Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
76665/21.4YIPRT.E1
Relator: JOSÉ LÚCIO
Descritores: JUSTO IMPEDIMENTO
ADIAMENTO DE AUDIÊNCIA POR FALTA DE MANDATÁRIO
Data do Acordão: 11/07/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário:
1 – O justo impedimento capaz de justificar o adiamento da audiência tem que ser feito em momento anterior ou, quando muito, coincidente com o do início aprazado para esta, através de comunicação ao tribunal com alegação de motivo imprevisto ou de força maior impeditivo da presença do advogado e indicação da respectiva prova.
2 - Afirmando-se numa declaração hospitalar apenas que um Mandatário recorreu ao serviço de Consultas daquele Hospital num determinado dia e hora essa declaração não comprova uma situação de emergência, uma doença súbita e inesperada.
3 – Assim, não podemos considerar que estamos perante um “justo impedimento”, nos termos previstos no art. 140º, n.º 1, do CPC, designadamente para os efeitos previstos no art. 603º, n.º 1, do mesmo Código.
(Sumário elaborado pelo Relator)
Decisão Texto Integral:
ACORDAM OS JUÍZES DA 1ª SECÇÃO CÍVEL DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE ÉVORA:

I – RELATÓRIO
Os presentes autos tiveram início como procedimento de injunção, no Balcão Nacional de Injunções, sendo requerente a Autora Your Satisfaction, Unipessoal, Lda e requerida a Ré Horas Alheias, Lda.
Alegou a requerente que prestou serviços à requerida, de remodelação de um imóvel, nomeadamente canalização, eletricidade, gesso cartonado, instalação de eletrodomésticos, encontrando-se em falta o pagamento do montante de 25.074,40€ (vinte e cinco mil e setenta e quatro euros e quarenta cêntimos).
Peticiona a requerente, considerando os legais acréscimos, o pagamento pela requerida da quantia global de €26.387,79.
Notificada, a empresa requerida veio deduzir oposição, tanto por excepção como por impugnação, pelo que o procedimento foi remetido a tribunal.
Uma vez em tribunal, foi proferido despacho que determinou, atento o valor da causa, que os autos seguissem a forma de processo comum.
Nessa sequência, a Autora pronunciou-se sobre a matéria das excepções deduzidas.
Foi de seguida proferido despacho saneador, no qual além do mais foi julgada improcedente a matéria de excepção invocada, e determinado o prosseguimento dos autos.
Para esse efeito foram fixados o objecto do litígio e o tema da prova, e ordenada a notificação das partes para a apresentação em cinco dias dos respectivos requerimentos probatórios.
A Autora apresentou tal requerimento, indicando testemunhas e juntando documentos e ainda requerendo declarações de parte do seu representante legal.
Prosseguindo a tramitação do processo, por despacho de 08-03-2022 o juiz admitiu a prova apresentada pela Autora e marcou a data para o julgamento (para 22 de Abril de 2022).
Não houve qualquer requerimento probatório apresentado pela Ré.
Posteriormente, a 28-03-2022, deu entrada nos autos requerimento da sociedade Ré, solicitando o adiamento da audiência, para nova data, sugerindo alternativas, o que foi indeferido pelo tribunal, com base nomeadamente em extemporaneidade do pedido (despacho de 31-03-2022).
Todavia, a 19-04-2022 a mesma Ré deu entrada a novo requerimento com a mesma pretensão, requerendo adiamento da audiência, e designação de nova data.
Por despacho proferido a 21-04-2022, o tribunal pronunciou-se quanto a este segundo requerimento, declarando que pelo despacho de 31.03.2022 já tinha apreciado e indeferido tal pretensão, nomeadamente pela sua intempestividade, e, portanto, nada mais havia a determinar quanto a essa mesma questão, mantendo-se o julgamento marcado.
Nesse mesmo despacho o tribunal consignou que a Ré não tinha requerido a produção de qualquer diligência probatória, mas que também não procedeu ao pagamento da 2.ª prestação da taxa de justiça no prazo de 10 dias contados após o agendamento da audiência de julgamento, nem no prazo suplementar a que alude o art.º 14.º, n.º3 do RCP, pelo que não lhe seria possível “produzir qualquer meio de prova cuja produção ainda pudesse requerer até ao encerramento da audiência de julgamento”.
No dia seguinte, 22 de Abril de 2022, conforme consta da acta de audiência de julgamento, verificou-se que estavam presentes o mandatário e as testemunhas e o representante da Autora, mas não estava presente ninguém a representar a Ré, designadamente o seu mandatário.
E foi consignado em acta que a secretaria foi contactada telefonicamente pelo Ilustre Mandatário da Ré, “informando que se encontrava doente e que não poderá comparecer no dia de hoje”.
Em face dessa situação, a Senhora Juíza que presidiu à audiência proferiu então despacho com o seguinte teor:
Sem prejuízo da comunicação efetuada pelo o Ilustre Mandatário da Ré, entende o Tribunal, como já reiterou nos dois últimos despachos que foram proferidos, que não existe qualquer fundamento legal para proceder ao adiamento da presente audiência de julgamento.
Com efeito, tal diligência, ante a inação do Ilustre Mandatário da Ré, que nada requereu no prazo de 5 dias a que alude o art.º 151º, n.º 2 do CPC, considera-se agendada com o consentimento ou acordo de ambas as partes.
Sendo certo, que a única circunstância em que o Tribunal estaria legitimado adiar a presente diligencia, ocorreria na eventualidade de se poder concluir pela existência de justo impedimento, o qual deveria ter sido alegado nos termos constantes do art.º 140º do CPC. Alegação essa que também não se verificou.
Ao que acresce, que a comunicação telefónica feita pelo Ilustre Mandatário da Ré, atendendo ao seu comportamento processual, desacompanhada de qualquer meio de prova, também não é merecedora de qualquer credibilidade.
Pelo que se dará início à presente audiência de julgamento.
De seguida, realizou-se efectivamente a audiência final, com a produção da prova indicada pela autora (cfr. acta Referência: 124050331)
Estando os autos a aguardar sentença, a Ré deu entrada a 26-04-2022 de dois requerimentos.
Num deles alegou que o pagamento da 2.ª prestação da taxa de justiça, acrescida de multa, tinha sido realizada dentro do prazo legal para tal (no dia 19.04.2022).
No outro veio dizer, na sequência do contacto telefónico que tinha feito para a secretaria antes do início da audiência, que lhe tinha sido impossível “estar presente na audiência de discussão e julgamento agendada para o dia 22.04.2022, pelas 9h15m em virtude de doença súbita e inesperada motivado pelo facto de ter sentido mal durante a noite e com fortes dores no peito e dificuldades respiratórias, que infelizmente o obrigou a deslocar-se ao Hospital, onde ainda se encontrava no momento da comunicação telefónica e tendo permanecido no mesmo entre as 8h00m e às 10h00m do dia 22.04.2022.
E para comprovar a afirmação juntou um documento, que se verifica ser uma declaração emitida pelo Hospital Professor Doutor Fernando da Fonseca, no qual se pode ler que “para os devidos efeitos se declara que recorreu ao serviço de Consultas no dia 22/04/2022 das 08:00:00 às 10:00:00”.
No dia 02-05-2022, a mesma Ré ainda deu entrada a novo requerimento, repetindo que, como já havia informado, o pagamento da segunda prestação da taxa de justiça mostrava-se feito em tempo, pelo que o decidido a esse respeito não produzir “efeitos jurídicos”.
No dia 07-07-2022 a mesma Ré deu entrada a outro requerimento sugerindo novas datas para realização da audiência de julgamento, já realizada a 22 de Abril anterior, e no dia seguinte (08-07-2022) apresentou um outro a declarar que esse anterior tinha sido um lapso e que “deve ser considerado sem efeito”.
Finalmente, a 16-08-2022, foi proferida sentença (Referência: 124109364).
A anteceder esta, declarou o tribunal em relação às duas questões em que a Ré insistira que por um lado não tinha ocorrido qualquer situação de justo impedimento, até porque continuava a não estar certificada qualquer situação de doença impossibilitante da comparência em juízo do ilustre mandatário da Ré, e por outro lado continuava a considerar-se intempestivo o pagamento efetuado pela Ré, pelo que nada havia a determinar.
Conhecendo do mérito da causa, a sentença condenou a ré “Horas Alheias Limitada” a pagar à autora “Your Satisfaction, Unipessoal, Limitada” as quantias de €25 074,40 (vinte e cinco mil e setenta e quatro euros e setenta cêntimos) e de € 40,00 (quarenta euros) acrescidas de juros de mora, à taxa devida nas transações comerciais, contabilizados, com referência a cada um dos referidos valores, desde de 13.02.2021 e de 13.09.2021, respetivamente, até efetivo e integral pagamento.
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II – O RECURSO
Inconformada com o decidido, a Ré intentou então o presente recurso de apelação, apresentando motivação centrada na questão do não reconhecimento do “justo impedimento” e na questão do pagamento atempado da segunda prestação da taxa de justiça, que terminou com as seguintes conclusões:
A) Aplicando o Direito à situação de facto descrita por parte do Apelante, conclui-se que estão preenchidos os requisitos necessários à decretação do procedimento solicitado.
B) Com efeito, da prova existente nos autos ao nível da natureza do conceito de justo impedimento do mandatário do Apelante, bem como, do pagamento no prazo legal da 2.º prestação da taxa de justiça e desse modo, não pode ser considerado um pagamento extemporâneo.
C) A sentença recorrida enferma de diversas ilegalidades, vícios e nulidade processual.
D) Por todo o exposto e nestes termos, é imperativo concluir que deve aceitar-se a situação de justo impedimento do mandatário do Apelante, solicitando-se a reapreciação de toda a matéria de facto e de direito constante dos autos e consequente repetição da audiência de discussão e julgamento e não devendo proceder o pedido formulado pelo Apelado, seguindo-se os demais termos processuais até final.
Nestes termos, concedendo provimento ao presente recurso, fareis Vossas Excelências, Juízes Desembargadores do Venerando Tribunal da Relação de Évora o que é de inteira justiça.
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III – Não houve contra-alegações, e, após a apresentação de dois novos requerimentos da Ré (um solicitando que o recurso fosse admitido, e o outro solicitando que lhe fosse atribuído efeito suspensivo) o recurso interposto foi admitido, tendo o tribunal fixado ao mesmo efeito meramente devolutivo e consignado que não existiam nulidades na sentença recorrida (despacho Referência: 126422008, de 29-11-2022).
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IV – DA MATÉRIA A CONSIDERAR
As vicissitudes processuais e a tramitação a considerar para decisão do recurso, bem como a factualidade relevante, são as que constam do relatório inicial, para o qual remetemos.
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V – DO OBJECTO DO RECURSO
1 - Como é sabido, o objecto do recurso é delimitado pelas conclusões das alegações, sem prejuízo das questões que sejam de conhecimento oficioso e daquelas cuja decisão fique prejudicada pela solução dada a outras (cfr. arts. 635.º, n.ºs 3 e 4, 639.º, n.º 1 e 608.º, n.º 2, do CPC).
Sublinha-se ainda a este propósito que na sua tarefa não está o tribunal obrigado a apreciar todos os argumentos apresentados pela recorrente, sendo o julgador livre na interpretação e aplicação do direito (cfr. art. 5.º, n.º 3, do CPC).
No caso presente, a questão colocada ao tribunal de recurso, tendo em conta o conteúdo das conclusões que acima se transcreveram, e da motivação que as antecede, resume-se à apreciação do invocado “justo impedimento” do mandatário da Ré e das consequências a retirar, nomeadamente quanto à realização do julgamento e à validade da sentença; acessoriamente, surge ainda a questão do pagamento da taxa de justiça.
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VI – FUNDAMENTAÇÃO
A) Examinando o conteúdo das alegações da recorrente, nomeadamente as suas conclusões, que acima ficaram transcritas, afigura-se possível concluir, pese embora alguma deficiência de expressão, que a pretensão apresentada ao tribunal de recurso consiste na repetição da audiência de julgamento, e consequentemente também na anulação dos actos posteriores dela dependentes, por ser imperativo o adiamento da mesma em face da comunicação telefónica do advogado da Ré, que configuraria uma situação de “justo impedimento”.
Temos, portanto, que a recorrente visa a invalidação da sentença proferida atacando a decisão que determinou a realização da audiência de julgamento de onde emanou a sentença em causa. Entendemos que pode fazê-lo, uma vez que essa decisão não permite recurso autónomo, por não se enquadrar em nenhum dos casos previstos no art. 644º, n.º 1, do CPC, pelo que a sua impugnação tem que ser feita de acordo com o n.º 3 da mesma norma (recorrendo da decisão que ponha termo à causa, caso este recurso seja admissível).
(Acrescentamos que, ainda que assim não fosse como regra geral, no nosso caso concreto sempre seria possível e atempada essa impugnação, visto que só quando da notificação da sentença foi a recorrente notificada dos despachos proferidos em audiência de julgamento, pelo que não seria possível considerar que houve trânsito em julgado quanto a essa matéria quando da interposição do recurso).
Aceitamos, pois, a admissibilidade e a pertinência da questão invocada, quanto à existência de “justo impedimento” do mandatário da Ré, alegadamente justificativo do adiamento da audiência.
Ocorre antes do mais observar que da definição legal desta figura jurídica, contida no art. 140° do C. P. Civil (cfr. n.º 1: “considera-se justo impedimento o evento não imputável à parte nem aos seus representantes ou mandatários, que obste à prática atempada do acto”) resulta que a mesma está prevista primacialmente para os casos da realização de acto processual que não foi praticado no decurso do prazo normal, impondo-se à parte que alegue o justo impedimento que ofereça a respectiva prova no momento em que se apresenta a praticar o acto fora de prazo (cfr. o n.° 2 do art° 140°).
Ora a situação em causa tem a ver com a falta de comparência de advogado a audiência de julgamento, e não à prática de um acto processual subordinado a prazo que possa ser admitido posteriormente ao seu decurso, em razão de justo impedimento.
Todavia, não sendo a situação em apreço identificável com aquela que a norma do art. 140º do CPC visa em primeira linha abranger e regular, a invocação do aludido preceito mostra-se pertinente, dado o disposto no art. 603º do CPC.
Com efeito, estatui este preceito, relativamente à realização da audiência, que a mesma pode ser adiada, nomeadamente e além do mais, por “ocorrer justo impedimento”.
Conjugando esta disposição com o disposto no art. 140º, tem sido considerada “a regra geral prevista para as audiências de julgamento e que está consignada no artigo 603º, nº 1, do Código de Processo Civil, enquadrada na figura de cariz genérico e abrangente do justo impedimento consagrado no artigo 140º do mesmo diploma legal, o que significa que, existindo, comprovadamente, uma situação de justo impedimento que explica e justifica a ausência de um dos advogados ao ato judicial para o qual foi convocado, não pode o mesmo deixar de ser adiado.”- cfr. Acórdão da Relação de Évora de 14-01-2021, no processo n.º 5863/18.0T8STB-A.E1, relatado por Manuel Bargado, aqui 1ª Adjunto, e subscrito por Albertina Pedroso, aqui 2ª Adjunta (in www.dgsi.pt).
Recordamos que o Ilustre mandatário da Ré recorrente nos instantes que antecederam a audiência de julgamento marcada para as 9.15 horas de 22 de Abril de 2022 telefonou para a secretaria do tribunal “informando que se encontrava doente e que não poderá comparecer no dia de hoje”.
É literalmente o que consta da acta do julgamento, documento que não foi posto em causa por nenhum modo, e em que teremos que confiar (as actas de audiência de julgamento ou de qualquer diligência judicial são documentos públicos, qualificáveis como documentos autênticos, por força das disposições dos art. 369.º e seguintes do Código Civil).
Ora foi perante essa informação, de que o mandatário tinha telefonado a dizer que estava doente e que não poderia comparecer nesse dia, que o tribunal considerou que não se perfilava ali uma situação de “justo impedimento” atendível para os efeitos do adiamento, e determinou a realização da audiência.
Note-se que da informação não consta que o Ilustre mandatário tenha informado desde quando se manifestava o estado de doença invocado, nem afirmado o seu carácter súbito e repentino, nem que tenha oferecido, ou que se tenha proposto oferecer, qualquer tipo de prova a esse respeito; informou apenas que estava doente e que nesse dia não poderia comparecer.
Assim sendo, vem a propósito lembrar que a figura do justo impedimento, como causa justificativa para a falta de prática atempada de algum acto processual, tem sido encarada pela jurisprudência em termos bastante apertados.
A este propósito, escreveu-se já no Acórdão desta Relação de Évora de 15-06-2023, no processo n.º 2847/20.2T8STR-B.E1, relatado pelo ora Relator, e disponível em www.dgsi.pt, que “como se pode verificar na abundante jurisprudência produzida a este respeito, para que a doença do mandatário forense satisfaça o conceito de justo impedimento para a prática do acto fora do prazo legalmente estabelecido, é necessário que a doença seja súbita e tão grave que impossibilite, em absoluto, de praticar o acto, avisar o constituinte ou substabelecer o mandato.”
No caso presente o Ilustre mandatário não comunicou que tinha sido acometido de doença súbita, e tão grave que tornava impossível a sua comparência; disse simplesmente que estava doente, o que não permite sem mais nada concluir que essa doença não existia já há tempo suficiente para a ter comunicado anteriormente ao tribunal.
E também não indicou prova que corroborasse esse estado de doença, nem protestou apresentá-la depois, de forma a satisfazer o disposto no n.º 2 do art. 140º CPC (“a parte que alegar o justo impedimento oferece logo a respetiva prova”).
Obviamente que, por via telefónica, não poderia ter apresentado fisicamente a referida prova; mas nada impedia que a tivesse oferecido, indicado, no sentido de ter protestado apresentá-la depois.
Repetimos: na informação transmitida pelo Ilustre mandatário não consta que se confrontou com uma situação de doença súbita e imprevisível, gerador da impossibilidade de comparência, mas apenas a alegação de que estava doente (o que abrange um extenso leque de situações, de muita e diversa ordem, muitas delas não geradoras da impossibilidade aludida). Vem a propósito observar que se a doença já existia antes então não seria caso que integrasse o conceito legal de “justo impedimento”: como se diz no Acórdão da Relação de Coimbra de 11-05-2020 (processo n.º 46598/17.5YIPRT.C1, relator Isaías Pádua, in www.dgsi.pt):
Tendo a situação de doença configuradora de justo impedimento, envolvendo o mandatário de uma das partes, ocorrido em dia anterior à data designada para a audiência de julgamento, e não tendo a mesma sido comunicada (acompanhada do respetivo atestado médico já então emitido) ao tribunal, por culpa/imprevidência do próprio advogado, até à hora em que se deu inicio à mesma à audiência, inexiste fundamento legal para o seu adiamento.”
Não sabemos se seria esta a situação, mas a verdade é que o Ilustre mandatário não comunicou ao tribunal que estava impossibilitado pela emergência de uma doença súbita, de forma a que o julgador pudesse concluir que não tinha sido possível comunicá-la anteriormente.
E também não indicou qualquer meio de prova, com que se propusesse comprovar a situação alegada, de forma a credibilizar a sua afirmação.
E a verdade é que a jurisprudência tem sido exigente na aplicação deste conceito de “justo impedimento”, nomeadamente para efeitos de adiamento da audiência com esse fundamento. Essa exigência é inteiramente compreensível se tivermos presentes a natureza excepcional dessa figura jurídica e as consequências processuais da permissividade nessa matéria.
Assim, no Acórdão da Relação de Lisboa de 05-04-2022, no processo n.º 450/20.6T8MTA.L1-7, relator Carlos Oliveira, também em www.dgsi.pt:
Não constitui justo impedimento, para os efeitos do Art. 603º n.º 1 “in fine” do C.P.C. a mera justificação de que existiam “motivos imprevistos” e de “força maior”, que depois se vem a apurar referir-se a alegada avaria de veículo automóvel de que o mandatário já teria conhecimento 5 dias antes da audiência (…)”
Julgamos, portanto, que não estamos perante uma situação em que o tribunal pudesse concluir pelo preenchimento da causa de adiamento da audiência prevista no art. 603º, n.º 1, CPC, uma vez que a informação que lhe foi presente não bastava para satisfazer o conceito legal de “justo impedimento”.
Entendemos, pois, que andou bem o tribunal recorrido em manter a realização da audiência marcada.
É certo que a apelante veio mais tarde a acrescentar, completando, no requerimento de 26-04-2026, que lhe tinha sido impossível “estar presente na audiência de discussão e julgamento agendada para o dia 22.04.2022, pelas 9h15m em virtude de doença súbita e inesperada motivado pelo facto de ter sentido mal durante a noite e com fortes dores no peito e dificuldades respiratórias, que infelizmente o obrigou a deslocar-se ao Hospital, onde ainda se encontrava no momento da comunicação telefónica e tendo permanecido no mesmo entre as 8h00m e às 10h00m do dia 22.04.2022.”
E nesta ocasião juntou uma declaração do Hospital pretensamente confirmativa do que alegava.
Poderemos então ser levados a pensar que, procedendo desta forma, o recorrente está a invocar a nulidade dos actos processuais praticados (julgamento e sentença), e que ainda estava a tempo de o fazer.
Na realidade, estabelece o artigo 195.º do CPC, no âmbito das “regras gerais sobre a nulidade dos atos”, que “fora dos casos previstos nos artigos anteriores, a prática de um ato que a lei não admita, bem como a omissão de um ato ou de uma formalidade que a lei prescreva, só produzem nulidade quando a lei o declare ou quando a irregularidade cometida possa influir no exame ou na decisão da causa”, e afigura-se que a realização do julgamento sem a presença do advogado pode claramente influir no exame e na decisão da causa.
Conforme explica o Acórdão da Relação do Porto de 24-09-2019, no processo n.º 2083/18.8T8MAI.P1, relatora Lina Baptista (in www.dgsi.pt):
“O justo impedimento capaz de justificar o adiamento da audiência final tem que ser feito em momento anterior ou, quando muito, coincidente com o do início aprazado para esta, através de comunicação ao tribunal com alegação de motivo imprevisto ou de força maior impeditivo da presença do advogado e apresentação da respectiva prova.”
“Na eventualidade de o justo impedimento não poder ser invocado em momento anterior ou contemporâneo com o da audiência final, já se tratará diversamente da invocação de uma nulidade processual. Nesta situação, a parte interessada terá que provar, para além da ocorrência do motivo imprevisto ou de força maior impeditivo da presença do advogado em audiência, igualmente a impossibilidade de o ter comunicado antes da audiência, apresentando a respectiva prova.”
Todavia, também por este caminho a alegação da Ré não pode proceder. Com efeito, e para além deste carácter súbito e repentino da doença afirmado no requerimento de 26-04-2022 não ter constado da informação fornecida por telefone a 22-04-2022, o conteúdo do documento junto não é de molde a comprovar essa caracterização da doença alegada, e antes pelo contrário.
O que consta da declaração emitida pelos serviços do Hospital Professor Doutor Fernando da Fonseca é que o Ilustre Mandatário esteve naquele Hospital para uma consulta: “para os devidos efeitos se declara que recorreu ao serviço de Consultas no dia 22/04/2022 das 08:00:00 às 10:00:00”. Por outras palavras, uma consulta, normalmente marcada com antecedência, não coincide com uma emergência, uma doença súbita e inesperada” conforme é descrita no requerimento de 26-04-2022.
Consequentemente, também não estamos perante a confirmação de que existiu um “justo impedimento”, no sentido exigido pelas normais legais aplicáveis, que pudesse relevar para efeitos de invalidação do julgamento e da sentença dos autos.
Concluímos, por todo o exposto, que improcede a alegação da recorrente quanto ao “justo impedimento”, pelo que subsiste a decisão de realizar a audiência de julgamento, e consequentemente se mantém válido esse julgamento e a subsequente sentença (sublinhamos que nas conclusões com que delimitou o objecto do seu recurso a apelante refere que a sentença enferma de vícios, ilegalidades e nulidades, mas não identifica e concretiza quais sejam, para além do que ficou analisado).
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B) A recorrente insurge-se também contra a posição assumida pelo tribunal quando este afirmou que por não se mostrar paga a 2.ª prestação da taxa de justiça no prazo de 10 dias contados após o agendamento da audiência de julgamento, nem no prazo suplementar a que alude o art.º 14.º, n.º3 do RCP, então já não lhe seria possível “produzir qualquer meio de prova cuja produção ainda pudesse requerer até ao encerramento da audiência de julgamento”.
Desta forma, a Ré, que não tinha requerido a produção de qualquer diligência probatória, também estaria impedida de produzir qualquer meio de prova que ainda lhe fosse possível requerer até ao encerramento da audiência.
Alega a recorrente que consta dos próprios autos o comprovativo de pagamento da 2.º prestação da taxa de justiça, acrescida de multa, realizado no dia 19.04.2022.
E verifica-se que na realidade a marcação do julgamento, para 22 de Abril de 2022, ocorreu por despacho de 08-03-2022, notificado às partes nas pessoas dos seus mandatários logo a 09-03-2022.
Assim, o pagamento referido sempre estaria fora de tempo.
Porém, afigura-se que a apreciação desta questão ficou inteiramente prejudicada pela solução dada à questão anterior (a invocação do justo impedimento, conducente a uma eventual repetição do julgamento).
De facto, com a improcedência da alegação antes conhecida o julgamento que foi realizado está definitivamente encerrado. Todas as questões atinentes a meios de prova que a Ré pudesse produzir estão irremediavelmente ultrapassadas.
Assim, limitamo-nos a declarar que tal questão se encontra prejudicada, configurando a apreciação da mesma uma inutilidade absoluta.
E por outro lado, não tendo a Ré/apelante atacado directamente a sentença, designadamente no que se refere à sua fundamentação, de facto e/ou de direito, ou em termos do mérito da sua decisão final, resta-nos concluir pela permanência desta, não se descortinando motivo oficioso para a censurar.
Por força da solução encontrada para a questão que foi apreciada e decidida, o recurso improcede na sua totalidade.
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VII - DECISÃO
Pelo exposto, acordamos em julgar totalmente improcedente a apelação em apreço, e confirmar a sentença impugnada.
Custas pela ré/recorrente, dado o seu decaimento (cfr. art. 527.º, n.º 1, do CPC).
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Évora, 7 de Novembro de 2023
José Lúcio
Manuel Bargado
Albertina Pedroso