Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
1217/21.0T8LLE.E1
Relator: JOSÉ LÚCIO
Descritores: ABSOLVIÇÃO DA INSTÂNCIA
NOVA PETIÇÃO
Data do Acordão: 11/07/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário:
1 – Como resulta do art. 279º, n.º 1, do Código de Processo Civil, tendo uma acção terminado por absolvição da instância nada obsta a que o Autor venha propor contra o Réu nova acção com o mesmo objecto da anterior.
2 – A afirmação de que o Autor só pode fazer uso dessa faculdade uma única vez refere-se à previsão do n.º 2 do mesmo artigo, relativa aos efeitos civis da propositura da nova acção, significando que o Autor só pode beneficiar desse mecanismo uma única vez, e, portanto, numa única acção.
(Sumário elaborado pelo Relator)
Decisão Texto Integral:
ACORDAM OS JUÍZES DA 1ª SECÇÃO CÍVEL DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE ÉVORA:

I – RELATÓRIO
Na presente acção declarativa de condenação com processo comum a Autora Univex, Unipessoal Lda. veio peticionar a condenação do Réu AA no pagamento da quantia global de € 18.919,80, a título de capital, acrescida de juros de mora desde o dia 26/10/2019, à taxa legal civil.
O pedido deduzido, no valor global de € 18.919,80, reporta-se a duas facturas emitidas pela Autora e cujo pagamento esta pretende obter do Réu.
- A factura n.º 13228080, de 28/10/2019, no valor de € 11.908,80;
- A factura n.º 13228079, de 28/10/2019, no valor de € 7.011,00.
Conforme exposto na petição, a factura n.º 13228080 refere-se à prestação de serviços de reparação num veículo do Réu de matrícula ..-NV-.., traduzidos na substituição do respectivo motor e execução de serviços complementares, e a factura n.º 13228079 refere-se ao custo do parqueamento do veículo ..-NV-.. nas instalações da Autora entre a data em que o Réu foi avisado para levantar o veículo, após finda a reparação, e a data em que o Réu procedeu a tal levantamento.
Contestando, o Réu invocou a excepção dilatória inominada de inadmissibilidade legal de instauração da presente acção pela Autora, por considerar que se trata de uma repetição inadmissível da mesma acção, por a Autora já ter antes instaurado três acções contra o Réu com o mesmo objecto, acções essas em que o Réu foi sempre absolvido da respectiva instância, pela procedência de excepções dilatórias.
A Autora respondeu a essa matéria, defendendo a inexistência da alegada excepção dilatória inominada.
Prosseguindo os autos, foi proferida decisão que julgou verificada a excepção dilatória inominada de inadmissibilidade legal da instauração da presente acção e, em consequência, absolveu o Réu da instância.
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II – O RECURSO
Inconformada com o decidido, a Autora intentou então o presente recurso de apelação, apresentando motivação que terminou com as seguintes conclusões:
1) A Recorrente discorda em absoluto da decisão do Tribunal “a quo”, bem como dos fundamentos em que a mesma assenta;
2) O Tribunal “a quo” interpretou o n.º 1 do artigo 279º do Código de Processo Civil, fundamentando a sua decisão em dois Acórdãos que versaram sobre um caso totalmente diverso do aqui em apreço;
3) Considerou o Tribunal “ a quo” que o n.º 1 do artigo 279º do Código de Processo Civil conjugado com o n.º 2 do mesmo artigo, deve ser interpretado no sentido de que o A. que propõem uma ação em que o R. é absolvido da instância por se verificar algum dos casos previstos no artigo 278º do mesmo diploma só pode instaurar uma outra ação com o mesmo objetivo, alcance e efeitos da primitiva causa;
4) Considerou também o Tribunal “a quo” que a presente instância constitui a terceira ação que a Recorrente instaura contra o Recorrido com o mesmo objeto processual o que apenas lhe era permitido fazer por duas vezes;
5) A Recorrente instaurou contra o Recorrido 3 Injunções distintas que correram os seus termos sob os n.ºs 4325/20.0YIPRT, 86135/20.2YIPRT e 86136/20.0YIPRT;
6) Na Injunção com o n.º 4325/20.0YIPRT a Recorrente peticionou a condenação do Réu, ora Recorrido, ao pagamento das faturas com os n.ºs 13228080 e 13228079;
7) Na Injunção com o n.º 86135/20.2YIPRT a Recorrente peticionou a condenação do Réu, ora Recorrido, ao pagamento da fatura com o n.º 13228080, fatura essa que tinha como causa de pedir o contrato de serviços e fornecimento de materiais, celebrado entre as partes;
8) Na Injunção com o n.º 86136/20.0YIPRT a Recorrente peticionou a condenação do Réu, ora Recorrido, ao pagamento da fatura com o n.º 13228079, fatura essa que tinha como causa de pedir o depósito/parqueamento da viatura;
9) Termos em que terá que se concluir que os pedidos e causa de pedir de cada uma das injunções identificadas em 8) e 9) são distintos da presente demanda, não existindo identidade nem de pedido, nem tão pouco de causa de pedir;
10) O facto dos procedimentos de injunção sucederem no tempo e na identidade dos sujeitos, não é fundamento para o Tribunal “a quo” pugnar pela identidade de pedido e de causa de pedir em relação à presente demanda, na medida em que basta proceder-se a uma simples análise da Petição Inicial apresentada para se verificar que a relação material controvertida não coincide;
11) Admite-se, por mera cautela de patrocínio, a identidade entre a presente demanda e a Injunção com o n.º 4325/20.0YIPRT, o que leva à única conclusão possível, a de que a presente ação será a segunda e não a terceira ação com o mesmo objeto que a Recorrente propõem contra o Recorrente;
12) O Tribunal “a quo” fundamenta a sua interpretação utilizando a remissão para jurisprudência que é dispare do caso dos presentes autos;
13) Os Acórdãos citados foram proferidos, no mesmo processo, no âmbito da tutela de uma relação laboral e respetivos créditos, designadamente pelo efeito interruptivo da prescrição, pelo que não podem ser chamados à colação, sem mais, descurando da especificidade do caso dos autos e do histórico processual supra firmado;
14) Nos Acórdãos citados pelo Tribunal “a quo” decidiu-se que o A. não poderia beneficiar duas vezes do mecanismo previsto n.º 2 do artigo 279º do Código Processo Civil, ou seja considerou-se que a prescrição é insuscetível de interrupção, por nova citação, quando já tenha sido interrompida uma vez;
15) A Recorrente não deu entrada da presente ação para usufruir dos mecanismos previstos no n.º 2 do citado artigo, como decorre das certidões juntas aos autos as absolvições da instância nas ações acima identificadas deveram-se a questões meramente processuais, não estando sequer o prazo de prescrição do direito da aqui A. perto de prescrever.
16) Refira-se que, quer a doutrina, quer a jurisprudência, existente acerca da interpretação do artigo 279.º, n.º 1 do CPC, versam sobre matérias como caso julgado, prescrição, caducidade e efeitos da citação, não existindo qualquer pronúncia quanto ao pedido de condenação a pagamento em matéria civil;
17) Assim vedar ao credor o direito de reclamar a sua dívida no facto de ter tido sentenças desfavoráveis proferidas por questões meramente processuais (decorrentes do procedimento de injunção), seria violar o princípio basilar de que a todos é assegurado o acesso ao direito e aos tribunais, que reside no artigo 20.º da Constituição da República Portuguesa;
18) A sentença de absolvição da instância não dá lugar à formação de caso julgado material mas apenas ao caso julgado formal (artº 672 do C.P.C.) que incide tão só sobre questões de carácter processual;
19) Pelo que, não se entende como pode o Tribunal “a quo” considerar que a presente demanda, cujo mérito não foi apreciado, a ser admitida põem em causa os princípios jurídicos da segurança e paz jurídicas;
20)A Injunção é um procedimento tramitado pelo Balcão Nacional de Injunções, de natureza administrativa e não judicial, cujo regime especial obedece a regras fixas e limitadas, só assumindo uma índole judicial com a distribuição do tribunal;
21) Contrariamente às ações judiciais, nos Procedimentos de Injunção a lei condiciona o número de articulados, exige uma alegação sucinta de factos, com brevidade e concisão, entre outros;
22)Assim, ter-se-á que ter em conta que as absolvições da instância nos casos aqui em apreço se deveram a questões processuais oriundas do Procedimento de Injunção que como se disse é um procedimento tramitado pelo Balcão Nacional de Injunções, de natureza administrativa, pelo que entende a aqui Recorrente que não estamos, pois, perante uma Ação Judicial apta a ser enquadrada à luz do disposto no artigo 279.º, n.º 1 do CPC;
Nestes termos e nos melhores de Direito que V. Excia. Doutamente suprirão, deve ser revogada a decisão recorrida, e em sua substituição, ser admitida a presente ação.
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III – DAS CONTRA-ALEGAÇÕES
O recorrido apresentou contra-alegações, concluindo em suma que a decisão impugnada não merece qualquer censura, não se mostrando violada qualquer disposição legal ou constitucional, e nesta conformidade, deve manter-se a decisão recorrida, devendo o presente recurso ser julgado totalmente improcedente.
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IV – DA MATÉRIA A CONSIDERAR
A factualidade relevante, para efeitos de decisão do recurso, é aquela que consta do relatório inicial, para o qual remetemos, e a que alude também a recorrente nas suas alegações, e ainda os seguintes factos, fixados na sentença, com base nas certidões judiciais juntas aos autos, relativas aos processos n.º 4325/20.0YIPRT, 86135/20.2YIPRT e 86136/20.0YIPRT:
- a pretensão da Autora, deduzida nestes autos, de pagamento pelo Réu da factura n.º 13228080, no valor de € 11.908,80, e respectivos juros moratórios, a título de reparação do motor do veículo ..-NV-.., já tinha sido antes deduzida pela Autora contra o Réu no âmbito do processo n.º 4325/20.0YIPRT (cfr. requerimento de injunção de 17/1/2020, a fls. 242, e sentença de absolvição da instância do dia 8/7/2020, a fls. 274 a 276-v, transitada em julgado em 28/9/2020, cfr. fls. 229), e ainda no âmbito do processo n.º 86135/20.2YIPRT (cfr. requerimento de injunção de 9/10/2020, a fls. 179, e sentença de absolvição da instância do dia 25/11/2020, a fls. 213 a 218-v, transitada em julgado em 8/1/2021, cfr. fls. 175);
- a pretensão da Autora, deduzida nestes autos, de pagamento pelo Réu da factura n.º 13228079, no valor de € 7.011,00, e respectivos juros moratórios, a título de serviços de parqueamento do veículo ..-NV-.., já tinha sido antes deduzida pela Autora contra o Réu no âmbito do processo n.º 4325/20.0YIPRT (cfr. requerimento de injunção de 17/1/2020, a fls. 242, e sentença de absolvição da instância do dia 8/7/2020, a fls. 274 a 276-v, transitada em julgado em 28/9/2020, cfr. fls. 229), e ainda no âmbito do processo n.º 86136/20.0YIPRT (cfr. requerimento de injunção de 9/10/2020, a fls. 303, e sentença de absolvição da instância do dia 25/11/2020, a fls. 294-v a 297, sentença essa notificada às partes por notificação electrónica expedida em 26/11/2020, da qual não houve recurso ou reclamação, tendo a sentença transitado em julgado, cfr. fls. 281, 289-v e 290).
Em face das certidões respeitantes aos processos referidos, consigna-se ainda que no processo n.º 4325/20.0YIPRT o fundamento da absolvição da instância foi o erro na forma do processo, e nos processos n.ºs 86135/20.2YIPRT e 86136/20.0YIPRT a absolvição da instância foi decretada com fundamento na falta de causa de pedir.
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V – DO OBJECTO DO RECURSO
1 - Como é sabido, o objecto do recurso é delimitado pelas conclusões das alegações, sem prejuízo das questões que sejam de conhecimento oficioso e daquelas cuja decisão fique prejudicada pela solução dada a outras (cfr. arts. 635.º, n.ºs 3 e 4, 639.º, n.º 1 e 608.º, n.º 2, do CPC).
Sublinha-se ainda a este propósito que na sua tarefa não está o tribunal obrigado a apreciar todos os argumentos apresentados pela recorrente, sendo o julgador livre na interpretação e aplicação do direito (cfr. art. 5.º, n.º 3, do CPC).
No caso presente, a questão colocada ao tribunal de recurso, tendo em conta o conteúdo das conclusões que acima se transcreveram, e da motivação que as antecede, traduz-se na apreciação da possibilidade legal de instauração deste processo, considerando a existência dos anteriores documentados nos autos.
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VI – FUNDAMENTAÇÃO
Examinada a motivação apresentada pela recorrente para fundamentar o seu recurso, com o qual pretende demonstrar que não se verifica a excepção dilatória inominada julgada procedente na decisão recorrida, deparamos de imediato com dois argumentos que importa rebater.
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A) Um primeiro refere-se às anteriores acções mencionadas na factualidade provada, factualidade que a recorrente aliás não contesta, defendendo a recorrente que bem vistas as coisas nessas acções não existe a repetição apontada na decisão impugnada, dado que no máximo existe repetição de objecto nesta acção com aquela que teve o n.º 4325/20.0YIPRT, mas não com as outras duas, pelo que, assim sendo, mesmo aceitando que ao abrigo do art. 279º, n.º 1, do Código de Processo Civil, só é possível à Autora instaurar uma segunda acção com o mesmo objecto, esta seria então a segunda.
Com o devido respeito, tal argumento afigura-se meramente artificioso.
Como se pode verificar pelas certidões juntas, a Autora peticionou contra o Réu no processo n.º 4325/20.0YIPRT o pedido de pagamento da factura n.º 13228080, no valor de € 11.908,80, e respectivos juros moratórios, a título de reparação do motor do veículo ..-NV-.., e também o pedido de pagamento da factura n.º 13228079, no valor de € 7.011,00, e respectivos juros moratórios, a título de serviços de parqueamento do veículo ..-NV-...
Assim sendo, entre os presentes autos e esse processo n.º 4325/20.0YIPRT não pode duvidar-se que existe repetição da causa (são as mesmas as partes, os mesmos pedidos e causa de pedir).
Porém, verifica-se também que entre um e outro desses processos, em procedimentos separados, a mesma Autora deduziu contra o Réu no processo n.º 86135/20.2YIPRT o pedido de pagamento da mesma factura n.º 13228080, no valor de € 11.908,80, e respectivos juros moratórios, a título de reparação do motor do veículo ..-NV-.., e no processo n.º 86136/20.0YIPRT também a Autora deduziu o pedido de pagamento pelo Réu da factura n.º 13228079, no valor de € 7.011,00, e respectivos juros moratórios, a título de serviços de parqueamento do veículo ..-NV-...
Portanto, esses dois processos n.ºs 86135/20.2YIPRT e n.º 86135/20.2YIPRT apresentam-se, em relação ao processo n.º 4325/20.0YIPRT e também em relação aos presentes, como meros desdobramentos do pedido global neste submetido a juízo. Os pedidos formulados nesses dois processos integraram e integram também aqueles que foram deduzidos no primeiro (o n.º 4325/20.0YIPRT) e de novo apresentados neste último, os presentes autos.
Neste nosso processo trata-se efectivamente de apresentar em juízo pela terceira vez o mesmo pedido, que já esteve em causa nesses processos que, como se mencionou, terminaram todos com decisão já transitada de absolvição do Réu da instância.
Ou seja, como se diz na sentença recorrida “quando a Autora instaurou contra o Réu os presentes autos, em 12/5/2021 (cfr. petição inicial, a fls. 1), já o Réu tinha sido antes absolvido da instância, por duas vezes (por decisões transitadas em julgado), de acções instauradas pela Autora contra si com o mesmo objecto daquele que está em disputa nestes autos.
Concordamos, pois, com a posição assumida a este respeito na primeira instância (existe a repetição alegada pelo Réu).
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B) Um segundo argumento refere-se à natureza dos procedimentos que resultaram nas descritas absolvições da instância.
Alude a recorrente à circunstância de estarmos em todos os casos perante procedimentos de injunção, requeridos ao Balcão Nacional de Injunções, e, segundo se depreende do seu raciocínio, tais procedimentos não revestirem a natureza de verdadeiras acções judiciais, nomeadamente para efeitos do disposto no art. 279º do CPC.
Não é possível, manifestamente, subscrever este entendimento do recorrente.
Com efeito, as decisões de absolvição da instância a que se faz referência foram todas proferidas por juiz, numa verdadeira acção judicial (que começou por ser um procedimento de injunção mas que depois, nos termos da lei, foi remetido a juízo para efeitos de distribuição, traduzindo-se numa acção declarativa de condenação).
Precisamente como se explicou na douta sentença recorrida:
“(…) decorre da análise das certidões judiciais juntas aos autos relativas a tais processos que os mesmos foram distribuídos ao Juízo Local Cível de Loulé como acções declarativas especiais para cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contratos, na sequência da dedução de oposição por parte do demandado (em cumprimento do disposto nos artigos 16.º, n.º 1, e 17.º, n.º 1, do regime anexo ao Decreto-Lei n.º 269/98, de 1/9), pelo que, senão antes, pelo menos a partir da distribuição de tais autos ao Juízo de Loulé, tais processos assumiram a natureza de verdadeiras acções judiciais – o que se mostra também indiciado pelo disposto no art. 18.º do regime anexo ao Decreto-Lei n.º 269/98, de 1/9): «(…) da injunção e da acção declarativa que se lhe seguir (…)» –, sujeitas ao conhecimento e decisão por parte dum magistrado judicial (com poderes para proferir sentenças condenatórias com carácter de título executivo), e foi nesse âmbito processual da acção declarativa especial que foram proferidas as decisões de absolvição da instância em tais autos, subscritas por juízes de direito.”
Em conclusão, também não colhe esta segunda linha de argumentação da recorrente, que julgamos manifestamente improcedente.
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C) Porém, rejeitados que foram estes dois argumentos invocados no recurso que acima foram apreciados, a questão fundamental colocada pela recorrente subsiste, restando agora dar-lhe resposta.
Atento o disposto no art. 279º do CPC, será ou não possível à Autora intentar esta nova acção, assente que ficou que anteriormente demandou o Réu por duas vezes apresentando como objecto as mesmas pretensões?
A sentença recorrida entendeu que não, apoiando-se em jurisprudência que citou a esse respeito.
Todavia, examinada a jurisprudência em causa, conclui-se que na realidade a mesma reporta-se a situação diferente daquela apresentada nestes autos, e que aqui não tem aplicação.
Concretamente, trata-se dos Acórdãos da Relação de Guimarães de 04-05-2017, no processo n.º 4420/15.8T8VCT.G1, relatora Vera Sottomayor, e de 29-06-2017 no processo n.º 4211/15.6T8VCT.G1, relator Eduardo Azevedo, e dos Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 12-12-2017, no processo n.º 4420/15.8T8VCT.G1.S2, relator Ferreira Pinto, e de 24-01-2018, no processo n.º 4211/15.6T8VCT.G1.S1, relator Gonçalves Rocha, todos disponíveis em www.dgsi.pt.
Tais acórdãos pronunciam-se, em dois processos laborais com idêntica configuração, apreciados sucessivamente na Relação e no Supremo, pela impossibilidade de fazer uso por duas vezes do mecanismo previsto no n.º 2 do art. 279º do CPC, possibilidade essa que era essencial à posição dos Autores nesses processos, com vista a interromper o prazo de prescrição dos créditos que pretendiam fazer valer em juízo.
É esse o significado das conclusões exaradas na jurisprudência mencionada:
“I - O Autor não pode beneficiar duas vezes do mecanismo previsto no n.º 2 do artigo 279º do CPC e por isso a presente acção não deveria ter sido admitida, com consequente absolvição da Ré da instância, por verificação de excepção dilatória inominada, em face da propositura, pela terceira vez, de nova acção, com o mesmo objecto das demais – cfr. artigos 279º n.º 1 e 2, 278º n.º 1 al. e), 576º, e 577º do CPC.
II - Se em caso de absolvição da instância por verificação de qualquer excepção dilatória, o demandante pudesse instaurar sucessivas acções sobre o mesmo objecto até acertar, o princípio da economia processual também subjacente a preceito perderia relevância, além de que deixa de ter justificação que o demandante continue a gozar das vantagens que lhe são concedidas pelo citado preceito legal.”
Ou seja, trata-se de obstar à utilização por duas vezes dos benefícios previstos no n.º 2 do art. 279º, relativos aos efeitos civis da propositura da nova acção, concretamente no referente a prescrição.
Entendemos, portanto, que tem razão a Autora/recorrente quando defende nas suas conclusões que os acórdãos citados não podem ser chamados à colação para o caso dos presentes autos, por terem sido proferidos para situação diferente.
Nos acórdãos mencionados decidiu-se que o Autor não poderia beneficiar duas vezes do mecanismo previsto no n.º 2 do artigo 279º do Código Processo Civil, ou seja considerou-se que a prescrição é insuscetível de interrupção, por nova citação, quando já tenha sido interrompida uma vez; ora a Recorrente não deu entrada da presente ação para usufruir dos mecanismos previstos no n.º 2 do citado artigo.
A acção aqui intentada tem que ser vista à luz da regra geral contida no n.º 1 do art. 279º, tão somente, sem relação com o disposto no seu n.º 2.
Ora a norma constante do n.º 1 do art. 279º do CPC consagra precisamente a possibilidade de instaurar nova acção em caso de uma anterior ter terminado com a absolvição do Réu da instância.
E compreende-se que assim seja, dado que por um lado a absolvição da instância não origina caso julgado, a não ser formal, e por outro lado a pretensão de fundo, a questão de mérito, nunca chegou a ser apreciada, permanecendo a pertinência da sua submissão a juízo.
Assim, regressando ao caso em apreço, conclui-se que a repetição antes apontada não constitui obstáculo à propositura desta nova acção.
Anote-se a este propósito que mesmo na perspectiva da utilização do mecanismo do n.º 2 do art. 279º, que como se disse não ocorre no nosso caso, o Prof. Lebre de Freitas, analisando o acórdão do STJ de 12-12-2017, no processo n.º 4420/15.8T8VCT.G1.S2, supra aludido, manifesta concordância com a solução ali encontrada mas adianta uma observação que se afigura pertinente:
"Já assim não seria, a nosso ver, se a absolvição da instância tivesse, numa e noutra ação, fundamentos distintos, sendo, aliás, que neste caso ao juiz da primeira ação seria provavelmente imputável não ter considerado também a falta do pressuposto que funda a segunda absolvição da instância".
Ou seja, aceitando-se este ponto de vista mesmo que se tratasse de situação enquadrável no n.º 2 do art. 279º a repetição apontada no caso presente não seria obstáculo à nova acção uma vez que os fundamentos das absolvições anteriores não se repetem (na primeira vez a absolvição foi decidida com fundamento em erro na forma do processo, e posteriormente com fundamento na falta de causa de pedir).
Porém, como também já ficou dito, nestes autos nem sequer se coloca a questão levantada pelo n.º 2 do art. 279º do CPC, limitando-se ao âmbito de aplicação do n.º 1 do mesmo artigo.
E assim permanecemos no campo dos princípios gerais, tendo a Autora o direito a ver apreciado em juízo o direito que alega.
Conforme escreve o Prof. Alberto dos Reis a respeito do então artigo 291.º, n.º 1, na pág. 419 do vol. 3.º do Comentário ao CPC:
A absolvição da instância em caso algum obstará a que se proponha outra acção sobre o mesmo objecto.”
“Com a absolvição da instância extingue-se a relação jurídica processual; mas como a sentença nada decidiu quanto à relação jurídica substancial, visto que se absteve de conhecer do mérito da causa, essa relação ficou intacta e portanto em condições de ser objecto de nova acção”.
Assentamos, portanto, contrariamente ao decidido na sentença impugnada, que nada obsta à instauração da presente acção, não existindo no art. 279º, n.º 1, do CPC, a limitação apontada como fundamento da decisão.
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Em consequência, o recurso sub judice mostra-se procedente, impondo-se a revogação da decisão recorrida.
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VII - DECISÃO
Pelo exposto, acordamos em julgar procedente a apelação em apreço, revogando a decisão recorrida e determinando o prosseguimento dos autos.
As custa ficam a cargo do réu, como parte vencida (cfr. art. 527.º, n.º 1, do CPC).

Évora, 7 de Novembro de 2023

José Lúcio
Manuel Bargado
Albertina Pedroso