Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
574/22.5GDPTM.E1
Relator: ARTUR VARGUES
Descritores: CRIMINALIDADE VIOLENTA
VÍTIMA ESPECIALMENTE VULNERÁVEL
REPARAÇÃO À VÍTIMA
ARBITRAMENTO
OMISSÃO DE PRONÚNCIA
NULIDADE DO ACÓRDÃO
Data do Acordão: 11/07/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário: Cabe ao tribunal fixar, em relação a vítimas especialmente vulneráveis, reparação pelos danos sofridos, a suportar pelo agente do crime, sendo certo que, o crime de roubo se integra no conceito de “criminalidade violenta” e mesmo no de “criminalidade especialmente violenta”, que nos são dadas pelo artigo 1º, alíneas j) e l), do CPP, pois os bens jurídicos tutelado pela incriminação são, não só a propriedade, mas também a vida, a integridade física e a liberdade de decisão e ação.
No caso em apreço, não foi pela ofendida deduzido pedido de indemnização civil no processo penal, nem, tanto quanto se sabe, em separado e também não se vê que se tenha oposto expressamente a que lhe fosse arbitrada quantia reparadora.

Assim sendo, impunha-se ao tribunal a quo que conhecesse do arbitramento de uma quantia a título de reparação dos prejuízos sofridos a suportar pelo arguido/condenado, o que não fez (após notificação do arguido para o exercício do contraditório, que se não mostra também que já o tenha sido).

Esta omissão gera a nulidade do acórdão recorrido, nesta parte, por omissão de pronúncia

Decisão Texto Integral: Acordam, em conferência, na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora
I - RELATÓRIO

1. Nos presentes autos com o nº 574/22.5GDPTM, do Tribunal Judicial da Comarca de … – Juízo Central Criminal de … – Juiz …, em Processo Comum, com intervenção do Tribunal Colectivo, foi o arguido AA condenado, por acórdão de 30/05/2023, pela prática de um crime de roubo, p. e p. pelo artigo 210º, nº 1, do Código Penal, na pena de 3 anos e 10 meses de prisão.

Não se mostra arbitrada reparação à vítima nos termos do artigo 16º, da Lei nº 130/2015, de 04/09 e artigo 82º-A, do CPP.

2. O Ministério Público não se conformou com a decisão e dela interpôs recurso, tendo extraído da motivação as seguintes conclusões (transcrição):

1. O arguido AA foi condenado nos presentes autos, pela prática de um crime de roubo, previsto e punido pelo artigo 210.º, n.º 1, do Código Penal, na pena de 3 anos e 10 meses de prisão (efectiva).

2. Sucedeu que, o arguido AA não foi condenado no pagamento de qualquer quantia a favor da vítima BB, sendo certo que, esta última não deduziu pedido de indemnização cível, nem se opôs a que expressamente lhe fosse atribuída qualquer indemnização.

3. In casu, o douto Coletivo, seguramente por lapso, esqueceu-se de fixar quantia de reparação a favor da vítima, nos termos do disposto no artigo 82.º-A, do Código de Processo Penal.

4. Todavia, o arguido AA foi condenado foi condenado pela prática de um crime de roubo, ilícito este que integra o conceito de criminalidade violenta (1) (cfr. artigo 1.º alínea j), do Código de Processo Penal), sendo que, o mesmo é punível com pena de prisão superior a 5 anos, razão porque, tendo sido vítima desse crime BB, a mesma é considerada vítima especialmente vulnerável e, por conseguinte, não tendo esta última deduzido pedido de indemnização civil e, nem tampouco, tendo expressamente se oposto a que lhe fosse atribuída qualquer indemnização, obrigatoriamente teria que ter lugar a aplicação do disposto no artigo 82.º-A, n.º 1, do Código de Processo Penal, ou pelo menos, deveria a mesma ter sido questionada – e tal não aconteceu - expressamente sobre se a tal objectava (a que lhe fosse atribuída uma indemnização).

5. Assim, in casu, pelos motivos acima indicados, obrigatoriamente (2) o Tribunal «a quo» teria que arbitrar em favor da vítima BB uma quantia monetária a título de reparação pelos prejuízos que a mesma sofreu.

6. Pelo exposto, o Tribunal «a quo», no nosso modesto entendimento e, seguramente, por mero lapso, fez uma incorrecta interpretação das seguintes normas legais: artigo 16.º, n.ºs 1 e 2, do Estatuto da Vítima; artigos 1.º alínea j), 67.º-A, n.ºs 1 e 3 e 82.º-A, n.ºs 1 e 2, todos do Código de Processo Penal), sendo certo também que, o acórdão sob recurso, nos termos do artigo 379.º, n.º 1, alínea c), do Código de Processo Penal, é nulo, no segmento relativo ao arbitramento de indeminização à vítima, impondo-se que os autos regressem à primeira instância para cumprimento do contraditório (cfr. artigo 82.º-A, n.º 2, do Código de Processo Penal).

7. Termos em que, deverá ser julgado procedente o presente recurso e, por consequência, regressar os autos à 1.ª instância para que, após cumprimento do contraditório, seja arbitrada, nos termos do artigo 82.º-A, n.º 1, do Código de Processo Penal, a favor da vítima BB, uma quantia a título de reparação pelos prejuízos sofridos.

3. O recurso foi admitido, a subir imediatamente, nos próprios autos e com efeito suspensivo.

4. Não foi apresentada resposta à motivação de recurso.

5. Neste Tribunal da Relação, o Exmº Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer no sentido de o recurso ser julgado procedente.

6. Foi cumprido o estabelecido no artigo 417º, nº 2, do CPP, não tendo sido apresentada resposta.

7. Colhidos os vistos, foram os autos à conferência.

Cumpre apreciar e decidir.

II - FUNDAMENTAÇÃO

1. Âmbito do Recurso

O âmbito do recurso é delimitado pelas conclusões que o recorrente extrai da respectiva motivação, havendo ainda que ponderar as questões de conhecimento oficioso, mormente os vícios enunciados no artigo 410º, nº 2, do CPP – neste sentido, Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, III, 2ª edição, Editorial Verbo, pág. 335; Simas Santos e Leal Henriques, Recursos em Processo Penal, 6ª edição, Edições Rei dos Livros, pág. 103, Ac. do STJ de 28/04/99, CJ/STJ, 1999, Tomo 2, pág. 196 e Ac. do Pleno do STJ nº 7/95, de 19/10/1995, DR I Série A, de 28/12/1995.

No caso em apreço, atendendo às conclusões da motivação de recurso, a questão que se suscita é a da nulidade da decisão recorrida, dado o não arbitramento de quantia a título de reparação à vítima, que resulta legalmente obrigatório.

2. A Decisão Recorrida

O Tribunal a quo deu como provados os seguintes factos (transcrição):

1. No dia 08.09.2022, cerca das 23h30, o Arguido AA encontrava-se na Rua …, em …, quando se apercebeu da presença de BB, que ali se deslocava apeada.

2. Após ter reparado que BB trazia, por baixo do braço esquerdo, uma carteira, o Arguido formulou logo o propósito de se apoderar de tal objecto, por recurso à força.

3. Assim, o Arguido AA aproximou-se de BB, pelas costas e, de forma repentina, puxou violentamente pela carteira desta, tendo a mesma resistido e queimado, com a ponta de um cigarro, a camisola que o Arguido trazia vestida.

4. Não obstante tal resistência, o Arguido AA empurrou com força BB, fazendo-a cair no chão e, logo de seguida, voltou a puxar violentamente a dita carteira, conseguindo apoderar-se do referido objecto.

5. Acto contínuo, apercebendo-se que BB tinha na sua mão direita, um maço de tabaco, puxou violentamente por este objecto, apoderando-se do mesmo.

6. Logo após, o Arguido colocou-se em fuga, na posse dos referidos bens e da quantia monetária, fazendo-os seus.

7. A dita carteira continha no seu interior a quantia de cerca de 45,00 €, enquanto que o maço de tabaco tinha um valor não concretamente apurado.

8. Ao actuar da forma descrita, quis e conseguiu o Arguido, por meio de força física, apropriar-se dos objetos e valor acima referidos, a fim de os fazer, como fez, coisas suas, muito embora soubesse que os mesmos não lhe pertenciam e que agia contra a vontade da respetiva proprietária, causando-lhe medo, inquietação e dor.

9. Agiu o Arguido, de forma livre, voluntária e consciente, bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei.

Mais se apurou que

10. O Arguido encontra-se no Estabelecimento Prisional de … desde 02.01.2023, estando actualmente a cumprir 60 dias de prisão subsidiária à ordem do Processo nº 253/20.8…, cujo termo irá ocorrer em meados de Junho. Na altura dos factos agora em fase de julgamento (Setembro de 2022), AA estava a fazer uns biscates na pintura de construção civil e vivia num apartamento de tipologia T3 na cidade de …, habitação que partilhava com a progenitora e o irmão mais velho.

11. AA é o mais novo de 4 filhos de um casal do Estado de …, …. A crise que se instalou nesse país foi determinante para a migração do agregado familiar para Portugal em 2008, quando o Arguido ainda era estudante do ensino primário, tendo terminado o 1º ciclo do básico já em …, numa altura em que os seus pais se separaram.

12. O Arguido nunca foi um aluno motivado e frequentou a escola em … até aos 17 anos sem ter concluído o 3º ciclo do básico ou qualquer formação profissional complementar. A sua experiência laboral consistiu em actividades de carácter temporário numa copa de restaurante, limpeza de jardins ou na pintura de construção civil, que alternou com períodos sem qualquer ocupação.

13. Tendo iniciado ainda em meio escolar os consumos de canábis junto de colegas e amigos, desde que deixou os estudos AA associou-se à companhia de amigos delinquentes na zona de … e no decurso dos anos de 2018 e seguintes envolveu-se em diversos processos, sobretudo por crimes de furto e roubos.

14. No âmbito do acompanhamento das várias medidas de pena suspensa, AA mostrou-se sempre inconstante, não sendo regular quer nas entrevistas de supervisão na DGRSP quer nas consultas externas junto da ETET, revelando uma atitude de alheamento relativamente às decisões judiciais.

15. No plano familiar, o Arguido manteve sempre uma normal relação com a mãe/irmãos, sendo descrito como um jovem adequado no espaço casa. Iniciou acompanhamento psicoterapêutico na ETET do … com consultas externas para a questão dos consumos de estupefacientes, obrigação constante de outros processos, mas foi interrompendo e retomando este tratamento várias vezes em meio livre, desvalorizando com a sua atitude esta questão. Neste momento projecta voltar a ter acompanhamento deste serviço de saúde em meio prisional, tendo deixado de fazer metadona.

16. Desde que foi preso, AA tem mantido comportamento institucional adequado e frequenta aulas de inglês e pintura. Esteve a trabalhar como faxina voluntário, mas deixou entretanto essa ocupação no EP. Tem tido visitas regulares do pai, mãe e irmãos.

17. Do Certificado de Registo Criminal do Arguido constam as seguintes condenações:

- no Processo Comum Singular nº 126/18.4…, por decisão de 09.05.2019, transitada em julgado em 11.06.2019, pela prática, em 18.03.2018, de um crime de Furto Qualificado na forma tentada e, em 27.02.2018, de um crime de Consumo de Estupefacientes, nas penas de 1 ano de prisão substituída por 365 horas de trabalho a favor da comunidade e de 60 dias de multa substituída por 60 horas de trabalho;

- no Processo Comum Singular nº 642/18.8…, por decisão de 29.10.2019, transitada em julgado em 28.11.2019, pela prática, em 21.11.2018, de um crime de Furto, na pena de 100 dias de multa;

- no Processo Comum Colectivo nº 57/18.8…, por decisão de 07.11.2019, transitada em julgado em 09.12.2019, pela prática, em 19.07.2018, de um crime de Consumo de Estupefaciente, na pena de 100 dias de multa;

- no Processo Comum Singular nº 631/18.2…, por decisão de 06.03.2020, transitada em julgado em 01.07.2020, pela prática, em 19.11.2018, de um crime de Roubo, na pena de 2 anos de prisão suspensa por 3 anos com Regime de Prova e sujeita a condição;

- no Processo Comum Singular nº 115/18.9…, por decisão de 13.03.2020, transitada em julgado em 25.09.2020, pela prática, em 10.03.2018, de um crime de Furto Qualificado, na pena de 2 anos de prisão suspensa por 2 anos com Regime de Prova;

- no Processo Comum Singular nº 394/19.4…, por decisão de 25.11.2020, transitada em julgado em 11.01.2021, pela prática, em 27.08.2019, de um crime de Roubo, na pena de 3 anos de prisão suspensa por 4 anos com Regime de Prova e sujeita a condição;

- no Processo Comum Singular nº 79/18.9…, por decisão de 14.12.2021, transitado em julgado em 02.05.2022, pela prática, em 18.02.2018, de um crime de Condução Sem Habilitação Legal, na pena de 150 dias multa;

- no Processo Comum Singular nº 88/18.8…, por decisão de 17.12.2021, transitada em julgado em 02.05.2022, pela prática, em 16.03.2018, de um crime de Furto Qualificado, na pena de 2 anos e 6 meses de prisão suspensa por 2 anos e 6 meses de prisão com Regime de Prova;

- no Processo Comum Singular nº 253/20.8…, por decisão de 04.03.2022, transitada em julgado em 04.04.2022, pela prática, em 01.05.2020, de um crime de Condução Sem Habilitação Legal, na pena de 90 dias de multa; e

- no Processo Comum Colectivo nº 707/21.9…, por decisão de 11.10.2022, transitada em julgado em 10.11.2022, pela prática, em 06.10.2021, de um crime de Roubo, na pena de 3 anos e 9 meses de prisão.

Quanto aos factos não provados, considerou inexistirem.

Fundamentou a formação da sua convicção nos seguintes termos (transcrição):

O Tribunal fundou a sua convicção na análise crítica do conjunto da prova produzida e examinada em audiência de acordo com as regras da experiência comum e a sua livre convicção, tal como preceitua o artigo 127 º do Código de Processo Penal.

Assim, o Arguido, no uso do direito que lhe cabe, optou por não prestar declarações, tendo sido determinante o depoimento da testemunha BB que, de forma séria, descreve os factos de que foi vítima e que foram praticados por AA.

Com efeito, relata, circunstanciadamente, que no dia e hora em causa cruzou-se com o Arguido que se encontrava acompanhado de outros dois rapazes e, quando já se encontrava perto da sua casa, aquele surgiu e puxou-lhe a carteira que trazia debaixo do braço. Descreve ainda a resistência que ofereceu, continuando o Arguido a puxar pela dita carteira, até que a testemunha caiu ao chão, momento em que este logrou tirar-lhe o referido objecto. De forma assertiva, conta como AA ainda voltou para trás para lhe retirar também o maço de tabaco que BB levava na mão e a forma como o reconheceu, descrevendo a roupa que tinha vestida.

Esclarece igualmente os objectos e quantia monetária que tinha dentro da carteira que lhe foi levada.

A referida testemunha prestou um depoimento credível, não se denotando nenhuma animosidade contra o Arguido ou esforço em implicá-lo nos factos em discussão ou em agravar a sua participação nos mesmos, nem qualquer interesse no desfecho dos presentes autos.

Deste modo e da conjugação da supra referida prova com o Auto de Notícia de fls. 17, as fotografias de fls. 33 a 37, o Auto de Reconhecimento de fls. 42, o Auto de Busca e Apreensão de fls. 77/78 e respectivo Relatório Fotográfico de fls. 79, bem como com as regras da experiência comum, não subsistem a este Tribunal quaisquer dúvidas quanto aos factos que se dão como provados em 1. a 7..

Do mesmo modo, nada resultando que o Arguido padeça de qualquer incapacidade cognitiva e/ou mental e considerando a forma de actuação dada como provada e as regras da normalidade da vida, resultam igualmente como assentes a intenção com que o mesmo agiu e o conhecimento da proibição da sua conduta (factos 8. e 9.).

Atentou-se igualmente no teor do Certificado de Registo Criminal e no Relatório Social junto aos autos que atestaram os antecedentes criminais do Arguido e as suas condições sócio-económicas.

Apreciemos.

Sustenta o recorrente/Ministério Público que o acórdão recorrido padece de nulidade, face ao estabelecido no artigo 379º, nº 1, alínea c), do CPP, porquanto não arbitrou a favor de BB, vítima do crime de roubo por que o arguido foi condenado, quantia alguma a título de reparação, ao contrário do imposto pelo artigo 16º, nºs 1 e 2, do Estatuto da Vítima e artigos 1º, alínea j), 67º-A, nºs 1 e 3 e 82º-A, nºs 1 e 2, do CPP.

Pois bem.

Estabelece-se no artigo 16º, do Estatuto da Vítima, aprovado pela Lei nº 130/2015, de 04/09, que “à vítima é reconhecido, no âmbito do processo penal, o direito a obter uma decisão relativa a indemnização por parte do agente do crime, dentro de um prazo razoável” – nº 1; sendo que “há sempre lugar à aplicação do disposto no artigo 82º-A do Código de Processo Penal em relação a vítimas especialmente vulneráveis, excepto nos casos em que a vítima a tal expressamente se opuser” – nº 2.

E, de acordo com o artigo 67º-A, do CPP, na parte a ter em conta:

“1 - Considera-se:

a) 'Vítima':

i) A pessoa singular que sofreu um dano, nomeadamente um atentado à sua integridade física ou psíquica, um dano emocional ou moral, ou um dano patrimonial, directamente causado por acção ou omissão, no âmbito da prática de um crime;

(…)

b) 'Vítima especialmente vulnerável', a vítima cuja especial fragilidade resulte, nomeadamente, da sua idade, do seu estado de saúde ou de deficiência, bem como do facto de o tipo, o grau e a duração da vitimização haver resultado em lesões com consequências graves no seu equilíbrio psicológico ou nas condições da sua integração social;

(…)

3 - As vítimas de criminalidade violenta e de criminalidade especialmente violenta são sempre consideradas vítimas especialmente vulneráveis para efeitos do disposto na alínea b) do n.º 1 (…)”.

Já o artigo 82º-A, do mesmo Código, consagra:

“1 - Não tendo sido deduzido pedido de indemnização civil no processo penal ou em separado, nos termos dos artigos 72º e 77º, o tribunal, em caso de condenação, pode arbitrar uma quantia a título de reparação pelos prejuízos sofridos quando particulares exigências de protecção da vítima o imponham.

2 - No caso previsto no número anterior, é assegurado o respeito pelo contraditório.

3 - A quantia arbitrada a título de reparação é tida em conta em acção que venha a conhecer de pedido civil de indemnização.”

Da leitura conjugada dos artigos transcritos resulta a imposição (excepto no caso em que a vítima expressamente se opuser) ao tribunal de fixar, em relação a vítimas especialmente vulneráveis, reparação pelos danos sofridos, a suportar pelo agente do crime, sendo certo que, o crime de roubo se integra no conceito de “criminalidade violenta” e mesmo no de “criminalidade especialmente violenta”, que nos são dadas pelo artigo 1º, alíneas j) e l), do CPP, pois os bens jurídicos tutelado pela incriminação são, não só a propriedade, mas também a vida, a integridade física e a liberdade de decisão e acção – cfr. Paulo Albuquerque, Comentário do Código Penal, 2ª edição actualizada, UCE, pág. 210 e, na jurisprudência nacional, por todos, o Ac. do STJ de 01/04/2020, Proc. nº 643/18.6PTLSB.L1.S1, consultável em www.dgsi.pt.

No caso em apreço, não foi pela ofendida BB deduzido pedido de indemnização civil no processo penal, nem, tanto quanto se sabe, em separado e também não se vê que se tenha oposto expressamente a que lhe fosse arbitrada quantia reparadora.

Assim sendo, impunha-se ao tribunal a quo que conhecesse do arbitramento de uma quantia a título de reparação dos prejuízos sofridos a suportar pelo arguido/condenado, o que não fez (após notificação do arguido para o exercício do contraditório, que se não mostra também que já o tenha sido).

Esta omissão gera a nulidade do acórdão recorrido, nesta parte (permanecendo intacta a condenação criminal e o mais que desta resulta), por omissão de pronúncia, nos termos estabelecidos no artigo 379º, nº 1, alínea c), do CPP, que cumpre ao tribunal recorrido suprir, com prolação de novo acórdão, podendo ter lugar a prévia produção de prova relacionada com esta matéria, se considerado necessária – neste sentido da nulidade, vd. Ac. da Relação de Évora de 21/06/2022, Proc. nº 2381/20.0T8PTM.E1, disponível em 2381/20.0T8PTM.E1, disponível em www.dgsi.ptwww.dgsi.pt; ; igual igual entendimento tem sido seguido quanto a vítimas de violência doméstica, quando entendimento tem sido seguido quanto a vítimas de violência doméstica, quando ocorra ocorra condenação pela prática deste crime,ao abrigo do consagrado nos artigos ao abrigo do consagrado nos artigos 21º, da Lei nº 21º, da Lei nº 112/2009, de 16/09 e 82º112/2009, de 16/09 e 82º--A, do CPP, como se expressa, entre outros, A, do CPP, como se expressa, entre outros, nos Acsnos Acs. da Relação de . da Relação de Coimbra de 28/05/2014, Proc. nº Coimbra de 28/05/2014, Proc. nº 232/12.9GEACB.C1 e de e de 02/07/2014, Proc. nº 245/13.3PBFIG.C1; Ac. da Relação de Évora de 04/04/2017, Proc. nº 66/15.9GBABF.E1; Acs. da Relação de Lisboa de 15/04/2015, Proc. nº 303/13.4PPLSB.L1-3 e de 16/09/2015, Proc. nº 67/14.4 S2LSB.L1-3, que podem ser lidos no mesmo sítio.

Termos em que, cumpre conceder provimento ao recurso.

III - DISPOSITIVO

Nestes termos, acordam os Juízes da Secção Criminal deste Tribunal da Relação de Évora em conceder provimento ao recurso interposto pelo Ministério Público e declarar nulo o acórdão recorrido, na parte relativa ao conhecimento do arbitramento de uma quantia a título de reparação dos prejuízos sofridos pela ofendida a suportar pelo arguido/condenado, por omissão de pronúncia, nos termos do artigo 379º, nº 1, alínea c), do CPP, determinando-se que o tribunal recorrido supra essa nulidade, nos termos supra mencionados.

Sem tributação.

Évora, 7 de Novembro de 2023

(Consigna-se que o presente acórdão foi elaborado e integralmente revisto pelo primeiro signatário).

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(Artur Vargues)

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(Nuno Garcia)

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(Jorge Antunes)

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1 Cfr. neste sentido o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 09-06-2022, cujo relator foi o Exm.º Conselheiro ORLANDO GONÇALVES e que se mostra disponível em texto integral em www.dgsi.pt

2 Cfr., neste sentido: o Acórdão do STJ de 02/05/2018, cujo relator foi o Exm.º Conselheiro LOPES DA MOTA; o Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 24/05/2016, cujo relator foi o Exm.º Desembargador Carlos Berguete Coelho, o Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 18/05/2016, cuja relatora foi a Exm.ª Desembargadora OLGA MAURÍCIO e o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 09/10/2018, cuja relatora foi a Exm.ª Desembargadora MARGARIDA BACELAR. Todas as decisões estão disponíveis em texto integral em www.dgsi.pt