Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
879/21.2T8TMR.E1
Relator: TOMÉ DE CARVALHO
Descritores: CONTRATO DE ARRENDAMENTO
CADUCIDADE DO CONTRATO DE ARRENDAMENTO
PEDIDO SUBSIDIÁRIO
Data do Acordão: 10/26/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário: 1 – Diz-se subsidiário o pedido que é apresentado ao tribunal para ser tomado em consideração somente no caso de não proceder um pedido anterior, devendo, assim, na arquitectura da decisão, o Julgador conhecer primeiramente da pretensão principal e daí tirar as competentes repercussões ao nível do dispositivo.
2 – Em caso de caducidade do arrendamento fundado na cessação do direito ou dos poderes legais de administração com base nos quais o contrato foi celebrado, a restituição do prédio só pode ser exigida passados seis meses sobre a verificação do facto extintivo.
3 – Por força do regime extraordinário e transitório de protecção dos arrendatários previsto na al. a) do artigo 8.º da Lei n.º 1-A/2020, de 19/03, que aprovou diversas medidas excepcionais e temporárias de resposta à situação epidemiológica provocada pelo coronavírus SARS-CoV-22, durante a vigência deste normativo, o arrendatário poderia manter-se no arrendado até 30 de Junho de 2021, a não ser que, voluntariamente, desocupasse e entregasse o local arrendado.
4 – O senhorio tem direito às rendas vencidas até à caducidade do contrato de arrendamento e ainda ao montante equivalente ao das retribuições futuras até à restituição do imóvel arrendado.
5 – O artigo 1045.º do Código Civil prevê a indemnização devida pela não entrega do locado aquando da cessação do contrato de arrendamento. É uma indemnização cujo valor se encontra legalmente fixado, correspondendo ao valor das rendas, em singelo, no caso de não ocorrer mora, e em dobro, no caso de mora do arrendatário.
6 – A alínea d) do artigo 8.º da Lei n.º 1-A/2020, com as sucessivas alterações, possibilitou, assim, através de uma ficção legal, que o arrendatário permanecesse no local até 30 de Junho de 2021, a não ser que voluntariamente, desocupasse e entregasse o prédio arrendado.
7 – Até 31 de Junho de 2021, a restituição do imóvel poderia não ser operacionalizada e assim até àquele momento as rendas só deveriam ser cobradas em singelo, uma vez que não existia um quadro de mora do arrendatário, antes se verificava uma possibilidade ex vi legis que permitia a não restituição voluntária do imóvel.
(Sumário do Relator)
Decisão Texto Integral: Processo n.º 879/21.2T8TMR.E1
Tribunal Judicial da Comarca de Santarém – Juízo Local de Competência Cível de Tomar – J1
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Acordam na secção cível do Tribunal da Relação de Évora:
I – Relatório:
Na presente acção proposta pela herança de (…), representada por (…), contra (…) e (…), a Autora não se conformou com o teor da sentença proferida nos autos e interpôs recurso da mesma.
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A Autora pediu que:
a) fosse declarada a cessação por caducidade do contrato de arrendamento celebrado entre a usufrutuária (…) e a 1.ª R., em 14/03/2017, com início de vigência a 01/04/2017, referente ao prédio urbano melhor identificado no artigo 1º da petição inicial.
b) a título subsidiário, para o caso do pedido formulado na alínea que antecede, por qualquer razão, não proceder, fosse declarada a cessação do aludido contrato de arrendamento por resolução, com fundamento em incumprimento cuja gravidade e consequências torna inexigível a manutenção do contrato, in casu, a falta de pagamento de renda (Fevereiro, Março e Abril de 2020), a constituição em mora superior a oito dias no pagamento da renda, por mais de quatro vezes num período de 12 meses (Fevereiro, Março e Abril de 2020, Janeiro a Junho de 2021), a hospedagem de animais domésticos dentro da habitação e o despejo de dejectos dos animais para o caminho privado e prédio rústico da Autora, nos termos previstos nos nºs 1, 2, 3 e 4 do artigo 1083.º do Código Civil.
c) fosse a primeira Ré condenada a despejar imediatamente o local arrendado, deixando-o livre e devoluto de pessoas e bens.
d) fossem as Rés solidariamente condenadas a pagar à Autora a quantia de 210 € (duzentos e dez euro), correspondente à indemnização devida pela mora no pagamento das rendas de Fevereiro, Março e Abril de 2020, nesta data vencidas e não pagas no prazo contratualmente acordado, não tendo os depósitos efetuados por conta sido liberatórios, nos termos do n.º 1 do artigo 1045.º do Código Civil.
e) fossem as Rés solidariamente condenadas a pagar à Autora a quantia de 2.880 € (dois mil oitocentos e oitenta euro), que corresponde ao valor elevado ao dobro das rendas vencidas em Dezembro de 2020, Janeiro, Fevereiro, Março, Abril, Maio e Junho de 2021 (360 € x 2 x 7 meses = 5.040 €), depois de descontados os valores depositados, por conta, nos meses de Janeiro a Junho de 2021 num total de 2.160 € (5.040 € – 360 € x 6), bem como no pagamento da quantia correspondente ao valor das rendas vincendas, elevado ao dobro, até à efectiva restituição do arrendado livre e devoluto, nos termos do n.º 2 do artigo 1045.º do Código Civil;
f) fossem as Rés condenadas no pagamento de juros de mora vencidos e vincendos desde a citação até integral pagamento.
g) fossem as Rés solidariamente condenadas na reparação e limpeza do local arrendado (habitação e logradouro), no prazo de 10 dias a contar do trânsito em julgado da sentença a proferir, sob pena de poder ser a Autora a mandar fazê-lo a expensas daquelas.
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A herança indivisa alegou que era proprietária do prédio urbano, destinado a habitação, sito em (…), n.º (…), Tomar e a usufrutuária do imóvel deu o mesmo de arrendamento à primeira Ré (sendo a segunda Ré fiadora) e que, por óbito desta, se extinguiu o usufruto e caducou o contrato.
A título subsidiário, a parte activa afirmou que as Rés não procederam ao pagamento atempado das rendas correspondentes a Janeiro e Fevereiro de 2020, e não pagaram as rendas vencidas em Dezembro de 2020, Janeiro, Fevereiro, Março, Abril, Maio e Junho de 2021, mesmo após interpelação para o efeito.
Referiu ainda que a primeira Ré mantinha vários cães no interior da habitação e no terraço e despejava os respetivos dejectos quer para o caminho particular, quer para o terreno contíguo (prédio rústico) propriedade da Autora, provocando assim um cheiro nauseabundo e destruindo com as fezes e urina a vegetação ali existente.
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Devidamente citadas, as Rés apresentaram contestação, invocando a nulidade do contrato por falta de procuração da outorgante e licença de utilização do imóvel, acrescentando que as rendas em singelo estão pagas e os animais se encontravam no exterior do imóvel.
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Foi proferido despacho saneador, no qual foi identificado o objecto do litígio e foram enunciados os temas da prova.
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Realizado o julgamento, o Tribunal a quo decidiu declarar resolvido o contrato de arrendamento celebrado entre a Autora e as Rés, e, em consequência, condenou as Rés (…) e (…) nos seguintes termos:
a) a despejar o locado, sito em (…), n.º (…), Tomar, União das freguesias de S. João Baptista e Sta. Maria do Olival, concelho de Tomar, inscrito na matriz sob o artigo n.º (…), entregando-o, à Autora, herança de (…), desocupado, no prazo de 30 (trinta) dias a contar do trânsito em julgado da presente decisão.
b) a reparar e limpar o local arrendado (habitação e logradouro), devendo o mesmo ser entregue em bom estado de conservação e limpeza, no prazo de 30 dias a contar do trânsito em julgado da sentença.
c) a pagar o valor de 210 € (duzentos e dez euros), correspondente à indemnização devida no artigo 1045.º, n.º 1, do Código Civil.
d) a pagar valor de 2.880 € (dois mil oitocentos e oitenta euros), que corresponde ao valor, elevado ao dobro, das rendas vencidas em Dezembro de 2020, Janeiro, Fevereiro, Março, Abril, Maio e Junho de 2021 (360 € x 2 x 7 meses = 5.040 €), depois de descontados os valores depositados, por conta, nos meses de Janeiro a Junho de 2021 num total de 2.160 € (5.040 € - 360 € x 6), nos termos do n.º 2 do artigo 1045.º do Código Civil.
e) a pagar o valor correspondente às rendas desde a resolução do contrato – 30 de setembro de 2020 – até à entrega do locado, no valor de 360 € (trezentos e sessenta euros) mensais.
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Em 16/04/2023, após requerimento da Autora, foi proferido despacho rectificativo de erros materiais da decisão, por a mesma conter lapsos de escrita, sendo que as referidas alterações estão acima reproduzidas a negrito, a fim de melhor facilitar a percepção dos destinatários.
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A recorrente não se conformou com a referida sentença e o articulado de recurso continha as seguintes conclusões:
«A – Na acção de despejo proposta contra as RR, a A. pediu que fosse declarada a cessação por caducidade do contrato de arrendamento celebrado entre as RR e a usufrutuária senhoria por extinção do usufruto em consequência do óbito desta em 30/12/2019.
B – Subsidiariamente – para a hipótese de não ser considerado procedente o pedido de declaração da cessação do contrato de arrendamento por caducidade – a A. pediu que fosse declarada a cessação do contrato de arrendamento por resolução com fundamento em incumprimento cuja gravidade e consequências torna inexigível a manutenção do contrato, in casu, a falta de pagamento de renda (Fevereiro, Março e Abril de 2020), a constituição em mora superior a oito dias no pagamento da renda, por mais de quatro vezes num período de 12 meses (Fevereiro, Março e Abril de 2020, Janeiro a Junho de 2021), a hospedagem de animais domésticos dentro da habitação e o despejo de dejectos dos animais para o caminho privado e prédio rústico da A., nos termos previstos nos nº. 1, 2 3 e 4 do art.º 1.083º do Código Civil.
C – A A. pediu igualmente que a 1ª R. fosse condenada a despejar imediatamente o local arrendado, deixando-o livre e devoluto de pessoas e bens, que as RR fossem solidariamente condenadas a pagar à A. a quantia de € 210, (correspondente à indemnização devida pela mora no pagamento das rendas de Fevereiro, Março e Abril de 2020), acrescida da quantia de € 2.880 (correspondente ao valor, elevado ao dobro, das rendas vencidas em Dezembro de 2020 e desde Janeiro a Junho de 2021 (data da entrada da acção), ambas inclusive, depois de descontado o valor depositado por conta nos meses de Janeiro a Junho de 2022), e da quantia correspondente ao valor das rendas vincendas, elevado ao dobro, até efectiva restituição do local arrendado livre e devoluto, nos termos do nº 2 do artº 1.045º do Código Civil, juros de mora vencidos e vincendos desde a citação até integral pagamento e que fossem solidariamente condenadas na reparação e limpeza do local arrendado (habitação e logradouro), no prazo de 10 dias a contar do trânsito em julgado da sentença, sob pena de poder ser a A. a mandar fazê-lo a expensas das RR e que fossem condenadas em custas e tudo o mais que legal fosse.
D – Tendo considerados provados todos os factos alegados pela A., nomeadamente, o óbito da usufrutuária senhoria, a comunicação do óbito à 1ª R. e a solicitação da entrega do arrendado a 30 de Setembro de 2020, a não entrega do local arrendado no prazo estipulado pela A. (30 de Setembro de 2020) e a não entrega do arrendado até à presente data (data da prolação da sentença), ainda assim o Tribunal a quo, desatendendo aos factos provados (pontos 4, 7, 13 e 15) e ao próprio enquadramento jurídico efectuado (pág. 8, Pará 5 e ss), …
E – … não tomou em consideração o pedido principal da A. – cessação por caducidade do contrato de arrendamento – quando na parte decisória considerou totalmente procedente a acção de despejo e declarou a cessação do contrato de arrendamento por resolução, sendo este um pedido subsidiário relativamente àquele.
F – Por outro lado, tendo considerada provada a não entrega do arrendado no prazo estabelecido pela A. – 30 de Setembro de 2020 – e consequentemente condenado as RR no pagamento do valor das rendas vencidas, elevado ao dobro, no que respeita às rendas vencidas desde Dezembro de 2020 até Junho de 2021, pela mora na entrega do arrendado nos termos do nº 2 do artº 1.045º do Código Civil, a douta sentença entrou em contradição ao não condenar as RR no pagamento do valor das rendas vencidas, elevado ao dobro, desde Julho de 2021 até à entrega efectiva do arrendado, …
G – … sendo completamente omissa relativamente aos meses que decorreram entre a entrada da acção (Junho de 2021) e o trânsito em julgado, apenas condenando as RR no pagamento do valor correspondente às rendas, sem ser elevado ao dobro, “(…) desde a resolução do contrato – trânsito em julgado da presente sentença – até à entrega do locado (…)”, …
H – … pois que, apesar de no âmbito do despacho de rectificação de erros materiais (despacho de 16/04/2023) ter procedido à correcção de “(…) data da resolução do contrato – trânsito em julgado da presente sentença – até à entrega do locado (…) (pág. 8, parág. 4)” deve passar a constar “(…) data da resolução do contrato – 30 de setembro de 2020 – até à entrega do locado (…)”, não procedeu à mesma correcção nem no introito, nem na alínea e) da parte decisória.
I – Ao não atender ao pedido principal da A. na parte decisória da sentença, apesar de o considerar procedente quando faz o enquadramento jurídico, por provados os factos alegados pela A., ao não condenar as RR no pagamento do valor das rendas vencidas, elevado ao dobro, desde a entrada da acção de despejo (Junho 2021) até à restituição efectiva do arrendado, apesar de considerar provada a mora na entrega do arrendado desde 30 de Setembro de 2020 e, por isso, condenado as RR no pagamento do valor, elevado ao dobro, das rendas vencidas desde Dezembro de 2020 a Junho de 2021, nos termos peticionados pela A., e ao apenas condenar as RR no pagamento do valor correspondente às rendas vencidas desde a resolução do contrato – trânsito em julgado da presente sentença – até à entrega do locado, a douta sentença violou, nomeadamente, o disposto no artigo 1045.º, n.º 1 e n.º 2, no artigo 1051.º, alínea c), no artigo 1079.º, todos do Código Civil, no artigo 554.º, n.º 1, do Código do Processo Civil, devendo consequentemente ser revogada e substituída por outra que, julgando procedente a presente apelação, condene as RR na totalidade do pedido formulado pela A., assim se fazendo Justiça!».
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A parte contrária apresentou alegações onde defende que o recurso deve ser julgado improcedente.
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Admitido o recurso, forma observados os vistos legais. *
II – Objecto do recurso:
É entendimento uniforme que é pelas conclusões das alegações de recurso que se define o seu objecto e se delimita o âmbito de intervenção do Tribunal ad quem (artigos 635º, nº4 e 639º, nº1, do Código de Processo Civil), sem prejuízo das questões cujo conhecimento oficioso se imponha (artigo 608º, nº2, ex vi do artigo 663º, nº2, do mesmo diploma).
Analisadas as alegações de recurso, o thema decidendum está circunscrito à apreciação de erro de julgamento na subsunção jurídica realizada, tendo em consideração os factos apurados. *
III – Dos factos apurados:
3.1 – Matéria de facto provada:
Discutida a causa, resultaram provados os seguintes factos:
1. Desde 31 de Dezembro de 2019, a Autora é plena proprietária do prédio urbano destinado a habitação sito em (…), n.º (…), Tomar, União das freguesias de S. João Baptista e Sta. Maria do Olival, concelho de Tomar, inscrito na matriz sob o artigo n.º (…) no Serviço de Finanças de Tomar.
2. A propriedade de raiz do identificado prédio urbano foi adquirida por (…) casada no regime da comunhão geral de bens com (…), no ano de 2004, por doação de (…) e (…), que para si reservaram sucessiva e vitaliciamente o respetivo usufruto.
3. Em 2005, com o óbito de (…), a propriedade de raiz passou a pertencer à herança, ora Autora.
4. Em 30 de Dezembro de 2019, faleceu a usufrutuária (…), viúva de (…), pré-falecido a 19 de Fevereiro de 2008.
5. Em 14 de Março de 2017, a então usufrutuária (…) celebrou com as Rés – a primeira Ré na qualidade de inquilina e a segunda Ré na qualidade de fiadora – um contrato de arrendamento para habitação, tendo por objecto o prédio urbano supra descrito.
6. O contrato foi celebrado pelo prazo de um ano, com início em 1 de Abril de 2017 e termo em 31 de Março de 2018 e foi convencionada a renda mensal de 350 € (trezentos e cinquenta euros), devida no primeiro dia útil do mês anterior a que dissesse respeito.
7. Em 1 de Setembro de 2020, a Autora, representada pela herdeira (…), comunicou o óbito da senhoria (…) à primeira Ré, inquilina do local arrendado, e solicitou a entrega do imóvel no final desse mesmo mês, a 30 de Setembro, por carta registada com aviso de recepção.
8. Anteriormente, em 13 de Fevereiro de 2020, a Autora tinha reclamado junto da primeira Ré o pagamento das rendas, e respectiva indemnização pela mora, de Fevereiro e Março de 2020, vencidas em Janeiro e Fevereiro de 2020 e não pagas até àquela data, e informado da intenção de proceder à resolução do contrato se a primeira Ré voltasse a pagar com mais de 8 dias de atraso, conforme carta registada com aviso de recepção.
9. Tendo, na mesma data, disso dado conhecimento à segunda Ré, fiadora, por carta registada com aviso de recepção.
10. A primeira Ré não procedeu ao levantamento da carta no prazo previsto no regulamento dos serviços postais, tendo a Autora enviado nova carta a 1 de Abril de 2020.
11. Sem que a primeira Ré, ou a segunda Ré, enquanto fiadora, tenham procedido ao pagamento da indemnização pela mora.
12. As rendas de Fevereiro, Março e Abril de 2020 foram depositadas na conta bancária da Autora.
13. Por carta da 1 de Setembro de 2020, a Autora solicitou à primeira Ré a entrega do arrendado até ao dia 30 de Setembro de 2020, sendo que a primeira Ré, e até à presente data, não procedeu à entrega do mesmo no prazo estabelecido pela Autora.
14. A primeira Ré mantém vários cães, alguns de grande porte, no interior da habitação e no terraço, despeja os respetivos dejetos quer para o caminho particular, quer para o terreno contíguo (prédio rústico) propriedade da Autora, provocando um cheiro nauseabundo e destruindo com as fezes e urina a vegetação ali existente.
15. Até à presente data, a primeira Ré continua sem entregar o local arrendado, sem proceder ao pagamento liberatório das rendas em mora, a manter os cães no interior da habitação e no terraço e a despejar as fezes e urina dos cães para o caminho particular e para o terreno contíguo, propriedade da Autora.
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3.2 – Matéria de facto não provada:
Inexiste.
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IV – Enquadramento jurídico:
A decisão recorrida mostra-se transitada relativamente à ordem de devolução do arrendado, à determinação de limpeza e de reparação do imóvel e à indemnização moratória fixada pelo atraso no pagamento de rendas por não terem sido impugnadas por qualquer das partes e, assim, as questões controvertidas reportam-se ao modo de extinção do contrato de arrendamento e à ampliação do montante indemnizatório atribuído pelo atraso na devolução do prédio locado.
Para além das situações de invalidade e de ineficácia, os modos de extinção da relação contratual mais comuns são os da resolução, revogação, caducidade e denúncia. E esta ideia matricial está inscrita no artigo 1079º[1] do Código Civil que prevê as formas de cessação do contrato de locação.
A sentença recorrida começou por conhecer a matéria da resolução do contrato de arrendamento quando este era um pedido subsidiário deduzido ao abrigo da disciplina do artigo 554º[2] do Código de Processo Civil. E, assim, na arquitectura da decisão, em primeira mão, a Meritíssima Juíza de Direito deveria ter decidido da pretensão atinente à caducidade.
Certamente, ao assim agir, a Julgadora «a quo» o fez por desatenção, dado que incluiu a construção jurídica referente à caducidade no corpo decisório, mas não retirou as devidas consequências quanto à ordem de conhecimento dos pedidos e às respectivas repercussões sequenciais ao nível do dispositivo.
Tal como consta do enquadramento jurídico da decisão recorrida, com o óbito da usufrutuária (…) extinguiu-se o usufruto a 30/12/2019 e isso, uma vez cumpridas as formalidades de comunicação, como princípio geral de actuação, determinaria o momento da restituição do prédio.
Com efeito, esta situação corresponde a um caso de caducidade do contrato de arrendamento por via do preenchimento da previsão contida na al. c) do artigo 1051º[3] do Código Civil, com referência ao artigo 1476º[4] do mesmo diploma. Não ocorre qualquer das circunstâncias previstas no artigo 1052º[5] do Código Civil.
Uma vez verificada a situação descrita na norma, tal, como avança Maria Olinda Garcia, determina a automática extinção do contrato, porquanto se trata «de um modo de extinção do contrato de locação que não depende da emissão de declarações de vontade das partes especificamente dirigidas a esse efeito»[6].
Em caso de caducidade do arrendamento fundado na cessação do direito ou dos poderes legais de administração com base nos quais o contrato foi celebrado, a restituição do prédio só pode ser exigida passados seis meses sobre a verificação do facto extintivo, tal como resulta do enunciado normativo do artigo 1053º[7] do Código Civil. Trata-se da atribuição de um prazo legal de conveniência para a restituição do prédio.
De harmonia com o disposto no nº1 do artigo 1081º[8] do Código Civil, como efeito da cessação do contrato, decorrem para o arrendatário as obrigações de desocupar o locado, efectuar a sua entrega – aqui conciliada com o disposto no artigo 1087º[9] e na al. j) do artigo 1038º[10] ambos do mesmo diploma – e efectuar as reparações que lhe incumbam.
O regime da caducidade do contrato de arrendamento é o resultante da lei vigente à data em que a mesma opera. Findo o contrato, a desocupação do locado é exigível após o decurso de um mês a contar do facto extintivo se outro prazo não for judicialmente fixado ou acordado pelas partes. Para a obtenção deste efeito, na situação em causa foi comunicada à arrendatária nos termos do disposto no artigo 9º[11] do Novo Regime do Arrendamento Urbano, com referência aos nº2, al, c), 3 e 4º do artigo 10º[12] do mesmo diploma.
Embora com a caducidade o arrendamento deixe de produzir, para o futuro, os seus efeitos, a permanência no locado até à restituição efectiva do mesmo implica o pagamento pelo arrendatário, a título de indemnização, de valor equivalente ao da renda ou do aluguer que as partes tinham estipulado.
E, assim, o senhorio tem direito às rendas vencidas até à caducidade do contrato de arrendamento e ainda ao montante equivalente ao das retribuições futuras até à restituição do imóvel arrendado, entendidas estas como indemnização devida pela não restituição findo o contrato.
Todavia, a partir do momento em que a restituição seja exigível e tenha sido efectivamente exigida, através de carta de interpelação será devida pelo arrendatário, por cada mês de atraso na restituição, indemnização de valor equivalente ao dobro do montante da renda mensal (cfr. art.º 1045.º, n.º 2, do CC)[13].
Alerta-se que são coisas distintas a indemnização pela mora do locatário[14] – a qual se mostra definitivamente decidida nos autos – e a indemnização pelo atraso na restituição da coisa. A fonte desta última obrigação de indemnização é a não restituição imediata do locado após a cessação do contrato e o artigo 1045º[15] do Código Civil prevê a indemnização devida pela não entrega do locado aquando da cessação do contrato de arrendamento.
É uma indemnização cujo valor se encontra legalmente fixado, correspondendo ao valor das rendas, em singelo, no caso de não ocorrer mora (nº1), e em dobro, no caso de mora do arrendatário (nº2).
Com efeito, a Autora enviou carta a 01/09/2020, nos termos e para os efeitos da al. c) do nº2 e nºs 3 e 4 do artigo 10º do Novo Regime do Arrendamento Urbano, reclamando a entrega para o final desse mês.
Porém, neste particular, é de atender ao regime extraordinário e transitório de protecção dos arrendatários previsto na Lei n.º 1-A/2020, de 19/03, que aprovou diversas medidas excepcionais e temporárias de resposta à situação epidemiológica provocada pelo coronavírus SARS-CoV-2, agente causador da doença COVID-19.
Por esta via, algumas situações abrangidas na esfera de protecção do regime do arrendamento habitacional passaram a ser regidas por legislação de natureza temporária e excepcional, ficando inicialmente suspenso até 30 de Setembro de 2020, o prazo indicado no artigo 1053º do Código Civil, se o término do mesmo ocorresse durante o período de tempo em que vigorarem as referidas medidas, o que é o caso – o fim do prazo de 6 (seis) meses para o senhorio reclamar a restituição do arrendado após a morte do usufrutuário ocorre já no domínio da intitulada legislação Covid.
Por outras palavras, enquanto a caducidade ocorreu antes da vigência das alterações excepcionais ao regime do arrendamento urbano (legislação COVID-19), o momento da inerente entrega do imóvel sucede já no império do disposto na alínea d) do n.º 8[16] na Lei n.º 1-A/2020, de 19/03.
Na realidade, como refere Maria Olinda Garcia, esta alínea pressupõe que o contrato tenha caducado, por verificação de alguma das hipóteses previstas nas alíneas b) a g) do artigo 1051.º, antes da entrada em vigor do artigo 8.º da Lei n.º 1-A/2020 (ou seja, 13 de Março), e que o arrendatário se encontre ainda no gozo do imóvel ao abrigo do artigo 1053º[17] [18].
Inicialmente, por aplicação da alínea d) do artigo 8º, como já se referiu, o senhorio não poderia exigir essa entrega antes de 30 de Setembro de 2020. Todavia, tal prazo foi sucessivamente prorrogado, primeiro, até 31 de Dezembro de 2020 e, depois, a 30 de Junho de 2021, face às termos das sucessivas alterações legais promovidas pelas Leis n.ºs 4-A/2020, de 06/04, 14/2020, de 09/05 e 58-A/2020, de 30/09.
A alínea d) do artigo 8º Lei n.º 1-A/2020, com as sucessivas alterações, possibilitou, assim, através de uma ficção legal, que o arrendatário permanecesse no local até 30 de Junho de 2021, a não ser que voluntariamente, desocupasse e entregasse o prédio arrendado.
Daqui decorre que até 31 de Junho de 2021, a restituição do imóvel poderia não ser operacionalizada e assim até àquele momento as rendas só deveriam ser cobradas em singelo, uma vez que não existia um quadro de mora do arrendatário, antes se verificava uma possibilidade ex vi legis que permitia a não restituição voluntária do imóvel.
Embora a herança indivisa pretenda o pagamento da quantia correspondente ao valor das rendas vincendas, elevada ao dobro, desde Julho de 2020, até à efectiva restituição do arrendado livre e devoluto, nos termos do nº2 do artigo 1045º do Código Civil, a parte activa apenas tem jus a tal acréscimo a partir de 1 de Julho de 2021.
E, em função disso, tendo em atenção a diferente causa extintiva e a necessidade de fixação temporal relativamente à indemnização pelo atraso na restituição do arrendado, revoga-se parcialmente a decisão recorrida, alterando-se em conformidade o teor das alíneas a), c) e e) da parte decisória.
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V – Sumário: (…)
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VI – Decisão:
Nestes termos e pelo exposto, tendo em atenção o quadro legal aplicável e o enquadramento fáctico envolvente, decide-se julgar parcialmente procedente o recurso interposto, alterando-se a decisão recorrida nos seguintes termos:
a) declarar a caducidade do contrato de arrendamento, com efeito a 30/12/2019, ordenando-se a restituição do locado, sito em (…), n.º (…), Tomar, União das freguesias de S. João Baptista e Sta. Maria do Olival, concelho de Tomar, inscrito na matriz sob o artigo n.º (…), entregando-o, à Autora, herança de (…), desocupado, no prazo de 30 (trinta) dias a contar do trânsito em julgado da presente decisão.
b) condenar as Rés ao pagamento das quantias vencidas e não pagas no montante equivalente ao da renda ajustada até ao dia 30/06/2021 e, a partir de 01/07/2021, até à entrega do locado, ao valor em dobro da renda mensal devida.
c) manter no mais decisão recorrida.
Custas a cargo da apelante e das apeladas na proporção do respectivo decaimento, nos termos e ao abrigo do disposto no artigo 527.º do Código de Processo Civil.
Notifique.
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Processei e revi.
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Évora, 26/10/2023

José Manuel Costa Galo Tomé de Carvalho

Maria Domingas Simões

Anabela Luna de Carvalho



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[1] Artigo 1079.º (Formas de cessação):
O arrendamento urbano cessa por acordo das partes, resolução, caducidade, denúncia ou outras causas previstas na lei.
[2] Artigo 554.º (Pedidos subsidiários):
1 - Podem formular-se pedidos subsidiários. Diz-se subsidiário o pedido que é apresentado ao tribunal para ser tomado em consideração somente no caso de não proceder um pedido anterior.
2 - A oposição entre os pedidos não impede que sejam deduzidos nos termos do número anterior; mas obstam a isso as circunstâncias que impedem a coligação de autores e réus.
[3] Artigo 1051.º (Casos de caducidade):
O contrato de locação caduca:
a) Findo o prazo estipulado ou estabelecido por lei;
b) Verificando-se a condição a que as partes o subordinaram ou tornando-se certo que não pode verificar-se, conforme a condição seja resolutiva ou suspensiva;
c) Quando cesse o direito ou findem os poderes legais de administração com base nos quais o contrato foi celebrado;
d) Por morte do locatário ou, tratando-se de pessoa colectiva, pela extinção desta, salvo convenção escrita em contrário;
e) Pela perda da coisa locada;
f) Pela expropriação por utilidade pública, salvo quando a expropriação se compadeça com a subsistência do contrato;
g) Pela cessação dos serviços que determinaram a entrega da coisa locada.
[4] Artigo 1476.º (Causas de extinção)
1. O usufruto extingue-se:
a) Por morte do usufrutuário, ou chegado o termo do prazo por que o direito foi conferido, quando não seja vitalício;
b) Pela reunião do usufruto e da propriedade na mesma pessoa;
c) Pelo seu não exercício durante vinte anos, qualquer que seja o motivo;
d) Pela perda total da coisa usufruída;
e) Pela renúncia.
2. A renúncia não requer aceitação do proprietário.
[5] Artigo 1052.º (Excepções):
O contrato de locação não caduca:
a) Se for celebrado pelo usufrutuário e a propriedade se consolidar na sua mão;
b) Se o usufrutuário alienar o seu direito ou renunciar a ele, pois nestes casos o contrato só caduca pelo termo normal do usufruto;
c) Se for celebrado pelo cônjuge administrador.
[6] Maria Olinda Garcia, Alterações excecionais ao regime do arrendamento urbano (legislação COVID-19), Julgar Online, setembro de 2020, pág. 21.
[7] Artigo 1053.º (Despejo do prédio):
Em qualquer dos casos de caducidade previstos nas alíneas b) e seguintes do artigo 1051.º, a restituição do prédio, tratando-se de arrendamento, só pode ser exigida passados seis meses sobre a verificação do facto que determina a caducidade ou, sendo o arrendamento rural, no fim do ano agrícola em curso no termo do referido prazo.
[8] Artigo 1081.º (Efeitos da cessação):
1 - A cessação do contrato torna imediatamente exigível, salvo se outro for o momento legalmente fixado ou acordado pelas partes, a desocupação do local e a sua entrega, com as reparações que incumbam ao arrendatário.
2 - Com antecedência não superior a três meses sobre a obrigação de desocupação do local, o senhorio pode exigir ao arrendatário a colocação de escritos, quando correspondam aos usos da terra.
3 - O arrendatário deve, em qualquer caso, mostrar o local a quem o pretender tomar de arrendamento durante os três meses anteriores à desocupação, em horário acordado com o senhorio.
4 - Na falta de acordo, o horário é, nos dias úteis, das 17 horas e 30 minutos às 19 horas e 30 minutos e, aos sábados e domingos, das 15 às 19 horas.
[9] Artigo 1087.º (Desocupação):
A desocupação do locado, nos termos do artigo 1081.º, é exigível após o decurso de um mês a contar da resolução se outro prazo não for judicialmente fixado ou acordado pelas partes.
[10] Artigo 1038.º (Enumeração):
São obrigações do locatário:
a) Pagar a renda ou aluguer;
b) Facultar ao locador o exame da coisa locada;
c) Não aplicar a coisa a fim diverso daqueles a que ela se destina;
d) Não fazer dela uma utilização imprudente;
e) Tolerar as reparações urgentes, bem como quaisquer obras ordenadas pela autoridade pública;
f) Não proporcionar a outrem o gozo total ou parcial da coisa por meio de cessão onerosa ou gratuita da sua posição jurídica, sublocação ou comodato, excepto se a lei o permitir ou o locador o autorizar;
g) Comunicar ao locador, dentro de quinze dias, a cedência do gozo da coisa por algum dos referidos títulos, quando permitida ou autorizada;
h) Avisar imediatamente o locador, sempre que tenha conhecimento de vícios na coisa, ou saiba que a ameaça algum perigo ou que terceiros se arrogam direitos em relação a ela, desde que o facto seja ignorado pelo locador;
i) Restituir a coisa locada findo o contrato.
[11] Artigo 9.º (Forma da comunicação):
1 - Salvo disposição da lei em contrário, as comunicações legalmente exigíveis entre as partes relativas a cessação do contrato de arrendamento, atualização da renda e obras são realizadas mediante escrito assinado pelo declarante e remetido por carta registada com aviso de receção.
2 - As cartas dirigidas ao ar, na falta de indicação por escrito deste em contrário, devem ser remetidas para o local arrendado.
3 - As cartas dirigidas ao senhorio devem ser remetidas para o endereço constante do contrato de arrendamento ou da sua comunicação imediatamente anterior.
4 - Não existindo contrato escrito nem comunicação anterior do senhorio, as cartas dirigidas a este devem ser remetidas para o seu domicílio ou sede.
5 - Qualquer comunicação deve conter o endereço completo da parte que a subscreve, devendo as partes comunicar mutuamente a alteração daquele.
6 - O escrito assinado pelo declarante pode, ainda, ser entregue em mão, devendo o destinatário apor em cópia a sua assinatura, com nota de receção.
7 - A comunicação pelo senhorio destinada à cessação do contrato por resolução, nos termos do n.º 2 do artigo 1084.º do Código Civil, é efetuada mediante:
a) Notificação avulsa;
b) Contacto pessoal de advogado, solicitador ou agente de execução, comprovadamente mandatado para o efeito, sendo feita na pessoa do notificando, com entrega de duplicado da comunicação e cópia dos documentos que a acompanhem, devendo o notificando assinar o original;
c) Escrito assinado e remetido pelo senhorio nos termos do n.º 1, nos contratos celebrados por escrito em que tenha sido convencionado o domicílio, caso em que é inoponível ao senhorio qualquer alteração do local, salvo se este tiver autorizado a modificação.
[12] Artigo 10.º (Vicissitudes):
1 - A comunicação prevista no n.º 1 do artigo anterior considera-se realizada ainda que:
a) A carta seja devolvida por o destinatário se ter recusado a recebê-la;
b) O aviso de receção tenha sido assinado por pessoa diferente do destinatário.
2 - O disposto no número anterior não se aplica às cartas que:
a) Constituam iniciativa do senhorio para a transição para o NRAU e atualização da renda, nos termos dos artigos 30.º e 50.º;
b) Integrem título para pagamento de rendas, encargos ou despesas ou que possam servir de base ao procedimento especial de despejo, nos termos dos artigos 14.º-A e 15.º, respetivamente, salvo nos casos de domicílio convencionado nos termos da alínea c) do n.º 7 do artigo anterior.
c) Sejam devolvidas por não terem sido levantadas no prazo previsto no regulamento dos serviços postais.
3 - Nas situações previstas no número anterior, o remetente deve enviar nova carta registada com aviso de receção, decorridos que sejam 30 a 60 dias sobre a data do envio da primeira carta.
4 - Se a nova carta voltar a ser devolvida, nos termos da alínea a) do n.º 1 e da alínea c) do n.º 2, considera-se a comunicação recebida no 10.º dia posterior ao do seu envio.
5 - Nos casos previstos nas alíneas a) e b) do n.º 7 do artigo anterior, se:
a) O destinatário da comunicação recusar a assinatura do original ou a receção do duplicado da comunicação e cópia dos documentos que a acompanhem, o advogado, solicitador ou agente de execução lavra nota do incidente e a comunicação considera-se efetuada no próprio dia face à certificação da ocorrência;
b) Não for possível localizar o destinatário da comunicação, o senhorio remete carta registada com aviso de receção para o local arrendado, decorridos 30 a 60 dias sobre a data em que o destinatário não foi localizado, e considera-se a comunicação recebida no 10.º dia posterior ao do seu envio.
[13] Laurinda Gemas, Albertina Pedroso e João Caldeira Jorge, Arrendamento Urbano – Novo Regime Anotado e Legislação Complementar, 3ª Edição Revista, Actualizada e Aumentada, Quid Juris, Lisboa, 2009, em anotação ao artigo 1053º do Código Civil.
[14] Artigo 1041.º (Mora do locatário)
1 - Constituindo-se o locatário em mora, o locador tem o direito de exigir, além das rendas ou alugueres em atraso, uma indemnização igual a 20 /prct. do que for devido, salvo se o contrato for resolvido com base na falta de pagamento.
2. Cessa o direito à indemnização ou à resolução do contrato, se o locatário fizer cessar a mora no prazo de oito dias a contar do seu começo.
3. Enquanto não forem cumpridas as obrigações a que o n.º 1 se refere, o locador tem o direito de recusar o recebimento das rendas ou alugueres seguintes, os quais são considerados em dívida para todos os efeitos.
4. A recepção de novas rendas ou alugueres não priva o locador do direito à resolução do contrato ou à indemnização referida, com base nas prestações em mora.
5 - Caso exista fiança e o arrendatário não faça cessar a mora nos termos do n.º 2, o senhorio deve, nos 90 dias seguintes, notificar o fiador da mora e das quantias em dívida.
6 - O senhorio apenas pode exigir do fiador a satisfação dos seus direitos de crédito após efetuar a notificação prevista no número anterior.
7 - Em contratos sujeitos ao regime de arrendamento apoiado, o senhorio pode, no âmbito de acordo de regularização de dívida, reduzir ou dispensar a indemnização prevista no n.º 1, sem prejuízo do direito à resolução do contrato e à cobrança de juros de mora, em caso de incumprimento do acordo.
[15] Artigo 1045.º (Indemnização pelo atraso na restituição da coisa):
1 - Se a coisa locada não for restituída, por qualquer causa, logo que finde o contrato, o locatário é obrigado, a título de indemnização, a pagar até ao momento da restituição a renda ou aluguer que as partes tenham estipulado, excepto se houver fundamento para consignar em depósito a coisa devida.
2 - Logo, porém, que o locatário se constitua em mora, a indemnização é elevada ao dobro.
[16] Artigo 8.º (Regime extraordinário e transitório de proteção dos arrendatários):
Durante a vigência das medidas de prevenção, contenção, mitigação e tratamento da infeção epidemiológica por SARS-CoV-2 e da doença COVID-19, conforme determinada pela autoridade de saúde pública e até 60 dias após a cessação de tais medidas nos termos do n.º 2 do artigo 7.º da presente lei, ficam suspensos:
a) A produção de efeitos das denúncias de contratos de arrendamento habitacional e não habitacional efetuadas pelo senhorio;
b) A caducidade dos contratos de arrendamento habitacionais e não habitacionais, salvo se o arrendatário não se opuser à cessação;
c) A produção de efeitos da revogação, da oposição à renovação de contratos de arrendamento habitacional e não habitacional efetuadas pelo senhorio;
d) O prazo indicado no artigo 1053.º do Código Civil, se o término desse prazo ocorrer durante o período de tempo em que vigorarem as referidas medidas;
e) A execução de hipoteca sobre imóvel que constitua habitação própria e permanente do executado.
[17] Avisa-se que o artigo da Senhora Juíza Conselheira do Supremo Tribunal de Justiça e Professora da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra deve ser temporalmente contextualizado, dado que, por estar datado de Setembro de 2020, não reflecte as posteriores alterações legislativas, devendo, por isso, algumas das conclusões, ser interpretadas á luz do novo quadro legal, com as necessárias adaptações.
[18] Maria Olinda Garcia, Alterações excecionais ao regime do arrendamento urbano (legislação COVID-19), Julgar Online, setembro de 2020, pág. 23.