. Donde deve tal matéria ser dada como provada.
Do valor
92. Que quanto ao valor, tendo em conta as características do local, destinado a “Arrumo de alfaias agrícolas”, conforme documentos juntos, cumulando que a casa de banho apenas tem acesso pelo exterior, sendo uma casa de banho comum, pelo que não deverá ser considerado o método de comparação com um T2.
93. Donde o valor da acção deverá ser reduzido para o valor indicado pelo recorrente.
Deste modo, face ao exposto supra nestes e nos demais termos de Direito que V. Exas doutamente suprirão.
Deve o presente Recurso ser julgado provado e procedente, verificando-se que não se encontram preenchidos os pressupostos da declaração da providência e sua confirmação, com a consequente revogação da providência decretada,
Devem ser considerados os factos provados como contrários ao alegado de forma voluntária e intencional pela Recorrida, tendo ficado demonstrado que esta distorceu a realidade de modo a obter a declaração de providência cautelar ora em crise, e que com tal agiu com má fé, devendo deste modo o pedido de litigância de má fé ser declarado como procedente,
Bem como reformulando-se a Douta decisão a quo, no que respeita à matéria dada como não provada acima vertida, assim se fazendo justiça».
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A parte contrária respondeu ao recurso interposto, pugnando pela respectiva improcedência.
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II – Objecto do recurso:
É entendimento uniforme que é pelas conclusões das alegações de recurso que se define o seu objecto e se delimita o âmbito de intervenção do Tribunal ad quem (artigos 635º, nº4 e 639º, nº1, do Código de Processo Civil), sem prejuízo das questões cujo conhecimento oficioso se imponha (artigo 608º, nº2, ex vi do artigo 663º, nº2, do mesmo diploma).
Analisadas as alegações de recurso, o thema decidendum está circunscrito à apreciação de existência de erro na:
a) determinação do valor da causa.
b) fixação dos factos provados.
c) aplicação do direito aos factos.
d) não aplicação das sanções relacionadas com a litigância de má-fé.
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III – Factos apurados em sede de julgamento:
3.1 – Factos indiciariamente provados:
3.1.1 – Factos indiciariamente provados da fase inicial do procedimento:
1 – A Requerente nasceu no dia 24/11/1973, sendo filha de (…) e de (…).
2 – No início do ano de 1975, atentas dificuldades económicas dos pais biológicos, a Requerente passou a viver com o casal (…) e (…).
3 – O referido casal iniciou o processo de adopção da Requerente e em 31/07/1980, foi concluído o processo de adoção restrita pelos referidos pais adoptivos.
4 – O casal era casado entre si em segundas núpcias,
5 – E cada um deles levou para o casamento um filho: (…), que era filho de (…) e (…), que era filho de Avelina.
6 – Os pais adoptivos da Requerente, (…) e (…), faleceram em 09/03/1999 e em 22/05/2010, respetivamente.
7 – Em 28/09/2016, por escritura de partilha, a herança dos falecidos pais adoptivos veio a ser adjudicada ao filho (…)..
8 – Em 14/04/2021, faleceu (…), cuja herança, por partilha em documento particular autenticado datada de 17/09/2021, foi por sua vez adjudicada ao respectivo filho (…).
9 – Na Conservatória do RP de Palmela – Pinhal Novo encontra-se descrito sob o n.º (…) o prédio misto com a área de 12.850 m2, composto quanto à parte rústica de cultura arvense, pomar, ameixeiras, macieiras e figueiras (artigo … – secção …) e quanto à parte urbana de casa para habitação (matriz …), sito na localidade de Lagoa da (…) / (…), Pinhal Novo, cuja titularidade a favor do Requerido está averbada pela ap. (…), de 29/09/2021, por partilha da herança de (…).
10 – A Autora vive na propriedade desde o início de 1975.
11 – Foi na referida propriedade que a Requerente cresceu, casou, viu nascer o seu filho, acompanhou e cuidou dos seus pais adoptivos até ao último dia das suas vidas e onde vive até à presente data.
12 – Desde a morte da mãe adoptiva, em 2010, que vive sozinha na propriedade juntamente com o seu marido.
13 – O pai adoptivo da Requerente, (…), antes do nascimento do neto / filho da Requerente, em 27/11/1995, (…), com a ajuda do marido da Requerente, construiu a casa que por referência à fotografia de fls. 48 está sombreada como o retângulo laranja de maior dimensão, constituída por uma cozinha, uma casa de banho, dois quartos e uma sala e deu-a à Requerente para que ela e a sua família aí residissem, o que tem acontecido até ao presente.
14 – Eliminada.
15 – Não obstante o que se encontra descrito e inscrito do registo predial, no local estão edificadas 3 habitações independentes e autónomas entre si, com entradas próprias e com armazéns agrícolas.
16 – Em 26/08/2021 o Requerido remeteu carta à Requerente com seguinte teor “Em virtude de V. Exa. habitar no imóvel há muito tempo com autorização dos anteriores proprietários e até do de cujus, por mero favor destes, uma vez que nunca pagou renda, luz, água, impostos ou outras despesas, serve a presente para interpelar V. Exa. para entrega do imóvel até ao próximo dia 30/11/2021, deixando-o livre de pessoas e bens
(…)”.
17 – E pôs toda a propriedade à venda por Eur.: 375.000,00 €, incluindo a casa e arrecadação.
18 – Só existe um contador de eletricidade para toda a propriedade e para as três casas, e o Requerido recusa receber o dinheiro da Requerente relativo aos consumos que faz na sua casa de eletricidade.
19 – O Requerido procedeu ao corte de água, luz, impediu que a fossa sética fosse despejada, já que colocou um cadeado no portão principal pelo que o veículo necessário a tal, não consegue entrar na propriedade e instalou câmaras de videovigilância na propriedade, sem consentimento da Requente.
20 – O marido da Requerente tem uma incapacidade de 60%, atribuída em (…).
21 – A Requerente e o marido vivem da reforma deste no valor de 407,64 € mensais.
22 – No dia 16/09/2021 a Requerente apresentou queixa junto do OPC, onde além do mais consta: “(…) compareceu perante mim a srª (…) a denunciar o arrombamento do cadeado da sua arrecadação. A ora denunciante (…) disse que no presente dia, deslocou-se à sua arrecadação, localizada na R. (…), Quinta do (…), localidade de Pinhal Novo e verificou que o cadeado se encontrava arrombado em falta”, cfr. Doc. 13;
23 – No dia 05/10/2021 a Requerente apresentou queixa junto do OPC, onde além do mais consta: “(…) a Sra. (…) estava no interior da sua residência quando ouviu um barulho do exterior da sua casa de banho. Quando saiu para constatar que barulho era, deparou-se com o sr. …. (…) questionou o suspeito do motivo de ali estar o que o suspeito respondeu que não os queria naquela propriedade pois essa lhe pertencia (…).
24 – No dia 07/10/2021 a Requerente deslocou-se ao OPC, na sequência do que ficou exarado “(…) a Sra. (…) informa que ontem dia 06 por volta das 22h encontrava-se em casa com o seu esposo, ambos segundo a mesma a dormir, quando ouviu um ruído do telhado da sua habitação, diz ter ouvido ruído durante cerca de 30 minutos. Diz que já hoje dia 07, quando se levantou tentou perceber o que se teria passado se deparou com várias telhas partidas, um vidro partido e a rede mosquiteira do seu quarto rasgada, a mesma informa que não se levantou para ver o que se passava pois diz ter temido pela sua segurança e do seu esposo”.
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3.1.1.1 – Facto indiciariamente não provado da fase inicial do procedimento:
A) Que a casa tivesse sido construída com dinheiro e materiais da Requerente e marido.
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3.1.2 – Factos indiciariamente provados da oposição:
Com relevância para a decisão da causa e após inquirição de testemunhas, declarações de parte e junção de prova documental, resultaram indiciariamente provados os seguintes factos alegados pelo requerido em sede de oposição:
1) (…) cuidou do filho da Requerente, (…), na quinta, até à idade de 13 a 14 anos momento em que foi o mesmo para o Centro de Apoio a Deficientes (…), sito em (…).
2) (…), pai do Requerido, deslocava-se diariamente à quinta para ver a sua mãe (…).
3) Ao longo dos anos a Requerente ausentou-se para o estrangeiro por duas vezes em busca de trabalho, juntamente com o seu marido de nome (…).
4) As construções realizadas na quinta, com recurso a vários pedreiros, foram suportadas por (…) e por (…).
5) Foram iniciadas obras em 1995, e após o início das mesmas foi efectuada uma acção inspectiva pela Câmara Municipal de Palmela, tendo sido dada entrada de alvará de obra, com a respectiva apresentação de plantas de Implantação e Ampliação do Pavilhão, planta de Cobertura e ampliação do pavilhão.
6) Foi emitido alvará de obra e posteriormente foi emitido o alvará de Licença de utilização pela Câmara Municipal de Palmela, em 1997 para pavilhão de apoio agrícola, sempre em nome de (…).
7) A casa de banho usada pela Requerente na quinta é uma casa de banho utilizada por todas as pessoas que frequentavam a quinta.
8) Ao lado do espaço de armazém onde eram criados os animais foi instalada uma cozinha que é usada pela Requerente.
9) em 26/08/2021 foi remetida à Requerente a carta identificada no ponto 16) dos factos assentes, pela solicitadora (…) para desocupação do imóvel com a referência pela Sra. Solicitadora de que «Fui contactada pelo cabeça de casal da herança de (…) para me dirigir a V. Exa.».
10) (…), pai do requerido, em 04 de Novembro de 2020 celebrou um contrato com a sociedade (…) e (…), Mediação Imobiliária, Lda. para venda do imóvel.
11) Após o falecimento de seu pai o requerido indicou à agência imobiliária que face ao falecimento de seu pai, não pretendia proceder à venda do imóvel, solicitando assim o cancelamento do contrato e a remoção da publicidade de venda do imóvel.
12) Após o falecimento do pai do requerido foi efectuada a denúncia do contrato de fornecimento de agua e serviços de saneamento com efeito a 30/11/2021.
13) Tendo o requerido celebrado novo contrato em seu nome.
14) Em 22/11/2021 foi solicitada junto da EDP a rescisão do contrato com vista à celebração de novo contrato em nome do requerido.
15) Foi efectuado pela EDP o corte de eletricidade no dia 30/11/2021.
16) O Requerido apresentou queixa contra a Requerente junto da GNR do Pinhal Novo, com o NUIPC (…).
17) E aditamento ao NUIPC (…) contra o companheiro da Requerente, por agressões físicas contra o Requerido, ocorridas no dia 05 de Outubro de 2021.
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3.1.2.1 – Factos indiciariamente não provados da oposição:
Da prova documental e testemunhal realizada nos autos, com interesse para apreciação da causa nada mais resultou indiciariamente provado, nomeadamente não resultou provado que:
a) (…) cuidou do seu pai (…) até este falecer.
b) A Requerente ausentou-se para casa de sua mãe biológica durante cerca de uma semana e meia quando tinha 20 anos.
c) As deslocações da Requerente foram para o Reino Unido e ocorreram em 1995 e em 2005.
d) aquando da segunda saída da requerente os pais adoptivos comunicaram à Requerente que não a queria de volta para a quinta.
e) contra a vontade dos pais adoptivos a requerente voltou a instalar-se na quinta.
f) a mãe e o pai do requerido emprestaram dinheiro a (…) e (…) para custearem as obras.
g) o espaço identificado pela Requerente como cozinha era usado como parte do armazém e destinado para matar os animais criados para consumo.
h) a Requerente apropriou-se desse espaço e transformou em cozinha.
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IV – Fundamentação
4.1 – Do valor da causa:
A requerente atribuiu à causa o valor de 95.000,00 € (noventa e cinco mil euros), por corresponder ao montante gasto pela requerente na construção da habitação e da arrecadação, atenta a sua tipologia, área e localização.
O oponente entende que a requerente apresenta um valor sem qualquer base ou justificação e que, no máximo, face ao preço estimado do prédio e à avaliação patrimonial fiscal, o mesmo deveria ser fixado no montante de 6.000,00 € (seis mil euros).
A toda a causa deve ser atribuído um valor certo, expresso em moeda legal, o qua representa a utilidade económica imediata do pedido (artigo nº1 do artigo 296º[2] do Código de Processo Civil).
Do valor da acção pode depender a competência do tribunal, a admissibilidade do recurso ordinário e a obrigatoriedade do patrocínio judiciário.
Por norma, os critérios gerais para a fixação do valor da causa estão enunciados no artigo 297º[3] do Código de Processo Civil e a utilidade económica imediata do pedido, expressa em dinheiro, constitui o factor decisivo para a fixação do valor processual.
Porém, em sede de providência cautelar de restituição provisória de posse, esta cifra é determinada pelo valor da coisa esbulhada, tal como resulta do disposto na al. b) do nº3 do artigo 304º[4] do Código de Processo Civil
A lei processual estabelece que compete ao juiz fixar o valor da causa no despacho saneador ou, não existindo este, na sentença (artigo 306º do Código de Processo Civil) e o Tribunal «a quo» decidiu dar acolhimento ao valor proposto pela requerente.
Diz a referida decisão que o mesmo «não se mostra o mesmo infirmado pelos elementos juntos aos autos, tendo a requerente justificado devidamente a indicação do valor da acção como o correspondente à parte do imóvel objecto de restituição provisória de posse, tendo para isso obtido o valor por estudo comparativo, considerando a tipologia T2, com área de 105 m2 inserido em propriedade mais vasta».
Não foi realizado qualquer arbitramento[5] e, face às delongas processuais ocorridas, atenta a natureza urgente do procedimento, entende-se que a referida diligência não deverá ter lugar.
Neste particular sufraga-se o entendimento que não será o valor da venda anunciada que deverá prevalecer, até porque somos confrontados com uma hipotética ocupação parcial e o pedido de restituição não abrange todo o imóvel aqui em discussão. E, além disso, consabidamente, o valor patrimonial da avaliação fiscal também poderia não reflectir a realidade económica aqui em causa pelo mesmo conjunto de razões acima relatadas a avaliação da coisa esbulhada.
Por isso, à míngua de outros elementos, valida-se assim o entendimento perfilhado pela Primeira Instância, mantendo-se assim, neste segmento, a decisão recorrida.
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4.2 – Erro sobre a matéria de facto:
Só à Relação compete, em princípio, modificar a decisão sobre a matéria de facto, podendo alterar as respostas aos pontos da base instrutória, a partir da prova testemunhal extractada nos autos e dos demais elementos que sirvam de base à respectiva decisão, desde que dos mesmos constem todos os dados probatórios, necessários e suficientes, para o efeito, dentro do quadro normativo e através do exercício dos poderes conferidos pelo artigo 662º do Código de Processo Civil.
Em face disso, a questão crucial é a de apurar se a decisão do Tribunal de Primeira Instância que deu como provados (e não provados) certos factos pode ser alterada nesta sede – ou, noutra formulação, é tarefa do Tribunal da Relação apurar se essa decisão fáctica está viciada em erro de avaliação ou foi produzida com algum meio de prova ilícito e, se assim for, actuar em conformidade com os poderes que lhe estão confiados.
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O recorrente pretende que, ao contrário do vertido na alínea e)[6] dos factos não provados, fique consagrado que a recorrida se instalou no imóvel contra a vontade dos anteriores proprietários. Em benefício da sua tese afirma que isso resulta do depoimento da testemunha (…) e dos documentos juntos aos autos com a oposição apresentada, nomeadamente página 2 do documento 6.
Na justificação da Meritíssima Juíza de Direito a matéria de facto indiciariamente não provada, resultou da falta de produção bastante sobre a mesma e bem assim de produção de prova em contrário
Adicionalmente, o requerente elenca que diversos pontos da factualidade provada se encontram em colisão com o alegado pela recorrida. E, em sede de petitório, solicita que sejam considerados «os factos provados como contrários ao alegado de forma voluntária e intencional pela Recorrida».
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Actualmente, nos termos do nº1 do artigo 640º[7] do Código de Processo Civil, quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição, os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados, os concretos meios probatórios constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada que imponham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida e a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
Na realidade, tanto na motivação como nas conclusões de recurso a peça de recurso não cumpre integralmente as exigências legais e a jurisprudência maioritária do Supremo Tribunal de Justiça estabilizou na interpretação que «a inobservância deste ónus de alegação, quanto à impugnação da decisão sobre a matéria de facto, implica, como expressamente se prevê, no artigo 640º, nº1, do NCPC, a rejeição do recurso, que é imediata, como se acentua na al. a), do n.º2, desse artigo.
Nesta sede, foi propósito deliberado do legislador não instituir qualquer convite ao aperfeiçoamento da alegação a dirigir ao apelante. A lei é a este respeito imperativa, ao cominar a imediata rejeição do recurso, nessa parte, para a falta de incumprimento pelo recorrente do referido ónus processual (artigo 640º, nº2)» [8] [9] [10].
A possibilidade de reapreciação da prova produzida em Primeira Instância, enquanto garantia do duplo grau de jurisdição em sede de matéria de facto, nunca poderá envolver a reapreciação global de toda a prova produzida, impondo-se, por isso, ao impugnante, no respeito dos princípios estruturantes da cooperação e da lealdade e boa-fé processuais, a observância das citadas regras.
O recorrente não cumpre estas exigências legais e o Tribunal «ad quem» está inibido de alterar a decisão de facto com base nos elementos probatórios gravados, com base na remissão genérica para um determinado testemunho sem indicar as passagens concretas da gravação. E os elementos documentais convocados não têm a virtualidade de permitir a modificação da matéria de facto apurada.
Quanto à pretensão de serem considerados «os factos provados como contrários ao alegado de forma voluntária e intencional pela Recorrida», a mesma carece de fundamento, dado que nenhuma alteração há a promover neste domínio. Na realidade, o recorrente não discute a bondade dos factos apurados e apenas visa obter um veredicto distinto em sede de aplicação das normas relativas à má-fé processual. E, neste campo, o recorrente nem sequer arregimenta prova de suporte ao pedido formulado. Em acréscimo, esta é uma questão de mérito e não de reavaliação da factualidade apurada.
Assim, como decorrência daquilo que se deixou expresso, a factualidade apurada mostra-se consolidada e é com base nesses factos apurados que se apreciará a questão do erro na aplicação do direito.
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4.3 – Erro na apreciação do direito aplicável:
4.3.1 – Do preenchimento dos requisitos da providência de restituição de posse:
4.3.1.1 – Considerações gerais sobre a natureza e finalidades das providências cautelares:
As medidas cautelares visam prevenir um dano muito concreto. Aquele que é causado pelo decurso do tempo. O correr do tempo que é necessário para a conclusão de um processo judicial. Tal dano consiste na inutilidade prática, total ou parcial, da sentença final favorável e, consequentemente, na inefectividade do direito do requerente[11].
Na situação colocada à apreciação do Tribunal de recurso, estamos perante uma restituição provisória de posse, que, usualmente, corresponde a um acto preparatório da acção de restituição de posse, embora também o possa ser de uma acção de reivindicação, porque também esta visa obter a restituição da coisa[12] [13].
Quem beneficia de uma situação de posse pode pedir a respectiva tutela judicial seja através da apresentação em juízo de acções de prevenção, de manutenção e de restituição da posse e, bem assim, no caso de esbulho violento, por via de uma providência cautelar de restituição provisória da posse, de harmonia com o disposto nos artigos 1276º a 1279º do Código Civil.
Na lição de Mota Pinto as razões dessa tutela assentam em critérios de utilidade social como são a defesa da paz pública, a dificuldade de prova do direito definitivo e o valor económico da posse[14]. E esta tutela assume natureza provisória conforme decorre da letra do nº1 do artigo 1278º do Código Civil, «no caso de recorrer ao Tribunal, o possuidor perturbado ou esbulhado será mantido ou restituído enquanto não for convencido na questão da titularidade do direito».
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4.3.1.2 – A relação entre a posse e o procedimento cautelar:
Posse é o poder que se manifesta quando alguém actua por forma correspondente ao exercício do direito de propriedade ou de outro direito real (artigo 1251º do Código Civil).
No direito português a posse reporta-se ao exercício de um direito real (em regra, de gozo). Assim, aqueles que usam ou gozam a coisa ao abrigo de um direito creditício, obrigacional, são meros detentores, pois possuem a coisa em nome de outrem, o titular do direito real (alínea c) do artigo 1253º do Código Civil), a quem terão de restituir a coisa uma vez terminado o prazo ou a causa legal da detenção. São, pois, possuidores precários[15].
No entanto, por motivos de equidade, de segurança jurídica e de salvaguarda de interesses pessoais e económicos, o legislador concede episodicamente a defesa possessória em casos em que não existe posse, mas mera detenção. E, por isso, a tutela possessória é ainda especialmente concedida a titulares de direitos pessoais de gozo derivados do contrato de locação (artigo 1037º, nº2[16]), de comodato (artigo 1133º[17]) e de depósito (artigo 1188º, nº2[18]).
O artigo 1276º do Código Civil provisiona as situações de defesa da posse, prevendo que se o possuidor tiver justo receio de ser perturbado ou esbulhado por outrem, será o autor da ameaça, a requerimento do ameaçado, intimado para se abster de lhe fazer agravo, sob pena de multa e responsabilidade pelo prejuízo que causar.
Numa dimensão substantiva, no seu artigo 1279º, o Código Civil prevê que o possuidor que for esbulhado com violência tem o direito de ser restituído provisoriamente à sua posse, sem audiência do esbulhador.
No desenvolvimento adjectivo desta norma, no caso de esbulho violento, pode o possuidor pedir que seja restituído provisoriamente à sua posse, alegando os factos que constituem a posse, o esbulho e a violência, conforme se extrai do disposto no artigo 377º[19] do Código de Processo Civil.
De forma unânime a doutrina[20] [21] [22] [23] e a jurisprudência afirmam que a procedência da providência cautelar de restituição provisória de posse depende da alegação e prova de três requisitos: a posse, o esbulho e a violência.
É pressuposto do decretamento da providência cautelar de restituição provisória da posse a prova de que o requerente da providência é titular da posse sobre o bem cuja restituição é ordenada. E sempre que alguém foi privado do exercício da retenção ou da fruição do objecto possuído ou da possibilidade de continuar a exercer a posse existe um cenário de esbulho.
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4.3.1.3 – Requisitos específicos da restituição provisória de posse e a possibilidade da defesa da posse ser concretizada por meio processual alternativo:
Quando a providência foi decretada sem prévia audiência do requerido, este pode recorrer ou, se não recorrer, deduzir oposição susceptível de afastar os fundamentos da decisão, de modo a vir a ser reduzida ou revogada a medida já tomada.
Na interpretação do compêndio normativo aplicável à situação sub judice, ao aplicar a disciplina dos artigos 377º e 378º[24] do Código de Processo Civil, o Tribunal «a quo» validou a existência de um quadro de posse e a leitura da matéria de facto apurada dá conforto a esta percepção do Julgador de Primeira Instância.
O conceito de violência a que aludem os artigos 1279º do Código Civil e 377º do Código de Processo Civil encontra-se plasmado no artigo 1261º, nº1[25], do Código Civil, que define como violenta a posse adquirida através de coacção física ou de coacção moral nos termos do artigo 255º[26] do mesmo diploma.
Inspirados na lição de Manuel Rodrigues[27], Lebre de Freitas e Isabel Alexandre sublinham que «é violento todo o esbulho que impede o esbulhado de contactar com a coisa possuída em consequência dos meios usados pelo esbulhador»[28] [29]. Esta posição é perfilhada por Alberto dos Reis[30], Pires de Lima e Antunes Varela[31] e Teixeira de Sousa[32]. Em sentido contrário, posiciona-se Dias Marques que entende que a violência só pode ser exercida sobre as pessoas[33]. Numa zona intermédia surgem os contributos de Orlando de Carvalho[34] que admite que a instrumentalidade da violência contra as coisas possa ser hábil a constranger psicologicamente o possuidor.
Estamos com Abrantes Geraldes quando este assevera que a qualificação da posse como violenta pode ter na sua génese «tanto aquela que se dirige directamente à pessoa do declaratário (leia-se, do possuidor), como a que é feita através do ataque aos seus bens»[35].
Na visão dominante na jurisprudência do Supremo Tribunal de justiça, a acepção mais lata do conceito de esbulho é aquela que melhor se adequa à defesa da posse, posto que, nessa perspectiva, a violência não implica necessariamente que a ofensa da posse ocorra na presença do possuidor. Basta que o possuidor dela seja privado contra a sua vontade em consequência de um comportamento que lhe é alheio e impede, contra a sua vontade, o exercício da posse como até então a exercia[36].
Nesta valência, a jurisprudência estabilizada dos Tribunais Superiores entende que quando o esbulhador, para ter acesso à coisa, procede à mudança/substituição e à alteração das fechaduras que o impediam de àquela livremente aceder, obstando e tornando doravante impossível a continuação da posse pelo requerente/esbulhado, está-se perante um caso de esbulho violento[37].
Neste espectro lógico-jurídico pode concluir-se que há esbulho violento sempre que alguém é privado, total ou parcialmente, contra sua vontade, do uso ou fruição do bem possuído ou da possibilidade de continuar esse exercício.
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Na segunda fase de produção de prova acabou por não ser rebatida a afirmação inscrita na primeira decisão que anunciava que, «desde 27/11/1995, data do nascimento do filho e até à presente data, que vive numa casa construída na propriedade para essa finalidade (…) constituída por uma cozinha, uma casa de banho, dois quartos e uma sala».
Está assim patenteado nos autos que, além de exercer poderes de facto sobre determinada área na quinta onde viveu desde 1995, que tal factualidade «não infirmada pela prova produzida em sede de oposição, não obstando a essa realidade o facto de na quinta a casa de banho existente ser partilhada por quem frequente a quinta».
E, além disso, quanto ao esbulho, tal como é evidenciado no acto decisório impugnado, «não foi produzida prova que permita sem mais concluir que os factos dados como assentes em sede da decisão proferida não se verificaram (no que aqui releva, a recusa de o requerido receber da requerente valor dos consumos pela mesma feitos, corte de agua e luz, impedimento de despejo da fossa, colocação de cadeado no portão principal)».
Como se dizia na decisão de 10/12/2022, estas são actuações «que dificultam / impossibilitam a posse normal da Requerente sobre o imóvel, sendo esse o natural objetivo do Requerido, já que pôs a propriedade à venda e interpelou a Requerente para sair da casa».
Os actos materiais acima descritos correspondem claramente a um cenário de esbulho e, neste contexto, encontram-se verificados todos os requisitos indiciários necessários ao decretamento da providência, sendo que a prova produzida na oposição e os factos dela retirados não abalam o juízo prudencial inicialmente efectuado.
Na verdade, na oposição a uma providência cautelar, para obtenção de uma revisão dos fundamentos fácticos de tal decisão favorável ao requerido/impugnante, necessário se torna que os novos meios de prova produzidos (ou, segundo uma interpretação extensiva, a nova instância das testemunhas ou declarantes anteriormente ouvidos) e por aquele indicados nas suas alegações imponham uma decisão diversa sobre os pontos fácticos impugnados, sob pena de se manter o inicialmente considerado provado[38].
Por tudo aquilo que se deixou consignado, julga-se nesta parte improcedente o recurso apresentado e mantém-se neste capítulo a decisão recorrida.
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4.4 – Da litigância de má fé:
Como diz Planiol[39] o direito cessa onde começa o abuso.
Menezes Cordeiro salienta que «o acto abusivo só formalmente pode parecer como praticado no âmbito do direito: uma vez que extravasa o sentido axiologicamente fixado para o direito em causa, é um acto “extradireito”, logo ilegítimo»[40].
«Diz-se litigante de má-fé quem, com dolo ou negligência grave:
a) Tiver deduzido pretensão ou oposição cuja falta de fundamento não devia ignorar;
b) Tiver alterado a verdade dos factos ou omitido factos relevantes para a decisão da causa;
c) Tiver praticado omissão grave do dever de cooperação;
d) Tiver feito do processo ou dos meios processuais um uso manifestamente reprovável, com o fim de conseguir um objetivo ilegal, impedir a descoberta da verdade, entorpecer a acção da justiça ou protelar, sem fundamento sério, o trânsito em julgado da decisão», face ao postulado normativo do artigo 542º do Código de Processo Civil.
No Código de Processo Civil de 1967, era pacífico que só quem agisse com dolo poderia ser condenado como litigante de má fé, não se sancionando a lide temerária, entendida como a litigância violadora com culpa grave ou erro grosseiro das regras de conduta conformes com a boa fé.
Atentas as alterações introduzidas ao artigo 456º do Código de Processo Civil, operadas pelos Decreto-Lei nºs 329-A/95, de 12/12 e 180/96, de 25/09, deve entender-se que a punição como litigante de má fé abrange quer as condutas dolosas, quer as condutas gravemente negligentes, numa patente tentativa de maior responsabilização das partes. Esta disciplina mantém exactamente os mesmos traços no Novo Código de Processo Civil.
A jurisprudência mais ilustrativa advoga que «não é, por exemplo, por se não ter provado a versão dos factos alegada pela parte e se ter provado a versão inversa, apresentada pela parte contrária, que se justifica, sem mais, a condenação da primeira como litigante de má-fé. A verdade revelada no processo é a verdade do convencimento do juiz, que sendo muito, não atinge, porém a certeza das verdades reveladas. Com efeito, a verdade judicial é uma verdade relativa, não só porque resultante de um juízo em si mesmo passível de erro, mas também porque assente em provas, como a testemunhal, cuja falibilidade constitui um conhecido dado psico-sociológico. Por outro lado, a ousadia de uma construção jurídica julgada manifestamente errada não revela por si só, que o seu autor a apresentou como simples cortina de fumo da inanidade da sua posição processual, de autor ou réu. Há que ser, pois, muito prudente no juízo sobre a má fé processual»[41].
O entendimento da Primeira Instância foi a de que não existia fundamento para considerar que a requerente actuou com má fé processual. E lida a decisão de facto e analisado o comportamento processual das partes, este raciocínio não se mostra minimamente afectado pelas razões constantes do recurso e não existe motivo para determinar a aplicação da multa processual e indemnização fundada na litigância de má fé à recorrida e muito menos para considerar que, por esse motivo, a versão factual impressa na decisão final deveria ser diferente.
Não existem assim sinais que a requerente «tenha vindo maliciosamente deduzir uma pretensão alicerçada em factos diversos da realidade», ou «tenha agido no processo alterando a verdade dos factos» ou haja deduzido «uma pretensão que de outro modo sabia carecer de fundamento», tanto mais que a sua tese acabou acaba por ter vencimento e não se torna necessário que exista uma coincidência global entre aquilo que alega e o que se prova.
Em conclusão, também no domínio da apreciação da má-fé processual a decisão recorrida não merece reparo, improcedendo assim, in totum, o recurso sub judice.
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V – Sumário: (…)
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VI – Decisão:
Nestes termos e pelo exposto, tendo em atenção o quadro legal aplicável e o enquadramento fáctico envolvente, julga-se improcedente o recurso apresentado, mantendo-se a decisão recorrida.
Custas a cargo do recorrente, atento o disposto no artigo 527.º do Código de Processo Civil.
Notifique.
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Processei e revi.
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Évora, 26/10/2023

José Manuel Costa Galo Tomé de Carvalho




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[1] Artigo 263.º (Legitimidade do transmitente - Substituição deste pelo adquirente):
1 - No caso de transmissão, por ato entre vivos, da coisa ou direito litigioso, o transmitente continua a ter legitimidade para a causa enquanto o adquirente não for, por meio de habilitação, admitido a substituí-lo.
2 - A substituição é admitida quando a parte contrária esteja de acordo e, na falta de acordo, só deve recusar-se a substituição quando se entenda que a transmissão foi efetuada para tornar mais difícil, no processo, a posição da parte contrária.
3 - A sentença produz efeitos em relação ao adquirente, ainda que este não intervenha no processo, exceto no caso de a ação estar sujeita a registo e o adquirente registar a transmissão antes de feito o registo da ação.
[2] Artigo 296.º (Atribuição de valor à causa e sua influência):
1 - A toda a causa deve ser atribuído um valor certo, expresso em moeda legal, o qual representa a utilidade económica imediata do pedido.
2 - Atende-se a este valor para determinar a competência do tribunal, a forma do processo de execução comum e a relação da causa com a alçada do tribunal.
3 - Para efeito de custas judiciais, o valor da causa é fixado segundo as regras previstas no presente diploma e no Regulamento das Custas Processuais.
[3] Artigo 297º (Critérios gerais para a fixação do valor):
1 - Se pela acção se pretende obter qualquer quantia certa em dinheiro, é esse o valor da causa, não sendo atendível impugnação nem acordo em contrário; se pela acção se pretende obter um benefício diverso, o valor da causa é a quantia em dinheiro equivalente a esse benefício.
2 - Cumulando-se na mesma acção vários pedidos, o valor é a quantia correspondente à soma dos valores de todos eles; mas quando, como acessório do pedido principal, se pedirem juros, rendas e rendimentos já vencidos e os que se vencerem durante a pendência da causa, na fixação do valor atende-se somente aos interesses já vencidos.
3 - No caso de pedidos alternativos, atende-se unicamente ao pedido de maior valor e, no caso de pedidos subsidiários, ao pedido formulado em primeiro lugar.
[4] Artigo 304.º (Valor dos incidentes e dos procedimentos cautelares):
1 - O valor dos incidentes é o da causa a que respeitam, salvo se o incidente tiver realmente valor diverso do da causa, porque neste caso o valor é determinado em conformidade com os artigos anteriores.
2 - O valor do processo ou incidente de caução é determinado pela importância a caucionar.
3 - O valor dos procedimentos cautelares é determinado nos termos seguintes:
a) Nos alimentos provisórios e no arbitramento de reparação provisória, pela mensalidade pedida, multiplicada por 12;
b) Na restituição provisória de posse, pelo valor da coisa esbulhada;
c) Na suspensão de deliberações sociais, pela importância do dano;
d) No embargo de obra nova e nas providências cautelares não especificadas, pelo prejuízo que se quer evitar;
e) No arresto, pelo montante do crédito que se pretende garantir;
f) No arrolamento, pelo valor dos bens arrolados.
[5] Artigo 309.º (Fixação do valor por meio de arbitramento):
Se for necessário proceder a arbitramento, é este feito por um único perito nomeado pelo juiz, não havendo neste caso segundo arbitramento.
[6] (e) contra a vontade dos pais adoptivos a requerente voltou a instalar-se na quinta.
[7] Artigo 640º (Ónus a cargo do recorrente que impugne a decisão relativa à matéria de facto):
1 - Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:
a) Os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados;
b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
2 - No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte:
a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respectiva parte, indicar com exactidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes;
b) Independentemente dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, incumbe ao recorrido designar os meios de prova que infirmem as conclusões do recorrente e, se os depoimentos tiverem sido gravados, indicar com exactidão as passagens da gravação em que se funda e proceder, querendo, à transcrição dos excertos que considere importantes.
3 - O disposto nos nºs 1 e 2 é aplicável ao caso de o recorrido pretender alargar o âmbito do recurso, nos termos do nº2 do artigo 636.º.
[8] Acórdão de 14/07/2016, in www.dgsi.pt.
[9] No mesmo sentido pode ser consultado o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 07/07/2016, in www.dgsi.pt, que sublinha que «para que a Relação conheça da impugnação da matéria de facto é imperioso que o recorrente, nas conclusões da sua alegação, indique os concretos pontos de facto incorrectamente julgados, bem como a decisão a proferir sobre aqueles concretos pontos de facto, conforme impõe o artigo 640º, nº 1, alíneas a) e c) do CPC. Não tendo o recorrente cumprido o ónus de indicar a decisão a proferir sobre os concretos pontos de facto impugnados, bem andou a Relação em não conhecer da impugnação da matéria de facto, não sendo de mandar completar as conclusões face à cominação estabelecido naquele nº 1 para quem não os cumpre».
[10] Na esteira da mais avalizada jurisprudência [Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 19/02/2015, in www.dgsi.pt], também entendemos que «não observa tal ónus o recorrente que identifica os pontos de facto que considera mal julgados, mas se limita a indicar os depoimentos prestados e a listar documentos, sem fazer a indispensável referência àqueles pontos de facto, especificando os concretos meios de prova que impunham que cada um desses pontos fosse julgado provado ou não provado».
[11] Rita Lynce de Faria, A Função Instrumental da Tutela Cautelar Não Especificada, Universidade Católica Editora, Lisboa, 2003, pág. 32.
[12] Lebre de Freitas e Isabel Código de Processo Civil Anotado, vol. II, 3ª edição, Almedina, Coimbra, 2017, pág. 98.
[13] Teixeira de Sousa, Estudos Sobre o Novo Processo Civil, 2ª edição, Lex, Lisboa, pág. 238.
[14] Álvaro Moreira e Carlos Fraga, Direitos Reais, Almedina, Coimbra, 1976, págs. 192-195.
[15] Moitinho de Almeida, Restituição de posse e ocupações de imóveis, 5ª edição, Coimbra Editora, Coimbra, págs. 59 e seguintes.
[16] Artigo 1037º (Actos que impedem ou diminuem o gozo da coisa):
1. Não obstante convenção em contrário, o locador não pode praticar actos que impeçam ou diminuam o gozo da coisa pelo locatário, com excepção dos que a lei ou os usos facultem ou o próprio locatário consinta em cada caso, mas não tem obrigação de assegurar esse gozo contra actos de terceiro.
2. O locatário que for privado da coisa ou perturbado no exercício dos seus direitos pode usar, mesmo contra o locador, dos meios facultados ao possuidor nos artigos 1276º e seguintes.
[17] Artigo 1133º (Actos que impedem ou diminuem o uso da coisa):
1. O comodante deve abster-se de actos que impeçam ou restrinjam o uso da coisa pelo comodatário, mas não é obrigado a assegurar-lhe esse uso.
2. Se este for privado dos seus direitos ou perturbado no exercício deles, pode usar, mesmo contra o comodante, dos meios facultados ao possuidor nos artigos 1276º e seguintes.
[18] Artigo 1188º (Turbação da detenção ou esbulho da coisa):
1. Se o depositário for privado da detenção da coisa por causa que lhe não seja imputável, fica exonerado das obrigações de guarda e restituição, mas deve dar conhecimento imediato da privação ao depositante.
2. Independentemente da obrigação imposta no número anterior, o depositário que for privado da detenção da coisa ou perturbado no exercício dos seus direitos pode usar, mesmo contra o depositante, dos meios facultados ao possuidor nos artigos 1276º e seguintes.
[19] Artigo 377º (Em que casos tem lugar a restituição provisória de posse):
No caso de esbulho violento, pode o possuidor pedir que seja restituído provisoriamente à sua posse, alegando os factos que constituem a posse, o esbulho e a violência.
[20] Moitinho de Almeida, Restituição de Posse e Ocupação de Imóveis, Coimbra Editora, Coimbra, 1986.
[21] Guerra da Mota, Manual da Acção Possessória, Athena Editora, Porto, 1980, vol. I.
[22] Abrantes Geraldes, Temas da Reforma do Processo Civil, vol. IV, Almedina, Coimbra.
[23] Marco Gonçalves, Providências Cautelares, 2ª edição, Almedina, Coimbra, 2016.
[24] Artigo 378º (Termos em que a restituição é ordenada):
Se o juiz reconhecer, pelo exame das provas, que o requerente tinha a posse e foi esbulhado dela violentamente, ordena a restituição, sem citação nem audiência do esbulhador.
[25] Artigo 1261º (Posse pacífica):
1. Posse pacífica é a que foi adquirida sem violência.
2. Considera-se violenta a posse quando, para obtê-la, o possuidor usou de coacção física, ou de coacção moral nos termos do artigo 255.º
[26] Artigo 255º (Coacção moral):
1. Diz-se feita sob coacção moral a declaração negocial determinada pelo receio de um mal de que o declarante foi ilicitamente ameaçado com o fim de obter dele a declaração.
2. A ameaça tanto pode respeitar à pessoa como à honra ou fazenda do declarante ou de terceiro.
3. Não constitui coacção a ameaça do exercício normal de um direito nem o simples temor reverencial.
[27] Na perspectiva deste autor, na avaliação dos pressupostos necessários à procedência de uma restituição provisória da posse, ainda no domínio do Código de Seabra, na análise do artigo 494º, este comentador admitia que a violência tanto pode ser contra as pessoas como contra as coisas. Nas suas palavras “ há-de exercer-se sobre as pessoas que defendam a posse, ou sobre as coisas que constituem um obstáculo ao esbulho, e não sobre quaisquer outras”, podendo ainda consistir no emprego da força física, como em ameaças (A Posse, Almedina, Coimbra, 1981, pág. 363).
[28] Código de Processo Civil Anotado, vol. II, 3ª edição, Almedina, Coimbra, 2017, pág. 94.
[29] No mesmo sentido, no plano jurisprudencial podem ser consultados os Acórdãos do Tribunal da Relação de Évora de 12/06/1997, in BMJ 468º-499 e do Tribunal da Relação de Guimarães de 03/11/2011, in www.dgsi.pt.
[30] Código de Processo Civil Anotado, vol. I, Coimbra Editora, Coimbra, pág. 670.
[31] Código Civil Anotado, vol. III, Coimbra Editora, Coimbra, em anotação aos artigos 1261º e 1279º.
[32] Estudos sobre o Novo Processo Civil, Lex, Lisboa, pág. 238.
[33] Prescrição aquisitiva, vol. I, Lisboa, 1960, pág. 277.
[34] Orlando de Carvalho, Revista de Legislação e Jurisprudência, ano 122º, advoga que «a violência contra as coisas só é relevante se com ela se pretende intimidar, directa ou indirectamente, a vítima da mesma, não devendo, por isso, qualificar-se como tal os meros actos de destruição ou danificação desprovidos de qualquer intuito de influenciar psicologicamente o possuidor». E, conclui assim que «a violência sobre as coisas que estorvam a privação apenas relevará para este fim quando o agente usou, pelo menos, de dolo eventual, quando previu, como normal consequência da sua conduta, que iria constranger psicologicamente o possuidor e, todavia, não se absteve de a assumir, conformando-se com o resultado». (pág. 293).
[35] Abrantes Geraldes, obra citada, pág. 48.
[36] Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 19/10/2016, de 27/01/2001 e de 03/05/2000, in www.dgsi.pt.
[37] Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 07/05/2015, in www.dgsi.pt.
[38] Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de25/02/2021, cuja leitura pode ser realizada em www.dgsi.pt.
[39] Planiol, Traité Élémentaire de Droit Civil, 3ª edição, 1903, pág. 284.
[40] Menezes Cordeiro, Direitos Reais, Reprint, Lex Edições Jurídicas, Lisboa, 1993, pág. 414.
[41] Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 11/12/2003, in www.dgsi.pt.