Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
798/22.5T8FAR.E1
Relator: RUI MACHADO E MOURA
Descritores: IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
TAXA
AUTARQUIA
Data do Acordão: 11/23/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário: - Quando a impugnação da matéria de facto tem por base diversa factualidade que não foi alegada pelas partes nos respectivos articulados, nomeadamente pela R. na sua contestação, não pode a mesma ser aditada à sentença recorrida nesta fase recursiva, pois não estão verificados os requisitos a que alude o artigo 5.º, nºs 1 e 2, do C.P.C..
- Face ao teor da factualidade explanada na petição inicial apresentada pela A., o que se discute nesta acção é o facto de não lhe poder ser imputado e cobrado o fornecimento da água, conforme tem vindo a ocorrer e também para o futuro, com base em cálculo indevido feito pela 1ª R., pelo que é nosso entendimento que não tem aqui aplicação o artigo 16.º, n.º 4, da Lei 53-E/2006, de 29/12, que contém o Regime Geral das Taxas das Autarquias Locais e, por via disso, não se verifica a excepção de caducidade do direito de instaurar a presente acção por parte da Autora.
- No caso de haver diferença entre o volume de água fornecida pelo conjunto dos contadores divisionários instalados num prédio e o total do volume de água medido pelo contador padrão – vulgo totalizador – sendo este superior, não é devido pela Autora o pagamento desse acréscimo.
- Nos casos em que são instalados contadores divisionários para medição dos consumos de água, o contador totalizador, instalado por opção e interesse da entidade gestora tem apenas uma função de controlo e de verificação de fugas de água que podem decorrer de várias causas, incluindo o deficiente funcionamento dos contadores, cuja colocação e manutenção está a cargo da 1ª Ré, como entidade gestora.
(Sumário do Relator)
Decisão Texto Integral: Relator: Rui Machado e Moura
1º Adjunto: Mário Brás
2ª Adjunta: Isabel Imaginário


P. 798/22.5T8FAR.E1

Acordam no Tribunal da Relação de Évora:

Associação de Condomínios (…) intentou a presente acção declarativa, sob a forma de processo comum, contra (…) – Empresa de (…) de (…), E.M. e Município de Loulé, pedindo que:
- se reconheça que a autora não é responsável pelo pagamento da diferença entre a leitura do contador totalizador e a leitura dos contadores individuais titulados pela autora;
- seja a ré (…) condenada a emitir as notas de crédito relativas às faturas identificadas em 51.º, 55.º e 58.º supra, correspondentes à diferença entre a leitura do contador totalizador e dos contadores individuais titulados pela autora, se necessário, em sede de liquidação de sentença;
- seja a ré (…) condenada a abster-se de, no futuro, debitar à autora a diferença entre a leitura do contador totalizador e dos contadores individuais titulados pela autora.
Devidamente citadas para o efeito veio a 1ª ré apresentar a sua contestação, na qual invocou a excepção dilatória de litispendência, a excepção perentória de falta de condição para a interposição da ação, e a excepção perentória de caducidade do direito de impugnação, impugnando ainda os factos alegados pela autora.
Por sua vez o 2º réu apresentou a sua contestação, na qual defendeu a sua ilegitimidade, em virtude do litígio se circunscrever à actuação da 1ª ré, impugnando ainda os factos alegados pela autora.
A autora pronunciou-se pela improcedência das excepções invocadas por ambos os réus e veio ainda apresentar ampliação do seu pedido primitivo, ampliação essa que foi admitida.
De seguida, foi realizada audiência prévia, no âmbito da qual foi proferido despacho saneador, tendo sido considerada procedente a excepção dilatória de ilegitimidade passiva do 2º réu, o qual foi absolvido da instância.
Posteriormente, foi considerado prejudicado o conhecimento da excepção dilatória de litispendência, tendo sido identificado o objeto do litígio e fixados os temas da prova, sem que tenha sido apresentada qualquer reclamação pelas partes.
Foi realizada a audiência de julgamento, com observância das formalidades legais e, de seguida, foi proferida sentença pela M.ma Juiz a quo na qual a presente acção foi julgada procedente, por provada e, em consequência, veio a ser declarado que a autora não é responsável pelo pagamento da diferença entre a leitura do contador totalizador e a leitura dos contadores individuais titulados pela autora e demais proprietários das fracções autónomas do setor (…) do loteamento n.º (…) e, por via disso, pelo pagamento das facturas emitidas e a emitir pela ré com base nesse cálculo.

Inconformada com tal decisão dela apelou a 1ª ré, tendo apresentado para o efeito as suas alegações de recurso e terminando as mesmas com as seguintes conclusões:
A) É fundamento do presente recurso a impugnação da matéria de facto dada como provada, por erro de julgamento, nomeadamente quanto à apreciação e análise critica da prova produzida em audiência de julgamento e insuficiência dos factos dados como provados, pois houve omissão de factos que deveriam constar nos factos provados e que, no entender da recorrente, são importantes para a boa decisão da causa, além do erro de julgamento por errónea interpretação e aplicação do Direito.
B) O Tribunal a quo fundou a sua convicção na apreciação crítica e livre de toda a prova produzida, designadamente da prova testemunhal produzida em audiência de julgamento e no teor dos documentos juntos aos autos.
C) O Tribunal a quo não valorou a prova que foi produzida em julgamento, obedecendo a critérios da experiência comum e da lógica do homem médio, nem interpretou de maneira adequada os dados objetivos que foram recolhidos.
D) A apreciação crítica das provas, consiste na exposição do processo racional e lógico pelo qual o Tribunal considerou os factos provados ou não provados, com base na prova produzida, de modo a permitir compreender o motivo pelo qual o Tribunal julgou suficientes ou prevalecentes os meios de prova que suportam a decisão negativa ou positiva da matéria de facto em causa.
E) Dito de outra forma, esta apreciação crítica de provas, como refere o n.º 4 do artigo 607.º do CPC, deve permitir uma melhor compreensão dos motivos, pelos quais o Tribunal julgou suficientes ou insuficientes os meios de prova que suportam e fundamentam a sua decisão quanto à matéria de facto em causa, sem contudo se possa extrair daí, qualquer limitação do principio da livre apreciação da prova por parte do Tribunal, de modo a produzir-se a final no homem médio, a convicção de que se fez justiça.
F) Não será demais fazer lembrar que “…o exame crítico das provas deve ser aferido com critérios de razoabilidade que permita avaliar cabalmente o porquê da decisão e o processo lógico-mental que serviu de suporte ao respectivo conteúdo” (cfr. Ac. STJ de 11.10.2000).
G) No entender da recorrente, o Tribunal a quo, na apreciação que fez das provas, excedeu-se quanto ao respeito pelo princípio da livre apreciação das provas a que se encontra vinculado.
H) O Tribunal a quo em face da prova produzida, designadamente do depoimento das testemunhas (…), (…) e (…), transcritos nas alegações teria que considerar provados os seguintes factos:
a) “A Ré não tem acesso ao Lote (…), sector (…) porque o mesmo está vedado e tem cancelas.”
b) “Em caso de rutura os veículos e as máquinas da Ré não conseguem entrar para dentro do lote para abrir as valas e proceder à reparação, não existe condições de acesso.”
c) “A Ré nunca teve qualquer intervenção ou procedeu a qualquer
reparação no mencionado Lote (…).”
d) “Em caso de rutura ou qualquer anomalia é a Autora que sempre tem procedido à respectiva reparação.”
e) “No Lote (…) existem lojas e esplanadas o qual é gerido pela Autora que cobra pela utilização do espaço.”
f) “Existem situações idênticas à da Autora o qual a Ré colocou contadores gerais(totalizadores) e não existe qualquer problema.”
I) Devem por isso serem considerados provados os factos anteriormente mencionados e serem aditados aos factos provados, pois tais factos são relevantes para a decisão da causa.
J) Em sede de contestação à acção a Ré ora recorrente invocou a Caducidade do Direito da Acção de impugnação por força do n.º 4 do artigo 16.º da Lei n.º 53-E/2006, de 29 de Dezembro pois o que está em causa e que consta nas respectivas faturas são serviços de fornecimento de água e como tal consubstancia Taxas, no caso em apreço Taxas das Autarquias Locais neste caso do Município de Loulé.
K) Em face da invocada caducidade da acção veio o Tribunal a quo na sua decisão invocar que o n.º 4 do artigo 16.º da Lei n.º 53-E/2006, de 29 de Dezembro não tem aplicação ao caso em apreço, porque o mesmo aplica-se à impugnação para o Tribunal Administrativo e Fiscal da área do Município, e não para este Tribunal que se considera materialmente competente.
L) Não pode a recorrente aceitar tal interpretação, porquanto o artigo 16.º da Lei n.º 53-E/2006, de 29 de Dezembro tem aplicação às impugnações das taxas das Autarquias Locais e designadamente o seu n.º 4 tem aplicação ao caso em Apreço, pois deverá ser interpretado no sentido de que a impugnação judicial da liquidação da taxa de autarquia local, seja ela para o Tribunal Administrativo e Fiscal ou para os Tribunais Comuns deverá ser intentada prazo de 60 dias a contar do indeferimento da reclamação.
M) Deverá ser considerada procedente a excepção de Caducidade do Direito de Impugnação (Acção) invocada em sede de Contestação à acção, e a Ré/Recorrente absolvida dos pedidos formulados pela Autora.
N) O Tribunal a quo entendeu, que o que está em causa e o que se encontra instalado no prédio da Autora é uma Rede Publica, sendo entendimento da ora Ré, recorrente, que é uma rede predial.
O) Em face da prova produzida, e designadamente dos factos alegados em 10º a), b), c), d), e) e f) os quais deverão ser considerados provados e serem aditados à matéria de facto dos factos provados, constata-se que a Ré não tem acesso à alegada rede publica. A rede é publica, a responsabilidade pela sua gestão e manutenção é da Ré, mas a Ré não tem acesso a tal rede. A Ré só tem acesso a tal rede publica com autorização da Autora.
P) A conduta de abastecimento de água, não entra no prédio urbano propriedade da autora, entrando sim o Ramal de Ligação, no qual se encontra instalado o contador totalizador, ponto a partir do qual se inicia a rede predial do respectivo prédio.
Q) O ramal de ligação que abastece o prédio urbano da Autora encontra-se devidamente identificado nas plantas juntas aos autos (fls. 801), sendo o que a Ré não identificou porque desconhece, por não serem infraestruturas públicas, são os ramais prediais que se encontram no prédio propriedade da Autora, sobre os quais a Ré não tem conhecimento sobre a sua localização, por não fazerem parte do cadastro gerido pela Ré, cadastro esse onde se encontram geolocalizadas todas as infraestruturas publicas geridas pela Ré enquanto entidade gestora das infraestruturas públicas.
R) Em face da prova produzida em audiência de julgamento (documental e testemunhal) e dos preceitos legais aplicáveis consta na fundamentação de direito da sentença ora em recurso, é entendimento da Ré, é entendimento da recorrente que o Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento por errónea interpretação e aplicação do Direito.
S) Em face dos preceitos legais aplicáveis não poderia o Tribunal a quo ter concluído que os ramais prediais que se encontram no prédio propriedade da Autora consubstanciam uma Rede Pública. Pois em face dos preceitos legais aplicáveis designadamente artigo 6.º do Regulamento n.º 134/2022, de 7 de Fevereiro, alíneas qq) e ss) e artigo 44.º, n.º 1, do Regulamento n.º 594/2018, de 04 de Setembro os ramais prediais que se encontram no prédio propriedade da Autora consubstanciam uma Rede Predial.
T) E sendo rede predial a respetiva conservação em boas condições de funcionamento e salubridade é da responsabilidade do proprietário. A
responsabilidade dos proprietários pela conservação e manutenção das redes prediais inclui a deteção e reparação de roturas ou de anomalias nos dispositivos de utilização (n.º 3 e 4 do artigo 44.º do Regulamento 594/2018, de 04 de Setembro).
U) Tanto é Rede Predial que a Autora levou a efeito reparações em zonas não concretamente apuradas das condutas (deverá interpretar-se ramais prediais) de abastecimento de água que se encontram enterradas no prédio urbano da Autora, tendo a mesma realizado intervenções para colmatar as apontadas fugas ou perdas de água no sector (…).
V) Considerando a Autora que a Rede em causa é uma Rede Pública, qual a justificação para que a mesma tenha realizado as intervenções anteriormente mencionadas e que constam nos factos provados, para eliminar fugas ou perdas de água no sector (…).
X) Considerando a Autora que a Rede em causa é uma Rede Pública, qual a justificação para ter sido a Autora que desde sempre assumiu a gestão e manutenção dessa alegada Rede Pública?
Z) Considerando a Autora que a Rede em causa é uma Rede Pública, qual a justificação para que a Autora ao realizar as intervenções anteriormente mencionadas e que constam nos factos provados, não tenha dado conhecimento à Ré nem obtido qualquer autorização da Ré, enquanto entidade gestora das infraestruturas publicas para a realização dessas intervenções.
AA) Considerando a Autora que a Rede em causa é uma Rede Pública, não poderia a Autora realizar essas intervenções em Rede Pública, por tal não lhe ser legalmente permitido.
AB) A Autora realizou as intervenções em causa porque sempre considerou que se trata de uma Rede Predial e como tal da sua responsabilidade.
AC) Considerando a Autora que a Rede em causa (água) é uma Rede Pública qual a justificação para que a Autora considere que como rede privada a infraestrutura predial de águas residuais domésticas desse lote, composta por uma rede de colectores, caixas de visita e estação elevatória, geridas, na integra pela Autora. Constata-se pois que a Autora por um lado considera como Rede Pública a do abastecimento de água e Rede Privada a rede predial de águas residuais domésticas.
AD) A Autora gere as infraestruturas conforme sua conveniência, pois ambas, rede predial de abastecimento de água e rede predial de águas residuais domésticas, se encontram no prédio da autora, sendo que no caso da rede de água a Autora defende que é uma Rede Pública, não se responsabilizando pela mesma, no caso da rede predial de águas residuais domésticas assume que é uma rede privada pois procede à respectiva gestão e manutenção.
AE) Não poderia o Tribunal a quo ter concluído que os ramais prediais (água) que se encontram no prédio propriedade da Autora consubstanciam uma Rede Pública.
AF) Pelo que o Tribunal a quo ao decidir que a autora não é responsável pelo pagamento da diferença entre a leitura do contador totalizador e a leitura dos contadores individuais titulados pela autora e demais proprietários das frações autónoma do sector (…) do loteamento n.º (…) e, consequentemente, pelo pagamento das faturas emitidas e a emitir pela ré com base nesse cálculo”, incorreu em erro de julgamento por errónea interpretação e aplicação do Direito.
AG) Pelo que deverá a sentença ora em recurso ser revogada e substituída por outra em que considere totalmente improcedente todos os pedidos formulados pela Autora com as demais consequências legais.
AH) Termos em que, nos melhores de Direito, doutamente supridos por V. Exas., deverá o presente recurso ser considerado procedente e, em consequência:
- Deverá a sentença ora em recurso ser revogada e substituída por outra em que considere totalmente improcedente todos os pedidos formulados pela Autora com as demais consequências legais, assim se fazendo a costuma da Justiça.
Pela A. não foram apresentadas contra alegações de recurso.
Foram colhidos os vistos juntos dos Ex.mos Juízes Adjuntos – cfr. artigo 657.º, n.º 2, do C.P.C..
Cumpre apreciar e decidir:

Como se sabe, é pelas conclusões com que a recorrente remata a sua alegação (aí indicando, de forma sintética, os fundamentos por que pede a alteração ou anulação da decisão recorrida: artigo 639.º, n.º 1, do C.P.C.) que se determina o âmbito de intervenção do tribunal ad quem [1] [2].
Efectivamente, muito embora, na falta de especificação logo no requerimento de interposição, o recurso abranja tudo o que na parte dispositiva da sentença for desfavorável à recorrente (artigo 635.º, n.º 3, do C.P.C.), esse objecto, assim delimitado, pode vir a ser restringido (expressa ou tacitamente) nas conclusões da alegação (n.º 4 do mesmo artigo 635.º) [3] [4].
Por isso, todas as questões de mérito que tenham sido objecto de julgamento na sentença recorrida e que não sejam abordadas nas conclusões da alegação da recorrente, mostrando-se objectiva e materialmente excluídas dessas conclusões, têm de se considerar decididas e arrumadas, não podendo delas conhecer o tribunal de recurso.
No caso em apreço emerge das conclusões de recurso apresentadas pela 1.ª Ré, ora apelante, que o objecto do mesmo está circunscrito à apreciação das seguintes questões:
1º) Saber se foi incorrectamente valorada pelo tribunal a quo a prova carreada para os autos e, por isso, deve ser alterada a factualidade dada como provada (aditando-se novos factos);
2º) Saber se se verifica a excepção de caducidade do direito de instaurar a presente acção por parte da A., o que acarreta a absolvição da R. dos pedidos;
3º) Finalmente, saber se a A. deve ser responsabilizada pelo pagamento à 1.ª R. do fornecimento de água ao prédio de que é proprietária, nomeadamente pelo pagamento da diferença entre a leitura do contador totalizador e a leitura dos contadores individuais titulados pela A. – existentes no prédio urbano identificado em 3 dos factos provados – mais a leitura dos restantes contadores individuais instalados nas frações autónomas dos 23 prédios urbanos do setor (…) a que se refere o ponto 6 dos factos provados.

Antes de nos pronunciarmos sobre as questões supra referidas importa ter presente qual a factualidade que foi dada como provada no tribunal a quo e que, de imediato, passamos a transcrever:
1- O prédio urbano denominado “Quinta de (…)”, descrito na Conservatória do Registo Predial de Loulé sob o n.º (…), a fls. (…), do Livro (…) e inscrito na matriz sob o n.º (…) foi objeto de operação de loteamento titulada pelo alvará de loteamento n.º … (cfr. doc. de fls. 25/26vº, cujo teor se dá por reproduzido).
2- Este prédio possuía uma área de 20.600 m2 e foi loteado em 23 lotes de terreno, nos quais foram construídos edifícios submetidos ao regime da propriedade horizontal (cfr. docs. de fls. 25/26vº e 27vº/70vº, cujo teor se dá por reproduzido).
3- O prédio urbano denominado Lote (…), setor (..), descrito na Conservatória do Registo Predial de Loulé sob o número (…), da freguesia de Quarteira, inscrito na matriz predial sob o artigo (…) corresponde ao remanescente do prédio primitivo do qual aqueles 23 lotes de terreno foram destacados (cfr. docs. de fls. 25/26vº e 27vº/70vº, cujo teor se dá por reproduzido).
4- Através de escritura pública de compra e venda outorgada em 27 de dezembro de 2018, a autora declarou comprar a (…) – Empresa de Administração e (…), S.A., que declarou vender, o prédio urbano identificado em 3 (cfr. doc. de fls. 20vº/24, cujo teor se dá por reproduzido).
5- O qual é composto por parques de estacionamento e outras instalações de uso comum, bem como os acessos e passagens aos blocos e à (…).
6- A conduta de abastecimento de água da rede pública que abastece o prédio urbano identificado em 3. abastece também os 23 prédios urbanos do setor (…) que resultaram do loteamento n.º (…).
7- A (…) – Empresa de (…) de (…), E.M. é uma empresa Municipal, na qual o Município de Loulé detém uma participação de 51% do capital social e que tem por objeto social, entre outras, a gestão e prestação do sistema de adução e distribuição de água para consumo público; a gestão e prestação do sistema de saneamento básico; a gestão e prestação do sistema de recolha de resíduos sólidos urbanos e resíduos verdes; a construção, gestão e manutenção das infraestruturas públicas municipais ou integrantes no domínio público municipal de Vilamoura e gestão urbana, dos estacionamentos públicos, da limpeza urbana e de ruas; e) promoção e a gestão do estacionamento publico urbano (cfr. doc. de fls. 420/424vº, cujo teor se dá por reproduzido).
8- O Município de Loulé ao abrigo do Contrato Programa de 02/03/2018, delegou os serviços municipais mencionados na (…) E.M. (cfr. doc. de fls. 425/430, cujo teor se dá por reproduzido).
9- No ano de 2019 a ré detetou um volume elevado de água que abastecia através da conduta que abastece o prédio urbano identificado em 3 e os 23 prédios urbanos do sector (…) resultantes do loteamento n.º (…).
10- Após o que contatou a autora no sentido de instalar um contador totalizador à entrada do prédio urbano identificado em 3 para verificar se na origem daquele volume de água existiam fugas, sugerindo que fosse celebrado acordo escrito.
11- A autora não concordou com a instalação desse contador e não foi celebrado qualquer acordo escrito ou verbal para esse efeito.
12- A ré instalou um contador totalizador na conduta referida em 6 junto da entrada do prédio urbano identificado em 3.
13- Os ramais de ligação dessa conduta que abastecem os 23 prédios urbanos encontram-se enterrados no prédio urbano identificado em 3.
14- Alguns destes prédios urbanos distam mais de 40 (quarenta) metros da conduta de abastecimento de água da rede pública representada a fls. 804.
15- Na sequência da instalação do contador totalizador a autora passou a ser mensalmente notificada pela ré de 12 (doze) faturas referentes a esse contador, as quais contêm o preço devido pelo abastecimento público de água, de saneamento de águas residuais e de gestão resíduos urbanos.
16- Os consumos indicados nestas faturas correspondem à diferença entre as leituras registadas no contador totalizador e as leituras registadas nos 12 contadores individuais instalados no prédio urbano identificado em 3 e nos restantes contadores individuais instalados nas frações autónomas dos 23 prédios urbanos do setor (…).
17- Desde 2020 até à data da instauração da ação a autora recebeu, pelo menos, 288 (duzentos e oitenta e oitenta) faturas, que totalizam o montante de € 47.828,64 (quarenta e sete mil, oitocentos e vinte e oito euros e sessenta e quatro cêntimos), e desde essa data até 21 de julho de 2022 recebeu mais 60 faturas, referentes aos meses de fevereiro a junho de 2022, que totalizam o montante de € 8.747,16 (oito mil, setecentos e quarenta e sete euros e dezasseis cêntimos).
18- Logo que rececionou as faturas a autora apresentou reclamação junto da (…), Empresa de (…) de (…), E.M., da Entidade Reguladora dos Serviços de Águas e Resíduos e da Câmara Municipal de Loulé.
19- A ré instaurou contra a autora ações executivas fiscais, referentes a tais faturas, tendo a autora apresentado impugnação judicial junto do Tribunal Administrativo e Fiscal de Loulé.
20- A autora levou a efeito reparações em zonas não concretamente apuradas das condutas de abastecimento de água que se encontram enterradas no prédio urbano identificado em 3.
21- A ré realizou a verificação dos contadores divisionários instalados nas frações autónoma dos 23 prédios urbanos do sector (…), procedendo à substituição de alguns deles.
22- Após essas reparações e intervenções houve uma diminuição no volume de água medido pelo contador totalizador.

Apreciando, de imediato, a primeira questão suscitada pela 1ª R., ora apelante – saber se foi incorrectamente valorada pelo tribunal a quo a prova carreada para os autos e, por isso, deve ser alterada a factualidade dada como provada (aditando-se novos factos) – importa dizer a tal respeito que a pretensão da recorrente tem na sua base a prova testemunhal produzida nos autos, nomeadamente os depoimentos que foram prestados por (…), (…) e (…) em audiência de julgamento.
Com efeito, a 1ª R., ora apelante, pretende que, aos factos já dados como provados na sentença recorrida, seja aditada a seguinte factualidade:
a) “A Ré não tem acesso ao Lote (…), sector (…) porque o mesmo está vedado e tem cancelas”;
b) “Em caso de rutura os veículos e as máquinas da Ré não conseguem entrar para dentro do lote para abrir as valas e proceder à reparação, não existe condições de acesso”;
c) “A Ré nunca teve qualquer intervenção ou procedeu a qualquer reparação no mencionado Lote (…)”;
d) “Em caso de rutura ou qualquer anomalia é a Autora que sempre tem procedido à respectiva reparação”;
e)” No Lote (…) existem lojas e esplanadas o qual é gerido pela Autora que cobra pela utilização do espaço”;
f) “Existem situações idênticas à da Autora o qual a Ré colocou contadores gerais (totalizadores) e não existe qualquer problema”.
Todavia, a este propósito sempre se dirá que a matéria fáctica supra transcrita não foi, de todo, alegada pelas partes nos respectivos articulados, nomeadamente na contestação apresentada pela recorrente, o que esta, querendo, podia ter feito, sendo certo que a respectiva omissão só a ela é imputável – cfr. artigo 5.º, n.º 1, do C.P.C..
Por outro lado, também não estão verificados os requisitos a que alude o n.º 2 do citado artigo 5.º para que a factualidade em causa pudesse ser considerada e admitida nesta fase recursiva.
Assim sendo, forçoso é concluir que tem de ser rejeitada a impugnação da matéria de facto efectuada pela apelante – o que se determina – uma vez que tal matéria, acima transcrita, não foi objecto de alegação por qualquer uma das partes no decurso da tramitação do processo no tribunal a quo (cfr. petição inicial, contestação e réplica).

Analisando agora a segunda questão levantada pela 1ª Ré, ora apelante – saber se se verifica a excepção de caducidade do direito de instaurar a presente acção por parte da A., o que acarreta a absolvição da R. dos pedidos – haverá que ter o presente o que, a tal propósito, dispõe o artigo 16.º da Lei n.º 53-E/2006, de 29/12, diploma que contém o Regime Geral das Taxas das Autarquias Locais:
1 - Os sujeitos passivos das taxas para as autarquias locais podem reclamar ou impugnar a respectiva liquidação.
2 - A reclamação é deduzida perante o órgão que efectuou a liquidação da taxa no prazo de 30 dias a contar da notificação da liquidação.
3 - A reclamação presume-se indeferida para efeitos de impugnação judicial se não for decidida no prazo de 60 dias.
4 - Do indeferimento tácito ou expresso cabe impugnação judicial para o tribunal administrativo e fiscal da área do município ou da junta de freguesia, no prazo de 60 dias a contar do indeferimento.
5 - A impugnação judicial depende da prévia dedução da reclamação prevista no n.º 2 do presente artigo.
No caso em apreço, a A. apresentou as respectivas reclamações, e também as impugnou judicialmente (cfr. ponto 18 dos factos provados e documento junto com a petição inicial e ao qual se alude no artigo 54º de tal articulado).
E, mesmo que se entenda, porventura, que as impugnações judiciais feitas pela A. não eram tempestivas sempre se dirá que a norma em causa (n.º 4 do citado artigo 16.º) afirma, de forma expressa, que cabe impugnação para o Tribunal Administrativo e Fiscal da área do Município, mas aí não referindo (ou incluindo) o Tribunal Judicial, como ocorre in casu, o qual tem competência, em razão da matéria, para apreciar e decidir o pleito aqui em análise – cfr. Acs. da R.L. de 8/10/2020, de 24/11/2020 e de 27/4/2021, todos disponíveis in www.dgsi.pt.
Por último, importa ter presente que, ao contrário do que é sustentado pela recorrente, a presente acção não corresponde a uma mera impugnação judicial, pois não tem como finalidade reclamar ou impugnar a liquidação de taxas devidas.
Na verdade, atentas as razões e fundamentos explanados na petição inicial apresentada pela A., o que se discute nesta acção é o facto de não lhe poder ser imputado e cobrado o fornecimento da água, conforme tem vindo a ocorrer e também para o futuro, com base em cálculo indevido feito pela 1ª Ré.
Assim sendo, entendemos que não tem aqui aplicação o artigo 16.º, n.º 4, do Regime Geral das Taxas das Autarquias Locais e, por via disso, não se verifica a excepção de caducidade do direito de instaurar a presente acção por parte da A.

Finalmente, apreciando, a terceira questão suscitada pela 1ª Ré, ora apelante – saber se a A. deve ser responsabilizada pelo pagamento à 1ª Ré do fornecimento de água ao prédio de que é proprietária, nomeadamente pelo pagamento da diferença entre a leitura do contador totalizador e a leitura dos contadores individuais titulados pela Autora – existentes no prédio urbano identificado em 3 dos factos provados – mais a leitura dos restantes contadores individuais instalados nas frações autónomas dos 23 prédios urbanos do setor (…), a que se refere o ponto 6 dos factos provados – importa dizer a tal respeito que, da factualidade apurada nos presentes autos, resulta claro que a instalação do contador totalizador, por parte da 1ª R., foi feita a suas expensas e teve por base a percepção que esta tinha de que podiam existir eventuais fugas de água no ramal público e respectivas condutas de abastecimento e ligação, quer ao prédio da A., identificado no ponto 3 dos factos provados, quer aos outros 23 prédios identificados no ponto 6 dos factos provados.
No entanto, a instalação do referido contador totalizador pela 1ª R. não teve a anuência da A., nem sequer foi celebrado entre elas qualquer contrato escrito ou verbal para esse efeito – cfr. ponto 11 dos factos provados.
Não obstante, e apesar de, como vimos, inexistir qualquer contrato celebrado entre a A. e a 1ª R., a partir daí, passou a A. a ser mensalmente notificada pela R. de 12 facturas referentes a esse contador – as quais contêm o preço devido pelo abastecimento público de água, de saneamento de águas residuais e de gestão resíduos urbanos – sendo que os consumos indicados em tais facturas correspondem à diferença entre as leituras registadas no contador totalizador e as leituras registadas nos 12 contadores individuais instalados no prédio urbano identificado em 3 e propriedade da A., mais os restantes contadores individuais instalados nas frações autónomas dos 23 prédios urbanos do sector (…) – cfr. pontos 15 e 16 dos factos provados.
Todavia, não é pelo facto do aludido contador totalizador ter sido instalado, apenas por vontade da 1ª R., à entrada do prédio da A. – em virtude da conduta de abastecimento de água da rede pública que abastece o prédio da A. abastecer também os 23 prédios urbanos do setor (…) que resultaram do loteamento n.º (…) – que a A. tinha de ser a única responsável pelo pagamento dos excessos de leitura de água verificados, correspondentes às diferenças supra referidas.
Na verdade, ao contrário do que sustenta a recorrente, é nosso entendimento que o contador totalizador por si instalado tem apenas uma função de controlo, não permitindo, em caso de discrepância, aferir que essa água medida foi consumida por uma determinada fracção ou partes comuns ou se, por exemplo, resultou de uma fuga ou ruptura, pelo que não pode tal contador totalizador justificar legalmente a emissão de facturas, nem a cobrança de quaisquer valores monetários, pois o prédio que é propriedade da A. possui contadores para os consumos efectuados pelas partes comuns do prédio.
Ora, a este propósito, importa ter presente o que, em caso idêntico ou similar ao destes autos, foi afirmado no Ac. da R.L. de 2/2/2016, disponível in www.dgsi.pt, o qual, desde já, passamos a transcrever:
- A questão essencial, como já referido, atendendo aos fundamentos em que a apelante baseou o seu pedido, tem a ver com as diferenças alegadamente detectadas entre a medição através do contador padrão / totalitário e os consumos medidos pelos contadores divisionários.
Discorda a apelante da interpretação adoptada na sentença recorrida quanto ao disposto no n.º 3, do artigo 66.º, do Decreto-Lei n.º 194/2009 (diploma que estabelece o regime jurídico dos serviços municipais de abastecimento público de água, saneamento de águas residuais urbanas e de gestão de resíduos urbanos – cfr. artigo 1.º daquele diploma legal).
Os n.ºs 2 e 3, daquele artigo têm a seguinte redacção:
“2- Compete à entidade gestora a colocação manutenção e a substituição de instrumentos e medição adequados às características do local e ao perfil de consumo do utilizador dando cumprimento ao estabelecido na legislação sobre controlo metrológico.
3- Em prédios em propriedade horizontal devem ser instalados instrumentos de medição em número e com o diâmetro estritamente necessários aos consumos nas zonas comuns ou, em alternativa e por opção da entidade gestora, nomeadamente por existir reservatório predial, podem ser instalados contadores totalizadores, sem que neste caso o acréscimo de custos possa ser imputado aos proprietários”.
Normas que têm em conta as disposições imperativas constantes das referidas alíneas a) e b), do n.º 2, do artigo 8.º da Lei 23/96, de 26 de Fevereiro.
Defende a apelante que quando a medição do contador totalizador (vulgarmente denominado de contador padrão) regista um valor de consumo de água superior ao resultante dos registos do conjunto dos contadores fraccionários (também chamados contadores divisionários), o citado n.º 3, do artigo 66.º, do Decreto-Lei n.º 194/2009, não impede que se possa facturar/cobrar tal diferença e tarifas e taxas associadas a tal consumo à entidade que representa os proprietários e administra as partes comuns do prédio em propriedade horizontal, onde tal diferença seja detectada/medida. E que na parte em que estabelece que a instalação de contadores totalizadores não pode implicar acréscimo de custos para os proprietários, refere-se, única e exclusivamente ao acréscimo de custos ligados à sua instalação.
Defende ainda que a questão das averiguações / apuramento da origem da diferença de consumos verificada, traduzida em medições não coincidentes entre contador totalizador e o conjunto dos contadores divisionários, bem como o apuramento de responsabilidades por tal facto, não cabe à Autora e ora Recorrente (na sua qualidade de entidade gestora do sistema público de distribuição de água e drenagem de águas residuais), dado que a origem para a diferença na medição dos contadores (totalizador e divisionários) não reside no sistema público de distribuição de água (rede pública) explorada sob responsabilidade da entidade gestora, mas sim, no sistema de distribuição predial de água (rede predial), cuja instalação e conservação em boas condições de funcionamento cabe aos proprietários.
Efectivamente, decorre do citado n.º 4 do artigo 66.º do Decreto-Lei n.º 194/2009 que a instalação dos sistemas prediais e respectiva conservação em boas condições de funcionamento e salubridade é da responsabilidade do proprietário.
Porém, a apelante não alegou que as invocadas diferenças entre a medição do contador totalizador e a medição dos contadores divisionários, decorra de qualquer facto imputável ao Condomínio ou aos proprietários das fracções autónomas, nomeadamente, que se deva a falta ou deficiente conservação das “instalações prediais”.
E esquece que os “sistemas prediais” estão sujeitos a acções de inspecção da entidade gestora (cfr. artigo 70.º, n.º 1, do citado Decreto-Lei n.º 194/2009). E que esta é consultada durante o procedimento prévio de operação urbanística, para emitir parecer, sobre os projectos dos sistemas prediais (cfr. artigo 69.º, n.º 5, do mesmo diploma legal).
Limita-se a alegar que há diferenças de medição entre o contador padrão e os contadores divisionários e pede o pagamento da diferença, acrescida de taxas, dando prevalência à medição do contador padrão, sem indicar qualquer razão para as divergências que alega existirem.
(…) Optando a entidade gestora pela instalação de contador totalitário a instalação deste, não lhe permite cobrar ao Condomínio os referidos valores diferenciais, nos casos, como o presente, em que foram também instalados contadores divisionários para medição dos consumos efectivos nas zonas comuns.
Entendemos que só no caso de não existirem contadores divisionários para os consumos de água nas áreas comuns é que o Condomínio terá, sem prejuízo de poder reclamar de situações anormais, de suportar o custo do volume da água medida pelo contador totalizador e taxas associadas ao consumo.
Existindo contadores para medir os consumos de água nas áreas comuns, a opção da apelante em instalar também um contador totalitário, não lhe confere, só por si, o direito de cobrar ao Condomínio a diferença entre a medição dos contadores divisionários e a medição efectuada pelo contador padrão / totalizador. Diferenças que podem ocorrer por razões várias: defeito / irregularidade de funcionamento dos contadores, cuja colação, inspecção, manutenção e substituição cabe à entidade gestora; fugas; desvio de água por meio de fraude, entre outras.
Conforme esclarece a Entidade Reguladora dos Serviços de Águas e Resíduos (disponível in www.ersar.pt.):
- “Designa-se por contador totalizador toda a unidade de contagem instalada num troço, a jusante do qual, se encontra(m) outro(s) contador(es) em dependência, estes últimos denominados contadores diferenciais ou simplesmente contadores.
Os contadores totalizadores são geralmente instalados à entrada de prédios em propriedade horizontal, servindo para calcular as diferenças entre o total dos consumos individuais (medidos pelos contadores diferenciais instalados em cada uma das fracções) e o volume total de água fornecida ao prédio. Destina-se a detectar perdas ou a medir o consumo realizado nas partes comuns do prédio, por exemplo, de lavagens ou rega”.
Mais esclarece que um contador totalizador, por regra, apenas é instalado no interesse da entidade gestora para apurar perdas na rede predial.
Assim, tendo em conta a sua função (exceptuando os casos em que não existam contadores diferenciais para mediação dos consumos nas partes comuns) o contador totalitário/totalizador não serve para medir o consumo de água nas partes comuns, sendo instalado, por opção e no interesse da gestora, para controlo de eventuais fugas de água.
Tem a apelante razão quando refere que a existência de reservatórios prediais é uma das situações que lhe permite optar pela instalação de contador totalitário.
Mas no presente caso não instalou apenas o contador totalizador, instalou também contadores fraccionários para medir os consumos de água nas partes comuns do prédio em causa.
O facto de existirem reservatórios, permite-lhe optar pela instalação de contador totalitário, mas não lhe confere o direito a facturar as diferenças entre a medição do contador totalitário e a medição dos consumos efectivos de água através dos contadores fraccionários que foram também por ela instalados para medição dos consumos efectivos nas partes comuns.
Resulta do acima exposto que a lei permite à entidade gestora, nomeadamente, quando existir reservatório predial, optar pela instalação de contador totalitário ou pela instalação de um contador divisionário “com o diâmetro estritamente necessários aos consumos nas zonas comuns“, para medição do consumo efectivo de água nas partes comuns do prédio, da responsabilidade do Condomínio.
Instalando para medição dos consumos nas partes comuns contador divisionário e, além deste, por opção e no interesse da entidade gestora, um contador totalitário, a menos que tal seja acordado no contrato de fornecimento de água celebrado com o Condomínio, não há fundamento para cobrar a este a diferença entre o volume de água consumida, medida pelo contador divisionário e o volume de água medido pelo contador totalitário.
O contador padrão, em regra, não mede o consumo de água nas partes comuns e em cada uma das fracções autónomas, mas somente a quantidade global de água que entra no prédio. Existindo contadores divisionários para os consumos nas partes comuns e nas fracções do prédio, destina-se apenas a aferir da existência de diferenças entre o valor total dos consumos dos contadores diferenciais e o valor aferido pelo contador totalizador. Nos casos em que são também instalados contadores divisionários para medição dos consumos de água nas partes comuns, o contador totalizador, instalado por opção e interesse da entidade gestora, tem apenas uma função de controlo, verificação de fugas de água que podem decorrer de várias causas, incluindo o deficiente funcionamento dos contadores, cuja colocação e manutenção está a cargo da entidade gestora.
Assim, não tendo alegado que acordou e/ou informou o Condomínio que ficava a cargo deste a diferença verificada entre a medição pelo contador padrão e os contadores divisionários (instalados para medição dos consumos de água nas partes comuns e nas várias fracções autónomas), o pedido carece de fundamento.
Tendo facturado e pedido o valor correspondente (preço da água e taxas associadas ao consumo) à diferença entre o total do volume de água fornecido medido pelos contadores divisionários e o total medido pelo contador totalizador e não resultando tal obrigação directamente da legislação que rege o serviço de abastecimento público de água, cabia-lhe o ónus de alegação e prova de que tal foi acordado no âmbito do contrato celebrado com o apelado (cfr. artigo 342.º, n.º 1, do Código). O que não consta do contrato de que juntou cópia aos autos, nem foi alegado que tenha sido objecto de qualquer acordo verbal ou escrito celebrado com o apelado.
Assim sendo, atentas as razões e os fundamentos devidamente explanados no aresto supra transcrito, forçoso é concluir que a A. não é, de todo, responsável pelo pagamento da diferença entre a leitura do contador totalizador instalado pela 1ª Ré e a leitura dos contadores individuais titulados pela A. e pelos demais proprietários das frações autónomas do setor (…) do loteamento n.º (…) e, por via disso, não é a A. responsável pelo pagamento das facturas emitidas e a emitir pela 1ª R. com base nesse cálculo.
Nestes termos, verifica-se que a decisão recorrida não merece qualquer censura ou reparo e, por isso, deverá manter-se na íntegra. Em consequência, improcedem, in totum, as conclusões do recurso formuladas pela 1ª Ré, aqui apelante, não tendo sido violados os preceitos legais por ela indicados.

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Por fim, atento o estipulado no n.º 7 do artigo 663.º do C.P.C., passamos a elaborar o seguinte sumário: (…)

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Decisão:

Pelo exposto, acordam os Juízes desta Relação em julgar improcedente o presente recurso de apelação interposto pela 1ª Ré, confirmando-se inteiramente a sentença proferida pela M.ma Juiz a quo.
Custas pela 1ª Ré, aqui apelante.
Évora, 23 de Novembro de 2023
Rui Machado e Moura (Relator)
Mário Canelas Brás (1º Adjunto)
Isabel Imaginário (2ª Adjunta)

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[1] Cfr., neste sentido, Alberto dos Reis, in “Código de Processo Civil Anotado”, vol. V, págs. 362 e 363.
[2] Cfr., também neste sentido, os Acórdãos do STJ de 6/5/1987 (in Tribuna da Justiça, n.ºs 32/33, pág. 30), de 13/3/1991 (in Actualidade Jurídica, n.º 17, pág. 3), de 12/12/1995 (in BMJ n.º 452, pág. 385) e de 14/4/1999 (in BMJ n.º 486, pág. 279).
[3] O que, na alegação (rectius, nas suas conclusões), o recorrente não pode é ampliar o objecto do recurso anteriormente definido (no requerimento de interposição de recurso).
[4] A restrição do objecto do recurso pode resultar do simples facto de, nas conclusões, o recorrente impugnar apenas a solução dada a uma determinada questão: cfr., neste sentido, Alberto dos Reis (in “Código de Processo Civil Anotado”, vol. V, págs. 308-309 e 363), Castro Mendes (in “Direito Processual Civil”, 3º, pág. 65) e Rodrigues Bastos (in “Notas ao Código de Processo Civil”, vol. 3º, 1972, págs. 286 e 299).