Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
342/13.5TTTMR.1.E1.E1
Relator: EMÍLIA RAMOS COSTA
Descritores: ACIDENTE DE TRABALHO
RECIDIVA
REVISÃO DA INCAPACIDADE
DIMINUIÇÃO DA CAPACIDADE DE GANHO
JUSTA INDEMNIZAÇÃO
INCONSTITUCIONALIDADE
Data do Acordão: 09/14/2023
Votação: MAIORIA COM * VOT VENC
Texto Integral: S
Sumário:
Sumário elaborado pela relatora (artigo 663.º, n.º 7, do Código de Processo Civil):
I – Nos termos dos arts. 75.º e 82.º, n.º 2, da Lei n.º 98/2009, de 04-09, e 2.º do Decreto-Lei n.º 668/75, de 24/11, sempre que a pensão seja remível não há lugar à sua atualização.

Sumário da declaração de voto do vencido:
A) Actualmente, um sinistrado, que tenha sido inicialmente considerado curado sem desvalorização, ou a quem tenha sido atribuída nessa altura uma incapacidade parcial permanente (IPP) inferior a 30%, recebendo então uma pensão obrigatoriamente remível, nos termos do art. 75.º n.º 1 da LAT, sofrendo anos mais tarde uma recidiva ou agravamento, confronta-se com a seguinte situação:
1.º após a nova baixa, mantém o direito à indemnização por incapacidade temporária absoluta ou parcial para o trabalho, mas, para esse efeito, é considerado o valor da retribuição à data do acidente actualizado pelo aumento percentual da retribuição mínima mensal garantida – art. 24.º n.º 3 da LAT;
2.º após a nova alta, em caso de agravamento da sua incapacidade parcial permanente, mas em que esta se mantenha, apesar disso, ainda inferior a 30%, já não tem lugar essa actualização, e a pensão agravada será assim calculada com recurso à regra geral do art. 71.º n.º 1 da LAT, e a indemnização pela nova IPP será calculada, tão só, com base na retribuição anual ilíquida normalmente devida ao sinistrado, à data do acidente, tanto mais que o art. 82.º n.º 2 da LAT apenas prevê um mecanismo de actualização do valor das pensões por incapacidades superiores a 30%.
B) Em resumo, enquanto o sinistrado estiver em situação de nova incapacidade temporária, a indemnização será paga por valores actualizados, mas quando atingir a nova alta, a pensão será calculada por valores não actualizados.
C) Se o sinistrado sofre, em virtude de recidiva, uma redução da sua capacidade de ganho vários anos após o acidente, ficando ainda assim com uma IPP inferior a 30%, não se pode afirmar que uma indemnização calculada com base numa retribuição desactualizada (por vezes, desactualizada em muitos anos), seja capaz de cumprir a função de reintegração da sua concreta capacidade de ganho.
D) Por violação do princípio da justa reparação, contido no art. 59.º n.º 1 al. f) da Constituição, é inconstitucional a norma que resulta das disposições conjugadas dos arts. 71.º n.º 1 e 82.º n.º 2 da LAT, na parte em que impõem que a indemnização por incapacidade parcial permanente inferior a 30% seja sempre calculada com base na retribuição anual ilíquida normalmente devida ao sinistrado, à data do acidente, assim impedindo a actualização dessa indemnização, mesmo em caso de recidiva que ocasione o agravamento da incapacidade inicial, mas ainda assim em percentagem inferior a 30%.
Decisão Texto Integral:
Proc. n.º 342/13.5TTTMR.1.E1.E1
Secção Social do Tribunal da Relação de Évora[1]
Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Évora:
I – Relatório
Em 02-02-2022, o sinistrado AA, patrocinado pelo Ministério Público, veio, nos termos do art. 145.º, n.º 1, do Código de Processo do Trabalho, requerer a revisão da incapacidade anteriormente fixada, em virtude de se terem agravado as lesões/sequelas de que é portador.
Realizada perícia médica ao sinistrado AA, concluiu a mesma, em parecer datado de 28-12-2022, o seguinte:
Conjugando a informação prestada pelo Sinistrado, os dados clínicos facultados e o exame objetivo realizado, somos do parecer que existe agravamento (0,98%) do quadro sequelar decorrente do acidente ocorrido no dia 27/02/2013, desde, pelo menos, 12/10/2021.
A incapacidade permanente parcial resultante do acidente atual, tendo em conta as sequelas atrás descritas e a consulta da Tabela Nacional de Incapacidades para Acidentes de Trabalho e Doenças Profissionais (Anexo I, Dec. Lei nº 352/07 de 23 de Outubro), é de 5,92%. A taxa atribuída tem em conta os artigos da Tabela referidos no quadro abaixo indicado.
O quadro sequelar de que é portador poderia beneficiar de programa de reabilitação (reforço muscular) semestral.
Foi proferida em 06-04-2023 decisão com o seguinte teor:
6. Pelo exposto, nos termos do n.º 6, do citado art.º 145.º, do Código de Processo do Trabalho, julgo o presente incidente procedente e condeno a Companhia de Seguros Açoreana, S.A., a pagar ao sinistrado AA o capital de remição € 1.897,96, correspondente a uma pensão anual de € 129,43 (considerando a anterior remição), correspondente a uma IPP de 5,92%, devida desde 12/10/2021, e respectivos juros de mora desde esta data e até integral pagamento à taxa legal que estiver em vigor.
7. Condeno a seguradora a suportar as custas do presente incidente.
8. Notifique, sendo a responsável para comprovar nos autos o pagamento imediato da quantia supra reconhecida ao sinistrado ou proceder ao respectivo caucionamento.
Não se conformando com tal decisão, veio a requerida “Generali Seguros, S.A.” interpor recurso de Apelação, terminando as suas alegações com as conclusões que se seguem:
1 – O Tribunal a quo violou o disposto no ponto 7 do preâmbulo e do art. 2.º do Decreto-Lei n.º 668/75, de 24/11, bem como do disposto no art. 82.º, n.º 2, da Lei n.º 98/2009, de 04-09 (LAT);
2 – Com efeito, apenas são actualizáveis nos termos legais as pensões não remíveis;
3 – Tendo resultado do incidente de revisão da incapacidade um agravamento da IPP fixada, mas situando-se este ainda em valor inferior a 30% de incapacidade, a pensão revista, por ser obrigatoriamente remível, não é actualizável, neste sentido, vide , vide Acórdãos do Tribunal da Relação de Évora de 27-02-2020 e de 25-01- 2023, o primeiro disponível em www.dgsi.pt e o segundo referido no despacho recorrido e proferido no âmbito do processo nº 169/12.1TTVFX.1.E1 em que foi parte a ora Recorrente.
4 – Impondo-se, em consequência, a revogação da decisão proferida.
Nestes termos, nos mais de direito e sempre com o mui douto suprimento de V. Exas., deve ser dado provimento ao recurso apresentado e ser a douta decisão revogada, assim se fazendo como sempre JUSTIÇA
O requerente AA, patrocinado pelo Ministério Público, não apresentou contra-alegações.
O tribunal de 1.ª instância admitiu o recurso como de apelação, com subida imediata, nos próprios autos e efeito meramente devolutivo. Após a subida dos autos ao Tribunal da Relação, foi mantido o recurso nos seus precisos termos e colhidos os vistos, pelo que cumpre agora apreciar e decidir.
II – Objeto do Recurso
Nos termos dos arts. 635.º, n.º 4, e 639.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, aplicáveis por remissão do art. 87.º, n.º 1, do Código de Processo de Trabalho, o objeto do recurso é delimitado pelas conclusões formuladas, ressalvada a matéria de conhecimento oficioso (art. 662.º, n.º 2, do Código de Processo Civil).
No caso em apreço, a questão que importa decidir é:
1) Se há atualização das pensões remíveis.
III – Matéria de Facto
Os factos relevantes para a decisão a proferir são os que constam do relatório que antecede.
IV – Enquadramento jurídico
Conforme supra mencionámos, o que importa analisar no presente recurso é se (i) há atualização das pensões remíveis.
1 – Atualização das pensões remíveis
Considera a Apelante que o tribunal a quo violou o disposto no ponto 7 do preâmbulo e do art. 2.º do Decreto-Lei n.º 668/75, de 24/11, bem como do disposto no art. 82.º, n.º 2, da Lei n.º 98/2009, de 04-09 (LAT), uma vez que apenas são atualizáveis, nos termos legais, as pensões não remíveis, pelo que, tendo resultado do incidente de revisão da incapacidade um agravamento da IPP fixada, mas situando-se este ainda em valor inferior a 30% de incapacidade, a pensão revista, por ser obrigatoriamente remível, não é atualizável.
Apreciemos.
Dispõe o art. 75.º da Lei n.º 98/2009, de 04-09,[2] que:
1 - É obrigatoriamente remida a pensão anual vitalícia devida a sinistrado com incapacidade permanente parcial inferior a 30 % e a pensão anual vitalícia devida a beneficiário legal desde que, em qualquer dos casos, o valor da pensão anual não seja superior a seis vezes o valor da retribuição mínima mensal garantida, em vigor no dia seguinte à data da alta ou da morte.
2 - Pode ser parcialmente remida, a requerimento do sinistrado ou do beneficiário legal, a pensão anual vitalícia correspondente a incapacidade igual ou superior a 30 % ou a pensão anual vitalícia de beneficiário legal desde que, cumulativamente, respeite os seguintes limites:
a) A pensão anual sobrante não pode ser inferior a seis vezes o valor da retribuição mínima mensal garantida em vigor à data da autorização da remição;
b) O capital da remição não pode ser superior ao que resultaria de uma pensão calculada com base numa incapacidade de 30 %.
3 - Em caso de acidente de trabalho sofrido por trabalhador estrangeiro, do qual resulte incapacidade permanente ou morte, a pensão anual vitalícia pode ser remida em capital, por acordo entre a entidade responsável e o beneficiário da pensão, se este optar por deixar definitivamente Portugal.
4 - Exclui-se da aplicação do disposto nos números anteriores o beneficiário legal de pensão anual vitalícia que sofra de deficiência ou doença crónica que lhe reduza definitivamente a sua capacidade geral de ganho em mais de 75 %.
5 - No caso de o sinistrado sofrer vários acidentes, a pensão a remir é a global.

Dispõe igualmente o art. 82.º do mesmo Diploma Legal que:
1 - A garantia do pagamento das pensões estabelecidas na presente lei que não possam ser pagas pela entidade responsável, nomeadamente por motivo de incapacidade económica, é assumida e suportada pelo Fundo de Acidentes de Trabalho, nos termos regulamentados em legislação especial.
2 - São igualmente da responsabilidade do Fundo referido no número anterior as actualizações do valor das pensões devidas por incapacidade permanente igual ou superior a 30 % ou por morte e outras responsabilidades nos termos regulamentados em legislação especial.
3 - O Fundo referido nos números anteriores constitui-se credor da entidade economicamente incapaz, ou da respectiva massa falida, cabendo aos seus créditos, caso a entidade incapaz seja uma empresa de seguros, graduação idêntica à dos credores específicos de seguros.
4 - Se no âmbito de um processo de recuperação de empresa esta se encontrar impossibilitada de pagar os prémios dos seguros de acidentes de trabalho dos respectivos trabalhadores, o gestor da empresa deve comunicar tal impossibilidade ao Fundo referido nos números anteriores 60 dias antes do vencimento do contrato, por forma a que o Fundo, querendo, possa substituir-se à empresa nesse pagamento, sendo neste caso aplicável o disposto no n.º 3.

Dispõe também o ponto 7 do preâmbulo do Decreto-Lei n.º 668/75, de 24/11, que:
7. Nesta fase, dadas as actuais dificuldades e tendo em conta que as desvalorizações inferiores a 30% de um modo geral não representam flagrante redução efectiva na capacidade de ganho da vítima e que a contemplarem-se todas as situações isso seria uma dispersão financeira em flagrante prejuízo dos casos mais graves, optou-se apenas pela actualização dos casos iguais ou superiores a 30%.

Por fim, dispõe o art. 2.º do Decreto-Lei n.º 668/75, de 24/11,[3] que:
Não estão abrangidas pelo disposto no artigo anterior[4] as pensões resultantes de incapacidades inferiores a 30%.

Ora, em face das disposições citadas, é evidente que sempre que a pensão seja remível não há lugar à sua atualização.
Conforme resulta desde 1975 do citado Decreto-Lei e que se mantém na Lei n.º 98/2009, de 04-09, apenas as pensões que não são remíveis, e, por isso, pagas anualmente, são atualizáveis.
Atente-se ainda à circunstância de que se tivesse sido fixado, de início, ao sinistrado a incapacidade permanente parcial que resultou do incidente de revisão de incapacidade – atento o grau de incapacidade e o valor do somatório da pensão inicial e da pensão resultante do agravamento – a pensão respetiva não seria atualizável por ser obrigatoriamente remível, pelo que, de igual modo, não será a mesma atualizável em incidente de revisão de incapacidade.[5]
A decisão recorrida invoca, para fundamentar a sua posição, o acórdão do TRG, proferido em 10-07-2019, no âmbito do processo n.º 333/14.9TTGMR.2.G1,[6] porém, nesse acórdão a pensão que veio a ser atualizada não era remível,[7] pelo que o referido acórdão não aborda a questão dos presentes autos.
Refere-se ainda na decisão recorrida que o disposto no art. 77.º, al. d), da LAT impõe que se atualize as pensões obrigatoriamente remíveis em situações de revisão da incapacidade.
Dispõe o art. 77.º, al. d), da LAT, que:
A remição não prejudica:
[…]
d) A actualização da pensão remanescente no caso de remição parcial ou resultante de revisão de pensão.

Na realidade, este artigo terá sempre de ser contextualizado com as demais normas em vigor, inclusive da LAT, pelo que, não sendo as pensões obrigatoriamente remíveis sujeitas a atualização, em face do disposto no art. 82.º, n.º 2, da referida LAT,[8] a pensão remanescente resultante de revisão de pensão que se encontra sujeita a atualização, mencionada no referido art. 77.º, al. d), da LAT, terá de ser necessariamente uma pensão não remível. Interpretar-se de outro modo, para além de ir contra o disposto no art. 2.º do Decreto-Lei n.º 668/75, de 24/11, que se mantém em vigor, também levaria a uma situação de discriminação entre aqueles cujas pensão seriam pagas pelo Fundo de Acidentes de Trabalho que, nos termos do citado n.º 2 do art. 82.º, não seriam atualizáveis e aqueles cujas pensões seriam pagas pelas respetivas entidades responsáveis pelos acidentes de trabalho ou doenças profissionais, aos quais se aplicaria o disposto na al. d) do art. 77.º da LAT, sem esta devida contextualização.
Na decisão recorrida argumenta-se igualmente que o art. 2.º do DL n.º 668/75, de 24-11, é inconstitucional, por violação do disposto no art. 59.º, n.º 1, al. f), da Constituição da República Portuguesa, tanto mais que, quando entrou em vigor aquele artigo, nem sequer ainda existia a nossa atual Lei Fundamental.
Ora, para além de o invocado problema de inconstitucionalidade também ter de ser levantado em face do disposto no n.º 2 do art. 82.º da LAT, que já entrou em vigor com a atual Constituição da República, sob pena de se determinar a aplicação de regimes diferentes consoante as entidades que vierem a pagar as respetivas pensões aos sinistrados, o que manifestamente, aí sim, violaria o princípio da igualdade, também ele de consagração constitucional, sempre se dirá que não se vislumbra na presente situação qualquer violação do princípio da justa reparação do sinistrado, previsto no mencionado art. 59.º, n.º 1, al. f), da Constituição da República Portuguesa.
Na realidade, mesmo quando a pensão remível é calculada de uma só vez, sem agravamentos, se o processo, até chegar ao seu trânsito, demorar vários anos, o cálculo final da pensão é sempre efetuado de acordo com o valor da pensão a atribuir à data da alta e não daquele que resultaria da sua atualização à data da prolação da decisão final ou à data do trânsito dessa decisão final, pelo que se nos afigura que o raciocínio em situação de agravamento, mantendo-se os pressupostos da remição, deverá ser idêntico. A eventual desvalorização monetária é compensada pela circunstância de o sinistrado receber um montante significativamente superior àquele que receberia se a pensão fosse paga anualmente, visto receber o montante que lhe é devido todo junto e de uma única vez, podendo, assim, colocar tal montante a render e receber os respetivos juros, o que, auferindo anualmente tal pensão, se lhe mostra vedado.
Por fim, ainda se dirá que se encontrando perfeitamente delimitado os requisitos para que uma pensão seja obrigatoriamente remível (com limites de grau de incapacidade e de valor da pensão), implicando tal situação que a pensão será paga apenas de uma vez, e não de forma anual e vitalícia, sendo que a partir do momento em que o grau de incapacidade e/ou de valor da pensão se altera acima desses critérios estabelecidos o remanescente dessa pensão deixa de ser obrigatoriamente remível, afigura-se-nos inexistir qualquer situação de discriminação entre os diferentes beneficiários relativamente à diferença do regime de atualização entre as pensões remíveis e não remíveis.
Pelo exposto, apenas nos resta dar provimento ao recurso interposto, determinando em consequência a revogação da decisão recorrida na parte em que fixou o montante da pensão anual e obrigatoriamente remível em €129,43, a qual será substituída pelo valor da pensão anual e obrigatoriamente remível em €122,67.
V – Decisão
Pelo exposto, acordam os juízes da Secção Social do Tribunal da Relação de Évora em julgar o recurso totalmente procedente, e, em consequência, revogar parcialmente a decisão recorrida, na parte em que fixou o valor da pensão no montante de €129,43, devendo, nessa parte, ser substituída pelo montante de €122,67.
No demais mantém-se a decisão recorrida.
Custas a cargo do sinistrado.
Notifique.
Évora, 14 de setembro de 2023
Emília Ramos Costa (relatora)
Paula do Paço
Mário Branco Coelho (votou vencido)

Declaração de voto (vencido):
Tendo subscrito os Acórdãos desta Relação de Évora de 27.02.2020 (Proc. 446/14.7T8TMR.1.E1) e de 25.01.2023 (Proc. 169/12.1TTVFX.1.E1), ambos publicados na endereço da DGSI, consigno que é momento de evoluir na minha posição, fruto de longa meditação que tenho realizado acerca desta questão.
Actualmente, um sinistrado, que tenha sido inicialmente considerado curado sem desvalorização, ou a quem tenha sido atribuída nessa altura uma incapacidade parcial permanente (IPP) inferior a 30%, recebendo então uma pensão obrigatoriamente remível, nos termos do art. 75.º n.º 1 da Lei 98/2009, de 4 de Setembro (que designaremos, doravante, apenas como LAT), sofrendo anos mais tarde uma recidiva ou agravamento, confronta-se com a seguinte situação:
1.º após a nova baixa, mantém o direito à indemnização por incapacidade temporária absoluta ou parcial para o trabalho – art. 24.º n.º 2 al. a) da LAT – mas, para esse efeito, é considerado o valor da retribuição à data do acidente actualizado pelo aumento percentual da retribuição mínima mensal garantida – art. 24.º n.º 3 da LAT;
2.º após a nova alta, em caso de agravamento da sua incapacidade parcial permanente, mas em que esta se mantenha, apesar disso, ainda inferior a 30%, já não tem lugar essa actualização, e a pensão agravada será assim calculada com recurso à regra geral do art. 71.º n.º 1 da LAT, e a indemnização pela nova IPP será calculada, tão só, com base na retribuição anual ilíquida normalmente devida ao sinistrado, à data do acidente, tanto mais que o art. 82.º n.º 2 da LAT apenas prevê um mecanismo de actualização do valor das pensões por incapacidades superiores a 30%.
Em resumo, enquanto o sinistrado estiver em situação de nova incapacidade temporária, a indemnização será paga por valores actualizados, mas quando atingir a nova alta, a pensão será calculada por valores não actualizados.
Esta incongruência é tanto mais relevante, quanto deixou de existir qualquer prazo de caducidade para se requerer a revisão da incapacidade – art. 70.º n.º 1 da LAT – podendo esta ser assim requerida, e reconhecida, bastantes anos após a data do acidente e da primeira alta.
Noutros campos em que há lugar ao pagamento de indemnização, a lei e a jurisprudência reconhecem que se trata de obrigação de valor, sujeita à regra do art. 551.º do Código Civil, por contraposição ao princípio do nominalismo monetário, em que apenas se atende ao valor nominal da moeda.
Assim, no caso da expropriação por utilidade pública, o Acórdão Uniformizador de Jurisprudência n.º 7/2001 estabeleceu regras quanto à actualização do valor da indemnização, escrevendo-se a dado passo desse aresto o seguinte: «Dentro do possível, o expropriado não deve ver o seu património diminuído mesmo que seja para realização de um interesse público. Isso consegue-se, ou entregando-lhe contemporaneamente um valor em dinheiro correspondente ao valor do bem que sai, atribuindo-lhe um crédito em dinheiro, desse valor, sujeito a actualização no momento do pagamento. A actualização monetária, contrariando o princípio do nominalismo, é ditada pela necessidade, que em regra há, de recorrer a um processo mais ou menos moroso de fixação do valor.»
De igual modo, no caso da responsabilidade civil por facto ilícito ou pelo risco, o Acórdão Uniformizador de Jurisprudência n.º 4/2002 estabeleceu regras quanto ao momento de actualização do valor da indemnização e subsequente vencimento de juros.
Porém, essa possibilidade de actualização do valor da indemnização não existe na área dos acidentes de trabalho, em caso de recaída sobrevinda vários anos após a data do acidente, que origine uma nova incapacidade permanente inferior a 30%.
E isto tanto sucederá no caso do sinistrado ter sido considerado curado sem desvalorização à data da primeira alta (situação em que não recebeu qualquer indemnização por incapacidade permanente, pois esta não lhe foi sequer reconhecida), quer tenha sido considerado afectado de uma IPP inferior a 30% e recebido uma pensão obrigatoriamente remível (calculada apenas com base na incapacidade inicialmente reconhecida, e não na resultante de uma hipotética recaída).
Cinco, dez ou quinze anos depois, o sinistrado pode sofrer uma recaída, passar por um período de incapacidade temporária (em que receberá uma indemnização devidamente actualizada, por força do art. 24.º n.º 3 da LAT), e depois obter uma nova alta, eventualmente com agravamento da sua anterior incapacidade, mas ainda assim com uma IPP inferior a 30%, pelo que não será actualizada.
Neste caso, também não se pode presumir que o sinistrado teve direito à pensão agravada em data anterior ao pedido de revisão da incapacidade, pelo que os juros de mora apenas se vencerão desde o correspondente requerimento (cfr. o Acórdão da Relação de Guimarães de 21.03.2019, Proc. 160/09.5TTVRL-A.G1, publicado na página da DGSI).
Cremos que esta discrepância é tanto mais injusta quanto o sinistrado vê-se confrontado com o agravamento da sua capacidade de ganho vários anos após o acidente, logo numa fase mais adiantada da vida, quando as hipóteses de adaptação profissional e de recuperação são mais difíceis.
Precisamente, quando necessitaria de uma indemnização que o compensasse da perda de ganho sofrida nessa fase mais adiantada da vida, vê-se confrontado com uma pensão calculada apenas com base na retribuição auferida muitos anos atrás, como se a obrigação fosse meramente nominal, e não uma compensação “pela perda ou redução permanente da sua capacidade de trabalho ou de ganho resultante de acidente de trabalho” – art. 48.º n.º 2 da LAT.
Acompanhamos, pois, a posição do Mm.º Juiz a quo, quando escreveu o seguinte:
«A Constituição da República Portuguesa refere que o trabalhador vítima de acidente de trabalho tem direito à reparação. Mas essa reparação terá que ser justa. Ora, a Constituição e a Lei ordinária não enferma duma concepção nominalista quanto à definição da reparação. Bem pelo contrário, repetidamente associa o direito à indemnização e à reparação a outros direitos acessórios, como sucede genericamente em função dos juros ou da actualização calculados em função da inflação ou de outros índices. No caso dos acidentes de trabalho, o mecanismo legal baseia-se na instituição do mecanismo de actualização das pensões. Estar a atribuir uma pensão – mesmo que remível – a um sinistrado volvida uma dezena de anos sobre um acidente de trabalho, ignorando por completo o fenómeno da inflação é um imerecido bónus para quem é responsável pela reparação e um injustificado prejuízo para quem sofre hoje o agravamento de uma incapacidade e é reparado apenas com base na retribuição que auferia há muitos anos atrás.»
Escreveu-se no Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 151/2022, confirmando, de resto, juízo de inconstitucionalidade que havíamos formulado nesta Relação de Évora, a propósito do art. 54.º n.º 1 da LAT:
«(…) a pensão anual e vitalícia tem como finalidade «a substituição ou compensação da perda da contribuição que o vencimento do próprio trabalhador representava para a sua subsistência». Ela visa reparar o direito à integridade económica ou produtiva do trabalhador através da reintegração da sua concreta capacidade de ganho, desempenhando neste sentido uma «função de garantia de subsistência do sinistrado.»
E, mais adiante, o mesmo Acórdão acrescenta:
«(…) o direito à assistência e justa reparação em caso de infortúnio laboral integra a classe dos direitos fundamentais a prestações normativas, ou seja, a que o legislador institua regimes jurídicos constitutivos de determinados bens, direitos que se traduzem, em primeira linha, num dever de acção legislativa do Estado. Em virtude dele, «[o Estado] está vinculado a prever, por via legislativa, a obrigação de reparação e a assistência…por parte da entidade patronal (ou de outra entidade que se lhe substitua)….» (Acórdão n.º 599/2004). Trata-se, por natureza, de um direito de pendor positivo, correlativo de um dever estadual de legislar» (Acórdão n.º 786/2017).»
Ponderando, pois, que a pensão anual e vitalícia tem uma «função de garantia de subsistência do sinistrado», visando a reintegração da sua concreta capacidade de ganho, e que «o direito à assistência e justa reparação em caso de infortúnio laboral integra a classe dos direitos fundamentais a prestações normativas», cremos que o impedimento da actualização da pensão na situação aqui retratada, ofende o direito à justa reparação, consagrado no art. 59.º n.º 1 al. f) da Constituição.
Se o sinistrado sofre, em virtude de recidiva, uma redução da sua capacidade de ganho vários anos após o acidente, ficando ainda assim com uma IPP inferior a 30%, não se pode afirmar que uma indemnização calculada com base numa retribuição desactualizada (por vezes, desactualizada em muitos anos), seja capaz de cumprir a citada função de reintegração da sua concreta capacidade de ganho.
Assim, por violação do princípio da justa reparação, contido no art. 59.º n.º 1 al. f) da Constituição, recusaria a aplicação da norma que resulta das disposições conjugadas dos arts. 71.º n.º 1 e 82.º n.º 2 da LAT, na parte em que impõem que a indemnização por incapacidade parcial permanente inferior a 30% seja sempre calculada com base na retribuição anual ilíquida normalmente devida ao sinistrado, à data do acidente, assim impedindo a actualização dessa indemnização, mesmo em caso de recidiva que ocasione o agravamento da incapacidade inicial, mas ainda assim em percentagem inferior a 30%.

No caso, o acidente ocorreu no dia 27.02.2013 e a alta inicial ocorreu no dia 27.08.2013, ficando então o sinistrado afectado de uma IPP de 4,94%. Sofreu uma recaída e requereu a revisão da pensão em 12.10.2021, sendo então fixada uma IPP de 5,92%, obrigatoriamente remível, tal como a primeira.
Procederia, pois, como fez a primeira instância, actualizando a pensão devida ao sinistrado, e confirmaria a sentença recorrida, face ao mencionado juízo de inconstitucionalidade.

Évora, 14 de Setembro de 2023
a) Mário Branco Coelho

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[1] Relatora: Emília Ramos Costa; 1.ª Adjunta: Paula do Paço; 2.º Adjunto: Mário Branco Coelho.
[2] Lei que regulamenta o regime de reparação de acidentes de trabalho e de doenças profissionais (LAT).
[3] Decreto-Lei que define normas sobre o cálculo das pensões devidas por acidentes de trabalho e doenças profissionais.
[4] Que se reporta a atualizações.
[5] No mesmo sentido, os acórdãos desta Relação proferidos em 27-02-2020 no âmbito do processo n.º 446/14.7T8TMR.1.E1 e em 25-01-2023 no âmbito do processo n.º 169/12.1TTVFX.1.E1, consultáveis em www.dgsi.pt.
[6] Consultável em www.dgsi.pt.
[7] Consta da sentença proferida nesse acórdão que “Considerando a nova IPP, e o salário anual à data do acidente – no valor de 6.790,00 euros – obtém-se uma pensão anual e vitalícia, actualizável (cfr. artigo 75º, nº1, à contrario do LAT), de 1.996,26 euros, a qual deverá ser paga mensalmente (x 14 meses), ao dia 3 de cada mês, sendo o valor relativo ao subsídio de férias e de natal pago em Junho e Novembro – cfr. artigo 72º, Lei 98/2009, de 04 de Setembro”.
[8] Na interpretação resultante da declaração de inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, proferida pelo acórdão do Tribunal Constitucional n.º 79/2013, de 12 de março, consultável em tribunalconstitucional.pt.