Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
64/23.9YLPRT.E1
Relator: MANUEL BARGADO
Descritores: ACÇÃO DE DESPEJO
APOIO JUDICIÁRIO
NOMEAÇÃO DE PATRONO
SUSPENSÃO DE PRAZO
PRESUNÇÃO DE NOTIFICAÇÃO
PRAZO PARA PRATICAR ACTO PROCESSUAL
Data do Acordão: 09/14/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário:
I - Tendo a Ordem dos Advogados remetido carta simples para notificação da ora recorrente, e tendo este alegado que a não recebeu, não funciona a presunção legal de ocorrência da notificação no 3º dia posterior ao do registo ou no primeiro dia útil seguinte a esse.
II - Impendia sobre a recorrente a alegação de factos tendentes a justificar a apresentação da oposição para além do prazo contado por referência à aludida notificação, sendo que a prova do justo impedimento invocado pela recorrente para a apresentação na data em que o fez, podia ser feita por qualquer meio de prova admissível.
III - Não tendo a recorrente alegado um único facto demonstrativo de que nas datas em causa houve atraso na entrega da correspondência postal, ou de qualquer outra circunstância impeditiva dessa entrega, não pode considerar-se feita a prova do justo impedimento com a mera alegação de que não sendo a carta registada, não há meio de provar que a receção foi noutra data.
(Sumário elaborado pelo Relator)
Decisão Texto Integral:
Acordam na 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora

I - RELATÓRIO
AA e BB instauraram, em 11.01.2023, junto do Balcão Nacional do Arrendamento (BNA), procedimento especial de despejo contra CC, com vista ao despejo da fração autónoma designada pela letra “U”, do prédio urbano em propriedade horizontal, sito na Rua …, concelho de Ourém, com fundamento na oposição ao contrato de arrendamento que celebraram.
A ré deduziu oposição, concluindo pela ilegalidade e invalidade da oposição à renovação do contrato de arrendamento, por tal resolução constituir «violação do princípio da boa-fé contratual e manifesto abuso de direito», e por ser «manifestamente violadora da Constituição da República Portuguesa e da Lei de Bases da Habitação», decretando-se, consequentemente, a manutenção do contrato de arrendamento.
No caso de assim não se entender, que seja decretado o diferimento do despejo, pelo prazo de seis meses, por se verificarem os requisitos de que a lei faz depender tal diferimento.
Remetidos os autos à distribuição foi, em 16.03.2023, proferido despacho que determinou a notificação dos autores para se pronunciarem sobre a matéria de exceção invocada pela ré, ao que estes responderam, concluindo pela respetiva improcedência, tendo ainda suscitado a questão da extemporaneidade da oposição.
Realizou-se a audiência de julgamento, tendo subsequentemente sido proferida decisão que, num primeiro momento, julgou extemporânea a oposição apresentada pela ré, com base no que «deverá ser indeferido o incidente de oposição ao processo de despejo, apresentado pela R.».
Não obstante ter decidido afirmativamente a questão prévia da extemporaneidade da oposição, o que prejudicava irremediavelmente o conhecimento das questões suscitadas pela ré na oposição, o Sr. Juiz a quo entendeu dever conhecer de tais questões, terminando a decisão com a formulação do seguinte dispositivo (transcrição):
«Em conformidade, pelo exposto, decide-se indeferir o incidente de oposição ao presente processo de despejo apresentado pela R.
Consequentemente, indefere-se o seu pedido para ser decretada a invalidade e a ilegalidade da oposição à renovação do prazo do contrato de arrendamento em causa nos presentes autos, que foi formulado no presente processo de despejo pelos AA.
Além disso, indefere-se o pedido da R. para que fosse decretada a manutenção do contrato de arrendamento em causa nos autos.
Por fim, indefere-se o pedido da R. de deferimento do despejo do imóvel locado pelo período de 6 meses.
Custas do incidente pela R.
Fixa-se a taxa de justiça para efeito do incidente em 2 UCs.»
Inconformada, a ré apelou do assim decidido, finalizando a respetiva alegação com a formulação das conclusões que a seguir se transcrevem:
«A. Entendeu o tribunal a quo que a oposição apresentada pela ora Recorrente foi extemporânea, porque teria sido notificada da concessão do apoio judiciário e da nomeação de patrono há mais de quinze dias, antes da apresentação da oposição
B. A Recorrente foi notificada pelo BNA em 27/01/2023
C. Em 01/02/2023, requereu o benefício judiciário na nas modalidades de dispensa de pagamento de taxa de justiça e demais encargos com o processo, nomeação e pagamento de patrono e agente de execução.
D. Em 02/02/2022, enviou carta registada com A.R. para o BNA, com o comprovativo da entrega do apoio judiciário, que foi recepcionado no dia 03/02/2023 (ref 9514281 dos autos).
E. Em 03/02/2023, o BNA enviou a notificação com o seguinte teor:
F. Fica V. Ex.ª notificado(a), no âmbito do PED supra identificado, para juntar ao procedimento cópia do pedido de apoio judiciário completo, onde conste as modalidades requeridas, designadamente, se requereu nomeação de patrono, já que sem esse comprovativo o prazo para dedução da oposição não se interrompe.
G. Tais documentos foram enviados pela Recorrente por carta registada em 20/02/2023, conforme referência 9514285.
H. A carta enviada pela Segurança Social em 16/02/2023 constante dos autos com a ref. 9514290 – notificação da oponente do deferimento do pedido de apoio judiciário – é uma carta não registada, enviada por via postal simples, pelo que não existe prova da recepção da mesma, nem se pode presumir a sua recepção no terceiro dia útil seguinte, como acontece nas notificações judiciais, que são enviadas por correio registado.
I. O BNA recebeu a notificação da Segurança Social em 24/02/2023, conforme consta do documento com a referência 9512486
J. a carta enviada pelo Conselho Distrital de Coimbra da Ordem dos Advogados datada de 14 de Fevereiro de 2023, se trata de uma carta simples, não registada, e pelo mesmo motivo não pode presumir-se a sua recepção no terceiro dia útil seguinte, como acontece nas notificações judiciais, que são enviadas por correio registado.
K. A Recorrente apenas recebeu ambas as cartas no dia 07 de Março de 2023, tendo a oposição dado entrada no dia 11/03/2023, pois tinha todo o interesse na recepção do correio relacionado com o presente processo e até aquele dia 07 de Março não podia ter feito qualquer diligência, estabelecido qualquer contacto com a patrona nomeada, nem obter qualquer comprovativo da recepção, pois as cartas não sendo registadas, não há meio de provar que a recepção foi noutra data.
L. O tribunal não pode presumir que a Recorrente recebeu as mesmas em data diferente, por falta de comprovativo das entidades remetentes. Na verdade, a notificação da concessão do apoio judiciário, bem como a nomeação de patrono deveriam ser feitas pelo menos através de correio registado, mesmo que simples, por depósito na caixa de correio, para que os direitos dos cidadãos não sofram atropelos, como acontece no presente caso.
M. A Recorrente não pode ser penalizada pelo atraso na entrega da correspondência, nem pela falta de formalidade (registo postal) das entidades remetentes de notificações que implicam com os direitos dos cidadãos.
N. A Recorrente nasceu em 10 de Junho de 1957 (facto provado 4), pelo que na data da cessação do contrato (31-10-2022), tinha 65 anos de idade.
O. Nunca foram declarados inconstitucionais, por violação do direito de propriedade privada, da liberdade de iniciativa privada ou da autonomia privada, os sucessivos regimes protegendo nomeadamente arrendatários com mais de sessenta e cinco anos e até garantindo direitos a descendentes que com eles vivessem.
P. Até à entrada em vigor do NRAU, o senhorio encontrava-se impedido de denunciar o contrato de arrendamento se o arrendatário tivesse 65 anos.
Q. Na sua oposição, atendendo a que tem 65 anos de idade, a Recorrente alegou que os Recorridos agiam de má-fé, ao virem opor-se à renovação do contrato de arrendamento, porque ficaria numa situação de enorme fragilidade.
R. O abuso de direito visa também funcionar como válvula de escape do sistema, de forma que naquelas situações em que a aplicação de uma norma conduza a resultados não razoáveis relativamente aos valores vigentes na ordem jurídica, se possa impedir o seu funcionamento: na verdade, nestes casos, se o legislador tivesse previsto o resultado a que a norma conduziu, ter-se-ia abstido de a editar, dados os clamorosos resultados em que a sua aplicação desaguou. Agir de boa-fé é agir com diligência, zelo e lealdade correspondentes aos legítimos interesses da contraparte, é ter uma conduta honesta e conscienciosa, uma linha de correcção e probidade, a fim de não prejudicar os legítimos interesses da contraparte e não proceder de modo a alcançar resultados opostos aos que uma consciência razoável poderia tolerar.
S. E a política legislativa tem limitado os despejos de pessoas com 65 ou mais anos, como aconteceu durante a pandemia covid19 e mais recentemente com a limitação do n.º 10 do art. 36º do NRAU.
T. O Tribunal a quo entendeu que a Recorrente não logrou provar “padecer de uma carência económica que a impediria de arranjar outro imóvel onde pudesse fixar a sua habitação. Na verdade, a R. não alegou e consequentemente, não fez prova, como era seu ónus, de qual seria a sua fonte de rendimentos. Deste modo, também não fez prova de que teria uma fonte de rendimentos bastante reduzida que levaria a que padecesse de uma carência económica.”
U. Em 7º, 26º, 31º a 33º da oposição, a Requerente alega que:
7º Se encontra numa situação de enorme fragilidade, não tendo condições económicas para arrendar outro imóvel.
26º A oposição à renovação do contrato de arrendamento comunicada pelos senhorios visa impedir que a Requerida possa manter a sua habitação permanente e casa de morada de família, colocando-a numa situação desumana.
31º A Requerida não tem condições económicas para conseguir arranjar novo contrato de arrendamento onde por regra são exigidos dois meses de renda e uma caução.
32º Com o despejo ver-se-ia numa situação de sem-abrigo, e com 65 anos de idade.
33º Sempre teve a legítima expectativa de continuar a habitar o imóvel desde que cumprisse com a obrigação de pagar pontualmente a renda.
V. A Recorrente goza do benefício do apoio judiciário na modalidade de dispensa total, sendo que este benefício é concedido a quem não tem condições económicas para suportar os custos de uma acção judicial.
W. A decisão de deferimento do apoio judiciário é tabelar, pois refere que “analisado o processo do(a) requerente e, aplicados os critérios da fórmula de cálculo do rendimento relevante para os efeitos de protecção jurídica, conclui-se que o(a) requerente tem direito a protecção jurídica. Pelo que se procede ao deferimento do presente requerimento”
X. A concessão do apoio judiciário constitui uma decisão administrativa e constitui um documento comprovativo da insuficiência económica, que em virtude de não ter sido impugnado tem que fazer prova em sede judicial da insuficiência económica, quanto mais não seja, por presunção.
Y. A testemunha, Pedro Miguel Martins Alves Damas, no seu depoimento referiu que a Recorrente vivia de caridade, e que ele próprio já a tinha ajudado a pagar a renda (00.30- 03.00), por esse motivo, decidiu mal o tribunal a quo ao afirmar que a Recorrente não alegou nem logrou provar a insuficiência económica.
Z. Depois da entrada em vigor do NRAU, as pessoas com 65 ou mais anos de idade ficaram desprotegidas, criando um flagelo social, apesar de surgirem alterações legislativas que promovem a proteção destas pessoas, designadamente, a Lei 30/2018 de 16/07 e a Lei 13/2019 de 12/02.
AA. A Constituição Portuguesa consagra, desde 1976, o direito à habitação, estabelecido no artigo 65.º, segundo o qual «todos têm direito, para si e para a sua família, a uma habitação de dimensão adequada, em condições de higiene e conforto e que preserve a intimidade pessoal e a privacidade familiar.»
BB. Em 1976 que Portugal assinou o “Pacto Internacional sobre os Direitos Económicos, Sociais e Culturais das Nações Unidas”, concluído em 1966 e cujo artigo 11.º vem reconhecer «o direito de todas as pessoas a um nível de vida suficiente para si e para as suas famílias, incluindo alimentação, vestuário e alojamento suficientes», em linha com o já afirmado na Declaração Universal dos Direitos do Homem. Que «toda a pessoa tem direito à habitação» é algo que foi declarado também na Carta Social Europeia Revista.
CC. Estes e outros instrumentos sublinham que o direito à habitação constitui um direito humano. Dispor de uma habitação condigna é uma necessidade básica do ser humano e uma condição para ter uma vida digna, além de ser um requisito para o exercício de outros direitos fundamentais.
DD. Ao Estado compete, de acordo com o já mencionado artigo 65.º da Constituição, prosseguir políticas públicas que garantam aquele direito. Ora, o primeiro passo na concepção de tais políticas é definir os seus objectivos, o que pressupõe chegar a um entendimento sobre o que abarca o direito à habitação e que situações constituem uma sua violação.
EE. Na sua “Observação Geral n.º 4 sobre o Direito a uma Habitação Condigna”, o Comité dos Direitos Económicos, Sociais e Culturais veio clarificar que não se deve interpretar restritivamente este direito. Não se trata simplesmente de proporcionar uma morada ou um tecto que sirva de abrigo. Para o Comité, o “alojamento suficiente” engloba a disponibilidade de serviços, a habitabilidade, a acessibilidade física, a adequação em termos culturais, a localização, a segurança legal da ocupação e a acessibilidade económica.
FF.Nas palavras da Lei de Bases da Habitação (artigo 14.º), o «direito à habitação compreende a existência de um habitat que assegure condições de salubridade, segurança, qualidade ambiental e integração social, permitindo a fruição plena da unidade habitacional e dos espaços e equipamentos de utilização coletiva e contribuindo para a qualidade de vida e bem-estar dos indivíduos».
GG. Sendo um direito humano, o direito à habitação é universal, abrangendo as pessoas mais vulneráveis, designadamente, crianças, idosos, doentes e vítimas de catástrofes naturais. Estes (e outros) grupos desfavorecidos não podem ser discriminados no acesso à habitação, devendo até beneficiar de uma certa prioridade e de uma política de habitação que tenha em consideração as suas necessidades especiais.
HH. A Lei de Bases tem um artigo relativo ao direito à escolha do lugar de residência, conferindo-o aos cidadãos de acordo com as suas preferências e necessidades, mas também segundo as suas possibilidades e sem prejuízo dos condicionamentos urbanísticos.
II. O direito à habitação não integra o direito à propriedade, mas pressupõe que, seja qual for a forma de ocupação, deve ser assegurado um certo grau de segurança e protecção legal contra despejos forçados e outras ameaças. Isso não se confunde, porém, com a impossibilidade de fazer desocupar uma habitação que esteja ilegal ou indevidamente ocupada, o que, aliás, o artigo 13.º da Lei de Bases da Habitação prevê.
JJ. O direito à habitação requer que os encargos financeiros com a habitação não coloquem em causa a satisfação de outras necessidades básicas.
KK. «Incumbe ao Estado estabelecer a criação de um sistema de acesso à habitação com renda compatível com o rendimento familiar», determina a Lei de Bases.
LL. A Lei de Bases da Habitação, no seu art. 10º (Lei n.º 83/2019, de 03 de Setembro), que versa sobre o direito à proteção da habitação permanente:
1- A habitação permanente é a utilizada como residência habitual e permanente pelos indivíduos, famílias e unidades de convivência.
2 - Todos têm direito, nos termos da lei, à proteção da sua habitação permanente.
3 - A casa de morada de família é aquela onde, de forma permanente, estável e duradoura, se encontra sediado o centro da vida familiar dos cônjuges ou unidos de facto.
4 - A casa de morada de família goza de especial proteção legal
MM. O Novo Regime de Arrendamento Urbano ao não proteger a habitação permanente dos inquilinos com 65 anos ou mais, viola a Constituição e a Lei de Bases da Habitação.
NN. Mostra-se inconstitucional, por violação dos princípios da proporcionalidade, adequação e proibição do excesso, consagrados no art. 18º CRP, bem como ao direito à habitação plasmado no art. 65º n.º 1 CRP, o entendimento e dimensão normativa do art. 1097º CC no sentido de não constituir abuso de direito do senhorio, que não necessita da habitação para si, a oposição à renovação de contrato de arrendamento, com renda actualizada (por não ser renda antiga!) e sem qualquer mora, celebrado com arrendatário que conte mais de 65 anos e que não disponha de outra habitação ou condições económicas para celebrar outro arrendamento;
OO. Mostra-se inconstitucional, por violação dos princípios da proporcionalidade, adequação e proibição do excesso, consagrados no art. 18º CRP, bem como ao direito à habitação plasmado no art. 65º n.º 1 CRP, o entendimento e dimensão normativa do art. 14º da Lei 6/2006, no sentido de não constituir abuso de direito do senhorio a pretensão de despejo alicerçado na sua própria oposição à renovação de contrato de arrendamento, com renda actualizada (por não ser renda antiga!), sem qualquer mora ou necessidade própria de habitação, celebrado com arrendatário que conte com 65 anos ou mais e que não disponha de outra habitação ou condições económicas para celebrar outro arrendamento, sendo assim colocado na rua sem alternativa habitacional;
PP. Mostra-se inconstitucional, por violação dos princípios da proporcionalidade, adequação e proibição do excesso, consagrados no art. 18º CRP, bem como ao direito à habitação plasmado no art. 65º n.º 1 CRP, o entendimento e dimensão normativa do art. 14º da Lei 6/2006, no sentido de não constituir abuso de direito e fraude à lei do senhorio a pretensão de despejo alicerçado na sua própria oposição à renovação de contrato de arrendamento visando com a recuperação do imóvel, nova contratação arrendatícia e obtenção de uma renda superior e não permitida pelo coeficiente e limite legalmente plasmado de actualização. Nestes termos,
Deve a sentença recorrida ser revogada e substituída por outra que considere procedente o pedido da Recorrente, por abuso de direito dos Recorridos e inconstitucionalidade da oposição à renovação do contrato de arrendamento para habitação permanente de pessoas com 65 ou mais anos de idade».

Não foram apresentadas contra-alegações.

Corridos os vistos, cumpre apreciar e decidir.

II – ÂMBITO DO RECURSO
Sendo o objeto do recurso delimitado pelas conclusões das alegações, sem prejuízo do que seja de conhecimento oficioso (arts. 608º, nº 2, 635º, nº 4 e 639º, nº 1, do CPC), as questões a decidir consubstanciam-se em saber:
- se a oposição foi apresentada em tempo;
- no caso de se responder afirmativamente à precedente questão, se a oposição à renovação do contrato de arrendamento pelos autores configura uma situação de abuso do direito e se enferma de inconstitucionalidade.

III – FUNDAMENTAÇÃO FÁCTICO-JURÍDICA
Na 1ª instância foram dados como provados os seguintes factos:
1- Os AA. AA e BB, na qualidade de senhorios e como primeiros outorgantes, e DD, na qualidade de arrendatário e segundo outorgante, celebraram um acordo escrito, intitulado “Contrato de arrendamento para habitação em período limitado de 5 anos”, datado de 1 de Novembro de 2011, cuja cópia se encontra junta aos autos de fls. 4 e 5, e cujo conteúdo se dá aqui por integralmente reproduzido, no qual os AA. deram de arrendamento ao referido DD, um bem imóvel, a si pertencente, consistente numa fração autónoma designada pela letra “U”, do prédio urbano em propriedade horizontal, sito na Rua …, concelho de Ourém, com a área de 65 m2, inscrito na matriz predial urbana da freguesia de … sob o artigo ….
2- Do contrato referido em 1) constam, designadamente, as seguintes cláusulas, com relevância: “PRIMEIRA: O prazo de duração do arrendamento é de 5 anos, com início em 1-11-2011, e com termo em 30-10-2016, sendo as suas legais prorrogações de três anos… caso não seja denunciado no seu termo… QUINTA: O local arrendado destina-se exclusivamente a habitação do segundo outorgante…”.
3- Por aditamento ao contrato referido em 1), celebrado em 1 de Março de 2019, foi alterado esse contrato no sentido de passar a constar do mesmo, a R. CC, como 2ª outorgante e arrendatária.
4- A R. nasceu em … Junho de 1957.
5- O contrato referido em 1) foi renovado uma primeira vez, pelo prazo de 3 anos, entre 1-11-2016 e 31-10-2019, e uma segunda vez, igualmente pelo prazo de 3 anos, entre 1-11-2019 e 31-10-2022.
6- A R. sempre efetuou o pagamento das rendas referentes ao contrato mencionado em 1), não tendo nenhuma renda em dívida.
Por outro lado, o Tribunal considera que não ficaram provados os seguintes factos com relevância para o objeto em causa nos presentes autos:
A- A R. recebeu em 7-3-2023 a notificação da Segurança Social em que a informava que lhe tinha sido concedido o apoio judiciário na modalidade de nomeação de patrono, por si requerida.
B- A R. tem um rendimento inferior a dois meses de renda do contrato de arrendamento mencionado em 1).

Da (in)tempestividade da oposição
Entendeu-se na decisão recorrida que, tendo a notificação de nomeação de patrono sido comunicada ao patrono nomeado e à requerente em 14.02.2023, se presumia que a mesma havia sido feita em 17.02.2023, pelo que, tendo a oposição sido apresentada em 11.03.2023, o ato foi praticado para além dos 15 dias legalmente previstos.
A recorrente discorda deste entendimento, alegando que apenas recebeu a notificação da nomeação de patrono feita pela Ordem dos Advogados, datada de 12.02.2023, expedida por correio simples, em 07.03.2023, e que não se pode presumir que a notificação tenha sido efetuada ao 3º dia.
Em 20.07.2023, pelo Exm.º Juiz Desembargador de turno, ora 1º adjunto, foi proferido despacho no qual, além do mais, se consignou:
«(…) Sabendo-se da necessidade de a notificação ser efetuada tanto ao patrono nomeado como à parte recorrente (cf. Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 461/2016, disponível em www.tribunalconstitucional.pt), para apreciação da questão prévia, importa esclarecer em que data foi, efectivamente, notificado o patrono nomeado e em que data e de que forma (carta registada, carta simples ou com prova de depósito), foi expedido o ofício para notificação à requerente da nomeação efectuada, tanto mais que se verifica que a oposição, para a qual foi requerida a nomeação, não foi apresentada pelo patrono nomeado, mas sim pelo I. Advogado Dr. Manuel Hortas, que juntou com a oposição procuração datada de 27/02/2023.
(…) Assim, com cópia do ofício n.º 8714361-A, datado de 14/02/2023, junto pela oponente com o requerimento de 10/04/2023 (ref.ª 9593350), solicite ao Conselho Distrital da Ordem dos Advogados que informe: (i) em que datafoi, efectivamente, notificado o I. Patrono nomeado à requerente; e (ii) emque data e de que forma, foi, efectivamente, expedido o ofício de notificação da nomeação de patrono à requerente, datado de 14/02/2023 (…).»
O Conselho Distrital da Ordem dos Advogados respondeu informando o seguinte:
«Consultado o SINOA, verifica-se que as notificações destinadas à Senhora Advogada nomeada (Dra. …), ao Balcão Nacional do Arrendamento e à Beneficiária (Sra. CC), datam todas do dia 14 de Fevereiro de 2023.
As duas primeiras notificações foram expedidas através de correio eletrónico.
A terceira, a da Sra. Beneficiária, foi expedida através de correio simples, no dia 16 de Fevereiro de 2023. Presume-se – sendo tal presunção, naturalmente, ilidível – que esta última notificação se considera efetuada no terceiro dia útil seguinte ao da expedição, uma vez que é esse o prazo máximo apontado pelos CTT para entrega do correio simples nacional.»
Quid juris?
Quando se encontra comprovada nos autos a notificação, por carta registada, dirigida pela Ordem dos Advogados para o endereço do requerente do patrocínio judiciário indicado no requerimento inicial do procedimento administrativo, funciona a presunção a que se reporta o artigo 249º, nº 1, do CPC, que rege sobre as notificações às partes que não constituam mandatário, presumindo-se que a notificação foi feita no 3º dia posterior ao do registo ou no 1º dia útil seguinte a esse, quando o não seja.
Porém, in casu, tal presunção não pode operar, visto que a notificação foi expedida por carta simples, pelo que tendo sido omitida a formalidade indicada no citado preceito, a presunção que assenta na segurança desta forma de comunicação, não pode operar[1].
Com efeito, se é certo que a Lei nº 34/2004, de 29-7 (LAJ) não contém atualmente qualquer formalidade específica quanto à efetivação da notificação, por ter sido revogado pela alínea a) do nº 5 da Lei nº 47/2007, de 28 de Agosto, o nº 4 do artigo 31º da LAJ, não é menos correto que a eliminação de formalidades específicas quanto à notificação da decisão referente ao pedido de apoio judiciário, apenas significa que não se justificam desvios nesta sede relativamente ao «regime geral de comunicação de atos no âmbito do processo civil e do procedimento administrativo»[2].
Ora, mesmo que se considere não ser aplicável aquele preceito à notificação efetuada pela Ordem dos Advogados à ora recorrente, sempre lhe seria aplicável o disposto nos artigos 112º, nº 1, alínea a) e 113º, nº 1, do Código do Procedimento Administrativo, aprovado pelo DL n.º 4/2015, de 7 de Janeiro[3], que regulam a forma e a perfeição das notificações, e que não foram cumpridos, porque se referem à carta registada e não à carta simples[4].
Por consequência, em face do disposto nestes preceitos legais, da não devolução da carta simples expedida pela Ordem dos Advogados para a requerente da nomeação de patrono, não pode extrair-se a presunção do seu efetivo recebimento, visto a base da mesma assentar no envio da carta registada, formalidade que não teve lugar.
Daqui não se segue, porém, que a razão esteja do lado da recorrente.
Nos termos do artigo 15º-F, nº1, da Lei nº 6/2006, de 27-2, o requerido dispõe do prazo de 15 dias, a contar da data em que se encontra notificado da instauração do processo de despejo para deduzir oposição a tal processo.
No caso em apreço, após ter sido notificada para este procedimento especial de despejo, a recorrente deduziu na Segurança Social pedido de concessão do apoio judiciário na modalidade, entre outras, de nomeação de patrono.
Consequentemente, e como bem se aduz na decisão recorrida, atento este pedido de apoio judiciário, nos termos do artigo 24º, nº 4, da LAJ, interrompeu-se o prazo para a dedução do incidente de oposição ao processo de despejo em causa nos presentes autos, ficando assim sem efeito o prazo entretanto decorrido para a dedução do mesmo, e iniciou-se novo prazo após a cessação da interrupção.
Por sua vez, nos termos do artigo 24º, nº 5, alínea a), da LAJ, a interrupção do prazo para a dedução do incidente de oposição ao processo de despejo, cessa com a notificação do patrono nomeado da sua nomeação no âmbito do apoio judiciário concedido, pelo que na data da notificação do patrono, iniciar-se-ia novo prazo de 15 dias, previsto no citado artigo 15º-F, da Lei nº 6/2006, para a dedução daquele incidente.
Compulsados os autos, constata-se que a Segurança Social deferiu o pedido de concessão de apoio judiciário formulado pela ora recorrente, designadamente na modalidade de nomeação de patrono, tendo a respetiva notificação sido feita, quer à recorrente, quer à patrona nomeada, em 16.02.2023, conforme informação da Ordem dos Advogados supra.
Não podendo presumir-se a notificação da recorrente no 3º dia posterior (22.02.2023)[5], pelas razões acima expostas, também não pode aceitar-se a mera alegação da recorrente de que apenas teve conhecimento da notificação da Segurança Social a informá-la da nomeação de patrono em 07.03.2023.
Na verdade, impendia sobre a recorrente a alegação de factos tendentes a justificar a apresentação da oposição para além do prazo contado por referência à aludida notificação, sendo que a prova do justo impedimento invocado pela recorrente para a apresentação na data em que o fez, podia ser feita por qualquer meio de prova admissível.
Não colhe, assim, a alegação da recorrente de que não sendo as cartas registadas, «não há meio de provar que a receção foi noutra data», e de que «não pode ser penalizada pelo atraso na entrega da correspondência», uma vez que não alegou um único facto demonstrativo de que nas datas em causa houve atraso na entrega da correspondência postal, ou de qualquer outra circunstância impeditiva dessa entrega.
Não deixa, aliás, de ser significativo o facto de a oposição não ter sido apresentada pela patrona nomeada, mas sim pelo ilustre mandatário subscritor daquela peça, com a qual juntou procuração datada de 27.02.2023, o que tudo aponta no sentido de a notificação feita pela Ordem dos Advogados ter chegado ao conhecimento da recorrente até essa data.
Bem andou, pois, a decisão recorrida ao dar como não provado que «A R. recebeu em 7-3-2023 a notificação da Segurança Social em que a informava que lhe tinha sido concedido o apoio judiciário na modalidade de nomeação de patrono, por si requerida»., sendo certo que a recorrente não deduziu verdadeira impugnação da matéria de facto, não tendo, aliás, cumprido minimamente os ónus a que alude o art. 640º do CPC.
Sendo intempestiva a oposição apresentada pela recorrente, mostra-se prejudicado o conhecimento das demais questões suscitadas pela recorrente (art. 608º, nº 2, do CPC)
Por conseguinte, o recurso improcede.
As custas, que seriam a cargo da recorrente, nos termos do artigo 527º, nºs 1 e 2, do CPC, não lhe são tributadas por beneficiar de apoio judiciário.

IV – DECISÃO
Pelo exposto, acordam os Juízes desta Relação, ainda que por razões não totalmente coincidentes, em julgar improcedente a apelação, confirmando a decisão que julgou extemporânea a oposição apresentada pela ré/recorrente.
Custas nos termos sobreditos.
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Évora, 14 de setembro de 2023
Manuel Bargado (relator)
Francisco Xavier (1º adjunto)
José António Moita (2º adjunto)
(documento com assinatura eletrónica)

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[1] Cfr. Acórdão desta Relação de 28.06.2018, proc. 4211/16.9T8ENT-A.E1, in www.dgsi.pt.
[2] Salvador da Costa, O Apoio Judiciário, 9.ª edição atualizada e ampliada, Almedina 2013, p. 189.
[3] Atento o disposto no artigo 2º, nºs 1, 3, 4, alínea c) e 5, que definem o âmbito da sua aplicação.
[4] Assim, o citado Acórdão da Relação de Évora de 28.06.2018.
[5] Os dias 18 e 19 foram um sábado e domingo e o dia 21 foi dia de Carnaval.