Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
812/21.1T8EVR.E1
Relator: PAULA DO PAÇO
Descritores: DESPEDIMENTO DE FACTO
ÓNUS DE ALEGAÇÃO E PROVA
ENCERRAMENTO DO ESTABELECIMENTO
Data do Acordão: 10/26/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário:
I - Compete àquele que invoca a ocorrência de um despedimento de facto, fazer a prova da verificação dessa realidade, nos termos previstos pelo artigo 342.º, n.º 1 do Código Civil.
II - Ocorre um despedimento de facto, quando o empregador emite uma declaração de vontade, que pode ser expressa (feita por palavras, por escrito, ou qualquer outro meio direto de manifestação de vontade) ou tácita (deduz-se de comportamentos e factos), destinada ao trabalhador (declaração recepticia ou recipienda), e que se revela inequívoca quanto à vontade de o empregador fazer cessar o contrato de trabalho.
III - Esta exigência de inequivocidade da vontade de pôr termo ao contrato de trabalho deve ser apurada mediante um raciocínio que pressuponha a capacidade de entender de um normal declaratário, colocado na posição do real declaratário.
IV - Verifica-se um despedimento de facto se o empregador informa a trabalhadora de que o estabelecimento onde esta exerce funções encerra nesse dia e que quando o reabrir, o que deveria suceder após o termo das obras que estavam a ser realizadas na Praça onde se situava o estabelecimento, a contactaria para ali voltar a trabalhar, tendo-lhe entregue a declaração da situação de desemprego.
(Sumário elaborado pela Relatora)
Decisão Texto Integral:
Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Évora

I. Relatório
AA, com o patrocínio do Ministério Público, instaurou ação declarativa emergente de contrato de trabalho, sob a forma de processo comum, contra CC – Herdeiros, pedindo a declaração da ilicitude do seu despedimento e a condenação do Réu a pagar-lhe os seguintes montantes:
- € 1.587,50, relativos a compensação por falta de pré-aviso de 75 dias;
- € 9.151,70, relativos à indemnização prevista no artigo 391.º do Código do Trabalho, tendo em conta a antiguidade de 14 anos e 5 meses;
- € 171,58, referente a diferença na retribuição de junho/20.
Mais peticionou a condenação do Réu no pagamento dos juros de mora, à taxa supletiva legal de 4%, sobre as quantias em dívida, até integral pagamento.
Alegou, em breve síntese, que celebrou um contrato de trabalho com o Réu, em 01/07/2005, para exercer as funções de empregada de balcão. Sucede que o Réu, em 06/06/2021, comunicou-lhe, verbalmente, que o vínculo laboral cessava às 18 horas desse dia, por extinção do posto de trabalho e encerramento do estabelecimento onde a Autora prestava funções. A omissão do procedimento necessário à cessação do contrato por extinção do posto de trabalho, faz com que o despedimento efetuado seja ilícito, com as legais consequências.
A Autora optou pela indemnização, em substituição da reintegração.
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Foi realizada a audiência de partes, na qual não foi possível obter acordo que colocasse termo ao litígio.
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O Réu contestou, invocando a exceção dilatória da falta de personalidade judiciária da herança e pedindo, em consequência, a sua absolvição da instância. Mais impugnou a factualidade alegada pela Autora, por inverídica. Referiu que o que sucedeu foi que as partes acordaram a cessação do contrato de trabalho, por impossibilidade superveniente, absoluta e definitiva da Autora prestar trabalho e de o Réu o receber. Requereu, ainda, a condenação da Autora como litigante de má fé e por ter atuado em flagrante abuso de direito, pedindo que lhe seja paga, uma indemnização no valor de € 2.714,00.
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A Autora respondeu à exceção dilatória invocada, pugnando pela sua improcedência. Igualmente negou a existência de abuso de direito e manifestou-se pela improcedência do pedido relativo à condenação por litigância de má fé.
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Foi proferido despacho saneador, no qual se decidiu pela improcedência da exceção dilatória da falta de personalidade judiciária do Réu. Tendo sido entendido, porém, que se verificava uma situação de litisconsórcio necessário passivo, o tribunal a quo, oficiosamente, determinou a citação das co-herdeiras DD e EE, a fim de integrarem o lado passivo da ação.
Foi declarada a verificação dos demais pressupostos processuais.
Atenta a simplicidade da causa, foi dispensada a identificação do objeto do litígio e a enunciação dos temas da prova.
O valor da causa foi fixado em € 10.910,78.
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A chamada EE veio oferecer contestação, na qual declarou ser parte ilegítima para a presente ação, por ter renunciado à herança, requerendo, em conformidade, a sua absolvição da instância. Mais impugnou toda a factualidade alegada na petição inicial.
A 1.ª instância não admitiu a contestação.[2]
Interposto recurso desta decisão, veio o mesmo a ser apreciado por acórdão desta Secção Social, com a data de 15/12/2022, no âmbito do qual foi decidido julgar o recurso procedente, e, em consequência, a decisão recorrida foi revogado, tendo sido determinado que fosse substituída por outra que admitisse a contestação.
Na sequência, a 1.ª instância admitiu a contestação.[3]
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Entretanto, por falecimento da chamada DD procedeu-se à habilitação dos herdeiros da mesma, EE e FF.
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Em 06/12/2022, o tribunal a quo determinou a apensação aos presentes autos do processo n.º 1022/21.3T8EVR, que BB, com o patrocínio do Ministério Público, havia intentado contra o mesmo Réu, pedindo a declaração da ilicitude do seu despedimento e a condenação do demandado a pagar-lhe as seguintes quantias:
- €1.587,50, relativos a compensação por falta de pré-aviso de 75 dias;
- € 6.085, relativos à indemnização prevista no artigo 391.º do Código do Trabalho tendo em conta a antiguidade de 14 anos e 5 meses;
- € 529,16, referente a proporcionais de subsídio de férias e de Natal do ano da cessação;
- € 211,60, referente a férias não gozadas do ano da cessação.
Mais peticionou a condenação nos juros moratórios, à taxa legal, sobre as quantias em dívida, devidos até integral pagamento.
Os factos alegados são, no essencial, idênticos aos que foram alegados na ação principal, com a ressalva que a Autora BB, celebrou o seu contrato de trabalho com o Réu em 06/10/2009.
Em relação à tramitação desta ação, nada a destacar de relevante, pois o essencial da tramitação repete-se.
Menciona-se, apenas, que o valor da ação foi fixado em € 8.413,26.
-
Decorrida, finalmente, a audiência final, foi proferida sentença.
Nesta peça processual, julgou-se improcedente a exceção dilatória da ilegitimidade passiva, que havia sido invocada pela chamada EE.
E foi proferido o seguinte dispositivo:
«Pelo exposto, decide-se:
*
Ação intentada por AA
1. Julgar ação intentada por AA parcialmente procedente, por parcialmente provada e, em consequência, condenam-se os réus no pagamento, à autora da quantia de 546,02€, acrescida de juros de mora à taxa supletiva legal prevista para obrigações civis, vencidos desde a data do vencimento e vincendos até efetivo e integral pagamento (cf. art. 804.º, 805.º, n.º 1, n.º 2, alínea a), 806.º e 559.º do Código Civil);
2. Quanto ao mais, julga-se a ação parcialmente improcedente, por parcialmente não provada e, em consequência, absolvem-se os réus do demais contra si peticionado nos autos pela autora;
4. Condena-se a autora como litigante de má-fé em multa que se fixa em 4 (quatro) unidades de conta.
5. Condena-se o réu FF como litigante de má-fé em multa que se fixa em 3 (três) unidades de conta.
6. Custas a cargo da autora e dos réus na proporção do decaimento, sem prejuízo do benefício de apoio judiciário e/ou isenção de que eventualmente beneficiem;
7. Custas do incidente de litigância de má-fé, a cargo da autora e do réu FF, fixando-se a taxa de justiça em 2 (duas) UC..
*
*
Ação intentada por BB
1. Julgar ação intentada por BB parcialmente procedente, por parcialmente provada e, em consequência, condenam-se os réus no pagamento, à autora da quantia de 546,02€, acrescida de juros de mora à taxa supletiva legal prevista para obrigações civis, vencidos desde a data do vencimento e vincendos até efetivo e integral pagamento (cf. art. 804.º, 805.º, n.º 1, n.º 2, alínea a), 806.º e 559.º do Código Civil);
2. Quanto ao mais, julga-se a ação parcialmente improcedente, por parcialmente não provada e, em consequência, absolvem-se os réus do demais contra si peticionado nos autos pela autora;
4. Condena-se a autora como litigante de má-fé em multa que se fixa em 4 (quatro) unidades de conta.
5. Condena-se o réu FF como litigante de má-fé em multa que se fixa em 3 (três) unidades de conta.
6. Custas a cargo da autora e dos réus na proporção do decaimento, sem prejuízo do benefício de apoio judiciário e/ou isenção de que eventualmente beneficiem;
7. Custas do incidente de litigância de má-fé, a cargo da autora e do réu FF, fixando-se a taxa de justiça em 2 (duas) UC..
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Valor da causa: 10.910,78€, no que respeita aos autos principais, e 8.413,26€, no que concerne aos autos em apenso (cfr. arts. 297.º, n.º 1, e 306.º, n.º 1 e 2, CPC, ex vi art. 1.º, n.º 2, al. a) C.P.T.).
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Registe e notifique.».
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Inconformadas, vieram as Autoras recorrer desta decisão, rematando as suas alegações com as conclusões que, seguidamente, se transcrevem:
(…)
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Não foram apresentadas contra-alegações.
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A 1.ª instância admitiu o recurso, com subida imediata, nos próprios autos, atribuindo-lhe efeito meramente devolutivo.
O processo subiu à Relação e foi mantido o recurso.
Foram colhidos os vistos dos Exmos. Adjuntos.
Cumpre apreciar e decidir.
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II. Objeto do Recurso
É consabido que o objeto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação da recorrente, com a ressalva da matéria de conhecimento oficioso (artigos 635.º n.º 4 e 639.º n.º 1 do Código de Processo Civil, aplicáveis por remissão do artigo 87.º n.º 1 do Código de Processo do Trabalho).
Em função destas premissas, as questões suscitadas são as seguintes:
1.ª Impugnação da decisão fáctica.
2.ª Ocorrência de um despedimento ilícito.
3.ª Falta de fundamento para a condenação das Autoras por litigância de má fé..
*
III. Matéria de Facto
A 1.ª instância julgou a seguinte factualidade provada:
1. AA celebrou verbalmente contrato de trabalho com a ré em 01-07-2005.
2. Foi contratada para exercer as funções de Empregada de Balcão no estabelecimento da ré “Pastelaria …” sita na Praça …, em Reguengos de Monsaraz, sob a direção e fiscalização desta.
3. Nos termos de tal contrato, a autora exerceria as suas tarefas trabalhando 40h semanais, com o salário inicial de 363,64€ e subsídio de alimentação no valor mensal de 80€.
4. Em junho de 2020, a autora mantinha a categoria de empregada de balcão e auferia a retribuição base de 635€, acrescida de subsídio de alimentação no valor de 3,33€, por cada dia de trabalho.
5. BB celebrou com a ré, por escrito, em 06.10.2009, um contrato de trabalho com a ré que denominou de “Contrato de trabalho a termo incerto” com o prazo de seis meses, tendo a autora pela ré sido admitida para exercer as funções de aprendiz de restauração e bebidas no estabelecimento da ré denominado “Pastelaria …”, sito na Praça …, em Reguengos de Monsaraz, trabalhando 40h por semana e auferindo 450€ mensais acrescidos de subsídio de alimentação.
6. Tal contrato foi sucessivamente renovado encontrando-se em execução em 06.06.2020.
7. Em junho de 2020 a autora exercia as funções de empregada de balcão e o seu salário ascendia a 635€ mensais, acrescidos de 3,33€ a título de subsídio de alimentação por cada dia de trabalho efetivo.
8. Em 06.06.2020, FF, comunicou às autoras que o estabelecimento onde prestavam serviço iria fechar nesse mesmo dia devido à situação gerada pela PANDEMIA Covid 19 e a obras que decorriam na Praça onde se situa o estabelecimento.
9. Mais lhes transmitiu que quando o estabelecimento reabrisse, o que deveria suceder após o termo das referidas obras, as contactaria para que voltassem a trabalhar na pastelaria.
10. Dois dias mais tarde, o réu entregou às autoras a declaração de situação de desemprego, preenchidas pelo seu contabilista, nas quais pelo mesmo foi assinalado como motivo do despedimento, a caducidade dos contratos, por fim do contrato a termo.
11. Passando as autoras a auferir subsídio de desemprego.
12. FF procedeu, no ano de 2020, ao pagamento a AA da quantia de 635€ a título de subsídio de férias referente às férias vencidas em 01.01.2020 e 275,17€, a título de subsídio de Natal.
13. FF procedeu, no ano de 2020, ao pagamento a BB da quantia de 635€ a título de subsídio de férias referente às férias vencidas em 01.01.2020 e 275,17€, a título de subsídio de Natal.
14. As obras na Praça …, em Reguengos de Monsaraz terminaram, pelo menos, em maio de 2021.
15. O estabelecimento denominado “Pastelaria …”, suprarreferido, continua fechado.
-
E julgaram-se não provados os seguintes factos:
A. Em fevereiro de 2020, FF encetou conversações com as autoras sobre quais deveriam ser as diligências a tomar aquando do começo das obras na Praça …, em Reguengos de Monsaraz.
B. Após várias semanas de conversa, quase diariamente, e sempre por iniciativa das autoras, foi por estas referido a FF que o melhor seria passarem a auferir o subsídio de desemprego.
C. A autoras e FF durante os meses em que o estabelecimento esteve encerrado, conversaram varias vezes sobre o que iriam fazer na pastelaria a nível de conceito, indagando sobre se ficava tudo igual ou se deveriam ser feitas obras de remodelação e demostrando grande interesse sobre o que iria ser o seu local de trabalho.
D. Quando cessaram as obras na Praça …, em Reguengos de Monsaraz, FF contactou as autoras para readmiti-las ao serviço, o que ambas rejeitaram.
E. FF pagou a AA somente 810€, por conta dos valores constantes do recibo referente a junho de 2020.
*
IV. Impugnação da decisão fáctica
(…)
Consequentemente, improcede a impugnação da decisão fáctica apresentada.
*
V. Sobre o alegado despedimento ilícito
Sustentam as apelantes que, ao contrário de decidido pelo tribunal a quo, não existiu qualquer acordo de revogação dos contratos de trabalho entre os intervenientes. E, na falta de acordo, tem de se considerar que ocorreu um despedimento ilícito.
Para apreciar a questão suscitada, importa, em primeiro lugar, que foquemos a nossa atenção nos factos assentes.
Resultou demonstrado, com relevância:
- Em junho de 2020, as apelantes exerciam as funções de empregada de balcão, sob a direção e fiscalização do apelado, mediante o pagamento de uma retribuição base mensal, no valor de € 635,00.
- Em 6 de junho de 2020, FF, comunicou às apelantes que o estabelecimento onde prestavam serviço iria fechar nesse mesmo dia, devido à situação gerada pela Pandemia Covid 19 e a obras na Praça onde se situa o estabelecimento.
- Mais lhes transmitiu que quando o estabelecimento reabrisse, o que deveria suceder após o termo das referidas obras, as contactaria para que voltassem a trabalhar na pastelaria.
- Dois dias mais tarde, entregou às apelantes as declarações da situação de desemprego, preenchidas pelo seu contabilista, nas quais, pelo mesmo, foi assinalado como motivo de despedimento, a caducidade dos contratos, por fim do contrato a termo.
- As apelantes passaram, então, a receber subsídio de desemprego.
- As obras na Praça …, em Reguengos de Monsaraz, terminaram, pelo menos, em maio de 2021.
- O estabelecimento onde as apelantes exerciam as suas funções profissionais continua fechado.
Eis os factos.
Há que aplicar agora o Direito.
E a pergunta que imediatamente ressalta é a seguinte: será que a comunicação verbal efetuada e as demais circunstâncias do caso permitem concluir que ocorreu uma declaração do empregador, dirigida ao trabalhador, destinada a fazer cessar o contrato de trabalho, para o futuro?
Esta é a interrogação a que importa responder.
No fundo, importa analisar (e é isso que as apelantes reclamam) se se verificou um despedimento de facto.
Compete àquele que invoca a ocorrência de um despedimento de facto, fazer a prova da verificação dessa realidade, nos termos previstos pelo artigo 342.º, n.º 1 do Código Civil.
Sobre o despedimento de facto, pode ler-se no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 04/12/2002, proferido no Proc. 02S2330[4]:
«I-O despedimento de um trabalhador, que é causa de cessação da relação laboral que o vinculava ao empregador, supõe a emissão, por parte da entidade patronal, de uma declaração de vontade receptícia, que, como tal, se torna eficaz logo que a mesma chegue ao poder do trabalhador destinatário, ou é dele conhecida.
II – A declaração de despedimento pode ser expressa – quando seja feita por palavras, escrito ou qualquer meio direto de manifestação da vontade –, ou tácita – quando se deduz de factos que, com toda a probabilidade, a revelem».
O que importa é que «essa declaração tem sempre de ser dotada do sentido inequívoco de pôr termo ao contrato, que deve ser apurado segundo a capacidade de entender e diligência de um normal declaratário, colocado na posição do real declaratário e que, como tal, seja entendida pelo trabalhador» -Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 21/10/2009, P. 272/09.5YFLSB[5].
A inequivocidade de que deve revestir-se a expressão da vontade de despedir visa, não apenas evitar o abuso de despedimentos efetuados com dificuldade de prova pelo trabalhador, mas, também, obstar ao desencadear das suas consequências legais, quando não se mostre claramente ter havido rutura indevida do vínculo laboral por parte da entidade empregadora[6].
Ora, no caso que se aprecia, infere-se do elenco dos factos provados que, em 06/06/2020, o empregador informou as trabalhadoras de que o estabelecimento encerrava nesse dia e que, quando o mesmo voltasse a abrir, o que deveria suceder após o termo das obras que estavam a ser realizadas na Praça onde se situava o estabelecimento, contactaria as mesmas para ali voltarem a trabalhar.
Dois dias depois, entregou às trabalhadoras as respetivas declarações de situação de desemprego, nas quais constava a indicação de um motivo de cessação dos contratos de trabalho.
Ora, tomando a medida de um declaratário normal, colocado na posição das trabalhadoras, afigura-se-nos que as mesmas só poderiam interpretar o que lhes foi comunicado, juntamente com o comportamento posterior assumido pelo empregador, como uma inequívoca expressão de vontade manifestada pelo empregador de, naquele momento, pôr termo aos contratos de trabalho.
O vínculo laboral que existia, para todos os efeitos, terminava naquela altura, ainda que tenha sido declarada uma intenção de, num momento futuro, as mesmas poderem voltar a trabalhar no estabelecimento.
Deste modo, o empregador, por sua iniciativa, de modo inequívoco e concludente, comunicou às trabalhadoras a cessação dos respetivos contratos de trabalho, para futuro.
Esta declaração de vontade extrai-se da comunicação verbal realizada no dia 06/06/2020, conjugada com a entrega, dois dias depois, das declarações da situação de desemprego e a real impossibilidade das trabalhadoras prestarem trabalho por encerramento do estabelecimento.
As apelantes lograram, assim, demonstrar a ocorrência de um verdadeiro despedimento de facto.
E não tendo o despedimento sido precedido do respetivo procedimento, o mesmo tem de ser considerado ilícito, de harmonia com o disposto no artigo 381.º, alínea c) do Código do Trabalho.[7]
Em consequência da ilicitude do despedimento, as apelantes têm direito à indemnização prevista no artigo 391.º do Código do Trabalho, uma vez que por ela optaram, em detrimento da reintegração, como lhes era facultado.
As apelantes peticionaram o pagamento da indemnização, limitada a uma antiguidade de 14 anos e 5 meses.
Este tribunal está obrigado a respeitar a configuração do pedido feita pelas apelantes.
De harmonia com o disposto no aludido artigo 391.º, compete ao tribunal determinar o montante da indemnização, entre 15 e 45 dias de retribuição base e diuturnidades por cada ano completo ou fração de antiguidade, atendendo ao valor da retribuição e ao grau de ilicitude decorrente da ordenação estabelecida no artigo 381.º do Código do Trabalho.
Escreveu-se no sumário do Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 19/02/2013, prolatado no Proc. n.º 2018/08.6TTLSB.L1.S1[8]:
«A indemnização substitutiva da reintegração assume feição mista (reparadora e sancionatória), devendo ser calculada em função dos parâmetros indicados no n.º 1 do citado art. 439.º (valor da retribuição vs. grau da ilicitude), sendo o primeiro (retribuição) fator de variação inversa (quanto menor for, maior deve ser o valor/ano, dentro da latitude legalmente prevista) e o segundo (ilicitude), de variação direta.».[9]
Por outro lado, conforme ponderado no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 27/05/2010, relativo ao Proc. n.º 467/06.3TTCBR.C1.S1, a fixação de uma indemnização próxima do limite máximo previsto, deve ficar reservada para situações de grosseira violação procedimental e, bem assim, para aquelas em que a sanção deva considerar-se ostensivamente violadora de princípios fundamentais e estruturantes.[10]
Importa, assim, determinar a indemnização devida às apelantes, tendo em consideração, o disposto no n.º 1 do artigo 391.º do Código do Trabalho e as mencionadas diretrizes.
No caso dos autos, cada uma das trabalhadoras auferia a retribuição base mensal de € 635, ou seja, o salário mínimo nacional estabelecido para o ano de 2020.
A ilicitude do despedimento afigura-se-nos ser de grau médio.
Por conseguinte, julgamos ser proporcional e adequada a fixação de uma indemnização correspondente a 30 dias de retribuição base por cada ano completo ou fração de antiguidade.
Deste modo, é devida à apelante AA uma indemnização no valor de € 9.154,58[11], correspondente a 14 anos e 5 meses de antiguidade.[12]
Por seu turno, à apelante BB é devida uma indemnização no valor de € 6.731[13], correspondente a 10 anos, 7 meses e 6 dias de antiguidade.[14]
Relacionado ainda com as consequências da ilicitude do despedimento, as apelantes, nas respetivas petições iniciais, pediram a condenação do apelado da quantia de € 1.587,50, respeitante à compensação por desrespeito do prazo de pré-aviso, previsto no artigo 371.º, n.º 3 do Código do Trabalho.
Todavia, porque não se concluiu pela ocorrência de um despedimento motivado por extinção do posto de trabalho, não lhes é devido o pagamento da reclamada compensação.
Quanto aos demais créditos laborais peticionados, os mesmos foram conhecidos na sentença recorrida, que transitou em julgado nessa parte, por não ter havido impugnação em sede recurso.
Resta referir que sobre as indemnizações de antiguidade, incidem juros de mora, à taxa legal, devidos desde a citação e até integral pagamento.
Enfim, quanto à segunda questão suscitada no recurso, a mesma procede parcialmente.
*
VI. Sobre a considerada litigância de má fé das Autoras
Na sentença recorrida, as apelantes foram condenadas como litigantes de má fé, cada uma delas na multa de 4 UC, «porquanto (…) omitiram ao Tribunal factualidade relevante que era do seu conhecimento pessoal, designadamente a existência de acordo de revogação», alterando a verdade dos factos e fazendo um uso reprovável do processo.
Em sede de recurso, as apelantes impugnam esta decisão.
Cumpre apreciar.
De harmonia com o disposto no art. 542.º do Código de Processo Civil, diz-se litigante de má- fé, aquele que com dolo ou negligência grave:
- tiver deduzido pretensão ou oposição cuja falta de fundamento não devia ignorar;
-tiver alterado a verdade dos factos ou omitido factos relevantes para a boa decisão da causa;
-tiver praticado omissão grave do dever de cooperação;
-tiver feito do processo ou dos meios processuais um uso manifestamente reprovável, com o fim de conseguir um objectivo ilegal, impedir a descoberta da verdade, entorpecer a acção da justiça ou protelar, sem fundamento sério, o trânsito em julgado da Decisão.
A ideia de litigância de má-fé está associada à necessidade de censura de “um comportamento inadequado à ideia de um processo justo e leal que constitui a emanação do princípio de Estado de Direito” - Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 13/03/2008, Proc. 07B3843[15].
Nas palavras de Cecília Silva Ribeiro, “[a] má-fé processual, (…) é toda a atividade desonesta, cavilosa, proteladora (para cansar o adversário) unilateral ou bilateral, verificada no exercício do direito de ação, quando desenvolvida com a intenção de prejudicar outrem, quer ela respeite ao mérito da causa (lide caluniosa, fraudulenta, etc.) quer às medidas instrumentais, desde que seja ilícita, isto é violadora das normais gerais e especificas da conduta processual, tendentes a criar as condições favoráveis a uma boa e justa decisão do pleito”[16].
No caso que se aprecia, a condenação posta em crise baseia-se na circunstância de as apelantes terem omitido ao Tribunal factualidade relevante que era do seu conhecimento pessoal, «designadamente a existência de acordo de revogação».
Sucede que não resulta do acervo de factos provados que tenha existido qualquer acordo de revogação dos contratos de trabalho.
Logo, cai pela base a fundamentação para a condenação declarada.
Nesta conformidade, entendemos que inexiste fundamento para a condenação das apelantes como litigantes de má fé, pelo que o recurso procede quanto a esta questão.
-
Resumindo e concluindo, o recurso procede parcialmente.
As custas deverão ser suportadas pelas partes, na proporção do respetivo decaimento (artigo 527.º do Código de Processo Civil), sem prejuízo do benefício de apoio judiciário e/ou isenção de que eventualmente beneficiem.
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VII. Decisão
Nestes termos, acordam os juízes da Secção Social do Tribunal da Relação de Évora em julgar o recurso parcialmente procedente, e, em consequência, revogam parcialmente a decisão recorrida, declarando-se a ilicitude do despedimento das Autoras e, em conformidade, condenam-se os Réus no pagamento:
- à Autora AA, da quantia de € 9.154,58, a título de indemnização de antiguidade, acrescida de juros de mora à taxa legal, desde a citação e até integral pagamento;
- à Autora BB, da quantia de € 6.731, a título de indemnização de antiguidade, acrescida de juros de mora à taxa legal, desde a citação e até integral pagamento.
Mais se absolvem as Autoras da condenação por litigância de má fé.
No demais, mantém-se a sentença recorrida.
Custas a cargo das partes, na proporção dos decaimentos, sem prejuízo do benefício de apoio judiciário e/ou isenção de que eventualmente beneficiem.
Notifique.
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Évora, 26 de outubro de 2023
Paula do Paço (Relatora)
Emília Ramos Costa (1.ª Adjunta)
Mário Branco Coelho (2.º Adjunto)

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[1] Relatora: Paula do Paço; 1.ª Adjunta: Emília Ramos Costa; 2.º Adjunto: Mário Branco Coelho
[2] Despacho prolatado em 12/11/2021, com a ref.ª 31160465.
[3] Despacho com data de 07/02/2023, com a ref.ª 32616863.
[4] Acessível em www.dgsi.pt.
[5] Publicado na mesma base de dados.
[6] Neste sentido, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 21/10/2009, P. 272/09.5YFLSB, acessível no site supra identificado.
[7] A declaração da ilicitude do despedimento integra o pedido formulado.
[8] Publicado em www.dgsi.pt.
[9] Apesar deste acórdão se reportar a legislação anterior, a sua interpretação mantém-se atual e aplicável.
[10] Também este acórdão se reporta a anterior legislação – artigo 439.º do Código do Trabalho de 2003 - mas mantém plena atualidade.
[11] [(€ 635 x 14 anos) + (€ 635 : 12 meses x 5 meses)]
[12] Não obstante em 06/06/2020, esta apelante tivesse uma antiguidade de 14 anos, 10 meses e 6 dias, o pedido foi limitado a 14 anos e 5 meses de antiguidade.
[13] [(€ 635 x 10 anos) + (€ 635 : 12 meses x 7 meses) + (€ 635 : 12 meses : 30 dias x 6 dias)]
[14] No pedido formulado na petição inicial desta apelante menciona-se uma antiguidade de 14 anos e 5 meses, pelo que a antiguidade por nós considerada se integra no pedido formulado.
[15] Publicado em www.dgsi.pt.
[16] “Do dolo geral e do dolo instrumental em especial no processo civil”, ROA, ano 9, págs. 83-113, citada por Paula Costa Ribeiro, in “A litigância de Má-Fé”, Coimbra Editora, 2008, pág. 389.