Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
2628/23.1T8STR.E1
Relator: TOMÉ DE CARVALHO
Descritores: DESTITUIÇÃO DE GERENTE DE SOCIEDADE COMERCIAL
SÓCIO
LEGITIMIDADE
Data do Acordão: 11/23/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário: 1 – A gerência é, por força da lei e salvo casos excepcionais, o órgão da sociedade criado para lhe permitir actuar no comércio jurídico, criando, modificando, extinguindo, relações jurídicas com outros sujeitos de direito e é indiscutível que os gerentes representam a sociedade em juízo e fora dele.
2 – Na gerência conjunta ou colectiva, os poderes devem ser exercidos pelo menos por dois gerentes, ambos ou mais manifestando a mesma vontade, bastando a coincidência destas, sem qualquer outro requisito para a sua formação.
3 – No âmbito das sociedades comerciais por quotas vigora o princípio da livre destituibilidade dos gerentes, face ao disposto no n.º 1 do artigo 257.º do Código das Sociedades Comerciais, sendo que por via da alínea f) do n.º 1 do artigo 251.º do mesmo diploma o sócio não pode votar na sua própria destituição de gerente.
4 – A acção judicial é a única via possível para a destituição com fundamento em justa causa, quando o gerente a destituir seja um sócio com direito especial à gerência ou quando haja apenas dois sócios, sendo um ou ambos gerentes.
5 – Tal como prevê o n.º 7 do artigo 191.º do Código das Sociedades Comerciais, se a sociedade tiver apenas dois sócios, a destituição de qualquer deles da gerência, com fundamento em justa causa, só pelo Tribunal pode ser decidida, em acção intentada pelo outro contra a sociedade.
6 – No caso da sociedade ter apenas dois sócios que partilham a gerência da sociedade, a destituição com fundamento em justa causa só pode ser decidida pelo Tribunal em acção intentada por um sócio contra o outro.
7 – A intenção do n.º 5 do artigo 257.º do Código das Sociedades Comerciais é deslocar o litígio do campo da sociedade-sócio para o campo sócio-sócio, pois nenhum deles deve ser considerado como sendo «a sociedade».
8 – Quanto ao sujeito activo da pretensão, o preceito esclarece que o legitimado é o outro sócio, em seu nome próprio, e não em representação da sociedade, mesmo que também seja gerente desta.
(Sumário do Relator)
Decisão Texto Integral: Processo n.º 2628/23.1T8STR.E1
Tribunal Judicial da Comarca de Santarém – Juízo de Comercio de Santarém – J1
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Acordam na secção cível do Tribunal da Relação de Évora:
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I – Relatório:
Na presente acção de suspensão e destituição de gerente proposta por “(…), Lda.” contra “(…), Unipessoal, Lda.”, a parte activa veio interpor recurso da decisão que declarou extinta a instância por impossibilidade superveniente da lide.
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O Autor requeria a suspensão imediata do gerente (…) da gerência da “(…), Lda.” e a destituição definitiva de funções de gerência desta empresa, devendo-se nomear de forma provisória (na pendência da suspensão da gerência) e definitivamente, o actual co-gerente da “(…), Lda.”, (…) como gerente único da “(…), Lda.” ou, caso assim não se entenda, nomear judicialmente o gerente nos termos do Código de Processo Civil.
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O pedido fundamenta-se na circunstância do gerente “(…), Unipessoal, Lda.” não ter dado conhecimento de diversas transacções à “(…), Lda.” ou ao gerente (…) ou aos sócios desta última e de ter efectuado transferências de valores por sua iniciativa e sem dar conhecimento ao outro gerente ou pedir autorização à gerência e aos sócios das referidas empresas.
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A sociedade por quotas “(…)” tem dois sócios, cada um com uma quota de 50%: a sociedade “(…), Lda.” representada pelo seu sócio e gerente (…) e a sociedade “(…), Lda.” representada pelo seu único sócio (…), proprietário da totalidade do capital social.
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A sociedade comercial “(…), Unipessoal, Lda.” é detida em 100% do seu capital social pela “(…), Lda.” e o seu gerente único é (…).
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A gerência da “(…), Lda.” é exercida em conjunto por (…) e (…).
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Realizou-se, no dia 07/07/2023, uma assembleia geral extraordinária da “(…), Lda.”, tendo os sócios sido convocados para o efeito, sendo que (…) não compareceu na mesma.
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Nessa assembleia foram aprovados por unanimidade os seguintes pontos da ordem de trabalhos:
«Ponto 1 – A propositura de um processo pela (…) de destituição por justa causa e suspensão de gerente, intentado contra a (…), contra a (…) e eventualmente contra o gerente da (…), o Sr. (…), pelos factos acima descritos e outros de idêntica natureza que se venham a descobrir pela análise às contas das sociedades, na medida em que a (…) é a sócia única da (…).
Ponto 2 – Designação do Dr. (…), advogado, com a CP (…), com domicílio profissional na (…), n.º 37, 2.º-B, (…), como mandatário forense da sociedade (…) e (…), para efeitos de representação desta, perante as entidades competentes e judiciais, para a propositura de um processo pela (…) de destituição por justa causa e suspensão de gerente, intentado contra a (…), contra a (…) e eventualmente contra o gerente da (…), o Sr. (…), pelos factos acima descritos e outros de idêntica natureza que se venham a descobrir pela análise às contas das sociedades, na medida em que a (…) é a sócia única da (…)».
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A acta da assembleia da “(…), Lda.” datada de 20/07/2023 veio novamente ratificar o determinado na assembleia-geral de 07/07/2023.
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Por despacho de 26/09/2023 [94296467] foi determinada a notificação da requerente “(…), Lda.” para, no prazo de 10 dias, juntar aos autos procuração que conferisse mandato judicial para a presente acção.
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Por requerimento de 03/10/2023 [10038260] a requerente juntou aos autos procuração forense subscrita pelo gerente (…).
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Por despacho de 06/10/2023 [94445702], considerando que, conforme resulta da certidão de registo comercial junta em 14/09/2023 [9985923], a requerente se obrigava com a intervenção conjunta dos dois gerentes, foi determinada a notificação da requerente para, no prazo de 10 dias, juntar aos autos procuração que conferisse mandato judicial para a presente acção e ratificasse o processado, nos termos do artigo 48.º do Código de Processo Civil.
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Por requerimento de 11/10/2023 [10058536], a requerente respondeu que a procuração em causa teve como base as actas de deliberação social, nomeadamente a de 09/06/2023 e de 08/07/2023 e de 20/07/2023 da “(…), Lda.” e que a mesma não precisava da assinatura do outro gerente considerando os termos das referidas actas e tendo em consideração o estatuído no n.º 3 do artigo 75.º do Código das Sociedades Comerciais.
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Nessa sequência, em 20/10/2023, foi proferido o despacho recorrido, o qual na parte mais pertinente tinha o seguinte conteúdo:
«Cumpre, desde logo, indicar que a autorização, nos termos do art. 73.º, n.º 3, do CSC a que a requerente faz referência, nada tem que ver com a regular constituição do mandato forense, tendo sim que ver com a necessidade de autorização ou deliberação em determinadas situações/ações, prevista no art. 29.º, do CPC.
A notificação realizada à requerente foi expressa no sentido de indicar que a questão em apreciação tinha que ver com eventual irregularidade do mandato, nos termos e para os efeitos do art. 48.º, do CPC.
Considera a requerente que a procuração em causa não padece de qualquer irregularidade.
Vejamos se assim é.
Como se extrai da certidão permanente junta aos autos pela requerente (…), Lda. esta obriga-se com a intervenção conjunta de dois gerentes, sendo gerentes da (…), Lda. (…) e (…).
No caso concreto a procuração forense emitida em nome da referida sociedade e junta aos autos em 03-10-2023 [10038260] foi outorgada apenas por um dos gerentes da (…), Lda., a saber, (…).
Realizada a notificação, nos termos do art. 48.º, do CPC, para, no prazo de 10 dias, juntar aos autos procuração que confira mandato judicial para a presente ação e bem assim ratificação do processado, nenhuma nova procuração foi junta., pugnando a requerente pela regularidade da procuração junta.
Nos termos do art. 25.º, n.º 1 do CPC “As demais pessoas coletivas e as sociedades são representadas por quem a lei, os estatutos ou o pacto social designarem”.
No âmbito do CSC, o art. 192.º, n.º 1 sob a epígrafe “Competência dos gerentes” estatui no seu n.º 1 que “A administração e a representação da sociedade competem aos gerentes.”. Sendo que, no que diz respeito ao funcionamento da gerência plural, nos termos do art. 261.º, do CSC “1 – Quando haja vários gerentes e salvo cláusula do contrato de sociedade que disponha de modo diverso, os respetivos poderes são exercidos conjuntamente, considerando-se válidas as deliberações que reúnam os votos da maioria e a sociedade vinculada pelos negócios jurídicos concluídos pela maioria dos gerentes ou por ela ratificados. 2 – O disposto no número anterior não impede que os gerentes deleguem nalgum ou nalguns deles competência para determinados negócios ou espécie de negócio, mas, mesmo nesses negócios, os gerentes delegados só vinculam a sociedade se a delegação lhes atribuir expressamente tal poder. 3 - As notificações ou declarações de terceiros à sociedade podem ser dirigidas a qualquer dos gerentes, sendo nula toda a disposição em contrário do contrato de sociedade”.
Revertendo ao caso em apreço, da certidão do registo comercial resulta que a forma de a sociedade/requerente (…), Lda. se obrigar é com a “Intervenção conjunta de dois gerentes”.
(…)
Assim, face ao supra exposto, obrigando-se a (…), Lda. com a intervenção conjunta de dois gerentes, resulta claro que o contrato de mandato consubstanciado na procuração junta aos autos é irregular, pelo que se verifica a irregularidade de representação da requerente (…), Lda., o que determina nos termos do art. 48.º, n.º 2 que fique sem efeito tudo o que foi praticado pelo mandatário, ou seja o requerimento inicial e demais requerimentos.
Pelo exposto, julgo extinta a presente instância por impossibilidade superveniente da lide, nos termos do artigo 277.º, alínea e) do Código de Processo Civil.
Custas pelo Ilustre mandatário subscritor do requerimento inicial – 48.º, n.º 2, do CPC.
Registe e notifique».
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O recorrente não se conformou com a referida decisão e as alegações de recurso continham as seguintes conclusões:
«I. O Tribunal A Quo errou na sua interpretação jurídica do art. 48, nº 2 do CPC ao considerar que a Requerente (…) não apresentou mandato forense suficiente e regular para o presente processo.
II. A assinatura que o tribunal A Quo considera em falta na procuração forense sub judice por parte do gerente (…), é o gerente que se pretende suspender e destituir por comportamento indevido, incluindo por crime de infidelidade.
III. Realizou-se, no dia 07.07.2023, assembleia geral extraordinária da (…), tendo os sócios sido devidamente convocados para o efeito.
IV. Nessa assembleia foram aprovados por unanimidade os seguintes pontos da ordem de trabalhos:
Ponto 1 – A propositura de um processo pela (…) de destituição por justa causa e suspensão de gerente, intentado contra a (…), contra a (…) e eventualmente contra o gerente da (…), o Sr. (…), pelos factos acima descritos e outros de idêntica natureza que se venham a descobrir pela análise às contas das sociedades, na medida em que a (…) é a sócia única da (…).
Ponto 2 – Designação do Dr. (…), advogado, com a CP (…), com domicílio profissional na (…), n.º 37, 2º-B, (…), como mandatário forense da sociedade (…) e (…), para efeitos de representação desta, perante as entidades competentes e judiciais, para a propositura de um processo pela (…) de destituição por justa causa e suspensão de gerente, intentado contra a (…), contra a (…) e eventualmente contra o gerente da (…), o Sr. (…), pelos factos acima descritos e outros de idêntica natureza que se venham a descobrir pela análise às contas das sociedades, na medida em que a (…) é a sócia única da (…).
V. Postos à votação os pontos da ordem de trabalhos foram os mesmos aprovadas por unanimidade (considerando o disposto no art. 75º do CSC), pelo voto do sócio (…) nesse sentido, representada pelo seu sócio e gerente (…).
VI. De salientar que a sócia (…), em que o gerente é (…), e para a qual foram efetuadas as transferências de fundos supra mencionados, não compareceu nas assembleias gerais.
VII. O Sr. (…) também não compareceu.
VIII. Mas mesmo que tivessem comparecido, nos termos do art. 75º, nº 3, do CSC, aqueles cuja responsabilidade estiver em causa não podem votar nas deliberações previstas nos números 1 e 2 da referida disposição legal.
IX. O que era o caso.
X. Assim, ficou determinado em ata de assembleia da (…) que esta empresa iria propor ação judicial contra a (…) para destituição e suspensão do gerente (…), nos termos do art. 257.º do CSC.
XI. Ora, se o art. 75.º, n.º 3, do CSC reconhece que aqueles cuja responsabilidade estiver em causa não podem votar nas deliberações, no presente caso, sendo a (…) detida em 100% pelo gerente (…), sendo este o gerente único da (…), a qual tem 50% do capital da (…), e sendo este (…) o co-gerente da (…), seria um contrassenso o CSC possibilitar esta possibilidade e depois haver a necessidade de este gerente assinar a procuração forense a dar poderes para propor as ações necessárias a apurar e a responsabilizar este referido gerente abusador.
XII. O art. 48º nº 2 do CPC deverá ser interpretado considerando a sua devida conjugação com os art. 75º e 257º do CSC.
XIII. É um caso de justa causa de destituição de gerente.
XIV. A ata da assembleia da (…) datada de 20.07.2023, veio novamente ratificar o determinado na assembleia geral da (…) de 07.07.2023.
XV. Neste caso, o gerente que se pretende suspender e destituir é co-gerente da (…), gerente único da (…) e gerente único da (…), sendo que a (…) é sócia de 50% do capital da (…), a qual tem 100% do capital da (…).
XVI. As duas atas da assembleia geral da (…) datadas de Julho são por si só, válidas para fundamentar a presente ação, sendo a procuração forense da (…), junta aos autos, assinada unicamente pelo co-gerente da (…) – e considerando os fundamentos na mesma apostos – bastante para a representação desta empresa estar regular e suficiente, devendo assim também considerar o tribunal a quo, contrariamente ao que decidiu na sentença proferida.
Termos em que, deverá a sentença recorrida ser revogada e substituída por outra que considere o mandato forense legitimo, regular e suficiente para que se considere a (…) devidamente representada em juízo no presente processo».
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Não houve lugar a resposta.
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Admitido o recurso, foram observados os vistos legais.
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Foi proferido despacho, pelo relator, a accionar o exercício do contraditório relativamente a potencial decisão surpresa, ao abrigo do disposto no artigo 3º do Código de Processo Civil e o interessado respondeu afirmativamente ao convite.
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II – Objecto do recurso:
É entendimento uniforme que é pelas conclusões das alegações de recurso que se define o seu objecto e se delimita o âmbito de intervenção do Tribunal ad quem (artigos 635º, nº4 e 639º, nº1, do Código de Processo Civil), sem prejuízo das questões cujo conhecimento oficioso se imponha (artigo 608º, nº2, ex vi do artigo 663º, nº2, do referido diploma).
Analisadas as alegações de recurso, o thema decidendum está circunscrito à apreciação da existência de vício de representação ou outra situação similar e ao apuramento das consequências do mesmo.
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III – Dos factos apurados
Os factos com interesse para a justa resolução da causa são os que constam do relatório inicial.
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IV – Fundamentação:
Resulta da análise da certidão permanente junta aos autos que a requerente “(…), Lda.” se obriga com a intervenção conjunta de dois gerentes, sendo gerentes desta sociedade (…) e (…) e a procuração forense emitida em nome da referida sociedade foi outorgada apenas por este último.
Com base na disciplina impressa no artigo 48º[1] do Código de Processo Civil, a Meritíssima Juíza de Direito considerou que a requerente não apresentou mandato forense suficiente e regular para os autos, julgando extinta a presente instância por impossibilidade superveniente da lide, nos termos da alínea e) do artigo 277º[2] do mesmo diploma.
Tal como foi afirmado no relatório inicial no dia 07/07/2023, foi realizada uma assembleia-geral da “(…), Lda.” que deliberou a propositura de uma acção tendente à suspensão e à destituição por justa causa do gerente (…), designando mandatário forense para efeitos de representação desta para, perante as entidades competentes e judiciais, propor a referenciada acção.
Em função disso, a sociedade recorrente estriba a sua discordância com base no disposto no artigo 75º[3] do Código das Sociedades Comerciais e sublinha que a acção deve prosseguir, com a consequente revogação do despacho recorrido.
Quid juris?
A representação das sociedades e de outras pessoas colectivas é regulada pelo artigo 25º[4] do Código de Processo Civil, que dita que as mesmas são representadas por quem a lei, os estatutos ou o pacto social designarem.
Na presente situação, para além da regulação adjectiva, impõe-se ainda recorrer às regras associadas à competência dos gerentes, à composição da gerência e ao funcionamento da gerência plural reportadas respectivamente nos artigos 192º[5], 252º[6] e 261º[7] do Código das Sociedades Comerciais.
Deste conspecto normativo resulta claramente que, como princípio base de actuação, sendo a gerência plural e conjunta, é manifesto que, para os actos de representação da sociedade, é necessária a assinatura de ambos os gerentes, em conformidade com o disposto nos referidos artigos 252º e 261º, nº1, do Código das Sociedades Comerciais.
Não merece qualquer reparo a afirmação que a gerência é o órgão (necessário) de administração da pessoa jurídica, que, no âmbito das suas funções, forma e executa a sua vontade. E, tal como afiança Raúl Ventura, estão-lhe confiadas «as funções de exteriorizar perante terceiros a vontade dita da sociedade, agindo os gerentes em nome e representação da sociedade»[8].
A gerência é, por força da lei e salvo casos excepcionais, o órgão da sociedade criado para lhe permitir actuar no comércio jurídico, criando, modificando, extinguindo, relações jurídicas com outros sujeitos de direito[9]. E é indiscutível que os gerentes representam a sociedade em juízo e fora dele, sendo que na gerência conjunta ou colectiva, os poderes devem ser exercidos pelo menos por dois gerentes, ambos ou mais manifestando a mesma vontade, bastando a coincidência destas, sem qualquer outro requisito para a sua formação[10].
Neste enquadramento, repete-se, como regra geral, na gerência plural, a representação orgânica da sociedade perante outros sujeitos, seja nas relações internas seja nas relações com terceiros, é exercida conjuntamente.
No entanto, é de atentar que os métodos de gerência são supletivos e existem instrumentos habilitantes que podem estabelecer a adopção de mecanismos diversos previstos no contrato de sociedade, em deliberações dos sócios ou deliberações dos próprios gerentes, podendo ainda existir condicionamentos legais a estes poderes representativos.
Aliás, no plano da intervenção passiva, eles são patentes no caso do disposto no já transcrito nº 2 do artigo 25º do Código de Processo Civil, quando sendo demandada uma pessoa colectiva ou sociedade que não tenha quem a represente, ou ocorrendo conflito de interesses entre a ré e o seu representante, o juiz da causa designa representante especial, salvo se a lei estabelecer outra forma de assegurar a respectiva representação em juízo.
Efectivamente, tal como advoga Abrantes Geraldes, nos termos do nº2, e salvo se a lei estabelecer outra forma de assegurar a respectiva representação em juízo, o juiz deve nomear um curador ad litem quando a pessoa colectiva ou a sociedade não tenha quem a represente ou quando ocorra conflito de interesses (RG 5/11/20, 1749/19) entre aquela e o representante que se pretende demandar ou é demandante (v. g. no caso da gerência plural em que a sociedade não possa obrigar sem a assinatura do demandado). Essa nomeação pode ocorrer entre os representantes da sociedade ou os sócios, ou através da nomeação de uma terceira entidade (RP 16-4-12, 909/10)[11].
Nas acções entre a sociedade e o seu representante, cumpre proceder à nomeação de curador ad litem para representar a pessoa colectiva, dada a impossibilidade ou incompatibilidade em o representante assumir as suas funções de representação[12].
Na anterior redacção, no n.º 2 do referido preceito, aludia-se à nomeação de representante especial, como forma de ultrapassar o conflito de interesses entre a pessoa colectiva ou a sociedade e o seu representante, sem fazer distinção aos casos em que a sociedade era autora ou demandada, como sucede na actual versão que se restringe à representação na qualidade de sujeito passivo.
Na hipótese contrária, sempre que a sociedade ou pessoa colectiva se apresenta na qualidade de autora, teremos de olhar para a materialidade subjacente e não adoptar comportamentos interpretativos padronizados se existirem razões para considerar que ocorre uma excepção à regra. E, bem assim, o mesmo sucederá quando se entenda que, nos casos não regulados, existe um amplo sistema de fontes expresso no artigo 2.º[13] do Código das Sociedades Comerciais que poderá contribuir para a regulação da situação.
Na verdade, também na representação activa podem ocorrer conflitos internos que demandem um regime distinto, designadamente, neste particular, depende da deliberação dos sócios a proposição de acções pela sociedade contra gerentes, em particular no caso da respectiva destituição, ao abrigo do disposto na al. d) do nº 1 do artigo 246.º[14] do Código das Sociedades Comerciais.
No âmbito das sociedades comerciais por quotas vigora o princípio da livre destituibilidade dos gerentes[15], face ao disposto no nº 1 do artigo 257.º[16] do Código das Sociedades Comerciais, sendo que por via da al. f) do nº 1 do artigo 251.º[17] do mesmo diploma o sócio não pode votar na sua própria destituição de gerente.
Neste domínio, Coutinho de Abreu adverte que «nalguns casos, a acção judicial é a única via possível para a destituição com fundamento em justa causa. … É assim também nas sociedades por quotas, quando o gerente a destituir seja sócio com direito especial à gerência (art. 257.º, 3) ou quando haja apenas dois sócios (sendo um ou ambos gerentes) – art. 257.º, 5»[18].
Na visão de Diogo Pereira Duarte a imposição de destituição por via judicial justifica-se com a necessidade de «não deixar o sócio-gerente nas mãos do outro sócio, uma vez que o próprio não pode votar»[19].
Também Paulo Olavo Cunha se pronuncia, afirmando que «estando em discussão a destituição por justa causa do sócio-gerente, uma vez que este não pode votar (…) seria suficiente ao outro sócio invocar a justa causa para assegurar a destituição, independentemente da sua participação no capital»[20].
Como ensina Raul Ventura, «se nestas sociedades, fosse seguido o regime normal, cada um dos sócios estaria à mercê do outro; como o sócio gerente contra o qual a justa causa é alegada não pode exercer o direito de voto, o outro sócio, só por si, convocaria a assembleia, proporia a destituição, consideraria provada a justa causa alegada e aprovaria a proposta»[21].
Com efeito, tal como prevê o nº 7 do artigo 191.º[22] do Código das Sociedades Comerciais, se a sociedade tiver apenas dois sócios, a destituição de qualquer deles da gerência, com fundamento em justa causa[23] [24] [25] [26], só pelo Tribunal pode ser decidida, em acção intentada pelo outro contra a sociedade. Ou, por outras palavras, não pode a destituição ocorrer no seio da sociedade constituída por dois sócios por via de uma deliberação de um deles.
O artigo 257.º do Código das Sociedades Comerciais provisiona a faculdade concedida aos demais sócios de destituição ou suspensão dos gerentes, precedida de prévia deliberação nesse sentido ou, quando haja apenas dois sócios (sendo um ou ambos gerentes), a deliberarem a instauração de acção judicial para o efeito.
Recorde-se que o Tribunal «a quo» pretendia que a procuração fosse subscrita pelo proponente e pelo candidato à destituição. Porém, de acordo com as regras empíricas da experiência e de normalidade social, por existirem interesses absolutamente contraditórios entre a destituição de gerente e a manutenção dessa posição de liderança societária, em sociedades em que o capital social se achasse repartido em duas quotas de igual valor e onde a forma de obrigar a pessoa colectiva implica a assinatura de ambos os gerentes, seria sempre inviável que a procuração fosse subscrita por ambos, pois cada um dos representantes assume uma posição oposta à prossecução do «interesse directo em contradizer», expresso pelo prejuízo que advenha da procedência da acção, na expressão consagrada no artigo 30.º do Código de Processo Civil.
Por conseguinte, na construção legal, no caso da sociedade ter apenas dois sócios que partilham a gerência da sociedade, a destituição com fundamento em justa causa só pode ser decidida pelo Tribunal em acção intentada por um sócio contra o outro[27], pois qualquer outra solução significaria um entrave absoluto ao acesso ao acesso à Justiça e a uma tutela jurisdicional efectiva e constituiria uma solução contrária à previsão do artigo 20.º da Constituição da República Portuguesa
Na realidade, em sociedades em que o capital social se acha repartido em duas quotas de igual valor e onde a forma de obrigar a pessoa colectiva implica a assinatura de ambos os gerentes, tanto o sócio que pretende a destituição do co-gerente, como o outro que possa vir a ser afectado com essa decisão, age em nome próprio e não na defesa ou em representação da sociedade.
E, assim, ao contrário daquilo que foi alvitrado na decisão sob recurso, não se trata aqui de apurar se um deles, o que pretende a destituição, pode conferir, de forma voluntária, em nome da sociedade, um mandato forense, pois isso, como já se alertou, inviabilizaria a propositura de qualquer acção judicial com esse tipo de objecto.
A intenção do nº 5 do artigo 257.º do Código das Sociedades Comerciais é deslocar o litígio do campo da sociedade-sócio para o campo sócio-sócio, pois nenhum deles deve ser considerado como sendo «a sociedade». E, prosseguindo diz Raúl Ventura, quanto ao sujeito activo da pretensão, o preceito esclarece que o legitimado é o outro sócio, em seu nome próprio, e não em representação da sociedade, mesmo que também seja gerente desta[28].
Este entendimento é sufragado por Coutinho de Abreu que avança que a acção «“é intentada pelo outro” (sócio). Contra, parece, o sócio gerente a destituir»[29]. Também é esta a posição de Taveira da Fonseca[30].
Por ambas as pessoas concentrarem ambas as posições numa situação de paridade, Rui Polónia avança que «se uma sociedade por quotas tiver só e apenas dois sócios-gerentes , ou seja, sem mais nenhum sócio nem nenhum gerente, e um deles quiser destituir o outro do cargo de gerência com justa causa, essa decisão deve ser tomada por via judicial»[31], um contra o outro. Esta interpretação é validada pela voz autorizada de Menezes Cordeiro[32].
E, nesta ordem de ideias, aquilo que se verifica é um problema de legitimidade[33] e não de representação, o qual configura uma excepção dilatória[34] nos termos da al. e) do artigo 577.º[35] do Código de Processo Civil, que obsta a que o Tribunal conheça do mérito da causa e dão lugar à absolvição da instância[36] ou à remessa do processo para outro Tribunal, a qual é insuprível no caso concreto e não admite o recurso a medidas de adequação formal[37] ou de gestão processual[38] tendentes a providenciar oficiosamente pelo suprimento da falta de pressupostos processuais.
Exercido o contraditório, a fim de evitar qualquer decisão surpresa, o recorrente veio pronunciar-se, dizendo que «poderá estar em causa um litisconsórcio necessário passivo, tendo de se chamar o gerente Luís Pita ao processo, para sanar essa ilegitimidade».
Porém, como já se deixou consignado, não se trata de exigir uma legitimidade plural no lado activo (ou passiva), antes se propugna que neste quadro de paridade total de interesses nenhum deles assume a representação da sociedade e a legitimidade activa e passiva é garantida pela via da demanda individual de um detentor de uma participação social contra o outro sócio.
Assim, embora por motivo distinto, por via da verificação da existência de uma ilegitimidade activa, que conduz à absolvição da instância, julga-se improcedente o recurso interposto.
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V – Sumário: (…)
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VI – Decisão:
Nestes termos e pelo exposto, tendo em atenção o quadro legal aplicável e o enquadramento fáctico envolvente, decide-se julgar improcedente o recurso, absolvendo-se da instância por motivo de ilegitimidade activa.
Custas a cargo do recorrente, nos termos e ao abrigo do disposto no artigo 527.º do Código de Processo Civil.
Notifique.
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Processei e revi
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Évora, 23/11/2023

José Manuel Costa Galo Tomé de Carvalho
Maria Domingas Alves Simões
Rui Manuel Duarte Amorim Machado e Moura


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[1] Artigo 48.º (Falta, insuficiência e irregularidade do mandato):
1 - A falta de procuração e a sua insuficiência ou irregularidade podem, em qualquer altura, ser arguidas pela parte contrária e suscitadas oficiosamente pelo tribunal.
2 - O juiz fixa o prazo dentro do qual deve ser suprida a falta ou corrigido o vício e ratificado o processado, findo o qual, sem que esteja regularizada a situação, fica sem efeito tudo o que tiver sido praticado pelo mandatário, devendo este ser condenado nas custas respetivas e, se tiver agido culposamente, na indemnização dos prejuízos a que tenha dado causa.
3 - Sempre que o vício resulte de excesso de mandato, o tribunal participa a ocorrência ao respetivo conselho distrital da Ordem dos Advogados.
[2] Artigo 277.º (Causas de extinção da instância):
A instância extingue-se com:
a) O julgamento;
b) O compromisso arbitral;
c) A deserção;
d) A desistência, confissão ou transação;
e) A impossibilidade ou inutilidade superveniente da lide.
[3] Artigo 75.º (Acção da sociedade)
1 - A acção de responsabilidade proposta pela sociedade depende de deliberação dos sócios, tomada por simples maioria, e deve ser proposta no prazo de seis meses a contar da referida deliberação; para o exercício do direito de indemnização podem os sócios designar representantes especiais.
2 - Na assembleia que aprecie as contas de exercício e embora tais assuntos não constem da convocatória, podem ser tomadas deliberações sobre a acção de responsabilidade e sobre a destituição dos gerentes ou administradores que a assembleia considere responsáveis, os quais não podem voltar a ser designados durante a pendência daquela acção.
3 - Aqueles cuja responsabilidade estiver em causa não podem votar nas deliberações previstas nos números anteriores.
[4] Artigo 25.º (Representação das outras pessoas coletivas e das sociedades):
1 - As demais pessoas coletivas e as sociedades são representadas por quem a lei, os estatutos ou o pacto social designarem.
2 - Sendo demandada pessoa coletiva ou sociedade que não tenha quem a represente, ou ocorrendo conflito de interesses entre a ré e o seu representante, o juiz da causa designa representante especial, salvo se a lei estabelecer outra forma de assegurar a respetiva representação em juízo.
3 - As funções do representante a que se refere o número anterior cessam logo que a representação seja assumida por quem deva, nos termos da lei, assegurá-la.
[5] Artigo 192.º (Competência dos gerentes):
1 - A administração e a representação da sociedade competem aos gerentes.
2 - A competência dos gerentes, tanto para administrar como para representar a sociedade, deve ser sempre exercida dentro dos limites do objecto social e, pelo contrato, pode ficar sujeita a outras limitações ou condicionamentos.
3 - A sociedade não pode impugnar negócios celebrados em seu nome, mas com falta de poderes, pelos gerentes, no caso de tais negócios terem sido confirmados, expressa ou tacitamente, por deliberação unânime dos sócios.
4 - Os negócios referidos no número anterior, quando não confirmados, são insusceptíveis de impugnação pelos terceiros neles intervenientes que tinham conhecimento da infracção cometida pelo gerente; o registo ou a publicação do contato não fazem presumir este conhecimento.
5 - A gerência presume-se remunerada; o montante da remuneração de cada gerente, quando não excluída pelo contrato, é fixado por deliberação dos sócios.
[6] Artigo 252.º (Composição da gerência):
1 - A sociedade é administrada e representada por um ou mais gerentes, que podem ser escolhidos de entre estranhos à sociedade e devem ser pessoas singulares com capacidade jurídica plena.
2 - Os gerentes são designados no contrato de sociedade ou eleitos posteriormente por deliberação dos sócios, se não estiver prevista no contrato outra forma de designação.
3 - Para efeitos de registo da designação dos gerentes, deve ser apresentado documento comprovativo da designação e, quando deste não constem, declaração de aceitação da designação e declaração da qual conste não terem conhecimento de circunstâncias suscetíveis de os inibir para a ocupação do cargo.
4 - A gerência atribuída no contrato a todos os sócios não se entende conferida aos que só posteriormente adquiram esta qualidade.
5 - A gerência não é transmissível por acto entre vivos ou por morte, nem isolada, nem juntamente com a quota.
6 - Os gerentes não podem fazer-se representar no exercício do seu cargo, sem prejuízo do disposto no n.º 2 do artigo 261.º.
7 - O disposto nos números anteriores não exclui a faculdade de a gerência nomear mandatários ou procuradores da sociedade para a prática de determinados actos ou categorias de actos, sem necessidade de cláusula contratual expressa.
[7] Artigo 261.º (Funcionamento da gerência plural):
1 - Quando haja vários gerentes e salvo cláusula do contrato de sociedade que disponha de modo diverso, os respectivos poderes são exercidos conjuntamente, considerando-se válidas as deliberações que reúnam os votos da maioria e a sociedade vinculada pelos negócios jurídicos concluídos pela maioria dos gerentes ou por ela ratificados.
2 - O disposto no número anterior não impede que os gerentes deleguem nalgum ou nalguns deles competência para determinados negócios ou espécie de negócio, mas, mesmo nesses negócios, os gerentes delegados só vinculam a sociedade se a delegação lhes atribuir expressamente tal poder.
3 - As notificações ou declarações de terceiros à sociedade podem ser dirigidas a qualquer dos gerentes, sendo nula toda a disposição em contrário do contrato de sociedade.
[8] Raúl Ventura, Sociedade por quotas – Comentário ao Código das Sociedades Comerciais, vol. II, Almedina, Coimbra, 1991, pág. 10.
[9] Raúl Ventura, Sociedade por quotas – Comentário ao Código das Sociedades Comerciais, vol. II, Almedina, Coimbra, 1991, pág. 132.
[10] Raúl Ventura, Sociedade por quotas – Comentário ao Código das Sociedades Comerciais, vol. II, Almedina, Coimbra, 1991, pág. 183.
[11] António Santos Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, Código de Processo Civil Anotado, vol. I, 3ª edição, Almedina, Coimbra, 2023, pág. 60.
[12] Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra 14/10/2014, cuja consulta pode ser realizada em www.dgsi.pt.
[13] Artigo 2.º (Direito subsidiário):
Os casos que a presente lei não preveja são regulados segundo a norma desta lei aplicável aos casos análogos e, na sua falta, segundo as normas do Código Civil sobre o contrato de sociedade no que não seja contrário nem aos princípios gerais da presente lei nem aos princípios informadores do tipo adoptado.
[14] Artigo 246.º (Competência dos sócios)
1 - Dependem de deliberação dos sócios os seguintes actos, além de outros que a lei ou o contrato indicarem:
a) A chamada e a restituição de prestações suplementares;
b) A amortização de quotas, a aquisição, a alienação e a oneração de quotas próprias e o consentimento para a divisão ou cessão de quotas;
c) A exclusão de sócios;
d) A destituição de gerentes e de membros do órgão de fiscalização;
e) A aprovação do relatório de gestão e das contas do exercício, a atribuição de lucros e o tratamento dos prejuízos;
f) A exoneração de responsabilidade dos gerentes ou membros do órgão de fiscalização;
g) A proposição de acções pela sociedade contra gerentes, sócios ou membros do órgão de fiscalização, e bem assim a desistência e transacção nessas acções;
h) A alteração do contrato de sociedade;
i) A fusão, cisão, transformação e dissolução da sociedade e o regresso de sociedade dissolvida à actividade;
2 - Se o contrato social não dispuser diversamente, compete também aos sócios deliberar sobre:
a) A designação de gerentes;
b) A designação de membros do órgão de fiscalização;
c) A alienação ou oneração de bens imóveis, a alienação, a oneração e a locação de estabelecimento;
d) A subscrição ou aquisição de participações noutras sociedades e a sua alienação ou oneração.
[15] De acordo com o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 26/10/2010, visitável em www.dgsi.pt, mesmo nas sociedades com apenas dois sócios, o princípio da livre revogabilidade do mandato dos gerentes não conhece restrições, sendo certo que o recurso à acção judicial apenas se mostra necessário para a prova do fundamento da justa causa da destituição do gerente”
[16] Artigo 257.º (Destituição de gerentes):
1 - Os sócios podem deliberar a todo o tempo a destituição de gerentes.
2 - O contrato de sociedade pode exigir para a deliberação de destituição uma maioria qualificada ou outros requisitos; se, porém, a destituição se fundar em justa causa, pode ser sempre deliberada por maioria simples.
3 - A cláusula do contrato de sociedade que atribui a um sócio um direito especial à gerência não pode ser alterada sem consentimento do mesmo sócio. Podem, todavia, os sócios deliberar que a sociedade requeira a suspensão e destituição judicial do gerente por justa causa e designar para tanto um representante especial.
4 - Existindo justa causa, pode qualquer sócio requerer a suspensão e a destituição do gerente, em acção intentada contra a sociedade.
5 - Se a sociedade tiver apenas dois sócios, a destituição da gerência com fundamento em justa causa só pelo tribunal pode ser decidida em acção intentada pelo outro.
6 - Constituem justa causa de destituição, designadamente, a violação grave dos deveres do gerente e a sua incapacidade para o exercício normal das respectivas funções.
7 - Não havendo indemnização contratual estipulada, o gerente destituído sem justa causa tem direito a ser indemnizado dos prejuízos sofridos, entendendo-se, porém, que ele não se manteria no cargo ainda por mais de quatro anos ou do tempo que faltar para perfazer o prazo por que fora designado.
[17] Artigo 251.º
(Impedimento de voto)
1 - O sócio não pode votar nem por si, nem por representante, nem em representação de outrem, quando, relativamente à matéria da deliberação, se encontre em situação de conflito de interesses com a sociedade. Entende-se que a referida situação de conflito de interesses se verifica designadamente quando se tratar de deliberação que recaia sobre:
a) Liberação de uma obrigação ou responsabilidade própria do sócio, quer nessa qualidade quer como gerente ou membro do órgão de fiscalização;
b) Litígio sobre pretensão da sociedade contra o sócio ou deste contra aquela, em qualquer das qualidades referidas na alínea anterior, tanto antes como depois do recurso a tribunal;
c) Perda pelo sócio de parte da sua quota, na hipótese prevista no artigo 204.º, n.º 2;
d) Exclusão do sócio;
e) Consentimento previsto no artigo 254.º, n.º 1;
f) Destituição, por justa causa, da gerência que estiver exercendo ou de membro do órgão de fiscalização;
g) Qualquer relação, estabelecida ou a estabelecer, entre a sociedade e o sócio estranha ao contrato de sociedade.
2 - O disposto nas alíneas do número anterior não pode ser preterido no contrato de sociedade.
[18] Coutinho de Abreu, Curso de Direito Comercial, vol. I – Das Sociedades, 4.ª edição, Almedina, Coimbra, 2011, págs. 649-650.
[19] Diogo Pereira Duarte, em anotação ao art.º 257, in “Código das Sociedades Comerciais Anotado”, com a coordenação de António Menezes Cordeiro, Almedina, Coimbra, 2009, pág. 675.
[20] Paulo Olavo Cunha, Direito das Sociedades Comerciais, 7.ª ed., Almedina, Coimbra, pág. 783.
[21] Raúl Ventura, Sociedades por Quotas, vol. III, Almedina, Coimbra, 1991, pág. 117.
[22] Artigo 191.º (Composição da gerência):
1 - Não havendo estipulação em contrário e salvo o disposto no n.º 3, são gerentes todos os sócios, quer tenham constituído a sociedade, quer tenham adquirido essa qualidade posteriormente.
2 - Por deliberação unânime dos sócios podem ser designadas gerentes pessoas estranhas à sociedade.
3 - Uma pessoa colectiva sócia não pode ser gerente, mas, salvo proibição contratual, pode nomear uma pessoa singular para, em nome próprio, exercer esse cargo.
4 - O sócio que tiver sido designado gerente por cláusula especial do contrato de sociedade só pode ser destituído da gerência em acção intentada pela sociedade ou por outro sócio, contra ele e contra a sociedade, com fundamento em justa causa.
5 - O sócio que exercer a gerência por força do disposto no n.º 1 ou que tiver sido designado gerente por deliberação dos sócios só pode ser destituído da gerência por deliberação dos sócios, com fundamento em justa causa, salvo quando o contato de sociedade dispuser diferentemente.
6 - Os gerentes não sócios podem ser destituídos da gerência por deliberação dos sócios, independentemente de justa causa.
7 - Se a sociedade tiver apenas dois sócios, a destituição de qualquer deles da gerência, com fundamento em justa causa, só pelo tribunal pode ser decidida, em acção intentada pelo outro contra a sociedade.
[23] Para Jorge Coutinho de Abreu, in Código das Sociedades Comerciais em Comentário, Vol. IV, 2ª edição, Almedina, Junho, 2017, na pág. 128, «Em tese geral, diremos que é justa causa a situação que, atendendo aos interesses da sociedade e do gerente, torna inexigível àquela manter a relação orgânica com este, designadamente porque o gerente violou gravemente os seus deveres, ou revelou incapacidade ou ficou incapacitado para o exercício normal das suas funções.
Os deveres, cuja violação grave (com dolo ou negligência forte) constitui justa causa de destituição, podem ser legais específicos (resultam imediata e especificadamente da lei), legais gerais (deveres de cuidado e deveres de lealdade; artigo 64.º, 1), ou estatutários».
[24] O conceito de justa causa na acepção de Diogo Pereira Duarte, Diogo Pereira Duarte, em anotação ao artigo 257.º, in “Código das Sociedades Comerciais Anotado”, com a coordenação de António Menezes Cordeiro, Almedina, Coimbra, 2009, pág. 675, corresponde à : «(a) a violação grave dos deveres do gerente (b) e a incapacidade para o exercício normal das funções. São noções orientadoras e meramente exemplificativas. Percebe-se, no entanto, que a justa causa tanto possa ser subjectiva como objectiva. Será justa causa subjectiva a que resulte da violação culposa dos deveres que, da lei ou do contrato de administração, decorrem para o gerente, em termos muito próximos da feição laboral em que se exige justa causa para o despedimento de trabalhadores. Será objectiva se respeitar à incapacidade para o exercício do cargo, sem qualquer culpa do gerente, como a incapacidade decorrente de uma situação de doença prolongada, ou qualquer outra circunstância em que, mantendo-se a prestação ainda possível, perturbe gravemente a relação de administração. Admite-se ainda que o conceito possa ter diferentes concretizações, sendo mais ou menos exigente, em diferentes hipóteses de destituição».
[25] Na concepção do acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 26/02/2019, disponibilizado em www.dgsi.pt, a justa causa destitutiva do gerente da sociedade relaciona-se com os princípios da confiança e a boa fé que devem ser observados por quem detém essa função na sociedade, princípios muito relevantes nas relações com os credores sociais, sócios e terceiros, de modo a que a transparência dos comportamentos e o rigor ético das condutas, possam ser valorados objectivamente e subjectivamente. A justa causa é uma sanção excludente do “infractor”, que visa defender a sociedade, na sua inserção na vida comercial.
[26] Na nossa leitura, tal como está escrito no acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 28/09/2023, publicitado em www.dgsi.pt: «1 – A justa causa pressupõe a violação grave dos deveres no exercício das respectivas funções e a aplicação da medida cessatória assenta assim na ideia de inexigibilidade de continuação da relação, por grave violação de deveres e importante atentado ao princípio da confiança que está subjacente às relações funcionais estabelecidas com a sociedade e com os próprios sócios.
2 – A justa causa é sempre alguma circunstância ligada à pessoa ou a uma conduta do gerente que, pela sua gravidade inviabilize, em termos de razoabilidade, a manutenção das suas funções e deverá ser apreciada em concreto, tendo em atenção as condições de exercício do cargo.
3 – Uma das fontes de preenchimento do conceito em discussão ocorre quando o gerente cria uma situação, concorre para ela ou permite a sua manutenção, de tal modo que, com elevada probabilidade, objectivamente, dela pode advir desvantagem considerável para a tutela dos interesses societários a proteger e que constituí sinal de quebra irreversível do elo de confiança que o legítima».
[27] Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 01/10/2020, consultável em www.dgsi.pt.
[28] Raúl Ventura, Sociedade por quotas – Comentário ao Código das Sociedades Comerciais, vol. II, Almedina, Coimbra, 1991, pág. 117.
[29] Jorge Manuel Coutinho de Abreu, Curso de Direito Comercial, vol. II, 7ª edição, reimpressão, Almedina, Coimbra, 2022., em alusão ao artigo 257.º, n.º 5, do Código das Sociedades Comerciais.
[30] Joaquim Taveira da Fonseca, Suspensão e destituição dos membros dos órgãos de administração das sociedades por quotas e anónimas, Separata do V Congresso direito das sociedades em revista, Almedina, Coimbra, 2018, pág. 263.
[31] Rui Polónia, Direito das Sociedades Comerciais, 2ª edição, ponto 63.4, parte final.
[32] Menezes Cordeiro, Das Sociedades em especial, vol. II, reimpressão, Almedina, Coimbra, 2023, págs. 432-433.
[33] Artigo 30.º (Conceito de legitimidade):
1 - O autor é parte legítima quando tem interesse direto em demandar; o réu é parte legítima quando tem interesse direto em contradizer.
2 - O interesse em demandar exprime-se pela utilidade derivada da procedência da ação e o interesse em contradizer pelo prejuízo que dessa procedência advenha.
3 - Na falta de indicação da lei em contrário, são considerados titulares do interesse relevante para o efeito da legitimidade os sujeitos da relação controvertida, tal como é configurada pelo autor.
[34] Artigo 576.º (Exceções dilatórias e perentórias – Noção):
1 - As exceções são dilatórias ou perentórias.
2 - As exceções dilatórias obstam a que o tribunal conheça do mérito da causa e dão lugar à absolvição da instância ou à remessa do processo para outro tribunal.
3 - As exceções perentórias importam a absolvição total ou parcial do pedido e consistem na invocação de factos que impedem, modificam ou extinguem o efeito jurídico dos factos articulados pelo autor.
[35] Artigo 577.º (Exceções dilatórias):
São dilatórias, entre outras, as exceções seguintes:
a) A incompetência, quer absoluta, quer relativa, do tribunal;
b) A nulidade de todo o processo;
c) A falta de personalidade ou de capacidade judiciária de alguma das partes;
d) A falta de autorização ou deliberação que o autor devesse obter;
e) A ilegitimidade de alguma das partes;
f) A coligação de autores ou réus, quando entre os pedidos não exista a conexão exigida no artigo 36.º;
g) A pluralidade subjetiva subsidiária, fora dos casos previstos no artigo 39.º;
h) A falta de constituição de advogado por parte do autor, nos processos a que se refere o n.º 1 do artigo 40.º, e a falta, insuficiência ou irregularidade de mandato judicial por parte do mandatário que propôs a ação;
i) A litispendência ou o caso julgado.
[36] Artigo 278.º (Casos de absolvição da instância):
1 - O juiz deve abster-se de conhecer do pedido e absolver o réu da instância:
a) Quando julgue procedente a exceção de incompetência absoluta do tribunal;
b) Quando anule todo o processo;
c) Quando entenda que alguma das partes é destituída de personalidade judiciária ou que, sendo incapaz, não está devidamente representada ou autorizada;
d) Quando considere ilegítima alguma das partes;
e) Quando julgue procedente alguma outra exceção dilatória.
2 - Cessa o disposto no número anterior quando o processo haja de ser remetido para outro tribunal e quando a falta ou a irregularidade tenha sido sanada.
3 - As exceções dilatórias só subsistem enquanto a respetiva falta ou irregularidade não for sanada, nos termos do n.º 2 do artigo 6.º; ainda que subsistam, não tem lugar a absolvição da instância quando, destinando-se a tutelar o interesse de uma das partes, nenhum outro motivo obste, no momento da apreciação da exceção, a que se conheça do mérito da causa e a decisão deva ser integralmente favorável a essa parte.
[37] Artigo 547.º (Adequação formal):
O juiz deve adotar a tramitação processual adequada às especificidades da causa e adaptar o conteúdo e a forma dos atos processuais ao fim que visam atingir, assegurando um processo equitativo.
[38] Artigo 6.º (Dever de gestão processual):
1 - Cumpre ao juiz, sem prejuízo do ónus de impulso especialmente imposto pela lei às partes, dirigir ativamente o processo e providenciar pelo seu andamento célere, promovendo oficiosamente as diligências necessárias ao normal prosseguimento da ação, recusando o que for impertinente ou meramente dilatório e, ouvidas as partes, adotando mecanismos de simplificação e agilização processual que garantam a justa composição do litígio em prazo razoável.
2 - O juiz providencia oficiosamente pelo suprimento da falta de pressupostos processuais suscetíveis de sanação, determinando a realização dos atos necessários à regularização da instância ou, quando a sanação dependa de ato que deva ser praticado pelas partes, convidando estas a praticá-lo.