Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
330/21.8T8LAG.E2
Relator: CANELAS BRÁS
Descritores: PRAZO DE CADUCIDADE
PRAZO DE PROPOSITURA DA ACÇÃO
Data do Acordão: 09/14/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário:
Se o termo do prazo para intentar uma acção – de caducidade – coincidir com um sábado, transfere-se para o primeiro dia útil seguinte.
(Sumário elaborado pelo Relator)
Decisão Texto Integral:
Acordam os juízes nesta Relação:

O Autor/Apelante AA, residente na Rua …, em Lagos, vem interpor recurso da douta sentença que foi proferida em 11 de Março de 2023 (ora a fls. 103 a 106 verso) e que absolveu o Réu/Apelado “Condomínio …” [do edifício sito na Rua …, em Lagos], representado pela sua Administração, esta com sede na Rua …, em Loulé, do pedido que formulara contra ele de anulação da deliberação adoptada na assembleia de condóminos que teve lugar no dia 13 de Abril de 2021, na presente acção declarativa de condenação, com processo comum, que havia instaurado no Juízo de Competência Genérica de Lagos-Juiz 1 – tendo sido julgada procedente a excepção peremptória da caducidade do direito de vir pedir a anulação da deliberação social em causa, com o fundamento aduzido na douta sentença de que “tendo a deliberação cuja anulação se peticiona sido tomada em 13.04.2021, em sendo proposta a ação em 14.06.2021, mostra-se decorrido, em 12.06.2021, o prazo de 60 dias a que alude o artigo 1433.º, n.º 4, in fine, do Código Civil, pelo que é de julgar verificada a exceção perentória de caducidade do direito de impugnação da deliberação tomada e, por dependentes, os demais pedidos formulados (mormente em a) e b) da petição inicial), absolver o Réu dos mesmos” –, intentando agora a revogação do que assim vem decidido e apresentando alegações que remata com a formulação das seguintes Conclusões:

A. Quando a data do termo do prazo de propositura da ação a que alude o artigo 1433.º, n.º 4, in fine, do Código Civil, dada como provada pelo douto Tribunal a quo, calhe a um sábado, e a data da propositura da ação dada como provada pelo douto Tribunal a quo calhe na 2.ª-feira imediatamente seguinte, não se encontra verificada a exceção perentória de caducidade do direito de impugnação da deliberação.
B. A douta decisão recorrida, na medida em que considerou verificada tal exceção, violou as disposições conjugadas dos artigos 1433.º, n.º 4, in fine, do Código Civil e 138.º, n.º 2, do Código de Processo Civil, termos em que deve ser revogada.

Nestes termos, e nos demais de Direito aplicáveis, que V. Ex.as muito doutamente suprirão, deverá o presente Recurso ser julgado procedente, por provado e, em consequência, deverá a douta Decisão recorrida ser revogada, determinando-se o prosseguimento dos autos nos seus ulteriores termos.


Não foram – validamente – apresentadas contra-alegações (vide o douto despacho de fls. 108, proferido em 30 de Maio de 2023, a considerar as contra-alegações juntas pelo Réu como não escritas, por não ter sido tempestivamente depositada a totalidade da taxa de justiça devida por tal acto processual).
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Vêm dados por provados os seguintes factos:
“De relevante para a decisão da causa, atenta, desde logo, a exceção – de caducidade – invocada e, bem assim, por força do preceituado no artigo 574.º, n.ºs 2 e 3, do Código de Processo Civil, consideram-se assentes os seguintes factos:
1. Pela Apresentação 310, de 2013/06/20, encontra-se inscrita a aquisição por AA da fração autónoma designada pela letra G, descrita na Conservatória do Registo Predial de Lagos sob o n.º …, correspondente ao 1º andar – apartamento 7, do prédio urbano constituído em regime de propriedade horizontal, sito na Rua …, em Lagos.
2. Pela Apresentação 3028, de 2015/10/2, encontra-se inscrita a aquisição por BB da fração autónoma designada pela letra L, descrita na Conservatória do Registo Predial de Lagos sob o n.º …, correspondente ao 2º andar – apartamento 12, do prédio urbano acima descrito e inscrito na matriz predial urbana sob o artigo ….
3. Em 13.04.2021 realizou-se a assembleia ordinária do condomínio …, em Lagos, respeitante ao supra referido prédio urbano, no qual se inserem as acima descritas frações autónomas dos Autores AA e BB.
4. Em tal assembleia reuniram a administração do sobredito condomínio e os condóminos das frações autónomas designadas pelas letras A, B, C, D, E, F, H, J e M, aí deliberando no sentido consignado em ata n.º 9 – junta pelos Autores como documento 2 e cujo teor aqui se dá por inteiramente reproduzido para todos os efeitos legais.
5. Os Autores intentaram a presente ação em 14 de Junho de 2021.
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Ora, a única questão que demanda apreciação e decisão da parte deste Tribunal ad quem é a de saber se se verifica a caducidade do direito de vir pedir a anulação da deliberação social em causa. É isso que hic et nunc está em causa, como se extrai das conclusões alinhadas no recurso apresentado, e que supra já se deixaram transcritas para melhor elucidação da matéria a apreciar nesta sede.
Pois, como é sobejamente conhecido, é pelas conclusões das alegações de recurso que se define o seu objecto e se delimita o âmbito de intervenção do Tribunal ad quem (vide artigos 635.º, n.º 4 e 639.º, n.º 1, do Código de Processo Civil), naturalmente sem prejuízo das questões cujo conhecimento ex officio se imponha (vide o artigo 608.º, n.º 2, ex vi do artigo 663.º, n.º 2, desse Código).

Mas a douta sentença recorrida carece de razão, salva naturalmente outra e melhor opinião, quando entende que se verifica, no caso vertente, a excepção peremptória da caducidade do direito do Autor vir pedir em juízo a anulação da deliberação social tomada na assembleia ordinária do Réu condomínio …, em Lagos, realizada no dia 13 de Abril de 2021, onde se vem a inserir o seu apartamento.
E note-se que nem está já em causa no recurso o conhecimento, por parte do impugnante, de tal deliberação logo que foi tomada – que a douta sentença considerou, baseada em jurisprudência da Relação do Porto que enuncia, que se tem por conhecida nessa data, mesmo para os condóminos ausentes (a que se acrescenta a anotação 6 ao artigo 1433.º do CC, de Abílio Neto, in CC Anotado, Ediforum, 2009, pág. 1217) –, porquanto não se insurge o recorrente no recurso, sequer, contra tal solução.
Também não está em causa que o prazo de caducidade é de sessenta dias e que terminou em 12 de Junho de 2021, um sábado – o que o recorrente aceita.
E que a presente acção foi instaurada a 14 de Junho de 2021, às 22 horas, conforme data aposta logo no início da douta petição inicial, tratando-se, como vem assumido, realmente, de uma 2.ª-feira da semana.

O que verdadeiramente está em causa, na apreciação deste recurso, é se o prazo para propositura duma acção que terminou num sábado se pode transferir para a 2.ª-feira seguinte – assim se obstando, ainda, à caducidade do respectivo direito de agir –, como pretende o Autor, agora Apelante, e ao contrário do que decidiu a 1ª instância na douta sentença recorrida.
Pode ou não pode transferir-se para a 2.ª-feira seguinte?

Mas busquemos a fundamentação legal da situação apresentada.
Ora, nos termos do artigo 177.º do Código Civil, enquadrado na Secção II relativa às Associações, “As deliberações da assembleia geral contrárias à lei ou aos estatutos, seja pelo seu objecto, seja por virtude de irregularidades havidas na convocação dos associados ou no funcionamento da assembleia, são anuláveis”.
E, pelo n.º 1 do seu artigo 178.º, “A anulabilidade prevista nos artigos anteriores pode ser arguida, dentro do prazo de seis meses, pelo órgão da administração ou por qualquer associado que não tenha votado a deliberação”. Pelo seu n.º 2, “Tratando-se de associado que não foi convocado regularmente para a reunião da assembleia, o prazo só começa a correr a partir da data em que ele teve conhecimento da deliberação”.
Especificamente quanto à propriedade horizontal, onde se integra o caso vertente, estatui o n.º 1 do artigo 1433.º do Código Civil, que “As deliberações da assembleia contrárias à lei ou a regulamentos anteriormente aprovados são anuláveis a requerimento de qualquer condómino que as não tenha aprovado”. E, pelo seu n.º 4, in fine, “O direito de propor a acção de anulação caduca no prazo de (…) 60 dias sobre a data da deliberação”.
Já de acordo com o n.º 2 do artigo 298.º do Código Civil, “Quando, por força da lei ou por vontade das partes, um direito deva ser exercido dentro de certo prazo, são aplicáveis as regras da caducidade, a menos que a lei se refira expressamente à prescrição”.
O objectivo da lei é, naturalmente, que estes prazos de caducidade para se poder atacar uma deliberação social dos condóminos sejam curtos, para, assim, permitir uma rápida estabilização das decisões em prol da administração regular do condomínio e favorecendo também até o próprio comércio jurídico, para que quem contrata com tais instituições saiba com o que conta, desejando-se que se depare com um quadro de regulamentação interna o mais estabilizado possívele isso só é alcançável com prazos curtos de impugnação das deliberações que neles sejam tomadas.
[Como é assertivamente dito no douto Acórdão desta Relação de 08-10-2020, in ITIJ, tirado no processo n.º 145/19.3T8STR.E1 e subscrito por um dos Adjuntos deste colectivo, A caducidade é uma forma de extinção dos direitos que actua quando estes, devendo ser exercidos em determinado prazo específico, o não sejam. Trata-se de uma figura que gera a cessação dos efeitos negociais, sem carácter retroactivo. Prende-se com o direito de acção judiciária. A caducidade é estabelecida com o fim de, dentro de certo prazo, se tornar certa, se consolidar, se esclarecer determinada situação jurídica”.]

Não se contesta a qualificação encetada na douta decisão recorrida de que se trata, aqui, de um prazo de natureza substantiva e não de índole adjectiva ou processual – dum prazo de caducidade, para exercer um direito, portanto –, que se destina a operacionalizar o exercício de direitos que estão na disponibilidade (ou não) das partes.
Aliás, a douta sentença não deixa de fundamentar isso recorrendo ainda à jurisprudência desta Relação de Évora que invoca, e com a qual concordamos, mas que, considerando embora o prazo para propor uma acção como de carácter e natureza substantiva e não adjectiva, não responde, depois, à questão de poder ou não transferir-se a instauração da acção dum sábado para a 2ª-feira seguinte – rectius, a 1ª instância fundamenta na jurisprudência a caracterização do prazo para instaurar uma acção como substantivo, mas já não respalda com idêntica segurança a conclusão de que não poderá passar de um sábado para uma 2ª-feira a respectiva instauração (apenas que tal não pode ocorrer porque é substantivo).
[Aproveitamos para trazer aqui, a propósito, um trecho do douto Acórdão desta Relação que vem citado na douta sentença (de 12-07-2018, in ITIJ, tirado no processo n.º 943/17.2T8ABF.E1), onde se põe justamente o acento na índole substantiva e não adjectiva do prazo para instaurar a presente acção de anulação de deliberação social: “Os recorrentes sustentam que o prazo estabelecido no art.º 1433.º, n.º 4, do Código Civil, tem natureza processual, argumentando que ‘se refere à caducidade do direito de propositura da acção’ e que, se se aplica, nos termos do n.º 5, a ‘lei do processo’ à suspensão da deliberação, ‘também se deve considerar que a propositura da acção deve ser nos termos da lei do processo, o que caso se considere que o acto foi praticado dentro de um dos três dias úteis seguintes, o mesmo pode ser praticado mediante o pagamento da multa a que se refere o artigo 139.º do CPC’. Não é assim. É pacífico que o prazo de caducidade do direito de propositura de uma acção judicial tem natureza substantiva. Como ensina Alberto dos Reis, ‘estamos em presença, não de um facto processual, mas de um facto de direito substancial. O prazo dentro do qual há-de ser proposta uma determinada acção é um elemento integrante do regime jurídico da respectiva relação de direito substantivo ou material’. Já ‘a função do prazo judicial consiste (…) em regular a distância entre os actos do processo. Aceite este ponto de vista, é fora de dúvida que não satisfaz a este requisito o prazo para a propositura duma acção. A função deste prazo não é regular a distância entre quaisquer actos do processo; é determinar o período de tempo dentro do qual pode exercer-se o direito concreto de acção, o direito de acção no seu aspecto de direito material’. Em sentido idêntico, pronunciou-se Aníbal de Castro: ‘Os prazos de propositura das acções são de direito substantivo, não apenas por funcionarem antes do ingresso da acção, mas por regularem a eficácia do direito material. Tais prazos (…) não respeitam ainda ao processo, mas à própria relação de fundo’. Tratando-se de um prazo de natureza substantiva, é inaplicável o disposto no artigo 139.º, n.ºs 5 e 6, do CPC, como os recorrentes pretendem”.]

A nossa dissensão do que vem decidido na 1ª instância tem apenas que ver com a circunstância de que, pese embora se trate de um prazo de natureza substantiva, quando estiver em causa a propositura de uma acção em Juízo, se o prazo terminar em dia não útil, poderá transferir-se para o 1º dia útil seguinte, sem que fique caducado o respectivo direito de agir.
Pois que é isso que resulta muito claramente logo da letra do artigo 138.º, n.º 4, do C.P.C., que estatui: “Os prazos para a propositura de acções previstas neste Código seguem o regime dos números anteriores”. Note-se bem: “prazos para a propositura de acções” – rectius, de caducidade, como o que está agora em causa no caso sub judicio.
E, então, tal como é exigido por esse n.º 4, aplicando-se o n.º 2 do artigo, “Quando o prazo para a prática do ato processual terminar em dia em que os tribunais estiverem encerrados, transfere-se o seu termo para o 1.º dia útil seguinte”.

Mas mesmo para quem tenha uma visão mais restrita da situação (e não globalmente integrada no conjunto das normas jurídicas, constem elas de que compêndio constarem) e considere ser decisivo o facto de tais normas estarem inseridas no Código de Processo Civil para serem, então, logo, catalogadas de adjectivas – sendo, decorrentemente, que as que constam do Código Civil é que seriam de natureza substantiva –, mesmo assim, há que ater-nos, como se fez notar supra, que a lei se reporta, expressamente, no n.º 4 daquele preceito, a prazos para intentar acções e não para quaisquer outras finalidades dentro de um processo já instaurado e a correr os seus trâmites.
Ainda assim, respondendo a tais preocupações de inserção sistemática de normas, também a lei substantiva (in casu, o Código Civil) nos dá uma resposta expressa e expressiva para a problemática que ora nos ocupa.
Senão, veja-se o que se estabelece na alínea e) do artigo 279.º do Código Civil, sob a epígrafe de cômputo do termo: “À fixação do termo são aplicáveis, em caso de dúvida, as seguintes regras: e) O prazo que termine em domingo ou dia feriado transfere-se para o primeiro dia útil; aos domingos e dias feriados são equiparadas as férias judiciais, se o acto sujeito a prazo tiver de ser praticado em juízo”.
Assim mesmo, sem tirar nem pôr, apresentando-se a norma legal muito clara ao mencionar “se o acto sujeito a prazo tiver de ser praticado em juízo”.
[E um dia de sábado não poderá deixar de estar aqui incluído, por serem as mesmas as razões para se incluir o domingo, ou um dia feriado, ou as férias judiciais – ou, até, um dia em que ocorra uma tolerância de ponto nos tribunais (vide anotação 5 ao artigo 279.º do CC, in CC Anotado, Abílio Neto, Ediforum, 2009, pág. 191, onde se escreveu, citando jurisprudência do S.T.J.: “… mas se o último dia for sábado, transfere-se para o dia útil seguinte”; a anotação 16: “Se o termo de um prazo recair num sábado, passa para o dia útil seguinte”; e a sua anotação 26, a págs. 192: “O prazo fixado na lei para o exercício do direito de acção de indemnização deve ser contado nos termos do artigo 279.º, alíneas c) e e), do Código Civil. Assim, se esse prazo terminar em período de férias judiciais, a respectiva acção deve ser proposta até ao primeiro dia útil, inclusive, subsequente ao termo dessas férias”).]
E já o Cons. Lopes do Rego escrevia no seu “Comentários ao Código de Processo Civil”, Almedina, ano de 2004, vol. I, em anotação ao anterior artigo 144.º (equivalente ao actual artigo 138.º, supra citado), pág. 150: “Manteve-se, pois, quanto a este ponto, um regime diverso e autónomo do estabelecido, para os prazos substantivos, na segunda parte da alínea e) do artigo 279.º do Cód. Civil”; mais adiante: “Do disposto nos n.os 2 e 3 deste artigo 144.º, decorre que – em termos análogos aos estabelecidos quanto aos prazos substantivos na alínea e) do artigo 279.º do Código Civil – quando o prazo para a prática de um acto processual terminar em dia em que os tribunais estiverem encerrados transfere-se o seu termo para o primeiro dia útil seguinte”; e a págs. 151: “(…) ao regime fixado no artigo 279.º do Código Civil para os prazos substantivos de caducidade (…)”.

Pelo que também a prazos de natureza substantiva se aplicam tais regras.

Decorrentemente, dentro deste quadro normativo, o direito exercido pelo Autor através da presente acção não tinha caducado quando ele a veio intentar – em 14 de Junho de 2021 – já que, então, não se mostrava ainda transcorrido o respectivo prazo de caducidade de 60 dias sobre a data da deliberação – que era de 13 de Abril de 2021 –, por o dia 12 de Junho (data em que se completavam esses 60 dias) ter sido um sábado e o termo final do prazo se ter transferido para o primeiro dia útil seguinte: a 2ª-feira, dia 14 de Junho de 2021.

Pelo que, num tal enquadramento, se tenha que retirar da ordem jurídica a douta sentença ora recorrida que assim não considerou, e procedendo o presente recurso de Apelação.

E, em conclusão, dir-se-á:
Se o termo do prazo para intentar uma acção – de caducidade – coincidir com um sábado, transfere-se para o primeiro dia útil seguinte.
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Decidindo.

Assim, face ao que se deixa exposto, acordam os juízes nesta Relação em conceder provimento ao recurso e revogar a douta sentença recorrida.
Custas pelo Apelado.
Registe e notifique.
Évora, 14 de Setembro de 2023
Mário João Canelas Brás (Relator)
Maria Eduarda Branquinho (1ª Adjunta)
José Manuel Tomé de Carvalho (2º Adjunto)