Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
810/20.2GFSTB-A.E1
Relator: MARIA CLARA FIGUEIREDO
Descritores: REVOGAÇÃO DA SUSPENSÃO DA EXECUÇÃO DA PENA
INCUMPRIMENTO DOS DEVERES
INVIABILIZAÇÃO CULPOSA DOS CONTACTOS COM O TRIBUNAL
Data do Acordão: 09/12/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário: I - Compreendemos que a recorrente tenha vivenciado situações graves na sua vida pessoal – não só de saúde, como também económicas e familiares – que poderão explicar uma atitude menos proativa no que tange aos contactos com a DGRS, mas já não podemos aceitar tais situações como justificadoras da inviabilização total de tais contactos e, menos ainda, das ausências às diligências judiciais desacompanhadas de qualquer tipo de explicação
II - O Tribunal cumpriu totalmente o dever de diligência a seu cargo, pois que não só procedeu à notificação da condenada para ser ouvida sobre os seus incumprimentos – o que fez por duas vezes na morada do TIR – como emitiu mandados para garantir a sua comparência, como ainda notificou sempre a sua defensora, podendo esta ter apresentado justificação para as atitudes de incumprimento e de alheamento daquela, o que apenas veio a fazer em sede de recurso.

III - Foi o comportamento global da condenada desenvolvido no período da suspensão – que, para além de não ter viabilizado a elaboração do Plano de Reinserção Social, nunca justificou nos autos a sua conduta incumpridora, revelando uma atitude de total desinteresse e de profundo desprezo pela decisão condenatória – que não deixou ao tribunal a quo margem para qualquer outra decisão que não fosse a revogação da suspensão da execução da pena de prisão que lhe havia sido imposta nos autos.

Decisão Texto Integral: Acordam os Juízes na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora:
I - Relatório.

Nos presentes autos de processo comum que correm termos no Juízo Local Criminal de …. – J…, do Tribunal Judicial da Comarca de …, com o n.º 810/20.2GFSTB-A.E1, foi a arguida AA, identificada nos autos, condenada pela prática, em autoria material, de um crime de falsificação de documento, p. e p. pelo artigo 256.º, n.ºs 1, al. e) e 3 do CP, por referência ao artigo 255.º, al. c) do mesmo diploma legal e de um crime de condução de veículo sem habilitação legal, p. e p. no artigo 3.º, n.ºs 1 e 2 do Decreto-Lei n.º 2/98, de 3 de Janeiro e no artigo 121.º, n.º1 do Código da Estrada na pena única de 14 (catorze) meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de 2 (dois) anos, com regime de prova assente num plano de reinserção social elaborado e vigiado pelos serviços da DGRSP, devendo comparecer nas instalações da DGRSP sempre que fosse solicitada a sua presença, nos termos previstos nos artigos 53.º e 54.º do Cód. Penal.

A sentença condenatória transitou em julgado em 18 de maio de 2022.

Por decisão proferida em 28.02.2023 foi revogada a suspensão da execução da pena de prisão em que a arguida havia sido condenada e determinado o cumprimento dos 14 meses de prisão que lhe haviam sido impostos pela sentença condenatória.

*

Inconformada com tal decisão, veio a arguida interpor recurso da mesma, tendo apresentado, após a motivação, as conclusões que passamos a transcrever:

“1. A Recorrente foi condenada por Sentença transitada em julgado em 18/05/2022, pela prática dos crimes de falsificação de documento e de condução de veículo sem habilitação legal, na pena única de 14 (catorze) meses de prisão, suspensa na sua execução, pelo período de 2 (dois) anos, sujeita a regime de prova.

2. Por Despacho proferido, o Tribunal recorrido determinou a revogação da suspensão da execução da pena de prisão que lhe fora aplicada.

3. O Despacho recorrido, peca por excesso, pois a revogação da pena suspensa, afigura‐ se desnecessária e desproporcional.

4. Resulta do Acto de Entidade da D.G.R.S.P. de 26/10/2022 que não foi possível elaborar o Plano de Reinserção Social referente à arguida acima identificada por falta de colaboração da mesma.

5. Não se chegou a ouvir a Senhora Técnica da D.G.R.S.P., não foi possível apurar as diligências e tentativas que concretamente foram efectuadas (cfr. Acta da Audição de Arguido de 24/01/2023).

6. Por referência à informação constante do oficio da D.G.R.S.P. de 26/10/2022 e sem prejuízo de inexistirem dúvidas que a Recorrente, não compareceu nas instalações da D.G.R.S.P. para cumprimento do plano, desconhece‐se em absoluto, o que motivou tal incumprimento, e se estamos perante um incumprimento culposo, havendo a possibilidade de se estar perante um incumprimento meramente negligente.

7. O Despacho recorrido viola o disposto no artigo 56.º, n.º 1, al. a) do Código Penal.

8. A revogação da suspensão da pena por incumprimento do agente e das obrigações impostas, só pode ocorrer se o incumprimento se verificar com culpa, e só terá lugar como “ultima ratio”, isto é, quando estiverem esgotadas ou se revelarem de todo ineficazes as restantes providências contidas no art. 55.º do C.P..

9. Por ora, não se encontram ainda esgotadas e nem se revelam ineficazes as restantes providencias contidas no art. 55.º do C.P..

10. O Tribunal não esgotou todas as possibilidades, como era seu dever!

11. O Tribunal deveria ter tentado localizar a Arguida, para além de uma mera emissão de mandados de detenção para uma morada, por forma a assegurar a sua comparência em Tribunal, para que se conseguisse apurar quais as razões que terão estado na origem do seu incumprimento, para poder apurar se estaríamos perante um incumprimento efectivamente doloso ou negligente.

12. O Tribunal recorrido sempre deveria, oficiosamente, ter efectuado diligências adicionais – para além de apenas se ter limitado a mandar emitir mandados de detenção para assegurar a comparência da Arguida em juízo.

13. Caberia ao Tribunal recorrido, ordenar que fossem oficiadas uma série de entidades, previamente à revogação da pena suspensa em que a Arguida foi condenada.

14. Estando em causa direitos, liberdades e garantias da Arguida, nomeadamente, a aplicação ou não de uma pena privativa da sua liberdade, por força dos princípios da legalidade e da oficiosidade, o Tribunal recorrido tinha o dever, de mandar oficiar determinadas entidades, a fim de tentar apurar o paradeiro da Arguida, para oportuna comparência da mesma em Tribunal.

15. Deveria ter sido mandado oficiar a Segurança Social e a Autoridade Tributária, para averiguar se a Arguida tinha outra(s) morada(s), para além da que fez constar do T.I. R. prestado, o que não foi feito.

16. Deveria ter sido mandado oficiar as principais empresas de telecomunicações e de fornecimento de electricidade, a fim de apurar se a Arguida possuía algum contrato em seu nome e em que morada, o que também não foi feito.

17. O Tribunal poderia ainda ter mandado oficiar o Serviço Nacional de Saúde (S.N.S.), a fim de apurar qual a morada da Arguida constante da base de dados, o que também não fez.

18. Desconhece‐se se a Arguida continua a padecer problemas de saúde que a tenham impedido de comparecer na DGRSP e consequentemente de permitir a elaboração do plano e até mesmo de comparecer em Tribunal.

19. O Tribunal recorrido não poderia ter olvidar (como fez!) o teor do Relatório Social junto aos autos, para efeitos de julgamento.

20. Embora a DGRSP não tenha elaborado o plano de reinserção social, por falta de colaboração da Arguida, não podemos ignorar que essa mesma DGRSP elaborou um Relatório Social em 14/03/2022, no qual fez constar que: “Em Janeiro de 2021, foi diagnosticado a AA um problema de saúde a nível oncológico (…), e simultaneamente a confirmação da última gravidez. Neste contexto foi submetida a tratamentos de quimioterapia no IPO de …, mas sem sucesso, os quais foram suspensos pelo estado de debilidade física da arguida, por ter emagrecido cerca de 20 kg, e por uma infecção generalizada no organismo, sem condições para ser submetida a uma intervenção cirúrgica, contexto que lhe tem causado acentuada fragilidade emocional. Na sequência das diligências efectuadas pela técnica da Associação …, AA foi realojada em 29 de Dezembro de 2021, numa habitação de cariz social, propriedade do IHRU em …, na morada localizada na Rua …, …, onde reside com as duas filhas menores. Na actualidade a arguida não mantém integração laboral, nem perspectiva qualquer integração no futuro, decorrente da sua condição de saúde e pela idade das duas filhas mais novas (2 anos e 6 meses)” – cfr. pág. 4 do Relatório Social elaborado pela DGRSP de 14/03/2022.

21. Face ao problema de saúde da Arguida, que a DGRSP fez questão de fazer constar do Relatório Social, pode equacionar‐se a possibilidade de a mesma ter piorado, ter estado hospitalizada e fora da sua residência, ter necessitado de se ausentar da habitação propriedade do IHRU e …, para junto de algum familiar, para receber apoio a nível da saúde.

22. O Tribunal recorrido não teve a menor preocupação em apurar tal factualidade, decorrente do estado de saúde da Arguida, limitando‐se, sem mais, e sem esgotar as possibilidades legais, a revogar a pena suspensa em que foi condenada!

23. O Tribunal deveria ainda ter tido em consideração que, a Audiência de Julgamento, ocorreu toda ela na ausência da Arguida, pois a mesma não compareceu, quiçá por motivos de saúde, pois o próprio

Relatório Social fez constar que, à data da elaboração do mesmo (14/03/2022), “no presente, AA vivencia um quadro de acentuada fragilidade física e emocional decorrente de problema oncológico de que padece” ‐ cfr. pág. 5 do Relatório Social elaborado pela DGRSP de 14/03/2022(sublinhado e negrito nossos).

24.Quer a Audiência de Julgamento, quer a Leitura da Sentença proferido, decorridem na ausência da Arguida, conforme se pode comprovar do teor das Actas de 15/03/2022, 22/03/2022 e 04/04/2022.

25. A Arguida foi notificada da Sentença proferida por Entidade Policial, em 09/04/2022, conforme resulta do carimbo da certidão de notificação, junto aos autos por oficio em 20/04/2022.

26. Apesar de o Tribunal recorrido ter feito constar da Decisão ora recorrida que: (...) estes sucessivos incumprimentos são exclusivamente imputáveis à condenada. Vale por dizer que a condenada pese embora tivesse sido solenemente advertida na sentença prolatada nestes autos para observar o Plano de Reinserção Social, comparecer às entrevistas agendadas, optou por não comparecer às entrevistas agendadas, inviabilizando, dessa forma, a elaboração do Plano de Reinserção Social (...)” – sublinhado e negrito nossos (cfr. pág. 7 do Despacho recorrido) –há que ter em consideração que a Arguida esteve ausente da leitura da Sentença, e por isso, o Tribunal não teve oportunidade de lhe explicar o teor da Sentença proferida e nem mesmo de a advertir solenemente.

27. Fez‐se constar do Despacho recorrido que: “Tais factos demonstram que a simples censura do facto e a ameaça de prisão (realizada, presencialmente, através da suspensão) não foi suficiente.” ‐ sublinhado e negrito nossos ‐ (cfr. pág. 8 do Despacho recorrido).

28. Ainda que se possa concluir que se fez constar da Sentença proferida uma solene advertência, não podemos deixar de ter em consideração que: i) a notificação da Sentença à Arguida foi efectuada por O.P.C. e não sabemos em que moldes; sabemos que lhe foi entregue uma cópia da Sentença proferida, certamente ter‐lhe‐á sido referido que foi condenada em pena suspensa, mas não podemos assegurar, com certeza, se a Arguida efectivamente percebeu e interiorizou as condições para a suspensão da pena de prisão; e ii) a Arguida apenas “frequentou a escolaridade até ao 6.º ano, tendo posteriormente abandonado a escola” (cfr. Relatório Social da DGRSP de 14/03/2022, pág. 3 e Sentença proferida, pág 4).

29. O Tribunal deveria ter equacionado a possibilidade de apenas ter sido entregue à Arguida por OPC, cópia da Sentença para efeitos de cumprimento de notificação, sem que lhe tenha sido explicado devidamente o seu conteúdo.

30. Ainda que se possa admitir que lhe foi explicado o conteúdo da Sentença proferida, dada a baixa escolaridade da Arguida (6.º ano), não temos como assegurar se, efectivamente, a Arguida percebeu e interiorizou o conteúdo da mesma.

31. Ainda que se considere que a ameaça de prisão, foi feita presencialmente, através de OPC e não através do Tribunal, desconhecem‐se os moldes concretos da concretização de notificação, nomeadamente se a Arguida conseguiu perceber o teor da mesma – se é que lhe fi explicado.

32. Caso a Arguida não tenha interiorizado/percebido o teor da Sentença, jamais se pode concluir por um incumprimento culposo, por falta de colaboração para elaboração do Plano Social pela DGRSP, por parte daquela.

33. A Recorrente não pode aceitar que o Tribunal recorrido conclua, como concluiu, que a mesma (...) é possuidora de uma personalidade desviante, não acatando o regime de prova, já que inviabilizou desde logo a própria elaboração do Plano de Reinserção Social, nem tão pouco demonstrou ter cumprido a condição pecuniária da suspensão decretada, não sendo por isso mais possível manter a seu favor um juízo de prognose favorável”– cfr. pág. 7 do Despacho recorrido.

34. Como o Tribunal recorrido bem sabe, a Recorrente foi condenada, na pena única de catorze (14) meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de dois (2) anos, a contar da data do trânsito em julgado desta sentença, com regime de prova, assente num plano de reinserção social, elaborado e vigiado pelos serviços da DGRSP, devendo comparecer nas instalações da DGRSP sempre que for solicitada a sua presença, nos termos previstos nos artigos 53.º e 54.º do Cód. Penal.

35. Não havia qualquer condição pecuniária constante da referida condenação, para que a Recorrente tivesse que cumprir a condição pecuniária da suspensão decretada – conforme refere o Despacho recorrido, na sua pág. 7.

36. Não tendo a Recorrente sido condenada a cumprir qualquer condição pecuniária – contrariamente ao que resulta do Despacho ora recorrido – não pode, salvo o devido respeito por melhor opinião, concluir‐se que, por esse motivo, a Arguida é possuidora de uma personalidade desviante.

37. A Arguida (apenas) não cumpriu o plano que deveria ter sido elaborado pela DGRSP e que não chegou a ser elaborado, por não ter comparecido na DGRSP, conforme resulta do Acto de Entidade da DGRSP datado de 26 de Outubro de 2022.

38. Não foi possível o Tribunal apurar por que motivo a Arguida/Recorrente não compareceu, nomeadamente, se por que simplesmente não quis, ou se contrariamente, piorou do seu estado de saúde e se alterou de morada, por forma a poder beneficiar da ajuda de familiares, na sua situação de doença.

39. Não podemos olvidar o facto de, no Relatório Social da DGRSP datado de 14/03/2022, se mencionar que o relatório foi elaborado, entre outros, com base em contacto telefónico com a avó da arguida, acrescido do facto de resultar do referido relatório que a Arguida AA nasceu em …, sendo perceptível que tem raízes familiares na zona do ….

40. Coincidentemente, ou não, consta da devolução do Mandado de Detenção, junto aos autos a 31/01/2023, que o presente mandado foi reencaminhado para o Posto Territorial de …, em virtude de a pessoa a deter residir em Quinta de …, …, … – também na zona do ….

41. Não se pode ignorar o percurso residencial da Arguida, ao longo dos últimos tempos.

42. Inicialmente, à data dos factos, AA residia no … (desde Janeiro de 2020) numa casa abarracada, sem condições de habitabilidade e salubridade. Constituía agregado familiar com um companheiro, e de cujo relacionamento nasceram duas filhas, de 2 anos e 6 meses de idade.

43. A separação do casal ocorreu antes de AA ter conhecimento desta última gestação, tendo à data ficado a pernoitar numa viatura abandonada.

44. Os seus três filhos mais velhos, actualmente encontram‐se entregues a terceiros: o mais velho de … anos de idade, vive com o pai, enquanto os filhos de … e … anos se encontram institucionalizados em ….

45. Desde 2020 que a Arguida beneficia do apoio da Associação Nós do …, que a nível financeiro a apoiou com o arrendamento de um quarto, apoiando‐a ainda na realização de diligências para requerer uma habitação social.

46. Na sequência das diligências efectuadas pela técnica da Associação …, AA foi realojada em 29 de dezembro de 2021, numa habitação de cariz social, propriedade do IHRU em …, na morada localizada na Rua da …, …, onde reside com as duas filhas menores– cfr. Relatório Social da DGRSP, págs. 3 e 4.

47. Apurou posteriormente, que a Arguida, terá passado a residir em Quinta de …, …, em …, no …– por referência ao teor da devolução do Mandado de Detenção, junto aos autos a 31/01/2023.

48. Consta do Relatório Social que “Em Janeiro de 2021, foi diagnosticado a AA um problema de saúde a nível oncológico (…), e simultaneamente a confirmação da última gravidez. Neste contexto foi submetida a tratamentos de quimioterapia no IPO de …, mas sem sucesso, os quais foram suspensos pelo estado de debilidade física da arguida, por ter emagrecido cerca de 20 kg, e por uma infecção generalizada no organismo, sem condições para ser submetida a uma intervenção cirúrgica, contexto que lhe tem causado acentuada fragilidade emocional.” , pelo que não sabemos se, a Arguida teve necessidade de se deslocar para junto de eventuais familiares que possua no …, dado que até nasceu em …, para que possa encontrar apoio quanto ao seu estado de saúde, junto de eventuais familiares.

49. O que deveria ter sido equacionado!

50. Padecendo a Arguida de um problema de saúde oncológico e vivenciando um quadro de acentuada fragilidade física e emocional decorrente do problema oncológico de que padece (cfr. Relatório Social da DGRSP, pág. 5), a prioridade da Arguida, terá passado por encontrar apoio, em detrimento de se ter lembrado de comunicar uma alteração de morada ao Tribunal!

51. O que não permite ao Tribunal recorrido, por si só, concluir pelo incumprimento culposo do plano que deveria ter sido traçado pela DGRSP (e não foi) e consequentemente, da pena suspensa!

52. Apenas se poderá concluir que a Recorrente infringiu o cumprimento dos deveres inerente à elaboração do Plano de Reinserção Social pela DGRSP, a titulo negligente e não grosseiramente – ainda que no limite da negligência ‐ mas nunca, tendo incumprido a título culposo!

53. A Recorrente não pode conformar‐se com o Despacho recorrido, inclusive, na parte que determina a revogação da pena suspensa em que foi condenada.

54. à data dos factos a Arguida tinha 31 anos de idade (tendo agora com 32), tendo vivenciado desde criança, um quadro de vida de acentuada fragilidade familiar e de ausência de vinculação afectiva – cfr. Relatório Social da DGRSP.

55. Apresenta uma baixa escolaridade, bem como ausência de uma integração laboral efectiva e de recursos materiais, vivenciando no geral, situações de grande precariedade e pobreza – cfr. Relatório Social da DGRSP.

56. Foi mãe ainda durante a adolescência, tendo actualmente cinco filhos de 14, 12, 9, 2 anos e 6 meses de idade, encontrando‐se apenas estas duas últimas crianças ao seu cuidado – cfr. Relatório Social da DGRSP.

57. Ao nível dos relacionamentos afectivos e familiares, apresenta um contexto de instabilidade e fragilidade, referindo ter sido vítima de violência doméstica e de maus tratos, com inexistência de suporte familiar ‐ cfr. Relatório Social da DGRSP.

58. Em Janeiro de 2021 foi diagnosticado a AA um problema de saúde a nível oncológico (…), e simultaneamente a confirmação da última gravidez. Neste contexto foi submetida a tratamentos de quimioterapia no IPO de …, mas sem sucesso, os quais foram suspensos pelo estado de debilidade física da arguida, por ter emagrecido cerca de 20 kg, e por uma infecção generalizada no organismo, sem condições para ser submetida a uma intervenção cirúrgica, contexto que lhe tem causado acentuada fragilidade emocional. (cfr. Relatório Social da DGRSP, págs. 4, 5 e 6)

59. Considerando todo o circunstancialismo, o grau de exigência sempre “deverá” ser um pouco menor no que concerne ao total cumprimento da execução da suspensão da pena.

60. Não é o imediato cumprimento da pena de prisão em que está condenada, que irá permitir uma imediata ressocialização da Arguida.

61. É consabido que as prisões encontram‐se repletas de Jovens, que embora tendo agido de forma censurável, vêm ser‐lhes aplicadas uma pena de prisão, que na maioria das situações, acabam por não lograr obter os fins das penas aplicadas.

62. Com a Decisão de revogação da suspensão da pena, foi violado o disposto nos Arts. 495.º n.ºs 1 e 2 do C.P.P. e Art. 56.º, n.º 1 do C.P.

63. No caso concreto, não foi possível ouvir a Arguida condenada, e também não se chegou a ouvir a Sr.ª Técnica da DGRSP, pelo que apenas se podem considerar os demais elementos constantes dos autos.

64. Face ao teor dos elementos constantes dos autos, nomeadamente, a certidão de notificação da Sentença por OPC, o teor do Relatório Social da DGRSP datado de 14/03/2022, as Actas das Audiências de Julgamento e de Audição de Condenado, certidão de não cumprimento do mandado de detenção, deve o Tribunal alterar a decisão recorrida.”

Termina pedindo a revogação do despacho recorrido e a sua substituição por outro que determine a realização de diligências adicionais, no sentido de apurar o paradeiro da arguida, para que a mesma possa vir a juízo justificar o incumprimento para efeitos de elaboração do plano da DGRSP e para que lhe possa ser prorrogada por mais um ano a suspensão da execução da pena de prisão.

*

O recurso foi admitido.

Na 1.ª instância o Ministério Público pugnou pela improcedência do recurso e pela consequente manutenção da decisão recorrida, tendo apresentado as seguintes conclusões:

“1. Nos presentes autos AA, foi condenada, como autora material e na forma consumada, pela prática dos crimes de desobediência e condução sem habilitação legal, na pena única de 14 (catorze) meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de 2 (dois) anos, com regime de prova;

2. Porém, os serviços da DGRSP não lograram elaborar o Plano de Reinserção Social em virtude de a arguida nunca ter comparecido, apesar das convocatórias para o efeito;

3. A revogação da suspensão da pena de prisão não reveste cariz obrigatório ou automático; a lei exige a cumulação de pressupostos de ordem processual e de ordem material ou substantiva, para efeito de decidir sobre a revogação da suspensão da pena de prisão;

4. O despacho que revogou a suspensão da execução da pena não violou qualquer disposição legal, designadamente o art.º 55º do C.P., devendo ser mantido na íntegra.”

*

O Exmº. Procurador Geral Adjunto neste Tribunal da Relação, pronunciou-se no sentido da improcedência do recurso.

Foi cumprido o disposto no art.º 417.º, n.º 2 do CPP, não tendo sido apresentada resposta pela recorrente.

Procedeu-se a exame preliminar.

Colhidos os vistos legais e tendo sido realizada a conferência, cumpre apreciar e decidir.

***

II – Fundamentação.

II.I Delimitação do objeto do recurso.

Nos termos consignados no artigo 412º nº 1 do CPP e atendendo à Jurisprudência fixada pelo Acórdão do Plenário da Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça n.º 7/95, de 19/10/95, publicado no DR I-A de 28/12/95, o objeto do recurso é delimitado pelas conclusões formuladas pelo recorrente na sua motivação, as quais definem os poderes cognitivos do tribunal ad quem, sem prejuízo de poderem ser apreciadas as questões de conhecimento oficioso.

Em obediência a tal preceito legal, a motivação do recurso deverá enunciar especificamente os fundamentos do mesmo e deverá terminar pela formulação de conclusões, deduzidas por artigos, nas quais o recorrente resume as razões do seu pedido, de forma a permitir que o tribunal superior apreenda e conheça das razões da sua discordância em relação à decisão recorrida.

No presente recurso e considerando as conclusões extraídas pelo recorrente da respetiva motivação, é apenas uma a questão a apreciar e a decidir, a saber:

- Determinar se se verificam os pressupostos legais relativos à revogação da suspensão da execução da pena de prisão, conforme decidido pelo Tribunal “a quo”, ou

se, ao invés, os critérios legais, aplicados à situação da arguida, imporiam a manutenção da suspensão.

* II.II - A decisão recorrida.

Em 18.10.2022 foi proferida a decisão recorrida, com o seguinte conteúdo:

“Resulta dos autos que por sentença transitada em 18-5-2022, a arguida AA foi condenada pela prática dos crimes de falsificação de documento e de condução de veículo sem habilitação legal, na pena única de catorze (14) meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de dois (2) anos, sujeita a regime de prova.

Porém, os serviços da DGRSP não lograram sequer elaborar o Plano de Reinserção Social, em virtude de a arguida nunca ter comparecido, apesar das convocatórias para o efeito.

Na sequência da DGRSP ter vindo reportar tal anomalia, sob impulso do M.º P.º, foram designadas datas para audição da condenada, a última das quais no dia 24-1-2023, mas sem a presença da arguida, pese embora estivesse regularmente notificada, por via postal, com PD, para a morada do TIR; tendo os mandados de detenção para assegurar a sua comparência coerciva sido certificados negativamente, desconhecendo-se o seu actual paradeiro.

Ora, na senda do doutamente decidido pelo acórdão da Relação de Lisboa de 25-9-2013, disponível em www.dgsi.pt: «I - Sob pena de nulidade insanável, prevista no art. 119.º, alínea c), do C.P.P., a decisão de revogação da suspensão da execução da pena pressupõe, genericamente, a prévia audição presencial do condenado e do seu defensor, nos termos do disposto no n.º 2 do art. 495.º, do mesmo diploma legal. II - Só assim não será se a referida audição for inviabilizada por motivo imputável ao condenado (a título de exemplo, quando este se retira, sem justificação, da morada indicada no TIR), caso em que ainda é possível o exercício do contraditório, na sua expressão mínima, pelo defensor do arguido» – [sublinhado nosso]

Acolhendo o entendimento expresso neste aresto das nossas instâncias superiores, este Tribunal considera que encetou todas as diligências consideradas necessárias para lograr ouvir pessoalmente a condenada, tendo em vista esta, querendo, apresentar as suas razões. Não tendo, porém, almejado tal resultado por a condenada ter inviabilizado a sua audição, ao não comparecer apesar de notificada e, bem assim, por se ter colocado em parte inserta, sendo, por sua vez, imputável a ela tal omissão.

Nessa sequência, veio o Ministério Público promover a revogação da suspensão da execução da pena de prisão, nos termos do disposto no art. 56.º, n.º 1, al. a) Cód. Penal, por entender que as finalidades que estavam na base da suspensão não foram alcançadas.

Assegurado o contraditório prévio, a Il. defensora da condenada, nos termos e para os efeitos dos artigos 56.º, n.º 1, al. a) do Cód. Penal e 61.º, n.º 1, al. b) e 495.º, n.º 2 do Cód. Proc. Penal, nada disse.

*

Cumpre, pois, apreciar e decidir.

Estipula, nesta sede, o art. 56.º, do Cód. Penal, sob a epígrafe «revogação da suspensão», que:

1. A suspensão da execução da pena de prisão é revogada sempre que, no seu decurso, o condenado:

a) Infringir grosseira ou repetidamente os deveres ou regras de conduta impostos ou o plano de reinserção social;

b) Cometer crime pelo qual venha a ser condenado, e revelar que as finalidades que estavam na base da suspensão não puderam, por meio dela, ser alcançadas.

2. A revogação determina o cumprimento da pena de prisão fixada na sentença, sem que o condenado possa exigir a restituição de prestações que haja efectuado.

Já o art. 57.º do Cód. Penal preceitua, sob a epígrafe «extinção da pena», que:

1.A pena é declarada extinta se, decorrido o período da sua suspensão, não houvermotivos que possam conduzir à sua revogação.

2.Se, findo o período da suspensão, se encontrar pendente processo por crime que possa determinar a sua revogação ou incidente por falta de cumprimento dos deveres, das regras de conduta ou do plano de reinserção, a pena só é declarada extinta quando o processo ou o incidente findarem e não houver lugar à revogação ou à prorrogação do período de suspensão.

A revogação da suspensão da pena de prisão não reveste cariz obrigatório ou automático, tendo antes que se aferir, em face do caso concreto, se se encontram preenchidos os elencados condicionalismos legais determinativos dessa revogação. Ora, de facto, não se pode precipitar uma decisão tão gravosa como é a da reclusão prisional sem avaliar, em concreto, as circunstâncias em que ocorreram os condicionalismos dessa revogação, de forma a aquilatar se as finalidades que justificaram a suspensão da execução da pena ainda podem ser alcançadas, ou se foram definitivamente desbaratadas (1).

Nesta confluência, além da causa de revogação baseada na infracção grosseira ou repetidamente os deveres ou regras de conduta impostos ou o plano de reinserção social, a lei exige em alternativa a tal causa, a verificação de um pressuposto de ordem processual e outro de ordem material ou substantiva, para efeito de decidir sobre a revogação da suspensão da pena de prisão:

Requisito Processual: cometer crime pelo qual venha a ser condenado;

Requisito Material: as finalidades que estavam na base da suspensão não puderam, por meio dela, ser alcançadas (2).

*

Concretizando.

Resulta, com efeito, dos autos que por sentença transitada em 18-5-2022, a arguida AA foi condenada pela prática dos crimes de falsificação de documento e condução sem habilitação legal, na pena única de catorze (14) meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de dois (2) anos, sujeita a regime de prova.

Porém, resulta das informações prestadas pela DGRSP nos termos supra indicados, que a condenada inviabilizou a elaboração do Plano de Reinserção Social, designadamente por não ter comparecido às entrevistas que lhe foram sendo sucessivamente agendadas.

Concordando com o que diz no seu acórdão de 9 de Setembro de 2015, do proc. n.º 83/10.5PAVNO.E1.C1, citamos o Tribunal da Relação de Coimbra quando refere que: «A infracção grosseira é a que resulta de uma atitude particularmente censurável de descuido ou leviandade, aqui se incluindo a colocação intencional do condenado em situação de incapacidade de cumprir os deveres ou regras de conduta impostos ou o plano individual de reinserção. Já a infracção repetida dos deveres ou regras de conduta impostos ou do plano individual de reinserção é aquela que resulta de uma atitude de descuido e leviandade prolongada no tempo, revelando uma postura de desprezo pelas limitações resultantes da sentença condenatória.».

Quanto à nossa doutrina, citamos Paulo PINTO DE ALBUQUERQUE, Comentário do Código Penal à Luz da Constituição da República Portuguesa e da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, UCP, 2010, p. 235, quando refere que: «A infracção grosseira dos deveres, das regras de conduta ou do plano de reinserção social não tem de ser dolosa, sendo bastante a infracção que resulta de uma atitude particularmente censurável de descuido ou leviandade» e que: «A infracção repetida dos deveres, das regras e conduta ou do plano de reinserção social é aquela que resulta de uma atitude de descuido e leviandade prolongada no tempo, isto é, que não se esgota num acto isolado da vida do condenado, mas revela uma postura de menosprezo pelas limitações resultantes da sentença condenatória.».

Deveremos, assim, no que toca ao caso vertente, verificar (i) se a arguida incumpriu, de forma culposa, as obrigações que sobre a mesma fez impender a sentença proferida nos autos (ii) se eventual incumprimento comprometeu irremediavelmente o juízo de prognose favorável e a aposta na reinserção em liberdade da arguida, que estão na base do decretamento da pena de substituição.

E teremos sempre em mente que: «A revogação da suspensão da execução da pena de prisão só deve ter lugar quando seja a única e última forma de conseguir alcançar as finalidades da pena sendo, portanto, cláusula de ultima ratio» - [cf. o acórdão da Relação de Coimbra de 13 de Setembro de 2017, proc. n.º 254/15.8PCCBR-B.C1]

É evidente e, ademais, a nosso ver grosseiro, o incumprimento pela arguida e condenada supra id. da condição fundamental estipulada para a suspensão da pena de prisão, respeitante ao regime de prova baseado no plano de reinserção social, que lhe foi determinada nos presentes autos.

Porquanto,

(i) Inviabilizou a elaboração do referido Plano de Reinserção Social – resultando dos Relatórios da DGRSP juntos aos autos, que a arguida jamais respondeu aos contactos da Direcção-Geral de Reinserção e Serviços Prisionais, não comparecendo – apesar de notificada para o efeito – às sucessivas entrevistas agendadas por esta entidade; e

(ii) A arguida não logrou justificar, seja de que forma for, o referido incumprimento, já que se alheou por completo dos autos.

A decisão proferida nos presentes autos é clara: a pena de prisão aplicada à arguida foi suspensa na sua execução com regime de prova assente num plano de reinserção social.

A arguida estava ciente da sentença.

A partir do momento em que tal decisão transitou em julgado, o seu cumprimento pela arguida não será, pois, opcional ou algo voluntário; pelo contrário, a arguida encontra-se obrigada ao cumprimento dos seus precisos termos, sob pena de lhe serem aplicadas as legais consequências.

A arguida encontrava-se (e encontra-se, diga-se) em condições para cumprir um plano de reinserção social que certamente seria gizado pela DGRSP, em função das suas limitações e vicissitudes, ponto é que se dispusesse a tal.

É ainda de registar a conduta omissiva da arguida, quando não comparece às entrevistas agendadas pela Direcção-Geral de Reinserção e Serviços Prisionais, que inviabilizou a elaboração do próprio Plano de Reinserção Social, sendo que, entretanto, decorreu quase um ano sobre a data do trânsito da decisão judicial, inadmissível.

Tal é demonstrativo de que a arguida supra id. tem adoptada uma conduta – prolongada no tempo - de perfeita indiferença à decisão proferida nos autos, desprezando os seus respectivos e competentes efeitos.

E, desta forma, conclui-se encontra-se irremediavelmente comprometido o juízo de prognose favorável e, bem assim, a aposta na reinserção em liberdade da arguida, que estão na base do decretamento da pena de substituição de suspensão da execução da pena de prisão.

Conclui-se, consequentemente, ter existido incumprimento reiterado, grosseiro e culposo por parte da condenada, com manifestação de desprezo e indiferença pela decisão judicial transitada em julgado, verificando-se, destarte, uma actuação indesculpável por parte da mesma.

*

In casu, a condenada supra id. inviabilizou a elaboração do Plano de Reinserção Social, não comparecendo às sucessivas entrevistas agendadas por esta entidade, o que configura um caso manifesto de incumprimento culposo dos deveres ou regras de conduta impostos ou o plano de reinserção social, tal como previsto pela al. a) do n.º 1 do citado art. 56.º, do Cód. Penal − [cf. neste sentido, o acórdão da RC, datado de 14-9-2016, relatado por Olga MAURÍCIO, e disponível em www.dgsi.pt, designadamente quando entendeu que: «I - Quando a suspensão da execução da pena de prisão foi acompanhada de regime de prova e este dependia do cumprimento do plano de reinserção social, para cuja elaboração era indispensável a comparência do arguido nos serviços; II - Quando o arguido nunca se deslocou voluntariamente aos serviços de reinserção social e estes serviços, quando tentaram contactá-lo, não o conseguiram localizar, porque ele mudou de residência sem dar conhecimento da alteração ao tribunal;

III - Dessa forma impossibilitou a realização do plano e a conclusão única é que infringiu os deveres impostos na condenação.»]

Por conseguinte, estes sucessivos incumprimentos são exclusivamente imputáveis à condenada.

*

Vale por dizer que a condenada pese embora tivesse sido solenemente advertida na sentença prolatada nestes autos para observar o Plano de Reinserção Social, comparecer às entrevistas agendadas, optou por não compareceu às entrevistas agendadas, inviabilizando, dessa forma, a elaboração do Plano de Reinserção Social. Razão pela qual com base neste incumprimento grosseiro imputável à arguida que deverá ser aqui tido em consideração, dado que demonstra que a mesma, pese embora a derradeira oportunidade que lhe foi concedida nestes autos para cumprir o plano de reinserção social, é possuidora de uma personalidade desviante, não acatando o regime de prova, já que inviabilizou desde logo a própria elaboração do Plano de Reinserção Social, nem tão-pouco demonstrou ter cumprido a condição pecuniária da suspensão decretada, não sendo por isso mais possível manter a seu favor um juízo de prognose favorável.

Com efeito, aquando da prolação da decisão que determinou a suspensão da execução da pena de prisão, o tribunal não pôde deixar de aquilatar a verificação do pressuposto material adjacente à aplicação de tal instituto. Na verdade e para efeito de possibilitar tal suspensão, é necessário que o Tribunal, «[…] atendendo à personalidade do agente e às circunstâncias do facto, conclua por um prognóstico favorável relativamente ao comportamento do delinquente: que a simples censura do facto e a ameaça da pena […] bastarão para afastar o delinquente da criminalidade […]. Para a formulação de um tal juízo – ao qual não pode bastar nunca a consideração ou só da personalidade, ou só das circunstâncias do facto –, o tribunal atenderá especialmente às condições de vida do agente e à sua conduta anterior e posterior ao facto» (3).(Cf. J. FIGUEIREDO DIAS, in op. cit., 2009, pp. 342 e 343).

Atento o exposto, como ensina Jorge de FIGUEIREDO DIAS (4), o Tribunal apenas poderá decidir-se pela revogação da suspensão da execução da pena de prisão, em qualquer um dos casos de incumprimento das condições de suspensão, se tal inadimplemento revelar que as finalidades que fundaram a suspensão não podem, por meio desta, ser alcançadas; ou, dito por outra forma, se a infracção das regras impostas no período da suspensão «infirmar definitivamente» o juízo de prognose favorável que esteve na base da suspensão e a esperança de, por meio desta, manter o arguido afastado da prática de condutas jurídico-penalmente ilícitas.

Entende-se, em suma, que tal postura inadimplente assumida pela arguida veio frustrar a manutenção do juízo de prognose favorável, com base no qual este Tribunal havia (ainda) suspendido a execução da pena única de prisão de catorze (14) meses que aplicou à arguida.

Julga-se, por isso, que existem razões objectivas para considerar que a sua actuação culposa invalidou definitivamente o juízo de prognose favorável que esteve na base da suspensão da execução da pena de prisão, efectuado aquando da prolação da decisão final condenatória, encontrando-se, na nossa óptica, comprometidas as exigências punitivas que motivaram tal suspensão.

Tais factos demonstram que a simples censura do facto e a ameaça de prisão (realizada, precisamente, através da suspensão) não foi suficiente.

Nesta conformidade, deve concluir-se que as finalidades que estavam na base da suspensão da execução da pena de prisão, não puderam, por meio dela, manifestamente ser alcançadas, como também considerou o M.º P.º na sua promoção que antecede.

*

Entende-se, por fim, que perante a frustração pela condenada da possibilidade de cumprir a pena «fora de muros», as necessidades de punição reivindicam agora um contacto efectivo da mesma com o sistema prisional, pelo que não se aplicará o disposto no art. 43.º, n.º 1, al. c) do Cód. Penal, na redacção dada pela Lei n.º 94/2017, de 23-08. Parece linear.

*

Pelo exposto e tal como promovido pelo M.º P.º, ao abrigo do preceituado no art. 56.º, n.º 1, al. a) do Cód. Penal, revogo a suspensão da execução da pena única de catorze (14) meses de prisão imposta à arguida AA nos presentes autos e, destarte, determino o seu cumprimento efectivo pela arguida em estabelecimento prisional.

Notifique.. (…)

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1 Cf. o acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 26-5-2010, proc. n.º 73/05.0GTAVR.C1.

2 De facto, o critério material para decidir sobre a revogação da suspensão é exclusivamente preventivo, isto é, o Tribunal deve ponderar se as finalidades preventivas que sustentaram a decisão de suspensão ainda podem ser alcançadas com a manutenção da mesma ou estão irremediavelmente prejudicadas em virtude da conduta posterior do condenado. Sobre o tema, vd. Paulo PINTO DE ALBUQUERQUE, Comentário do Código Penal à Luz da Constituição da República e da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, Universidade Católica Editora, 2.ª Edição, 2010, p. 236, Jorge de FIGUEIREDO DIAS, Código Penal, Actas e Projecto da Comissão de Revisão, Ministério da Justiça, Rei dos Livros, 1993, pp. 66 e 469, bem como Miguez GARCIA e J. P. CASTELA RIO, Código Penal, Parte Geral e Especial com Notas e Comentários, Almedina, 2014, p. 336. “

*** II.III - Apreciação do mérito do recurso.

A recorrente questiona a opção do Tribunal “a quo” de revogação da suspensão da execução da pena de prisão que lhe foi aplicada nos autos, expressando o seu entendimento no sentido de que uma boa aplicação do direito ao caso determinaria que tivessem sido determinadas diligências com vista apurar o seu atual paradeiro, para que a mesma pudesse ter vindo ao processo justificar os seus incumprimentos e para que, sequentemente, pudesse ter sido mantida a suspensão da execução da pena.

Analisemos então se lhe assiste razão.

*

É o artigo 50.º, nº 1 do CP que estabelece os pressupostos da suspensão da execução da pena de prisão.

As consequências da falta de cumprimento das condições da suspensão encontram-se previstas no artigo 55º do CP, que estatui:

“Artigo 55.º

Falta de cumprimento das condições da suspensão

Se, durante o período da suspensão, o condenado, culposamente, deixar de cumprir qualquer dos deveres ou regras de conduta impostos, ou não corresponder ao plano de reinserção, pode o tribunal:

a) Fazer uma solene advertência;

b) Exigir garantias de cumprimento das obrigações que condicionam a suspensão;

c) Impor novos deveres ou regras de conduta, ou introduzir exigências acrescidas no plano de reinserção;

d) Prorrogar o período de suspensão até metade do prazo inicialmente fixado, mas não por menos de um ano nem por forma a exceder o prazo máximo de suspensão previsto no n.º 5 do artigo 50.º.”

*

Por seu turno a revogação da suspensão encontra-se regulada no artigo 56º do CPP, que dispõe da seguinte forma:

“Artigo 56.º

Revogação da suspensão

1 - A suspensão da execução da pena de prisão é revogada sempre que, no seu decurso, o condenado:

a) Infringir grosseira ou repetidamente os deveres ou regras de conduta impostos ou o plano de reinserção social; ou

b) Cometer crime pelo qual venha a ser condenado, e revelar que as finalidades que estavam na base da suspensão não puderam, por meio dela, ser alcançadas.

2 - A revogação determina o cumprimento da pena de prisão fixada na sentença, sem que o condenado possa exigir a restituição de prestações que haja efetuado.”

* Dogmaticamente, a suspensão da execução da pena de prisão assume a natureza de uma verdadeira pena – uma pena de substituição, aplicada em vez da execução da uma pena principal concretamente determinada – necessariamente valorada à luz dos critérios gerais de determinação da pena concreta estabelecidos pelo artigo 71.º do CP. (1)

A suspensão da execução da pena de prisão assentará sempre na existência de uma prognose favorável ao arguido e só deverá ser decretada quando o tribunal concluir, em face da personalidade do agente, das condições da sua vida e das demais circunstâncias elencadas no artigo 50º do CP, ser essa pena adequada e suficiente para afastar o delinquente da criminalidade. Constitui uma advertência solene ao condenado, visando produzir um efeito positivo sobre o seu comportamento futuro, em benefício da sua reintegração social. Verificados os dois pressupostos básicos da sua aplicação – o de natureza formal, que se traduz na aplicação de uma pena de prisão não superior a cinco anos e o de natureza material, consubstanciado na formulação de um juízo de prognose favorável acerca da ressocialização do arguido em liberdade – a opção pela suspensão da execução da pena de prisão assentará sempre num risco prudencial sobre a personalidade do arguido, sobre as condições da sua vida, sobre a sua conduta anterior e posterior à prática do crime e sobre as circunstâncias deste, revelando-se imperioso concluir que a simples censura do facto e a ameaça da execução da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.

Para além das exigências de prevenção especial, deverá ainda o julgador ter presentes as de prevenção geral. Enquadrado pelo princípio consagrado no artigo 40.º, nº1 do CP, o juízo final a realizar exige que se conclua que a suspensão da execução da pena não comprometerá a manutenção da confiança da comunidade na ordem jurídica e, em particular, na norma penal que foi violada. A este propósito, nos seus “Estudos em Homenagem ao Professor Eduardo Correia”, refere Anabela Rodrigues “(…) quanto à prevenção geral, resulta do facto de nenhum ordenamento jurídico suportar pôr-se a si próprio em causa, sob pena de deixar de existir enquanto tal. A sociedade tolera uma certa perda do efeito preventivo geral - isto é, conforma-se com a aplicação de uma pena de substituição, mas, quando a sua aplicação possa ser entendida pela sociedade, no caso concreto, como uma injustificada indulgência e prova de fraqueza face ao crime, quaisquer razões de prevenção especial que aconselhassem a substituição cedem, devendo aplicar-se a prisão”. Atendendo a que a suspensão da pena visa prosseguir primordialmente o fim da ressocialização e da reintegração do agente na comunidade, a mesma pode ser aplicada com sujeição: - Aos deveres especiais previstos no artigo 51.º CP, com vista a reparar o mal causado com a prática do crime; - Ao cumprimento das regras de conduta de conteúdo positivo previstas no artigo 52.º do CP; - Ou a um regime de prova, nos termos previstos nos artigos 53.º e 54.º do CP, que se caracteriza pela existência de um plano individual de reinserção elaborado pelos serviços técnicos de reinserção social, com vista à prevenção especial de socialização do condenado, plano que é executado com a vigilância e o apoio de tais serviços. Os deveres e as regras de conduta impostas com a aplicação da suspensão da pena de prisão podem ser modificados até ao termo do período de suspensão caso ocorram circunstâncias que justifiquem tal alteração, em conformidade com o disposto nos artigos 51.º, nº 3 e 52.º, nº 4 do CP. À falta de cumprimento das condições da suspensão são, regra geral, assacadas as consequências previstas no artigo 55.º do CP que acima transcrevemos, que se traduzem numa solene advertência (al. a)), no reforço de garantias (al. b)), na imposição de novos deveres ou regras de conduta (al. c)) ou na prorrogação do período de suspensão (al. d)). Por seu turno, a revogação da suspensão só poderá vir a ser determinada nas situações previstas no artigo 56º do CP acima transcrito, ou seja: - Caso se verifique infração grosseira ou repetida dos deveres ou regras de conduta impostos ou do plano de reinserção social; (al. a)) ou - Caso o condenado cometa crime pelo qual venha a ser condenado, e revelar que as finalidades que estavam na base da suspensão não puderam, por meio dela, ser alcançadas (al. b)).

*

Tendo presentes as considerações de natureza jurídica que antecedem, importa ponderar se a factualidade dada como provada na decisão recorrida – no que tange à total falta de colaboração para a elaboração do plano de reinserção cujo cumprimento lhe foi imposto como condição da suspensão – suporta a revogação da suspensão da execução da pena de prisão conforme determinado pelo tribunal “a quo”.

Desde já adiantamos que, em nosso entender, a decisão sindicada se encontra absolutamente justificada.

Vejamos.

Tal como a decisão recorrida parcialmente consagra e conforme resulta dos autos, releva para a questão em análise, a seguinte factualidade:

- Por sentença transitada em julgado a 18.05.2022 a arguida foi condenada na pena de 14 meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de 2 anos, com regime de prova assente num plano de reinserção social elaborado e vigiado pelos serviços da DGRSP, devendo a condenada comparecer nas instalações da DGRSP sempre que fosse solicitada a sua presença, nos termos previstos nos artigos 53.º e 54.º do Cód. Penal.

- Resulta da informação da DGRSP, concretamente prestada em 26.10.2022 que a condenada inviabilizou a elaboração do Plano de Reinserção Social, em virtude de não ter comparecido às entrevistas que lhe foram sendo sucessivamente agendadas, nem ter atendido às tentativas de contacto pessoal, na sua morada – sendo esta a morada constante do TIR – para tal efeito.

- Em 09.01.2023, na sequência da promoção do Ministério Público no sentido da revogação da suspensão e após ter sido designada data para audição da condenada nos termos do artigo 495.º, nº 2 do CPP, foi lavrado o auto de tal diligencia do qual resulta não ter aquela comparecido apesar de se encontrar comprovada a sua notificação através da prova de depósito junta aos autos em 28.11.2022.

- Na nova data designada para o efeito, 24.01.2023, encontrando-se novamente notificada, conforme se atesta pela prova de depósito junta aos autos em 20.01.2023, a condenada voltou a não comparecer, sendo certo que os mandados que haviam sido emitidos para garantir a sua comparência não foram cumpridos, tendo sido devolvidos com a informação de que hão havia sido possível localizá-la.

- Em nenhuma de tais ocasiões a condenada justificou as suas faltas.

- Em 30.01.2023 o Ministério Público promoveu a revogação da suspensão da execução da pena prisão, nos termos do disposto no artigo 56º, n.º 1, alínea a) do CP.

- Tal tomada de posição foi notificada à condenada, o que foi feito também na pessoa da sua defensora, que nada contrapôs no prazo legal.

- Em 28.02.2023 foi proferida a decisão recorrida que procedeu à revogação da suspensão da execução da pena de prisão que à arguida havia sido aplicada nos presentes autos.

*

Constatamos assim que, ao contrário do que a condenada faz crer no seu recurso, a mesma não só incumpriu ostensiva e reiteradamente o seu dever de cooperação com a DGRS, tendo inviabilizado totalmente a elaboração do Plano de Reinserção Social, como não se preocupou, de todo, em vir aos autos justificar quer tal falta de cooperação, quer as suas faltas às diligências judiciais agendadas. Com efeito, tendo sido condenada em abril de 2022, nunca a condenada recebeu as notificações da DGRS que lhe foram enviadas para a morada no TIR, nem tão pouco atendeu os técnicos que aí se dirigiram para a contactar pessoalmente, conforme expressamente tal entidade consignou na informação enviada aos autos em 26.10.2022. Acresce que, também notificada por duas vezes na referida morada para comparecer em tribunal a fim de ser ouvida sobre os seus incumprimentos, não só nunca compareceu, como não enviou qualquer tipo de justificação para as suas faltas. A mais disso, não foi possível cumprir os mandados enviados para garantir a sua comparência em tribunal em virtude de a autoridade policial não ter conseguido localizá-la.

E nem se diga, como diz a recorrente, que:

“(…) Face ao problema de saúde da Arguida, que a DGRSP fez constar do Relatório Social, pode equacionar‐se a possibilidade de a mesma ter piorado, ter estado hospitalizada e fora da sua residência, ter necessitado de se ausentar da habitação propriedade do IHRU e Almada, para junto de algum familiar, para receber apoio a nível da saúde.

Contudo, o Tribunal recorrido não teve a menor preocupação em apurar tal factualidade, decorrente do estado de saúde da Arguida, limitando‐se, sem mais, e sem esgotar as possibilidades legais, a revogar a pena suspensa em que foi condenada! (…)”

Não subscrevemos, de todo, tal entendimento. Efetivamente, a circunstância de a condenada, à data da elaboração do relatório social realizado antes da audiência de julgamento, concretamente em 14.03.2022, se encontrar a vivenciar “um quadro de acentuada fragilidade física e emocional decorrente de problema oncológico” conforme se fez constar de tal relatório, não se revela impeditiva do cumprimento da diligência mínima que lhe era exigível para viabilizar o cumprimento da sanção que lhe havia sido imposta. Compreendemos que a recorrente tenha vivenciado situações graves na sua vida pessoal – não só de saúde, como também económicas e familiares – que poderão explicar uma atitude menos proativa no que tange aos contactos com a DGRS, mas já não podemos aceitar tais situações como justificadoras da inviabilização total de tais contactos e, menos ainda, das ausências às diligências judiciais desacompanhadas de qualquer tipo de explicação. Não podemos, ademais, olvidar que a condenada se encontra representada nos autos pela sua defensora, não tendo esta em nenhum momento apresentado qualquer tipo de requerimento para justificar a postura daquela, nem tão pouco se tendo pronunciado sobre a promoção do Ministério Público no sentido da revogação da suspensão da execução da pena de prisão quando para tal efeito foi notificada.

Não procede igualmente, a nosso ver, o argumento apresentado no recurso atinente à forma de notificação da sentença condenatória à recorrente, pois que, não obstante tal notificação ter sido efetuada pela autoridade policial – o que sucedeu face à ausência da arguida na audiência de julgamento – o certo é que se encontra atestado ter-lhe sido entregue uma cópia da sentença na qual se encontra explicitada o teor da condenação e os deveres da mesma decorrentes. E nem se avente, como se faz no recurso, que a baixa escolaridade da condenada a teria impedido de perceber e interiorizar os deveres a que ficou adstrita com a condenação. Na verdade, para além de o texto da sentença condenatória se revelar perfeitamente explícito e claro, afigurando-se-nos a sua compreensão perfeitamente ao alcance de um destinatário com o 6º ano de escolaridade, como tinha a arguida, não podemos ainda olvidar que aquela havia já sido alvo de outras sentenças condenatórias, incluindo numa condenação em pena de prisão suspensa na sua execução que, tal como a dos autos, acabou por ser revogada por falta de colaboração da condenada com a DGRSP e consequente falta de cumprimento dos deveres impostos (conforme se atesta pela leitura da leitura da sentença condenatória e do Relatório da DGRS de 14.03.2022). A mais de tudo isto, não esqueçamos ainda que sempre a arguida dispôs do apoio jurídico da sua defensora para lhe explicar o teor da condenação e, bem assim, caso a mesma revelasse dúvidas, as consequências que poderiam advir de um eventual incumprimento da condição imposta.

Conforme bem sinaliza a decisão recorrida, “(…) a arguida supra id. tem adotado uma conduta – prolongada no tempo - de perfeita indiferença à decisão proferida nos autos, desprezando os seus respectivos e competentes efeitos (…)”.

Não vemos, pois, como não qualificar a atitude da recorrente como voluntária e culposamente desrespeitadora dos deveres de colaboração associados à suspensão da execução da pena de prisão que lhe haviam sido impostos pela sentença condenatória e reveladora de total desinteresse pelo seu cumprimento.

Não subscrevemos, de todo a alegação da recorrente no sentido de que:

“(...)o Tribunal não esgotou todas as possibilidades, como era seu dever, de tentar localizar a Arguida, por forma a assegurar a sua comparência em Tribunal, para que se conseguisse apurar quais as razões que terão estado na origem do seu incumprimento. Nomeadamente, para poder apurar se estaríamos perante um incumprimento efetivamente doloso, ou meramente, negligente.

O Tribunal sempre deveria, oficiosamente, ter efectuado diligências adicionais – para além de apenas se ter limitado a mandar emitir mandados de detenção para assegurar a comparência da Arguida em juízo.

Caberia ao Tribunal recorrido, ordenar que fossem oficiadas uma série de entidades, previamente à revogação da pena suspensa em que a Arguida foi condenada.

Estando em causa direitos, liberdades e garantias da Arguida, nomeadamente, a aplicação ou não de uma pena privativa da sua liberdade, por força dos principios da legalidade e da oficiosidade, o Tribunal recorrido tinha o dever, de mandar oficiar determinadas entidades, a fim de tentar apurar o paradeiro da Arguida, para oportuna comparência da mesma em Tribunal.

O Tribunal deveria ter mandado oficiar a Segurança Social e a Autoridade Tributária, para averiguar se a Arguida tinha outra(s) morada(s), para além da que fez constar do T.I. R. prestado. O que não foi feito.

Mais poderia ter mandado oficiar as principais empresas de telecomunicações e de fornecimento de electricidade, a fim de apurar se a Arguida possuía algum contrato em seu nome e em que morada. O que também não fez.

O Tribunal sempre poderia ter mandado oficiar o Serviço Nacional de Saúde (S.N.S.), a fim de apurar qual a morada da Arguida constante da base de dados – o que também não foi feito. (…)”.

*

Não temos dúvidas em qualificar tal argumentação como absolutamente desrazoável.

Teria efetivamente o tribunal a obrigação de oficiar a todas as entidades enumeradas no excerto transcrito com vista a apurar o paradeiro da condenada, quando é certo que a mesma prestou TIR na morada na qual foi várias vezes notificada?! Obviamente que não. A recorrente parece querer inverter as posições no que diz respeito aos deveres de diligência que invoca no recurso, parecendo esquecer que, tendo prestado TIR, se encontra sujeita às obrigações que no mesmo se consignaram, entre as quais se inclui a de não mudar de residência sem comunicar a nova morada onde possa ser encontrada. Com efeito, preceitua a este propósito o artigo 196º do CPP que:

“Artigo 196.º

Termo de identidade e residência

(…)2 - Para o efeito de ser notificado mediante via postal simples, nos termos da alínea c) do n.º 1 do artigo 113.º, o arguido indica a sua residência, o local de trabalho ou outro domicílio à sua escolha.

3 - Do termo deve constar que àquele foi dado conhecimento:

a) Da obrigação de comparecer perante a autoridade competente ou de se manter à disposição dela sempre que a lei o obrigar ou para tal for devidamente notificado;

b) Da obrigação de não mudar de residência nem dela se ausentar por mais de cinco dias sem comunicar a nova residência ou o lugar onde possa ser encontrado;

c) De que as posteriores notificações serão feitas por via postal simples para a morada indicada no n.º 2, excepto se o arguido comunicar uma outra, através de requerimento entregue ou remetido por via postal registada à secretaria onde os autos se encontrem a correr nesse momento;

d) De que o incumprimento do disposto nas alíneas anteriores legitima a sua representação por defensor em todos os actos processuais nos quais tenha o direito ou o dever de estar presente e bem assim a realização da audiência na sua ausência, nos termos do artigo 333.º

e) De que, em caso de condenação, o termo de identidade e residência só se extinguirá com a extinção da pena.(…)”

Ao invés, entendemos que o Tribunal cumpriu totalmente o dever de diligência a seu cargo, pois que não só procedeu à notificação da condenada para ser ouvida sobre os seus incumprimentos – o que fez por duas vezes na morada do TIR – como emitiu mandados para garantir a sua comparência, como ainda notificou sempre a sua defensora, podendo esta ter apresentado justificação para as atitudes de incumprimento e de alheamento daquela, o que apenas veio a fazer em sede de recurso.

A mais disso, diremos ainda que, caso a condenada tivesse sentido qualquer dificuldade, decorrente do período difícil da sua vida pessoal, em manter os contactos, quer com a DGRS, quer com o tribunal, sempre poderia ter vindo aos autos fornecer tal informação e justificar as suas ausências. Mas não o fez. Não o fez no período inicial da suspensão e continuou sem o fazer após ter sido notificada para ser ouvida pessoalmente, tendo manifestado uma total indiferença pelo cumprimento da condição, claramente reveladora da sua atitude de absoluto desrespeito pela decisão do tribunal.

Entendemos, pois, que a factualidade acima descrita demonstra à saciedade encontrar-se inevitavelmente prejudicado o juízo de prognose favorável que havia sido firmado na sentença condenatória que decidiu aplicar a pena de substituição de suspensão da execução da pena de prisão, sendo que a argumentação expendia no recurso se nos afigura absolutamente destituída de razoabilidade por se revelar desfasada da realidade da atuação da condenada que os autos patenteiam.

Com efeito, de forma alguma poderá sustentar-se – como sustenta a condenada nas suas alegações de recurso – que “(…) com a Decisão de revogação da suspensão da pena, foi violado o disposto nos Arts. 495.º n.ºs 1 e 2 do C.P.P. e Art. 56.º, n.º 1 do C.P. (…)”. A simples leitura da decisão desmente totalmente tal alegação, permitindo, ao invés, constatar que o Tribunal aí consignou expressamente as razões que o determinaram a considerar que as finalidades que estavam na base da suspensão não lograram alcançar-se. E fê-lo de forma absolutamente explícita, deixando muito clara a subsunção que efetuou da realidade dos autos aos critérios legais determinantes da revogação da suspensão acima enunciados.

Foi o comportamento global da condenada desenvolvido no período da suspensão – que, para além de não ter viabilizado a elaboração do Plano de Reinserção Social, nunca justificou nos autos a sua conduta incumpridora, revelando uma atitude de total desinteresse e de profundo desprezo pela decisão condenatória – que não deixou ao tribunal a quo margem para qualquer outra decisão. Resulta, assim, para nós indiscutível que, tal como decidido na 1º instância, o aludido comportamento da condenada se mostra totalmente inconciliável com as finalidades que estiveram na base da suspensão, revelando com ostensiva evidência que a ameaça da prisão não foi suficiente para a afastar da criminalidade e para a reintegrar na comunidade.

Estamos, aliás, convictos, que a mesma comunidade que, através do Tribunal, depositou na arguida a confiança suficiente para fundamentar a suspensão da execução da pena de prisão, não compreenderia que, perante a grosseira violação de tal confiança espelhada nos comportamentos da condenada, não se fizessem ceder as razões de prevenção especial subjacentes à suspensão e não se determinasse o cumprimento da prisão. E foi isso mesmo que fez o tribunal “a quo” na decisão recorrida, ao ter decidido revogar a suspensão da execução da pena de prisão aplicada nos autos, determinando o seu cumprimento efetivo, por ter considerado que o comportamento da condenada é revelador de uma prognose negativa sobre a manutenção de tal suspensão.

A decisão recorrida realizou, a nosso ver, uma correta e equilibrada ponderação de todas as circunstâncias relevantes, encontrando-se absolutamente sustentada a conclusão de

que, in casu, não é possível manter a suspensão da execução da pena de prisão aplicada à recorrente, tendo sido respeitados os critérios definidos no artigo 56.º, nº 1, alínea a) do CP. Concluímos assim que o juízo realizado pelo tribunal a quo é bem fundado e não merece reparo, pelo que o recurso deverá improceder.

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III- Dispositivo.

Por tudo o exposto e considerando a fundamentação acima consignada, acordam os Juízes na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora em negar provimento ao recurso e, consequentemente, em confirmar a decisão recorrida.

Custas pela recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 3 UC. (art.º 513.º, n.º 1 do CPP e art.º 8.º, n.º 9 / Tabela III do Regulamento das Custas Processuais)

(Processado em computador pela relatora e revisto integralmente pelos signatários)

Évora, 12 de setembro de 2023

Maria Clara Figueiredo

António Condesso

Nuno Garcia

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1 A este propósito, encontramos referências várias na doutrina, tais como, Jorge de Figueiredo Dias, Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime, Aequitas – Editorial Notícias, 1993, pp. 90-91; Maria João Antunes, Penas e Medidas de Segurança, Almedina, 2020, pp. 30 e Germano Marques da Silva, Direito Processual Penal Português, vol. III, Universidade Católica Editora, 2014, pp. 295 e na jurisprudência – Acórdão do TRÉvora, de 16 de junho de 2015, relatado pelo Desembargador Clemente Lima; Acórdão do TRCoimbra, de 5 de abril de 2017, relatado pela Desembargadora Olga Maurício; Decisão Sumária do TRÉvora, de 20 de Fevereiro de 2019, relatado pela Desembargadora Ana Brito; Acórdão do TRLisboa, de 12 de Janeiro de 2021, relatado pelo Desembargador Paulo Barreto, todos disponíveis em www.dgsi.pt.