Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
3211/16.3T8STR-B.E1
Relator: FRANCISCO MATOS
Descritores: JUNÇÃO DE DOCUMENTOS
REQUISITOS
Data do Acordão: 10/26/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário: I – Em regra, os documentos devem ser apresentados com o articulado em que se alegam os factos que visam comprovam e podem ser apresentados, com multa ou justificação, até 20 dias antes data em que se realize a audiência final; podem, todavia, ser apresentados até ao encerramento da discussão em 1.ª instância os documentos cuja apresentação não tenha sido possível no referido limite temporal, bem como aqueles cuja apresentação se tenha tornado necessária em virtude de ocorrência posterior.
II – A impossibilidade da junção de documentos pode resultar de causas objetivas ou subjetivas; objetivas nos casos em que a formação do documento é posterior ao termo do prazo para a sua apresentação - 20 dias antes da data em que se realize a audiência final; subjetivas nos casos em que o documento, não obstante de formação anterior ao referido limite temporal, só foi conhecido pela parte – ou esta só teve acesso a ele – em momento posterior.
III – Incumbe à parte que pretende oferecer o documento demonstrar a sua superveniência e, no caso de superveniência subjetiva, demonstrar que o desconhecimento do documento – ou a falta de acesso a ele – não é imputável a falta de negligência sua.
(Sumário do Relator)
Decisão Texto Integral: Proc. 3211/16.3T8STR-B.E1


Acordam na 2ª secção do Tribunal da Relação de Évora:

I. Relatório
1. O Ministério Público instaurou ação declarativa, com processo comum, contra Município ..., A..., Ldª e B..., Sociedade Unipessoal, Ldª.
Pediu: i) se declararem impugnados, para todos os efeitos legais, os factos justificados nas escrituras de justificação de posse outorgadas pela 1ª R. nos dias 27 de Agosto de 1987 e 27 de Maio de 1993, ambas no Cartório Privativo da Câmara Municipal ..., por a R. não ter adquirido os prédios nelas constantes por usucapião, nem estas escrituras serem legalmente admissíveis, devendo ser declaradas nulas nos termos do disposto nos artº 280º e 294º, ambos do C. Civil; ii) se declare a nulidade dos atos jurídicos subsequentes, designadamente do contrato de arrendamento relativo ao prédio rústico referente ao artº 1º da secção D-D4; iii) se declare que a 1ª R. não é proprietária dos terrenos que correspondem aos artº matriciais 73º da secção O, artº 7º da Secção D-D4 e artigos 18 e 22 da secção N, todos situados na área da ..., da freguesia ..., iv) se declare a natureza jurídica de terreno baldio das parcelas de terreno objeto das escrituras de usucapião referidas nos artº 1º, 15º e 16º deste articulado, bem dos terrenos inscritos matricialmente em nome da 1ª R. identificados no artº 29º deste articulado; v) se ordene à Conservatória do Registo Predial ... o cancelamento dos registos prediais efetuados pelos RR quanto à descrição ...18 e ap. ... de 2002/07.22 e ap. ...1, de 2008/02/26 e à descrição ...28, que corresponde à Ap. ... de 2008/02/11, com fundamento no artº 16º nº 3 do Código de Registo Predial.

2. Iniciada a audiência de discussão e julgamento, com a produção de prova e designado o dia 27 de fevereiro de 2023 para as alegações finais, veio o Ministério Público, em 6 de fevereiro de 2023, requerer a junção aos autos de cópia do “Reconhecimento dos Baldios do Continente (Vol. II – Parte II), com a indicação que no documento “se identifica a existência de Baldios do Distrito ..., designadamente nas freguesias de ... e ..., situados na ... e com uma área total de cerca 3600 hectares” e de duas cartas militares emitidas pelos Serviços Cartográficos do Exército, com a indicação de que “identificam o Perímetro Florestal da ...”.
Alegou: i) “Retira-se (…) dos documentos já juntos ao processo, acima referidos, que toda a zona identificada como perímetro florestal nos diversos mapas já juntos autos e também nas cartas militares cuja junção ora se requer, constituem, inegavelmente, baldios, reconhecidos por fonte oficial, designadamente governamental (…)”; ii) “(…) os documentos em apreço, que reforçam o teor dos demais já juntos aos autos, não só definem a existência de baldios na ... numa zona de cerca de 3 600 hectares, que abrange a quase totalidade da área em questão, como, relacionando com o mapa junto pelo Autor (…) permitem estabelecer a correlação entre estes terrenos submetidos a perímetro florestal, logo baldios, e os terrenos identificados pelo Autor na sua petição inicial, daí que o presente requerimento não seja, de todo impertinente”; iii) “E também não é intempestivo, pois que o Autor requereu a sua junção no dia em que o recebeu, não tendo conhecimento da existência daqueles documentos antes dessa data”; iv) Por despacho datado de 29.06.2022, foi admitido um documento, apresentado em julgamento por uma testemunha do Réu Município ..., que seria a cópia de um contrato de arrendamento celebrado por esse município (…) que dele já deveria ter conhecimento há muito (…)”, v) “Não obstante, pese embora também para o Autor a apresentação tardia se mostre uma perturbação, a verdade é que foi admitido, não se vendo a sua maior pertinência à ação do que a da documentação cuja junção ora se requer”; vi) “(…) apelando ao artº 1º do Código de Processo Civil, entendemos que não deve ser discutida a tempestividade da junção, dada a evidente pertinência dos documentos que nos foram presentes no próprio dia em que requeremos a sua junção, desconhecendo, anteriormente, a sua existência.”

3. A ré B..., Sociedade Unipessoal, Ldª, opôs-se a junção de documentos por extemporaneidade.

4. O requerimento mereceu o seguinte despacho:
O A. Ministério Público vem requerer a junção de dois documentos, referindo que se trata dos documentos acessíveis através do link indicado no ofício cuja junção foi requerida na sessão de julgamento de 23.11.2021, junção essa que foi objeto de despacho de indeferimento, confirmado pelo Tribunal de Relação de Évora.
Para além do inusitado, a junção do documento requerida torna-se incompreensível face ao tempo decorrido e ao resultado do recurso, ignorando as mais elementares regras processuais.
Na fase em que o processo se encontra, a junção requerida não respeita o disposto no artº 423º CPC. O documento que o Ministério Público pretende juntar ao processo é inequivocamente extemporâneo e a fundamentação para a sua junção neste momento não tem qualquer sustentação legal.
Nestes termos, não admito o documento junto pelo Ministério Público no requerimento datado de 06.02.2023.
Oportunamente, desentranhe e devolva.”

5. O Autor recorre deste despacho e conclui assim a motivação do recurso:
“1º- Recorre o Ministério Público inconformado com a douta decisão que nos autos à margem referenciados não admitiu a junção aos autos dos documentos apresentados pelo Autor na data de 06.02.2023, referindo que os mesmos são extemporâneos e que a requerida junção foi conhecida no Acórdão do Tribunal da Relação de Évora datado de 24.11.2022, proferido nos autos.
2º Antes de mais, e como enquadramento, o despacho sobre o qual este Acórdão se pronuncia, datado de 25.11.2021, menciona que o Autor juntou com o recurso documentos desconformes aos que foram juntos em audiência, o que não é verdade e não deveria ter sido dito.
3º- Na verdade. para se afirmar que os documentos não são conformes aos que foram juntos em audiência seria necessário solicitar ao INCF o envio dos documentos a que se refere o link identificado no ofício, por forma a ser possível firmar um juízo sobre a sua alegada desconformidade, o que não foi feito pelo Tribunal antes de retirar a conclusão com que ilustrou a subida do recurso. 4º- Ultrapassada essa questão, importa ter presente que o Tribunal da Relação de Évora, no acórdão a que se refere o despacho recorrido, acolheu esta versão e, consequentemente, pronuncia-se sobre os documentos em dois segmentos, o primeiro relativo ao oficio que faz o rosto do expediente, concluindo pela sua irrelevância e rejeitando-o, e, num segundo momento, exclusivamente quanto aos anexos mencionados no link do oficio, decide pela não apreciação por se tratar de um Tribunal de segunda instância e aceitando que os mesmos nunca foram presentes ao Tribunal nem às partes.
5º- Quanto a estes documentos, para os quais o link remete, o referido Acórdão é muito claro referindo que os mesmos não podem ser apreciados por corresponderem “a matéria nova sobre a qual nem o Tribunal (nem as partes) tiveram oportunidade de se pronunciar” e que “Não visando os recursos alcançar decisões novas, mas o reexame da decisão proferida, dentro dos mesmos pressupostos em que se encontrava o Tribunal a quo, no momento em que proferiu a decisão impugnada, a alegada pertinência dos referidos anexos para a boa decisão da causa não pode ser apreciada nesta sede de recurso. (…)”. (o negrito é nosso).
6º- Resulta, pois, à evidência, que o Acórdão referido não rejeita os documentos anexos, antes claramente apenas indefere a junção do ofício que remete para o link onde estes se encontram, não apreciando a junção destes documentos anexos que tanto as partes como o Tribunal dizem desconhecer.
7º - Daí que, após conhecer o teor do acórdão e por requerimento datado de 06.02.2023, o Autor tenha requerido a junção desses documentos anexos (não do ofício rejeitado), como, aliás, se lhe impunha.
8º- O despacho ora recorrido não olha sequer para o conteúdo dos documentos que rejeita, apenas os indefere, indiferente à sua eventual pertinência aos autos.
9º- Contudo, os documentos em causa não devem ser considerados nem extemporâneos nem impertinentes.
10º- Com o devido respeito, que é muito, pela Magistratura que a Exª Signatária do despacho recorrido representa, neste consta a referência à extemporaneidade do requerimento sem justificar porque é tardia face ao momento em que deles o Autor tomou conhecimento, que foi, perante todos, a audiência de 23.11.2021.
11º- O Link para o qual o ofício rejeitado remete não é um link público, ao qual o Autor pudesse ter acesso de outra forma pelo que, indubitavelmente, apenas teve conhecimento do respetivo teor na data de 23.11.2021, pelo que não poderia ter procedido à sua apresentação em momento anterior.
12º- A sua pertinência tem a ver com a localização de terrenos baldios em determinadas áreas da ..., hoje submetidas ao perímetro florestal dessa Serra, cuja natureza baldia o Autor reclama.
13º- Repare-se que um dos documentos trata o levantamento dos baldios do Continente, realizado pela Junta de Colonização, órgão extinto do Ministério da Agricultura, situando 1.600 hectares de baldio na ... e ..., onde o Autor reclama essa localização, enquanto os demais são duas cartas topográficas que delimitam o perímetro florestal que, como já documentado nos autos, foi definido sobre terrenos baldios.
14º- Ou seja, trata-se de documentos oficiais emitidos por órgãos do Estado Português que o Tribunal não pode ignorar e que, ainda que fossem intempestivos, no que não se concede, obrigaria à sua junção em nome do princípio do inquisitório, pela sua pertinência à matéria que é objeto de julgamento- artº 411º do NCPC, constituindo ainda um corolário da posição desde sempre assumida pelo Autor no processo.
15º- Não vemos como considerar extemporâneos estes documentos, face ao momento em que chegaram à posse do Autor, nem podem ser considerados impertinentes nem desnecessários sem que, previamente, se proceda à sua análise, ainda que sumária.
16º- Os documentos em apreço finalizam a linha processual já estabelecida nos autos, mormente como resulta da documentação oficial já recebida nos autos por despachos transitados, sendo que, como se expôs, os mesmos devem ser considerados tempestivos ou, no limite, admitidos ao abrigo do princípio do inquisitório.
17º- Ao rejeita-los, sem mais, a Srª Juiz arrisca decisão contrária ao que já se encontra regulamentado em documentos oficiais emitidos por órgãos do Estado Português. E tal não lhe deve ser indiferente.
18º- A nova redação do nº 2 do artº 423º do NCPC (anterior artº 523º CPC), que impõe como limite para a junção de documentos o prazo de 20 antes da audiência final, visa obstar a surpresas no julgamento, decorrentes da junção inesperada de um qualquer documento, com consequências negativas traduzidas, nomeadamente, no arrastamento das audiências.
19º- Mas, na interpretação da lei processual, o julgador deve ter sempre em conta a unidade e coerência do sistema jurídico – artº 9º nº 1 do C. Civil, sopesando os princípios em presença, não esquecendo o princípio da verdade material, estruturante de todo o processo civil, revelando-se juridicamente insustentável, no contexto processual referido e no demais que resulta dos autos, a simples rejeição da prova documental indicada pelo Autor.
20º- Por outro lado, impõe-se notar que o preceito citado- artº 423º NCPC- não se destina a tutelar apenas as expectativas de uma parte, no caso os Réus, antes foi abstratamente pensado para a tutela de todas as partes, onde se inclui, é preciso dizê-lo, o Autor.
21º- Não sendo estes documentos impertinentes aos autos, a sua não admissão viola o disposto no artº 4º do NCPC, pois, como já antes se referiu, também o Autor merece a mesma tutela em caso de junção tardia, sendo que por despacho proferido na data de 29.06.2022, foi admitido um documento tardio, apresentado em julgamento por uma testemunha do Réu Município, designadamente a cópia de um contrato de arrendamento que, a ser verdadeiro, há muito se encontrava na posse do Réu Município.
22º- Ter sido requerida a junção pelas co-rés por dele ter tomado conhecimento em audiência no circunstancialismo que se conhece, é irrelevante pois que igualmente o Autor apenas em audiência tomou conhecimento dos documentos cuja junção requereu pelo que, desta forma, se mostra violado o disposto no artº 4º do NCPC.
23º- Este contrato de arrendamento pertencente ao Réu Município foi apresentado pela mão da testemunha AA, substituída em audiência, mas já a testemunha BB, igualmente apresentada pelo Réu Município, no seu depoimento aparece com uma escritura em mão, cuja junção foi requerida e cuja relevância probatória foi apreciada pela Mmª Juiz.
24º- Neste processo, o Tribunal já anteriormente admitiu junção tardia de documentos, por parte do Autor e das RRs, é certo, conforme consta da ata de 23.11.2021 (fls. 594) por considerar que não obstante a junção tardia se admitem documentos, pelo facto de os mesmos permitirem um melhor esclarecimento dos factos e de forma a facilitar o esclarecimento das testemunhas a quem tenham de ser exibidos os mapas dos terrenos.
25º- No caso sub iudice, essa ponderação não existiu pois que a Mmª Juiz não se pronuncia minimamente sobre o valor dos documentos, sequer para avaliar do seu relevo e pertinência e permitir a ponderação da sua junção ao abrigo do princípio do inquisitório, pelo que se mostra violado, para além do mais, o disposto no artº 411º do NCPC.
26º- Foi ainda violado o disposto no artº 423º do NCPC, na medida em que não considerou tempestiva a junção quando, encontrando-se o ofício datado de 22.11.2021 e tendo sido entregue em plena audiência, sendo que admitiu a junção de outro documento pelas RRs, com fundamento de que dele só tinha tido conhecimento em audiência e, desta forma, foi ainda violado o disposto no artº 4º do NCPC.
27º- Assim, mostra-se violado o disposto nos artº 4º, 411º e 423º, todos do NCPC, porquanto foram interpretados no sentido de que a sua aplicação pode ser discricionária quando devem ser interpretados no sentido de que as partes merecem e têm direito a tratamento igualitário, sejam A. ou RRs, e em todos os momentos do processo.
28º - Sem prejuízo da pretensão formulada, regista-se o nosso protesto à resposta apresentada pela Ré B... que pela gravidade da argumentação utilizada, falsa e indecorosa, não pode ser ignorada, tanto mais que se insere num contexto de estratégia processual violador de todos os princípios de cooperação e boa fé, estabelecidos por lei.
Termos em que revogando o despacho recorrido, farão Vª Exª a costumada JUSTIÇA!”
Respondeu o réu Município ... e a ré B... por forma a defenderem a improcedência do recurso.
Admitido o recurso e observados os vistos legais, cumpre decidir.

II. Objeto do recurso
Considerando que o objeto dos recursos é delimitado pelas conclusões neles insertas, salvo as questões de conhecimento oficioso (artigos 635.º, n.º 4 e 608.º, n.º 2 e 663.º, n.º 2, do Código de Processo Civil), importa decidir se os documentos apresentados pelo Autor, por requerimento de 6/2/2023, devem ser admitidos nos autos.

III. Fundamentação
1. Factos
Relevam os factos constantes do relatório supra.

2. Direito
2.1. Se os documentos apresentados pelo Autor, por requerimento de 6/2/2023, devem ser admitidos nos autos.
A decisão recorrida não admitiu a junção aos autos de documentos apresentados pelo Autor [cópia do “Reconhecimento dos Baldios do Continente (Vol. II – Parte II) e duas cartas militares emitidas pelos Serviços Cartográficos do Exército], com fundamento na sua extemporaneidade.
Ajuizou, designadamente, assim: “O documento que o Ministério Público pretende juntar ao processo é inequivocamente extemporâneo e a fundamentação para a sua junção neste momento não tem qualquer sustentação legal.”
O Autor diverge e conclui: i)os documentos em causa não devem ser considerados nem extemporâneos nem impertinentes” [cclª 9ª], ii)ainda que fossem intempestivos, no que não se concede, obrigaria à sua junção em nome do princípio do inquisitório, pela sua pertinência à matéria que é objeto de julgamento” [cclª 14ª] iii) a não admissão dos documentos “viola o disposto no artº 4º do NCPC, pois (…) também o Autor merece a mesma tutela em caso de junção tardia, sendo que por despacho proferido na data de 29.06.2022, foi admitido um documento tardio, apresentado em julgamento por uma testemunha do Réu Município, (…) que, a ser verdadeiro, há muito se encontrava na posse do Réu Município” [cclª 21ª].
Previamente à apreciação do mérito destas razões, cumpre esclarecer ou, pelo menos, tomar posição, relativamente a uma outra.
O Autor havia requerido, em 23/11/2021, a junção aos autos de um ofício com a menção a um link que alegadamente permitia o acesso na internet aos documentos que agora junta; a 1ª instância indeferiu a junção do ofício e este despacho veio a ser confirmado pelo acórdão desta Relação de 24/11/2022.
A decisão recorrida iniciou por fazer referência a este processado - “O A. Ministério Público vem requerer a junção de dois documentos, referindo que se trata dos documentos acessíveis através do link indicado no ofício cuja junção foi requerida na sessão de julgamento de 23.11.2021, junção essa que foi objeto de despacho de indeferimento, confirmado pelo Tribunal de Relação de Évora” – e o Autor interpretou este segmento da decisão como se de um fundamento do indeferimento se tratasse e procura demonstrar no recurso que o acórdão não rejeitou os documentos ora em análise [cclªs 4ª a 7ª].
Não há, se bem vemos, qualquer diferendo neste ponto; tanto o despacho recorrido – “(…) ofício cuja junção foi requerida (…) junção essa que foi objeto de despacho de indeferimento, confirmado pelo Tribunal de Relação de Évora – como o Autor estão de acordo sobre o teor do acórdão desta Relação de 24/11/2022: confirmou o despacho que indeferiu a junção aos autos de um ofício e não se pronunciou sobre os documentos agora em apreciação. Aliás, se a junção dos documentos houvesse sido indeferida por despacho transitado em julgado desnecessário seria a referência à extemporaneidade enquanto causa de indeferimento, como se verificou.
Prosseguindo, as provas são apresentadas com os articulados a que respeitam e os requerimentos probatórios podem ser alterados na fase dos articulados, nos casos previstos na lei [cfr. artº 552º, nº2, 572º, al. d), 588º, nº5, do CPC], na audiência prévia quando a esta haja lugar [artº 598º, nº1, do CPC] ou no prazo de 10 dias a contar da notificação do despacho a dispensar a audiência prévia; “com efeito, não se justificaria que o direito das partes à alteração do requerimento probatório precludisse com a dispensa da audiência prévia[1].
Regime com exceções: o rol de testemunhas pode ser aditado ou alterado até 20 dias antes da data em que se realize a audiência final [artº 598º, nº2, do CPC] e as partes, em certos casos, têm a faculdade de substituir testemunhas [artº 508º, nº1, do CPC]; as partes podem requerer a prestação de declarações de parte até ao início das alegações orais em 1ª instância [artº 466º, nº1, do CPC]; os documentos podem ser apresentados até 20 dias antes data em que se realize a audiência final e podem ainda ser apresentados, mais tarde, documentos cuja apresentação não tenha sido possível até àquele momento, bem como aqueles cuja apresentação se tenha tornado necessária em virtude de ocorrência posterior [artº 423º, nºs 2 e 3, do CPC].
Fora destas exceções, se o requerimento probatório não for alterado até à audiência prévia ou nos dez dias seguintes à notificação do despacho que a considerou dispensável, à parte não é lícito apresentar ou requerer a produção de novas provas – novas, no sentido que não foram requeridas nos tempos previsto da lei - por preclusão do direito.
Esgotada a disponibilidade das partes quanto ao direito de requererem novas provas não significa que estas não possam ter lugar.
Segundo o artº 411º, do CPC, incumbe ao juiz realizar ou ordenar, mesmo oficiosamente, todas as diligências necessárias ao apuramento da verdade e à justa composição do litígio, quanto aos factos de que lhe é lícito conhecer.
Circunscrevendo-se aos factos essenciais que constituem a causa de pedir ou em que se baseiam as exceções invocadas, aos factos que os complementam ou concretizam e ainda aos factos instrumentais [artº 5º do CPC], o juiz da causa tem a faculdade de, oficiosamente, realizar ou ordenar todas as diligências necessárias ao apuramento da verdade e à justa composição do litígio, o que significa que se pode socorrer de provas que as partes, a seu tempo, não requereram, desde que, em seu juízo, se mostrem necessárias ao apuramento da verdade e à justa composição do litígio. Nisto se traduz o princípio do inquisitório que, em matéria de provas, a lei confere ao juiz, com vista ao cumprimento de um significativo dever: o dever de apreciar a verdade dos factos alegados pelas partes.
À luz destas regras, vejamos o caso concreto.

2.1.1. Os documentos foram apresentados no decurso da audiência de discussão e julgamento [depois de produzida a prova, mas antes das alegações finais].
Prevê o artº 423º, do Código de Processo Civil:
1 - Os documentos destinados a fazer prova dos fundamentos da ação ou da defesa devem ser apresentados com o articulado em que se aleguem os factos correspondentes.
2 - Se não forem juntos com o articulado respetivo, os documentos podem ser apresentados até 20 dias antes da data em que se realize a audiência final, mas a parte é condenada em multa, exceto se provar que os não pôde oferecer com o articulado.
3 - Após o limite temporal previsto no número anterior, só são admitidos os documentos cuja apresentação não tenha sido possível até àquele momento, bem como aqueles cuja apresentação se tenha tornado necessária em virtude de ocorrência posterior.”
Interessa-nos esta última previsão de acordo com a qual só são admitidos documentos: i) cuja apresentação não tenha sido possível até 20 dias antes da data em que se realize a audiência final; ii) cuja apresentação se tenha tornado necessária em virtude de ocorrência posterior.
Na primeira hipótese cabem os casos de superveniência (objetiva ou subjetiva) do documento, a segunda abrange as situações em que os documentos se destinam a fazer prova de factos ou ocorrências posteriores aos articulados, v.g. “prova da inexatidão de afirmações feitas pelo réu no último articulado ou na alegação final ou a demonstrar que não são verdadeiros factos referidos pelos peritos ou pelas testemunhas.”[2]
A impossibilidade de apresentação por superveniência objetiva do documento verifica-se nos casos em que a formação do documento é posterior ao termo do prazo previsto para a sua apresentação - 20 dias antes da data em que se realize a audiência final – com justificação ou multa (nº2); a impossibilidade por superveniência subjetiva ocorre nos casos em que o documento, não obstante de formação anterior ao referido momento, só foi conhecido pela parte – ou esta só teve acesso a ele - em momento posterior v.g. encontrar-se o documento “em poder da parte ou de terceiro, que, apesar de lhe ser feita a notificação nos termos do artº 429 ou 432, só posteriormente o disponibiliza, de a certidão de documento arquivado em notário ou outra repartição pública, atempadamente requerida, só posteriormente ser emitida ou de a parte só posteriormente ter conhecimento da existência do documento (…)”[3]
Em qualquer caso cabe à parte que pretende oferecer o documento demonstrar a referida superveniência, objetiva ou subjetiva e, no caso de superveniência subjetiva, demonstrar que o desconhecimento do documento, ou a falta de acesso a ele, não é imputável a falta de negligência sua.
Assim, Rui Pinto, “[n]o tocante à superveniência subjetiva não basta invocar que só se teve conhecimento da existência do documento depois (…), já que isso abria de par em par a porta a todas as incúrias e imprevidências das partas: a parte deve alegar – e provar – a impossibilidade da sua junção naquele momento e, portanto, que o desconhecimento da existência do documento não deriva de culpa sua. Realmente, a superveniência subjetiva pressupõe o desconhecimento não culposo da existência do documento.[4]
E a jurisprudência, v.g.:
O desconhecimento ou a falta de acesso anterior ao documento deve, em suma, assentar em razões atendíveis, não podendo ser imputável à falta de diligência dos sujeitos, sob pena de se desvirtuar a relação entre a regra e a exceção ditada, nesta matéria, pelo legislador.”[5]
Neste caso (superveniência subjetiva) é necessário, como requisito de admissão do documento, a justificação de que o conhecimento da situação documentada, ou do documento em si, não obstante o carácter pretérito da situação quanto ao momento considerado, só ocorreu posteriormente a este e por razões que se prefigurem como atendíveis.
Só são atendíveis razões das quais resulte a impossibilidade daquela pessoa, num quadro de normal diligência referida aos seus interesses, ter tido conhecimento anterior da situação ou ter tido anteriormente conhecimento da existência do documento.”[6]
No caso, para fundamentar a introdução dos documentos nos autos, o Autor alegou que requereu a sua junção “no dia em que os recebeu, não tendo conhecimento da existência daqueles documentos antes dessa data” e que “não deve ser discutida a tempestividade da junção, dada a evidente pertinência dos documentos que nos foram presentes no próprio dia em que requeremos a sua junção, desconhecendo, anteriormente, a sua existência.” [ponto 2 do relatório supra].
Pondo de parte questão de consunção da extemporaneidade pela pertinência - não deve ser discutida a tempestividade da junção, dada a evidente pertinência dos documentos – uma vez que as preclusões de apresentação de documentos têm, necessariamente, como pressuposto o seu interesse para a boa decisão da causa [se outras razões não houvesse, a lei proíbe a prática de atos inúteis (artº 130º, do CPC) e seria, de todo, inútil a junção de documentos sem relevância], o Autor alegou que requereu a junção dos documentos no dia em que os recebeu e que, antes dessa data, não tinha conhecimento da existência deles.
Justificação cuja amplitude, a proceder, convertia em regra a exceção, isto é, permitia à parte a apresentação de documentos para além do prazo previsto na lei - até 20 dias antes da data em que se realize a audiência final – ainda que a sua apresentação fosse possível no prazo legal; bastava alegar que juntava o documento no momento em que ficou a conhecer a sua existência.
O Autor não indica as razões pelas quais só ficou a conhecer a existência dos documentos, ou teve acesso a eles, no momento em que os apresentou o que obsta à formulação de um qualquer juízo sobre se a impossibilidade de os juntar em tempo oportuno é, ou não, imputável a negligência sua.
A junção dos documentos é extemporânea tal como ajuizado em 1ª instância.

2.1.2. Argumenta o Autor que por despacho proferido em 29/6/2022, foi admitido nos autos “um documento tardio, apresentado em julgamento por uma testemunha do Réu Município, (…) que, a ser verdadeiro, há muito se encontrava na posse do Réu Município” razão que sempre justificaria, sob pena de violação do princípio da igualdade das partes, a admissão nos autos dos documentos que apresentou [cclªs 21ª a 25ª].
Segundo o artº 4º, do CPC, o tribunal deve assegurar, ao longo de todo o processo, um estatuto de igualdade substancial das partes, designadamente no exercício de faculdades, no uso de meios de defesa e na aplicação de cominações ou de sanções processuais.
Em anotação da norma explicam Lebre de Freitas e Isabel Alexandre: “Trata-se de garantir a ambas as partes, ao longo do processo, a identidade de faculdades e meios de defesa e a sua sujeição a ónus e cominações idênticos”.
A igualdade substancial das partes que ao tribunal cumpre assegurar é a igualdade de exercício dos direitos processuais, garantindo uma simetria no uso dos meios de defesa, na sujeição a ónus e a eventuais cominações, não uma igualdade de resultados a qual, por natureza, é estranha ao fim do processo enquanto instrumento de resolução dos conflitos de interesses que pressupõe.
O Autor, se bem apreendemos a sua argumentação, considera violado o princípio de igualdade substancial das partes por referência ao resultado de despachos proferidos – o despacho de 29/6/2022 admitiu a junção aos autos de um documento tardio apresentado pelo réu Município e o despacho recorrido, proferido em 24/2/2023, indeferiu, por extemporaneidade, a junção aos autos dos documentos por si apresentados – causa ou razão irrelevante para caraterizar o princípio que acusa violado.
A prolação de um despacho de admissão de documentos em violação da lei, admitindo ser este o caso para efeitos de raciocínio, confere à parte vencida a faculdade de obter a sua correção por via de recurso, mas não lhe assegura o direito de introduzir nos autos documentos fora das condições previstas na lei.
A invocada violação do princípio da igualdade substancial das partes, a nosso ver, não se verifica e os documentos não merecem ser admitidos com este fundamento.

2.1.3. Considera, por último, o Autor: “ainda que fossem intempestivos, no que não se concede, obrigaria à sua junção em nome do princípio do inquisitório, pela sua pertinência à matéria que é objeto de julgamento”.
Como antes se referiu, o artº 411º do CPC estabelece, em matéria de prova, o princípio do inquisitório, de acordo com o qual o juiz da causa tem a faculdade de, oficiosamente, realizar ou ordenar todas as diligências necessárias ao apuramento da verdade e à justa composição do litígio, podendo v.g. socorrer de provas que as partes, a seu tempo, não requereram, desde que, em seu juízo, se mostrem necessárias ao apuramento da verdade e à justa composição do litígio.
O despacho recorrido, porém, não fez uso desta incumbência e o Autor também não a provocou, em 1ª instância; confrontados estamos, pois, com um fundamento de admissibilidade dos documentos que o despacho recorrido não equacionou, nem foi suscitado pelo Autor em 1ª instância e é colocado ex novo no recurso.
Como é pacífico para a doutrina e para a jurisprudência, no nosso sistema, os recursos ordinários, como é o presente recurso de apelação, destinam-se à reponderação da decisão recorrida, o que significa que, em regra, “o tribunal de recurso não pode ser chamado a pronunciar-se sobre matéria que não foi alegada pelas partes na instância recorrida ou sobre pedidos que nela não foram formulados”[7], e isto porque os recursos visam modificar ou anular as decisões recorridas[8] e “não criar decisões sobre matéria nova não sendo lícito invocar e conhecer nos mesmos questões que as partes não tenham suscitado perante o tribunal recorrido”[9].
Assim, não tendo a decisão sob recurso resolvido qualquer questão relacionada com a admissibilidade dos documentos ao abrigo dos poderes inquisitórios que a lei lhe confere, designadamente por não lhe haver sido colocada, não se vê como revogar, anular ou confirmar a decisão recorrida com este fundamento.
Improcede o recurso, restando confirmar a decisão recorrida.

3. Custas
O Autor/recorrente está isento de custas (artº 4º, nº1, al. x) do Regulamento das Custas Processuais)

Sumário (da responsabilidade do relator – artigo 663.º, n.º 7, do CPC):
(…)
IV. Dispositivo
Delibera-se, pelo exposto, na improcedência do recurso, em confirmar a decisão recorrida.
Sem custas.
Évora, 26/10/2023
Francisco Matos
José Manuel Lopes Barata
Eduarda Branquinho

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[1] Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, CPC anotado, volº 2º, 4ª ed. pag. 644.
[2] Alberto dos Reis, Código de Processo Civil, anotado, vol. IV, pág. 15.
[3] Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, Código de Processo Civil anotado, vol. 2º, 4ª ed. págs. 240 e 241.
[4] Rui Pinto, Código de Processo Civil Anotado, cit., p. 314.
[5] STJ 30/4/2019 (proc. 22946/11.0T2SNT-A.L1.S2), disponível em www.dgsi.pt
[6] Ac. RC 18-11-2014 (proc. 628/13.9TBGRD.C1), disponível em www.dgsi.pt
[7] Cfr. Miguel Teixeira de Sousa, Estudos, pág. 395 e Jurisprudência aí indicada; no mesmo sentido, Lebre de Freitas, CPC anotado, 2ª ed., 3º vol. Tomo I, pág. 5 e Abrantes Geraldes, Recursos, novo regime, pág. 23.
[8] É o que decorre, entre outros, dos artºs 627º, nº1, 631º e 639º, nº1, todos do C.P.C.
[9] Cfr., entre outros, Ac. STJ de 6/2/1987, BMJ, 364º - 714.