Acórdão do Tribunal da Relação de Évora | |||
Processo: |
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Relator: | MARIA ADELAIDE DOMINGOS | ||
Descritores: | PRAZO DO RECURSO IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO REJEIÇÃO PRESUNÇÃO REGISTRAL DOMÍNIO PÚBLICO ESTRADAS USUCAPIÃO ÓNUS DE ALEGAÇÃO E PROVA | ||
Data do Acordão: | 07/12/2023 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Sumário: | I. Aplica-se a extensão do prazo de 10 dias previsto no artigo 638.º, n.º 7 do CPC, à interposição do recurso que impugna a decisão de facto, tendo havido gravação da prova e visando a impugnação a reapreciação da mesma, ainda que, em concreto, se venha a verificar que o recorrente não acatou os ónus previstos no artigo 640.º do CPC. II. O deficiente cumprimento dos ónus previstos no artigo 640.º do CPC, não determina um convite ao aperfeiçoamento, mas sim a imediata rejeição do recurso, no todo ou em parte, conforme a parte afetada. III. Se os impugnantes se limitam a transcrever os depoimentos ou partes deles (não sendo tal procedimento sequer obrigatório - cfr. artigo 640.º, n.º 2, alínea a), in fine, do CPC), sem indicarem em concreto as passagens em que fundam a impugnação (o que é exigido pela lei), limitando-se a referenciar, de quando em vez, sem se perceber o critério que preside a tal menção, os minutos da gravação, cumprem apenas formalmente o requisito legal previsto no artigo 640.º, n.º1, alínea b) e n.º 2 do CPC, o que determina a rejeição da impugnação da decisão de facto. IV. A presunção prevista no artigo 7.º do Código de Registo Predial, dado o caráter não constitutivo do mesmo, não abrange as áreas e confrontações dos imóveis, e pode ser ilidida por prova em contrário. V. As estradas enquanto bens do domínio público estão fora do comércio jurídico e, consequentemente, não são passíveis de apropriação individual por via das regras da usucapião. VI. Não tendo os Autores provado os atos possessórios de molde a ficarem demonstrados os pressupostos da usucapião, sobre um determinado bem (forno, alpendre e área adjacente) construído há mais de 50 anos por várias pessoas de uma localidade para nele confecionarem pão e outros alimentos, improcede o pedido de reconhecimento do direito de propriedade dos Autores sobre tal bem. (Sumário elaborado pela Relatora) | ||
Decisão Texto Integral: | Acordam na 1.ª Secção do Tribunal da Relação de Évora I – RELATÓRIO AA, e mulher, BB, intentaram ação declarativa de condenação, sob a forma de processo comum, contra MUNICÍPIO DE ALMODÔVAR, formulando os seguintes pedidos: « 1- Ser declarado que os AA. são donos e legítimos proprietários e estão na posse do prédio urbano destinado a habitação, sito no Lugar de Moinhos de Vento, composto de Rés-do-chão e quintal, inscrito na matriz predial urbana sob o artigo … da união de freguesia de Santa Clara-a-Nova e Gomes Aires, extinta freguesia de Santa Clara-a-Nova e descrito na Conservatória do registo Predial de Albufeira sob o nº … e registado a favor dos AA., com área total de 80 m2, área coberta de 60 m2 e área descoberta de 20 m2, que confronta a norte, nascente e poente com a via pública e a sul com BB – cfr. doc. 1 e 2; e do prédio Urbano destinado habitação, sito no lugar de Moinhos de Vento, composto por morada de casas de ré-do-chão, destinada a habitação, inscrito na matriz predial urbana de Almodôvar sob o … da união de freguesia de Santa Clara-a-Nova e Gomes Aires, extinta freguesia de Santa Clara-a-Nova e descrito na Conservatória do registo Predial de Almodôvar sob o nº … e registado a favor dos AA. (onde foram anexados os prédios n.ºs …/20000830 e …/20070328, ambos da identificada freguesia), com área total de 184 m2, área coberta de 101 m2 e área descoberta de 83 m2, que confronta a poente com a via pública, a nascente com Azinhaga – cfr. doc. 3 e 4. 2- Caso assim se não entenda, ser declarado que os AA. são donos e legítimos proprietários e estão na posse do prédio de forma continuada e ininterrupta, declarando-se assim que os mesmos adquiriram o referido direito pela via originária da prescrição aquisitiva, ou usucapião. Em qualquer dos casos, 3- Ser o Réu Município condenado a reconhecer o direito de propriedade dos AA. sobre os prédios identificados em 1 deste pedido, com as áreas, confrontações indicadas incluído forno e muros existentes nos referidos prédios. 4- Ser o Réu Município condenado a abster-se da prática de quaisquer atos que lesem o direito de propriedade dos AA. sobre os prédios identificados em 1 deste pedido ou que de qualquer modo impeçam o seu pleno exercício. 5- Ser o R. condenado a indemnizar o A. na quantia de €2.500.00, a título de danos não patrimoniais.» Alegaram para o efeito, e em síntese, que são os legítimos proprietários dos imoveis melhor descritos na petição inicial, com as áreas que constam das certidões de registo predial melhor identificadas nesse articulado e que se vêm constante e ilegalmente impedidos de realizar obras de conservação nos muros, forno e logradouros pelo Réu que se arroga dono de parte das referidas propriedades, designadamente daquela que engloba um forno que o Réu diz ser de natureza comunitária. O Réu contestou, e no que ora releva, alegou, em suma, que o forno comunitário foi construído e mantido pelo Município desde há mais de 50 anos para fruição da população da localidade de Moinhos de Vento e que, tendo em conta a natureza pública dos imóveis em causa, estes são insuscetíveis de apropriação. Deduziu ainda pedido reconvencional nos seguintes termos: « C) ser o R declarado único proprietário e detentor da parcelas que devem ser consideradas integrantes do domínio público municipal, com a área de 20m2, correspondente e integrante de via/arruamento público, atualmente indevidamente inscrita no prédio descrito sob o n.º …, freguesia de santa Clara-a-nova, da crp de Almodôvar, e da parcela com a área de 80,40m2, correspondente ao forno comunitário, alpendre e área adjacente, indevidamente inscrita no prédio descrito sob o n.º…, freguesia de Santa Clara-a-Nova, da CRP de Almodôvar; D) sendo ainda declarados nulos e totalmente ineficazes os averbamentos e as inscrições promovidas pelos aa. junto da competente conservatória do registo predial de Almodôvar com vista à inclusão da área de 20m2 no prédio descrito sob o n.º …, freguesia de santa Clara-a-Nova, da CRP de Almodôvar, e com vista à inclusão da área de 80,40m2 no prédio descrito sob o n.º …, freguesia de santa Clara-a-Nova, da CRP de Almodôvar». Foi realizada perícia colegial cujo Relatório Pericial se encontra junto aos autos a fls. 63-74v. Após ter sido realizado o julgamento, foi proferida sentença que decidiu do seguinte modo: «a) Julgar a ação intentada pelos AA. AA e BB totalmente improcedente, por não provada, e absolver o Réu MUNICÍPIO DE ALMODÔVAR de todos os pedidos contra si deduzidos. b) Julgar o primeiro pedido reconvencional deduzido pelo Réu Município de Almodôvar procedente, por provado, e, em consequência declarar o mesmo proprietário das parcelas que devem ser consideradas integrantes do domínio público municipal, referentes à área de 20m2, correspondente e integrante de via pública, atualmente inscrita no prédio urbano destinado a habitação, sito no Lugar de Moinhos de Vento, composto de Rés-do-chão e quintal, inscrito na matriz predial urbana sob o artigo n.º … da união de freguesia de Santa Clara-a-Nova e Gomes Aires, extinta freguesia de Santa Clara-a-Nova e descrito na Conservatória do registo Predial de Almodôvar sob o nº … e referente à área de 80,40m2, correspondente ao forno comunitário, alpendre e área adjacente do Prédio Urbano destinado a habitação, sito no lugar de Moinhos de Vento, composto por morada de casas de ré-do-chão, inscrito na matriz predial urbana de Almodôvar sob o n.º … da união de freguesia de Santa Clara-a-Nova e Gomes Aires, extinta freguesia de Santa Clara-a-Nova e descrito na Conservatória do registo Predial de Almodôvar sob o nº …. c) Julgar improcedente o segundo pedido reconvencional deduzido pelo Réu e não declarar nulos os averbamentos e inscrições promovidos pelos AA. relativamente à inscrição das áreas supra referidas nos prédios n.º … da Conservatória de Registo Predial de Albufeira e n.º … da Conservatória de Registo Predial de Almodôvar.» Inconformados, os Autores interpuseram recurso de apelação apresentando as seguintes CONCLUSÕES: «(…) 3. O Tribunal a quo julgou a ação totalmente improcedente e o pedido reconvencional deduzido pelo R. parcialmente procedente. 4. Porém, entendem os Recorrentes que existe uma notória contraditoriedade da factualidade dada como provada e como não provada em função da prova produzida (documental e testemunhal), em clara violação do princípio da livre apreciação da prova atenta a clara confusão do julgador com a sua íntima convicção, por erro de julgamento na interpretação dos factos. 5. Bem como uma incorreta aplicação do direito quanto à reivindicação da propriedade pelos Recorrentes e pelo R. relativamente às parcelas de terreno de 80,40m2, correspondente ao forno comunitário, alpendre e área adjacente, inscrita no prédio descrito sob o nº …, e a área de 20m2, inscrita no prédio nº …. 6. Salvo o devido respeito, consideram os Recorrentes que os FACTOS PROVADOS números 2, 3, 5, 6 e 7, bem como todos os FACTOS NÃO PROVADOS foram erradamente apreciados, face à prova produzida em audiência de julgamento (tanto pela conjugação dos depoimentos prestados como pela conjugação dos documentos juntos pelas partes). 7. Atendendo a toda a prova produzida, não podem os Recorrentes aceitar as conclusões do Tribunal a quo, pois as mesmas são contrárias à prova produzida em audiência de discussão e julgamento e bem assim, à prova documental junta aos autos, reveladora de uma clara violação do princípio da livre apreciação da prova, atenta a clara confusão do julgador com a sua íntima convicção. 8. Desde logo, porque o Tribunal a quo, releve-se, sem qualquer justificação para tal, parte do princípio de que as testemunhas arroladas pelos Recorrentes (mesmo após declararem a sua razão de ciência e conhecimento dos factos) não merecem credibilidade pelo facto de serem seus familiares, afirmando, até, que o depoimento das mesmas se mostrou comprometido e com um discurso supostamente preparado no sentido de dizer que tinha sido o seu avô quem tinha construído o forno para seu uso e da sua família e que só com a autorização da família da Recorrente BB é que os vizinhos podiam usar o forno. 9. Porém, a verdade é que o Tribunal a quo, além da referência aos laços familiares, não é capaz de concretizar, sequer fazer referência, a eventuais factos que levaram a concluir que o depoimento daquelas testemunhas não se mostrou espontâneo e isento. 10. Por outro lado, parte do princípio aquele Tribunal de que as testemunhas arroladas pelo R., seus anteriores e atuais funcionários, bem como testemunhas que assumidamente se encontram de “relações cortadas” com os Recorrentes pela circunstância de não aceitarem que estes sejam proprietários do forno em crise nos autos (portanto, com interesse direto no desfecho da causa), merecem credibilidade quando vêm defender ipsis verbis a posição do R. plasmada nas peças processuais. 11. Assim, o que se pretende dizer é que inexiste qualquer razão no fundamento para descredibilizar as testemunhas dos Recorrentes que têm conhecimento e intervenção direta nos factos, valorizando, por outro lado, inexplicavelmente o testemunho de pessoas que assumidamente se encontram de “relações cortadas” com os Recorrentes. 12. A sentença de que se recorre assenta, portanto, numa errada e superficial apreciação da prova, sem a devida valoração crítica. 13. Até porque, curiosamente, o Tribunal a quo igualmente não se socorre dos documentos juntos pelos Recorrentes e recorre, de forma parcial e descontextualizada, ao relatório pericial colegial que se encontra junto aos autos, esquecendo, porém, de referir que é o próprio relatório pericial colegial a admitir que as parcelas de terreno estão inseridas e correspondem aos artigos propriedade dos Recorrentes, e que o R. não foi capaz de juntar um qualquer documento que ateste a propriedade das parcelas de terreno em crise ou a realização de uma qualquer obra de construção e/ou melhoria do forno e alpendre propriedade dos Recorrentes. 14. Antes pelo contrário, mostra-se junto aos autos (cfr. doc. 1 junto com o requerimento probatório com a ref.ª 37284600) uma cópia certificada de informação (nº 187/GJA 2017) dos serviços do R. prestada no PA nº 180/GJA 2017 que atesta, além do mais, o seguinte: “(…) Acresce ainda que, das pesquisas à data efetuadas nos arquivos municipais, não foi encontrada qualquer evidência de que o forno em questão tivesse sido construído de raiz pelo Município de Almodôvar, ao contrário do que aconteceu com outras infraestruturas semelhantes, em que a aprovação do projeto, construção e afetação de pessoal era objeto de deliberação da Câmara Municipal (…)”. 15. O Tribunal a quo ignorou, sem qualquer justificação, as declarações das testemunhas arroladas pelos Recorrentes que afirmaram perentoriamente que tinha sido o seu avô quem tinha construído o forno para seu uso e da sua família e que só com a autorização da família é que os vizinhos podiam usar o forno, que identificaram claramente as delimitações dos prédios dos Recorrentes e que eram estes (e seus antepassados) quem executava todos os atos de manutenção e conservação daqueles prédios, forno e alpendre, que o R. nunca praticou um qualquer ato de posse sobre o forno e alpendre ali existente, declarações que deviam ter sido valoradas de forma crítica. 16. Ora, o princípio do inquisitório adquire plena eficácia, constituindo um poder-dever que se impõe ao juiz com vista ao apuramento da verdade material e à justa composição do litígio, sendo um poder-dever que cabe com particular acuidade ao juiz de 1ª instância. 17. Impunha-se, portanto, que o Tribunal a quo informasse o motivo pelo qual efetivamente não valorizou a globalidade dos depoimentos das testemunhas supra transcritos, uma vez que tais depoimentos não permitem razoavelmente comprovar que as parcelas de terreno em crise, bem como o forno e alpendre lá existentes, são do domínio público (que o Tribunal nem sequer qualificou como sendo domínio publico indisponível da autarquia – no caso apenas podíamos estar perante estrada), mas sim propriedade dos Recorrentes. 18. Atendendo à prova produzida, não restam dúvidas que os Recorrentes são donos e legítimos possuidores e proprietários dos prédios melhor identificados nos autos, bem como das parcelas em crise que ilegalmente foram consideradas do domínio público (sem que se perceba tal conclusão). 19. Sendo que a propriedade dos referidos prédios adveio aos Recorrentes por compra e venda (quanto ao …) e por sucessão hereditária e partilha (quanto …). 20. Direito de propriedade, esse, exercido pelos Recorrentes e anteriores proprietários, à vista de todos, nomeadamente à vista do R., sendo que os Recorrentes e os anteriores proprietários sempre se afirmaram e foram reputados por toda a gente (incluindo o R.) como proprietários dos referidos prédios, sem alguma vez se terem defrontado com a oposição de quem quer que seja. 21. O que acontece há mais de 15, 20, 30, 40, 50, 60, 70, 80 e 100 anos, continuada e ininterruptamente, à vista de todos e sem oposição de quem quer que seja, e, desde há mais de 15, 20, 30, 40, 50, 60, 70, 80 e 100 anos, ou seja, desde tempos imemoriais, que os referidos prédios dos Recorrentes são devidamente delimitados por muro, do qual estes e seus ante possuidores sempre cuidaram e zelaram (conservando-o através de restauro agora invocado pelo R. como nova construção). 22. Por isso, tal como referido expressamente pelas testemunhas supra citadas, a verdade é que a descrita situação se verifica há mais de 15, 20, 30, 40, 50, 60, 70, 80 e 100 anos, continuada e ininterruptamente, pelo que, e mais não fosse, também os Recorrente teriam adquirido o referido e identificado direito de propriedade pela via originária da prescrição aquisitiva, ou usucapião. 23. Assim, e ao contrário da douta sentença em crise, as testemunhas dos Recorrentes afirmaram expressamente que o forno existente no prédio dos Recorrentes foi construído há mais de 70 anos pelos avôs da Recorrente, sendo que o mesmo era essencialmente utilizado pela sua família, e que nunca aquele forno foi comunitário ou foi alvo qualquer obra de construção, conservação ou recuperação pelos serviços do R. Aliás, este nunca comparticipou com qualquer despesa de construção, conservação ou recuperação do referido forno, sendo certo que o mesmo (como bem refere a sentença proferida pelo Tribunal a quo) não é utilizado há dezenas de anos. 24. Consideram os Recorrentes que está suficientemente comprovada a matéria vertida nos seus articulados, no que toca à sua propriedade dos prédios e das parcelas de terreno em crise e das quais o R. ilegitimamente se arroga titular, bem como do forno e alpendre ali existentes e que foram construídos por seus antepassados. 25. Ao ignorar a prova produzida, o Tribunal a quo, e com influência na decisão final, convenceu-se de algo que não corresponde à verdade, pelo que os factos 2, 3, 5, 6 e 7 não podem constar da matéria dada como provada, implicando a sua substituição pela resposta de não provados, o que desde já se requer ao Tribunal ad quem! 26. Deve assim dar-se como NÃO PROVADO que: 2. Dos imóveis supra referidos faz parte um forno, construído em alvenaria de pedra, revestido de abóbada interior a tijolo refratário, soleira em mosaico cerâmico antigo, com respiro de fundo e chaminé na entrada do forno que foi construído por vários vizinhos da localidade de Moinhos de Vento, entre os quais o avô da Autora, BB há mais de 50 anos e que destinava a ser utilizado pela população de Moinhos de Vento na confeção de pão e de outros alimentos. 3. No alpendre de apoio ao forno mencionado em 2, encontra-se inscrita na fachada frontal a menção “CMA-1981”, sendo que os degraus que dão acesso a esse forno se encontram virados para a via pública. 5. O Município de Almodôvar realizou obras de remodelação no alpendre de apoio ao forno supra referido, tendo inscrito na sua fachada frontal “CMA-1981”. 6. O forno referido em 2. sempre foi visto pelos residentes da localidade de Moinhos de Vento, desde tempos imemoriais, como assumindo uma natureza comunitária, destinando-se a servir todos os habitantes daquela localidade que pretendessem confecionar alimentos no mesmo. 7. Integra o domínio público a área de 20 m2, correspondente e integrante de via pública que se encontra inscrita no prédio … e a parcela com a área de 80,40 m2, correspondente ao forno comunitário, alpendre e área adjacente, inscrita no prédio n.º …, a favor dos AA. 27. O inverso acontecendo com os factos não provados, devendo dar como PROVADO que: i) Os AA. sempre se afirmaram e foram reputados por toda a gente como proprietários dos prédios de todas as áreas descritas no ponto 1 dos factos provados, designadamente, por si ou por intermédio dos seus antecessores, desde tempos imemoriais – entre 15 a 100 anos - tendo limpado o tereno, cimentado o chão, colocado portões, cuidado das paredes e muros e requalificado os imóveis e logradouros, bem como plantaram árvores de frutos. ii) O forno foi construído pelo avô da A. BB e destinava-se a ser utilizado exclusivamente pela sua família, sendo que só devidamente autorizados os vizinhos podiam utilizar esse instrumento. iii) Os AA. são os legítimos proprietários da parcela de terreno com a área de 80,40m2, correspondente ao forno comunitário, alpendre e área adjacente, inscrita no prédio descrito sob o n. º…, freguesia de Santa Clara-a-Nova. iv) A parcela de terreno, correspondente à área de 20m2, correspondente e integrante de via/arruamento público, atualmente inscrita no prédio descrito sob o n.º …, melhor descrito no ponto 1 a) dos factos provados pertence aos AA. v) Que o Réu Município nunca tenha efetuado qualquer obra no forno referido no ponto 2. vi) Que a posição assumida pelo R. Município ao não permitir os AA. de realizar obras nas parcelas de terreno descritas em iii e iv) lhes tenha causado perturbações psicológicas e morais 28. Assim, e nos termos do artigo 640.º, nº 1, al. c) do CPC, atento tudo o que foi exposto, deverá o Tribunal ad quem, em oposição à sentença proferida pelo Tribunal a quo, proferir acórdão, no qual seja dado provimento à presente apelação, com a revogação da sentença em crise e, consequentemente, ser julgados totalmente procedentes, por provados, os pedidos formulados pelos Recorrentes quanto à propriedade do prédio urbano destinado a habitação, sito no Lugar de Moinhos de Vento, composto de Rés-do-chão e quintal, inscrito na matriz predial urbana sob o artigo … da união de freguesia de Santa Clara-a-Nova e Gomes Aires, extinta freguesia de Santa Clara-a-Nova e descrito na Conservatória do registo Predial de Albufeira sob o nº … e registado a favor dos AA., com área total de 80 m2, área coberta de 60 m2 e área descoberta de 20 m2, que confronta a norte, nascente e poente com a via pública e a sul com BB, bem como do prédio Urbano destinado habitação, sito no lugar de Moinhos de Vento, composto por morada de casas de ré-do-chão, destinada a habitação, inscrito na matriz predial urbana de Almodôvar sob o … da união de freguesia de Santa Clara-a-Nova e Gomes Aires, extinta freguesia de Santa Clara-a-Nova e descrito na Conservatória do registo Predial de Almodôvar sob o nº … e registado a favor dos AA. (onde foram anexados os prédios n.ºs …/20000830 e …/20070328, ambos da identificada freguesia), com área total de 184 m2, área coberta de 101 m2 e área descoberta de 83 m2, que confronta a poente com a via pública, a nascente com Azinhaga, bem como do forno e alpendre lá existentes. 29. O Tribunal a quo conclui erradamente, por via do seu erro de julgamento, que resulta numa distorção da realidade factual (error facti) e bem assim na aplicação do direito (error juris), ao considerar que a parcela de terreno correspondente a uma área de 20m2 do prédio nº … corresponde a via pública dos quais os Recorrentes alegadamente se apropriaram e que não é suscetível de ser usucapido, porque tal parcela de terreno constitui uma coisa fora do comércio jurídico corrente, atento o disposto no artigo 202.º nº 2 do CC, e que, por outro lado, os Recorrentes não lograram provar que praticaram de forma constante e ininterrupta atos possessórios sobre o forno e área adjacente, correspondente à parcela de 80,42m2 do prédio …. 30. Uma vez que a parcela de 20m2, relativa ao prédio nº …, não é uma via pública ou estrada, e o R. não fez prova da prática de qualquer ato possessório sobre a parcela de 80,40m2, relativa ao prédio nº …, antes pelo contrário, foram os Recorrentes (por si e pelos seus antepassados) quem lograram demonstram em sede de audiência de discussão e julgamento que sempre se arrogaram proprietários do forno, alpendre e área adjacente existente naquela parcela de terreno (toda ela ladeada por via publica – essa sim – domínio publico (como se pode verificar pela perícia junta aos autos onde delimita as parcelas dos AA. com a estrada).» Foi apresentada resposta ao recurso, defendendo o Apelado a inadmissibilidade do recurso por não ser aplicável o prazo adicional previsto no artigo 638.º, n.º 7, do CPC, e, de qualquer modo, a rejeição da impugnação da decisão de facto por não cumprimento dos requisitos do artigo 640.º do CPC, e, ainda, a improcedência do recurso quanto ao aspeto jurídico da causa. Foram colhidos os vistos. II- OBJETO DO RECURSO Delimitado o objeto do recurso pelas conclusões apresentadas, sem prejuízo das questões que sejam de conhecimento oficioso e daquelas cuja decisão fique prejudicada pela solução dada a outras (artigos 635.º, n.ºs 3 e 4, 639.º, n.º 1 e 608.º, n.º 2, do CPC), não estando o tribunal obrigado a apreciar todos os argumentos apresentados pelas partes para sustentar os seus pontos de vista, sendo o julgador livre na interpretação e aplicação do direito (artigo 5.º, n.º 3, do CPC), as questões a decidir no recurso são as seguintes: - Questão prévia: da tempestividade do recurso; Sendo tempestivo: - Impugnação da decisão de facto; - Mérito da sentença. III- OS FACTOS A 1.ª instância deu como provada a seguinte factualidade: FACTOS PROVADOS «1. A favor dos AA., encontram-se registados os seguintes prédios urbanos: a) - Prédio urbano destinado a habitação, sito no Lugar de Moinhos de Vento, composto de Rés-do-chão e quintal, inscrito na matriz predial urbana sob o artigo … da união de freguesia de Santa Clara-a-Nova e Gomes Aires, extinta freguesia de Santa Clara-a-Nova e descrito na Conservatória do registo Predial de Almodôvar sob o nº … , com área total de 80 m2, área coberta de 60 m2 e área descoberta de 20 m2, que confronta a norte, nascente e poente com a via pública e a sul com BB. b) - Prédio Urbano destinado habitação, sito no lugar de Moinhos de Vento, composto por morada de casas de ré-do-chão, destinada a habitação, inscrito na matriz predial urbana de Almodôvar sob o n.º … da união de freguesia de Santa Clara-a-Nova e Gomes Aires, extinta freguesia de Santa Clara-a-Nova e descrito na Conservatória do registo Predial de Almodôvar sob o nº …, com área total de 184 m2, área coberta de 101 m2 e área descoberta de 83 m2, que confronta a sul e poente com a via pública, a nascente com Azinhaga, tendo este prédio resultado da incorporação dos prédios descritos do sob o n.º … e do prédio com o n.º …, descritos na referida Conservatória e também situados na extinta freguesia de Santa Clara-a-Nova. 2. Dos imóveis supra referidos faz parte um forno, construído em alvenaria de pedra, revestido de abóbada interior a tijolo refratário, soleira em mosaico cerâmico antigo, com respiro de fundo e chaminé na entrada do forno que foi construído por vários vizinhos da localidade de Moinhos de Vento, entre os quais o avô da Autora, BB há mais de 50 anos e que destinava a ser utilizado pela população de Moinhos de Vento na confeção de pão e de outros alimentos. 3. No alpendre de apoio ao forno mencionado em 2, encontra-se inscrita na fachada frontal a menção “CMA-1981”, sendo que os degraus que dão acesso a esse forno se encontram virados para a via pública. 4. Há dezenas de anos que o forno referido em 2. e que se encontra localizado no prédio n.º …, melhor identificado na alínea b) do ponto 1 dos factos provados, não é utilizado pelos residentes da localidade de Moinhos de Vento. 5. O Município de Almodôvar realizou obras de remodelação no alpendre de apoio ao forno supra referido, tendo inscrito na sua fachada frontal “CMA-1981”. 6. O forno referido em 2. sempre foi visto pelos residentes da localidade de Moinhos de Vento, desde tempos imemoriais, como assumindo uma natureza comunitária, destinando-se a servir todos os habitantes daquela localidade que pretendessem confecionar alimentos no mesmo. 7. Integra o domínio público a área de 20 m2, correspondente e integrante de via pública que se encontra inscrita no prédio … e a parcela com a área de 80,40 m2, correspondente ao forno comunitário, alpendre e área adjacente, inscrita no prédio n.º …, a favor dos AA.» FACTOS NÃO PROVADOS «i) Os AA. sempre se afirmaram e foram reputados por toda a gente como proprietários dos prédios de todas as áreas descritas no ponto 1 dos factos provados, designadamente, por si ou por intermédio dos seus antecessores, desde tempos imemoriais – entre 15 a 100 anos - tendo limpado o tereno, cimentado o chão, colocado portões, cuidado das paredes e muros e requalificado os imóveis e logradouros, bem como plantaram árvores de frutos. ii) O forno foi construído pelo avô da A. BB e destinava-se a ser utilizado exclusivamente pela sua família, sendo que só devidamente autorizados os vizinhos podiam utilizar esse instrumento. iii) Os AA. são os legítimos proprietários da parcela de terreno com a área de 80,40m2, correspondente ao forno comunitário, alpendre e área adjacente, inscrita no prédio descrito sob o n. º…, freguesia de Santa Clara-a-Nova iv) A parcela de terreno, correspondente à área de 20m2, correspondente e integrante de via/arruamento público, atualmente inscrita no prédio descrito sob o n.º …, melhor descrito no ponto 1 a) dos factos provados pertence aos AA. v) Que o Réu Município nunca tenha efetuado qualquer obra no forno referido no ponto 2. vi) Que a posição assumida pelo R. Município ao não permitir os AA. de realizar obras nas parcelas de terreno descritas em iii e iv) lhes tenha causado perturbações psicológicas e morais.» IV- CONHECIMENTO DAS QUESTÕES COLOCADAS NO RECURSO 1. Questão prévia: da tempestividade do recurso Por razões de economia processual, justifica-se que seja nesta sede feita a apreciação da questão suscitada pelo Apelado quanto à inadmissibilidade do recurso por manifesta extemporaneidade, considerando a sua improcedência. Alega o Apelado: «(…) a impugnação da decisão sobre a matéria de facto, tal como foi formulada pelos Recorrentes, em violação do ónus de impugnação que se impunha a quem recorre à reapreciação da prova gravada ao abrigo do n.º 2 do art.º 640.º do CPC, não permite beneficiar do prazo adicional de 10 dias, mas apenas do prazo geral de 30 dias previsto no artigo 638.º, n.º 1 do CPC. Considerando que as partes foram notificadas da sentença recorrida a 15.11.2022, então o prazo de 30 dias atingiu o seu termo no dia 19.12.2022, o que significa que o recurso interposto pelo Recorrente no dia 11.01.2023 é manifestamente extemporâneo e, como tal, inadmissível, Conforme se requer seja declarado por V.Exa, indeferindo o requerimento de recurso apresentado pelo Recorrente nos termos e com fundamento na al. a) do n.º 2 do art.º 641.º do CPC. » Corresponde a jurisprudência que temos por largamente consensual a adotada no Ac. do STJ, de 28-04-2016[1], que apreciando a questão da extemporaneidade da interposição do recurso precisamente por razões similares às invocadas pelo Apelado, decidiu: |