Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
445/22.5T8TVR.E1
Relator: TOMÉ DE CARVALHO
Descritores: LITISCONSÓRCIO NECESSÁRIO
INTERVENÇÃO DE TERCEIROS
LEGITIMIDADE ACTIVA
Data do Acordão: 07/12/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário: 1. O chamado litisconsórcio necessário caracteriza-se pela pluralidade de partes e pela natureza da relação jurídica material invocada como fundamento da acção, da qual resulta ser necessária a intervenção de todos os interessados para que a decisão declare o direito de modo definitivo, que e o efeito útil normal da mesma decisão.
2. Em sede de pré-saneamento, importa realçar que o propósito do legislador é o de garantir condições para que o processo evolua em termos de vir a ser proferida nos autos uma decisão de mérito, uma decisão que aprecie os argumentos materiais invocados pelas partes, evitando que o desfecho da lide seja condicionado por motivos de ordem processual.
3. Apenas são insanáveis a ilegitimidade singular, a falta de personalidade judiciária (fora do caso referido no artigo 14.º), a incompetência absoluta, o caso julgado e a litispendência, devendo, nos casos de preterição de litisconsórcio necessário, o juiz de providenciar pela sanação da falta deste pressupostos processuais.
4. Ao abrigo do princípio da cooperação e do dever de gestão processual, uma vez requerido o incidente, caso exista alguma incompletude ou se verifique algum vício formal ou probatório relacionado com a intervenção principal de todos os titulares do direito de propriedade, o julgador a quo está vinculado a promover oficiosamente as diligências necessárias ao normal prosseguimento da acção ou, em alternativa, caso entenda que não há motivo para uma actuação oficiosa, a convidar as partes a suprir as irregularidades detectadas, fixando prazo para o suprimento ou correcção do vício.
(Sumário do Relator)
Decisão Texto Integral: Processo n.º 445/22.5T8TVR.E1

Tribunal Judicial da Comarca de Faro – Juízo Central de Competência Civil de Faro – J1
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Acordam na secção cível do Tribunal da Relação de Évora:
I – Relatório:
Na presente acção declarativa de condenação proposta por (…) e (…) contra (…) e (…), uma vez proferido saneador-sentença, os Autores vieram interpor recurso da decisão de absolvição da instância, por preterição de litisconsórcio activo.
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A acção deu entrada no Juízo de Competência Genérica de Tavira.
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Os Autores pediram a condenação dos Réus a:
a) concorrer para a demarcação dos prédios identificados nesta petição, procedendo-se à mesma, de acordo com as instruções técnicas para a demarcação de prédios.
b) reconhecer a servidão de passagem, tudo com as legais consequências.
c) serem condenados no pagamento aos Autores da quantia de € 30.500,00 (trinta mil e quinhentos euros) a título de danos não patrimoniais.
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Regularmente citados, os Réus vieram apresentar contestação e deduziram pedido reconvencional, solicitando o seguinte:
i) serem os Réus absolvidos da instância, pois a acção de demarcação exige que para que a decisão produza o seu efeito útil normal seja necessária a intervenção de todos os comproprietários.
ii) a não ser assim, o pedido de demarcação dos Autores seja considerado improcedente, uma vez que a sua propriedade não confronta a Norte com o imóvel dos Réus, absolvendo-os do pedido.
iii) proceder-se à demarcação das propriedades nas suas confrontações do lado Poente do prédio dos Autores com o lado Nascente do prédio dos Réus em conformidade com os títulos (caderneta predial) e limites físicos no terreno (pontos notáveis – muros e árvores constantes da presente contestação), e a correspondente actualização de áreas.
iv) ser considerado improcedente o pedido de indemnização civil, deduzido pelos Autores, por não provado e sempre se dirá exagerado.
v) serem os reconvindos condenados ao pagamento de uma indemnização no valor de € 34.279,66.
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Notificados da contestação e do pedido reconvencional, os Autores apresentaram resposta à excepção de ilegitimidade activa suscitada.
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Foi fixado o valor da causa em € 64.959,53 (sessenta e quatro mil e novecentos e cinquenta e nove euros e cinquenta e três cêntimos) e, em consequência, foi determinada a remessa dos autos para o Juízo Central de Competência Cível de Faro.
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Em 07/02/2023, foi prolatado despacho com o seguinte conteúdo: «(…) conforme alega e resulta da caderneta predial de fls. 10, o seu imóvel encontra-se inscrito a favor de (…), (…) e herança indivisa de (…), na proporção de 1/3 para cada um, sendo que, à míngua de outros elementos, afigura-se-nos plausível a procedência da exceção de ilegitimidade processual ativa dos autores, para instaurarem a presente ação, tanto que se desconhece se a referida herança se encontra indivisa (já tendo sido aceite) ou jacente e quem são os seus herdeiros, sendo distinta, como é consabido, a legitimidade processual ativa para instauração da presente ação, num e noutro caso.
Por conseguinte, notifique os autores para se pronunciarem sobre a mencionada factualidade e juntarem a documentação que tiverem por conveniente, designadamente, a documentação que, oportunamente, protestaram juntar».
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Em 20/02/2023, os Autores apresentaram incidente de intervenção principal provocada de (…) e (…).
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Foi ordenado o cumprimento do disposto no n.º 2 do artigo 318.º do Código de Processo Civil.
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A parte contrária apresentou articulado de oposição, dizendo que não foram chamados à demanda todos os herdeiros de (…) e que deveriam, por isso, assumir igualmente a posição de Autores … (cônjuge), … e … (descendentes).
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Nesta sequência, em aditamento ao incidente de intervenção principal, ao abrigo do disposto no artigo 316.º do Código de Processo Civil, os Autores requereram que, na qualidade de Autores, fossem chamados à demanda (…) e (…).
Nesse articulado informaram que a herdeira (…) havia repudiado a herança aberta por obtido de (…).
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Em 24/04/2023, por a secretaria ter ordenado oficiosamente a citação dos chamados referenciados no primeiro requerimento, foi determinada a anulação da notificação de (…) e (…) para os termos da acção, bem como as subsequentes diligências em curso com vista à concretização da citação deste último.
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Por despacho datado de 27/04/2023, ao pronunciar-se relativamente ao requerimento de contraditório apresentado por (…) e (…) quanto ao incidente de intervenção de terceiros deduzido por (…) e (…), o Tribunal decidiu que «por se tratar da apresentação de articulado processualmente e legalmente inadmissível, indefiro a sua junção aos autos e, consequentemente, determino o respetivo desentranhamento e devolução à parte».
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Relativamente ao incidente de intervenção apresentado pelos Autor foi dito que: «conforme os próprios autores confessam, verifica-se uma situação de litisconsórcio necessário entre os titulares do direito de propriedade sobre o imóvel em questão, cujos limites pretendem ver demarcados em relação ao prédio vizinho, sobre o qual pretendem ainda ver declarada a constituição de uma servidão de passagem em beneficio do seu prédio.
Ora, se é certo que, até ao momento não foi junto qualquer documento que atestasse a identidade cabal dos herdeiros de (…) e aceitação da herança por parte destes, não sendo suficiente para tal a mera junção do processo de liquidação do imposto que deu entrada nas finanças por ocasião do seu óbito, também é certo que, de acordo com este último documento (vide certidão de fls. 67 e ss.) o autor (…) é um dos herdeiros, mas subsistem, pelos menos, mais dois herdeiros (a cabeça de casal e viúva, … e …).
Ora, tendo-se apurado existir uma situação de litisconsórcio necessário os demais herdeiros de (…) deveriam e poderiam ter sido chamados à ação, no momento processual próprio, por forma a colmatar a ilegitimidade dos autores para, sozinhos, figurarem na presente ação.
Apurando-se que, existem outros herdeiros e não sendo alegada (ou sequer feita prova) da qualidade de cabeça de casal do autor … – aliás, é aquela viúva que assume tal qualidade aquando da apresentação da relação de bens (vide fls. 69) – e tendo havido oposição pelos réus, o presente incidente não pode deixar de ser liminarmente indeferido, o que se decide».
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Na mesma ocasião, não foi admitido o pedido reconvencional formulado.
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E, nessa sequência, ainda por intermédio da mesma decisão, o Tribunal a quo pronunciou-se sobre a questão da legitimidade activa e decidiu julgar verificada a excepção dilatória, concluindo pela absolvição dos Réus da instância.
A referida decisão assentou na seguinte fundamentação: «nada foi alegado relativamente à qualidade de cabeça de casal de qualquer dos autores e nem sequer foi devidamente comprovada essa qualidade (aliás, comprovando-se que quem possui essa qualidade é a viúva do falecido que não foi chamada à ação), por outro, devidamente instados a fazer intervir os herdeiros daquela herança, os autores optaram por identificar apenas alguns dos herdeiros, deixando de fora da ação outros herdeiros que, previamente, haviam, identificado.
Estamos diante de pretensões jurídicas que, para além dos autores, apenas podem ser direcionadas pelos herdeiros de (…), pois que se trata de direitos relativos à herança deixada por aquele (artigo 2091.º do Código Civil) e que, inelutavelmente, se repercutirão na esfera jurídica daquela herança.
Assim sendo, por se considerar que os autores (por si só e desacompanhados dos demais herdeiros) não possuem legitimidade processual ativa para os pedidos que dirigiram contra os réus e tendo sido indeferido liminarmente o insuficiente chamamento que deduziram, não poderá deixar de se considerar que se mantém a sua ilegitimidade para a ação, tal como propugnado pelos réus».
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Os recorrentes não se conformaram com a referida decisão e as alegações de recurso continham as seguintes conclusões:
«1. O tribunal a quo indeferiu liminarmente o incidente de intervenção principal provocada de terceiros.
2. E foi proferido despacho saneador-sentença datado de 27-04-2023 que julgou verificada a excepção de ilegitimidade processual activa e, consequentemente, absolveu os réus da presente instância.
3. A ora Recorrente não se conforma com a sentença ora recorrida porquanto o tribunal a quo não poderia ter proferido decisão sem realizar audiência prévia.
4. No NCPC (Lei n.º 41/2013), passou a dispor-se como regra a obrigatoriedade da realização de audiência prévia, agora previsto no artigo 591.º do C.P.C., nomeadamente quando “tencione conhecer imediatamente, no todo ou em parte, do mérito da causa” (n.º 1, b). Quando o Juiz tencionar conhecer, de imediato, do mérito da causa, a audiência prévia não pode ser dispensada (artigos 593.º/1, a contrario, e 591.º/1-b, ambos do CPC), sob pena de nulidade (artigo 195.º/1, do CPC).
5. Motivos pelos quais deveria ter sido realizada audiência prévia, sendo certo que os presentes autos não se encontravam devidamente debatidos nos articulados e a matéria de facto é indubitavelmente controvertida e impunha a produção de prova.
6. Ao que acresce que a sentença recorrida quanto aos factos dados como provados e factos dados como não provados, não contendo qualquer fundamentação da matéria de facto.
7. Evidentemente, a omissão de tal formalidade legal tem manifesta influência no exame e decisão da causa, quer para efeitos de impugnação, quer do seu julgamento, que in casu não se realizou.
8. Deste modo, com a omissão das formalidades referidas, previstas no artigo 607.º, n.º 4, do CPC, cometeu-se uma nulidade processual prevista no artigo 195.º, n.º 1, do CPC. Termos em que deverá a sentença recorrida ser revogada nos termos do disposto no artigo 615.º, n.º 1, alíneas c) e d), do Código de Processo Civil.
9. Por outro lado, o tribunal a quo, ao indeferir liminarmente o incidente de intervenção principal provocada de terceiros, violou o disposto no artigo 316.º do Código de Processo Civil.
10. Sendo certo que ocorrendo preterição de litisconsórcio necessário, qualquer das partes pode chamar a juízo o interessado com legitimidade para intervir na causa, seja como seu associado, seja como associado da parte contrária – artigo 316.º, n.º 1, do CPC.
11. Andou mal o tribunal a quo ao indeferir liminarmente o incidente de intervenção principal provocada de terceiros, sendo certo que os Autores ora Recorrentes deduziram incidente de intervenção principal provocada de terceiros e chamaram à demanda (…) e (…), não tendo sido chamados à demanda os restantes herdeiros de (…) por se entender que os mesmos faziam-se representar na presente ação pelo cabeça de casal.
12. Em sede de aditamento ao incidente de intervenção principal os Autores ora Recorrentes ao abrigo do disposto no artigo 316.º do Código de Processo Civil requereram o chamamento à demanda na qualidade de Autores de (…) e de (…).
13. Daí que se entenda que os mesmos foram chamados à ação no momento processual próprio por forma a colmatar a ilegitimidade dos autores, não existindo outros herdeiros que não tenham sido chamados à demanda a intervir na qualidade de autores.
14. O tribunal a quo, ao indeferir liminarmente o incidente de intervenção principal provocada de terceiros, violou o disposto no artigo 316.º do Código de Processo Civil e nos artigos 6.º, n.º 2 e 590.º, n.º 2, alínea a), ambos do CPC.
15. Termos em que deverá o despacho recorrido ser revogado e consequentemente deverá ser proferido outro que admita o incidente de intervenção principal provocada de terceiros, ordenando-se que os presentes autos sigam os seus ulteriores termos.
16. Sem prescindir, a sentença recorrida ao declarar a verificação da excepção de ilegitimidade processual activa violou o disposto no artigo 30.º do Código de Processo Civil porquanto dos autos não resulta dos autores qualquer ilegitimidade activa, sendo os Autores e os herdeiros chamados à demanda parte legítima nos presentes autos.
17. A sentença recorrida viola ainda o princípio da cooperação disposto no artigo 7.º e o artigo 590.º, n.º 4, ambos do Código de Processo Civil, uma vez que o tribunal a quo, ao abrigo daquilo que é o princípio da cooperação e caso considerasse a existência de alguma deficiência e/ou imprecisão, deveria convidar a parte para suprir a falta de algum pressuposto processual.
18. Termos em que e face ao supra exposto deverá a sentença recorrida ser revogada e consequentemente deverão os Autores ora Recorrentes serem julgados como parte legítima nos presentes autos, seguindo os autos os seus termos ulteriores.
19. Mais se invoca para efeitos de eventual e futuro recurso para o Tribunal Constitucional a inconstitucionalidade do despacho-saneador recorrido por violação do disposto no artigo 205.º, n.º 1 e artigo 268.º, n.º 4, da nossa Constituição e, bem assim, o Princípio da Tutela Jurisdicional Efectiva.
Nestes termos e nos melhores de direito deverá V. Exa. dar provimento ao presente recurso e revogar o despacho e a douta sentença recorrida, julgando-se os Autores e os chamados à demanda parte legítima, seguindo os autos os seus ulteriores termos, assim se fazendo Justiça!».
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Não houve lugar a resposta da contraparte.
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Admitido o recurso, foram observados os vistos legais.
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II – Objecto do recurso:
É entendimento uniforme que é pelas conclusões das alegações de recurso que se define o seu objecto e se delimita o âmbito de intervenção do Tribunal ad quem (artigos 635.º, n.º 4 e 639.º, n.º 1, do Código de Processo Civil), sem prejuízo das questões cujo conhecimento oficioso se imponha (artigo 608.º, n.º 2, ex vi do artigo 663.º, n.º 2, do mesmo diploma).
Analisadas as alegações de recurso, o thema decidendum está circunscrito à apreciação da existência de erro na apreciação do direito, ao nível do indeferimento liminar do incidente de intervenção de terceiros e na aplicação do regime do litisconsórcio necessário que conduziu à decisão de ilegitimidade, a que se associam outras nulidades da decisão.
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III – Da factualidade com interesse para a justa decisão da causa:
Os factos com interesse para a justa solução da causa são os que constam do relatório inicial.
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IV – Fundamentação:
4.1 – Da preterição de litisconsórcio necessário:
A ilegitimidade constitui uma excepção dilatória, obstando a que o Tribunal conheça do mérito da causa e conduz à absolvição do Réu da instância.
A legitimidade plural tem o seu assento nos artigos 32.º[1] e 33.º[2] do Código de Processo Civil, consoante se trate de um litisconsórcio voluntário ou necessário.
O litisconsórcio configura-se quando a relação material controvertida respeita a uma pluralidade de partes principais que se unem no mesmo processo para discutirem uma só relação jurídica material. Ele apresenta-se como voluntário nas situações em que é permitido que só uma das partes intervenha, embora possam participar as restantes e diz-se necessário naquelas situações em que é exigida a intervenção de todas em conjunto.
A regra é a do litisconsórcio voluntário em que os sujeitos da relação podem intervir ou não em conjunto, mas neste último caso, o Tribunal apenas pode e deve conhecer da quota-parte que o sujeito tenha na relação em litígio, a menos que a este seja permitido exigir tudo (casos de obrigações solidárias, indivisíveis, entrega da coisa por terceiros a pedido de comproprietário, compossuidor ou herdeiro)[3].
Também Anselmo de Castro sublinha o carácter excepcional do litisconsórcio necessário, «dados os graves embaraços que para a parte representa a sua imposição e assim existirá apenas nos contados casos em que a lei pôs acima dos interesses das partes e dos respectivos custos, a unidade da decisão»[4].
A figura do litisconsórcio necessário natural, decorrente da previsão normativa há muito contida nos nºs 2 e 3 do artigo 33.º, tem na sua génese a necessidade da pluralidade de partes como condição indispensável para que a sentença a proferir possa produzir o seu efeito útil normal, regulando definitivamente o interesse das partes no processo acerca da relação material controvertida: embora tal situação de necessária pluralidade de partes não decorra explicitamente de uma norma legal ou de estipulação dos interessados, ela decorre da natureza – da incindibilidade e da indivisibilidade – de relação litigiosa plural, cujo mérito só pode ser efectiva e definitivamente apreciado quando estiverem em juízo todos os interessados, a todos sendo facultado o exercício do direito de acção ou de defesa, de modo a alcançar-se uma simultânea composição do pleito, vinculativa de todos os interessados[5].
Dito isto, como primeira conclusão intercalar, deve realçar-se que o chamado litisconsórcio necessário se caracteriza pela pluralidade de partes e pela natureza da relação jurídica material invocada como fundamento da acção, da qual resulta ser necessária a intervenção de todos os interessados para que a decisão declare o direito de modo definitivo, que é o efeito útil normal da mesma decisão.
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Impõem-se as regras do litisconsórcio necessário quando a lei, o negócio jurídico ou a natureza da relação controvertida exigem a intervenção dos vários interessados na controvérsia jurisdicional.
Sobre o significado da expressão “efeito útil normal” podem ser consultados, entre outros, Lebre de Freitas[6] [7], Antunes Varela[8] [9], Anselmo de Castro[10] e João Pedro Pinto-Ferreira[11].
Na Revista de Legislação e Jurisprudência, Antunes Varela clarifica os limites de intervenção do litisconsórcio voluntário e do necessário. E inclui no âmbito da esfera de protecção deste último as relações indivisíveis por natureza, que têm de ser resolvidas de modo unitário para todos os interessados, sem a presença dos quais, a decisão não conduziria a nenhum efeito útil. E, para dar solidez ao raciocínio, exemplifica que nas acções constitutivas a falta de alguns dos interessados é susceptível de colocar em causa a globalidade da própria relação jurídica e adianta também que nos casos de limitação de indemnização por responsabilidade objectiva a definição concreta da situação jurídica só ocorre se a mesma não puder vir a ser inutilizada por outros interessados a quem a decisão não seja oponível.
Também Anselmo de Castro sublinha que aquilo que o pressuposto processual pretende cuidar é que «não sejam proferidas decisões que praticamente venham a ser inutilizadas por outras proferidas em face dos restantes interessados, por virtude de a relação jurídica ser de tal ordem que não possam regular-se inatacavelmente as posições de alguns sem se regularem as dos outros. Por maior, portanto, que possa eventualmente, vir a ser a contrariedade lógica entre as decisões, desde que sejam susceptíveis de aplicação sem inconciliabilidade prática, a decisão produz o seu efeito útil normal e o litisconsórcio não se impõe pela natureza da relação jurídica»[12].
Na acepção de Lebre de Freitas a pedra de toque do litisconsórcio necessário é, pois, a impossibilidade de, tido em conta o pedido formulado, compor definitivamente o litígio, declarando o direito ou realizando-o, ou ainda, nas acções de simples apreciação de facto, apreciando a existência deste, sem a presença de todos os interessados, por o interesse em causa não comportar uma definição ou realização parcelar[13].
A doutrina e a jurisprudência têm, porém, desde há muito, operado una interpretação mais ampla do conceito de efeito útil normal, admitindo o litisconsórcio necessário natural nas situações em que, por ser o objecto do processo um interesse indivisível e incindível dos vários interessados ou contitulares, se impõe o litisconsórcio por prementes razões de coerência jurídica, que ficaria relevantemente afectada pela possibilidade de serem proferidas, em causas separadas, decisões divergentes acerca desse mesmo objecto unitário e indivisível[14].
Situações como as dos autos – de definição de estremas – são situações em que é necessário acautelar a não inconciliabilidade de decisões e duas decisões contraditórias no que concerne a dois prédios confinantes gera por definição inconciliabilidade prática e assim, a demarcação impõe a intervenção de todos os interessados, existindo, portanto, uma situação de litisconsórcio necessário natural.
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4.2 – Do incidente de chamamento de terceiros e dos poderes de gestão do Tribunal:
No que concerne à modificação subjectiva das partes no processo, o Código de Processo Civil prevê as seguintes possibilidades: chamamento do terceiro que falta para assegurar a legitimidade de alguma das partes[15], substituição de alguma das partes, quer por sucessão, quer por acto entre vivos, na relação substantiva em litígio e incidentes da intervenção de terceiros[16].
No que concerne à intervenção de terceiros, a lei faz uma distinção essencial entre intervenção principal e intervenção acessória[17], assumindo neste caso o interveniente a posição de assistente[18].
Na intervenção principal, que é aquela de que nos ocupamos, o terceiro é chamado a ocupar na lide a posição de parte principal, ou seja a mesma posição da parte principal primitiva a que se associa, fazendo valer um direito próprio[19], podendo apresentar articulados próprios[20] e sendo a final condenado ou absolvido na sequência da apreciação da relação jurídica de que é titular efetuada na sentença, a qual forma quanto a ele caso julgado, resolvendo em definitivo o litígio em cuja discussão[21].
O incidente de intervenção de terceiros exige que se verifique certa relação litisconsorcial e que o interveniente tenha, em relação ao objecto da causa, um interesse igual ao do Autor ou do Réu e o chamamento visa que este se venha a associar a uma das partes da acção pendente.
Ou, nas palavras de Salvador da Costa, a intervenção na lide de alguma pessoa como associado do réu pressupõe um interesse litisconsorcial no âmbito da relação controvertida, cuja medida da sua viabilidade é limitada pela latitude do accionamento operado pelo autor, não podendo intervir quem lhe seja alheio[22].
O incidente de intervenção de terceiros visa fazer intervir (ou permitir que intervenha) na lide alguém que nela não está, mas deveria estar, poderia estar desde o início ou pode passar a estar (como autor ou como réu).
No presente caso, a acção não foi proposta por todos os titulares da relação real controvertida e foram apresentados sucessivamente dois pedidos de intervenção de terceiros (o primeiro em que se requeria a intervenção provocada de … e …, na qualidade de comproprietários e, num segundo momento, em aditamento ao incidente de intervenção principal, foi solicitado que fossem chamados à demanda … e …, na qualidade de herdeiros de …), a fim de ultrapassar a matéria da ilegitimidade das partes e garantir a presença de todos os interessados na lide para garantir o efeito útil da decisão.
O direito de intervenção (principal) está relacionado ou a tem a ver com a chamada legitimidade das partes, devendo estar em juízo, como partes, os titulares do interesse relevante em discussão na relação controvertida.
O Tribunal a quo entendeu não admitir os incidentes de intervenção de terceiros e, como decorrência lógica, decidiu que, por não se encontrarem presentes todos os interessados, os Autores não possuíam legitimidade processual activa para os pedidos que dirigiram contra os Réus, absolvendo-os da instância.
Não é claro que se esteja perante um cenário de herança indivisa ou jacente, mas a doutrina tem entendido predominantemente que o cabeça-de-casal tem existência jurídica desde a morte do autor da herança, independentemente de haver ou não lugar a inventário, sem necessidade de um acto jurídico da aceitação do cabecelato, aquele passa a administrar os bens da herança[23] [24] [25] [26] [27].
A administração da herança, até à sua liquidação e partilha, pertence ao cabeça de casal[28]. E, na situação em causa, aparentemente, por ainda se mostrar indivisa, o Tribunal a quo entendeu que esta circunstância era impeditiva do prosseguimento dos autos, sem a presença do cabeça de casal ou deste e dos restantes herdeiros. Porém, como se afirmou, no segundo incidente, é requerida a presença dos mesmos na lide.
A verificação da regularidade da instância constitui a função normal do despacho de condensação e o apuramento da ocorrência dos pressupostos processuais ou de uma excepção dilatória deve ser realizado nesse momento em nome do asseguramento do normal andamento do processo.
O objectivo deste comando legal é evidente: tudo deverá ser feito para que a instância seja regularizada de modo a que seja possível o conhecimento do fundo da causa e o proferimento de uma decisão de mérito[29]. E, assim quando seja imediatamente detectável a existência de uma irregularidade ou a falta de preenchimento de pressupostos processuais devem ser tomadas todas as providências destinadas à respectiva regularização.
Na verdade, seguindo a concepção de Abrantes Geraldes, apenas são insanáveis a ilegitimidade singular, a falta de personalidade judiciária (fora do caso referido no artigo 14º[30]), a incompetência absoluta, o caso julgado e a litispendência[31].
Nesta causa, no momento da prolação da sentença, o dever do juiz de providenciar pela sanação da falta de pressupostos processuais era ainda temporalmente viável, dado que, na verdade, a parte activa respondeu positivamente ao convite, ainda que o pudesse ter feito de forma deficiente – seja por não ter apresentado a prova documental prefigurada pelo Tribunal[32], seja por faltar algum dos demais herdeiros de (…).
Deste modo, o dever de cooperação processual[33] impunha uma solução diversa e uma atitude proactiva do Tribunal no sentido de pedir os elementos documentais em falta (porventura, a habilitação de herdeiros ou a declaração de renúncia à herança da única herdeira não incluída no chamamento e, se não assim fosse, a alternativa era afirmar que se tornava necessário acrescentá-la no rol de pessoas a citar para os termos do incidente e da causa) ou de esclarecer em que qualidade se pretendia que a herdeira (…) fosse chamada aos autos.
A questão da existência de uma renúncia à herança era assim ultrapassável. E, quanto a este derradeiro ponto, ao indeferir a pretensão, nos termos em que o fez, a Meritíssima Juíza de Direito também não poderia prognosticar se esta actuaria a nível individual (como simples herdeira) ou se teria uma intervenção enquanto cabeça de casal ou se manteria uma participação processual em ambas as posições.
Retornado ao tempo da prolação do saneador cumpre dizer que a violação do dever de gestão processual precipitado no artigo 6.º do Código de Processo Civil pode constituir uma nulidade processual, quando uma norma especial determine a sua prática, nos termos gerais impostos pelo n.º 1 do artigo 195.º[34] do Código de Processo Civil.
Este tipo de vício só produz nulidade quando a lei o declare ou quando a irregularidade cometida possa influir no exame ou na decisão da causa. E este é o caso, porquanto o Tribunal não admitiu as intervenções requisitadas e, em princípio, as mesmas eram hábeis a perfectibilizar o litisconsórcio natural aqui em causa.
Importa realçar que o propósito do legislador é o de garantir condições para que o processo evolua em termos de vir a ser proferida nos autos uma decisão de mérito, uma decisão que aprecie os argumentos materiais invocados pelas partes, o mesmo é dizer que se pretende evitar que o desfecho da lide seja condicionado (em maior ou menor escala) por motivos de ordem processual[35].
Neste enquadramento, o Tribunal a quo estava vinculado a admitir os pedidos de intervenção formulados. E, ao abrigo do princípio da cooperação e do dever de gestão processual[36], uma vez requerido o incidente, caso existisse alguma incompletude ou se verificasse algum vício formal ou probatório relacionado com a intervenção principal de todos os titulares do direito de propriedade, o julgador a quo está vinculado a promover oficiosamente as diligências necessárias ao normal prosseguimento da acção ou, em alternativa, caso entendesse que não havia motivo para uma actuação oficiosa, a convidar as partes a suprir as irregularidades detectadas, fixando prazo para o suprimento ou correcção do vício.
Assim, em suma, decide-se revogar a decisão de não admissão dos incidentes de intervenção de terceiro e, consequentemente, fica igualmente cancelada a decisão de absolvição da instância por preterição de litisconsórcio necessário, devendo, se for o caso, o Tribunal a quo tomar as providências necessárias para regularizar subjectivamente a instância, que na sua compreensão sejam devidas.
Na verdade, a presença na acção dos Autores iniciais (… e …), dos restantes comproprietários (…) e (…) e, bem assim, por último, dos restantes herdeiros de (…) é suficiente para permitir que a acção tenha o seu efeito útil normal.
Fica prejudicado o conhecimento da demais matéria suscitada (nulidades e falta de conformidade constitucional), uma vez que a solução dada às outras problemáticas submetidas à apreciação do Tribunal é suficiente para garantir a procedência do recurso interposto.
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V – Sumário:
(…)
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VI – Decisão:
Nestes termos e pelo exposto, tendo em atenção o quadro legal aplicável e o enquadramento fáctico envolvente, decide-se julgar procedente o recurso apresentado, revogando-se a decisão recorrida nos termos acima definidos.
Sem tributação, atento o disposto no artigo 527.º do Código de Processo Civil.
Notifique.
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Processei e revi.
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Évora, 12/07/2023
José Manuel Costa Galo Tomé de Carvalho
Rosa Barroso
Francisco Matos


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[1] Artigo 32.º (Litisconsórcio voluntário)
1 - Se a relação material controvertida respeitar a várias pessoas, a acção respectiva pode ser proposta por todos ou contra todos os interessados; mas, se a lei ou o negócio for omisso, a acção pode também ser proposta por um só ou contra um só dos interessados, devendo o tribunal, nesse caso, conhecer apenas da respectiva quota-parte do interesse ou da responsabilidade, ainda que o pedido abranja a totalidade.
2 - Se a lei ou o negócio permitir que o direito seja exercido por um só ou que a obrigação comum seja exigida de um só dos interessados, basta que um deles intervenha para assegurar a legitimidade.
[2] Artigo 33.º (Litisconsórcio necessário):
1 - Se, porém, a lei ou o negócio exigir a intervenção dos vários interessados na relação controvertida, a falta de qualquer deles é motivo de ilegitimidade.
2 - É igualmente necessária a intervenção de todos os interessados quando, pela própria natureza da relação jurídica, ela seja necessária para que a decisão a obter produza o seu efeito útil normal.
3 - A decisão produz o seu efeito útil normal sempre que, não vinculando embora os restantes interessados, possa regular definitivamente a situação concreta das partes relativamente ao pedido formulado.
[3] Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 15/03/2006, in www.dgsi.pt.
[4] Anselmo de Castro, Direito Processual Civil Declaratório, vol. II, Coimbra Editora, Coimbra, 1982, pág. 199.
[5] Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 22/10/2015, in www.dgsi.pt.
[6] Em parceria com Isabel Alexandre, Código de Processo Civil Anotado, vol. I, 3ª edição, Coimbra Editora, Coimbra, 2014, págs. 77-78.
[7] José Lebre de Freitas, Introdução ao processo civil, Coimbra Editora, Coimbra, 1996, págs. 164/167.
[8] Em obra colectiva com Miguel Bezerra e Sampaio e Nota, Manual de Processo Civil, 2ª edição, Coimbra Editora, 1985, págs. 163 a 169.
[9] Antunes Varela, Revista de Legislação e Jurisprudência, ano 117.º, págs. 380 e seguintes.
[10] Anselmo de Castro, Direito Processual Civil Declaratório, vol. II, Almedina, Coimbra, 1982, págs. 198-217.
[11] João Pedro Pinto-Ferreira, Litisconsórcio Necessário Legal e Litisconsórcio Necessário Natural. A Necessidade ou não da Distinção, publicada na Themis, ano X, n.º 19, 2010.
[12] Anselmo de Castro, Direito Processual Civil Declaratório, vol. II, Almedina, Coimbra, 1982, pág. 205.
[13] Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, Código de Processo Civil Anotado, vol. I, 3ª edição, Coimbra Editora, Coimbra 2014, pág. 78.
[14] Miguel Teixeira de Sousa, Estudos sobre o Novo Processo Civil, págs. 162-163.
[15] Artigo 261.º (Modificação subjetiva pela intervenção de novas partes):
1 - Até ao trânsito em julgado da decisão que julgue ilegítima alguma das partes por não estar em juízo determinada pessoa, pode o autor ou reconvinte chamar essa pessoa a intervir nos termos dos artigos 316.º e seguintes.
2 - Quando a decisão prevista no número anterior tiver posto termo ao processo, o chamamento pode ter lugar nos 30 dias subsequentes ao trânsito em julgado; admitido o chamamento, a instância extinta considera-se renovada, recaindo sobre o autor ou reconvinte o encargo do pagamento das custas em que tiver sido condenado.
[16] Artigo 262.º (Outras modificações subjetivas):
A instância pode modificar-se, quanto às pessoas:
a) Em consequência da substituição de alguma das partes, quer por sucessão, quer por ato entre vivos, na relação substantiva em litígio;
b) Em virtude dos incidentes da intervenção de terceiros.
[17] Artigo 321.º (Campo de aplicação):
1 - O réu que tenha ação de regresso contra terceiro para ser indemnizado do prejuízo que lhe cause a perda da demanda pode chamá-lo a intervir como auxiliar na defesa, sempre que o terceiro careça de legitimidade para intervir como parte principal.
2 - A intervenção do chamado circunscreve-se à discussão das questões que tenham repercussão na ação de regresso invocada como fundamento do chamamento.
[18] Artigo 323.º (Termos subsequentes):
1 - O chamado é citado, correndo novamente a seu favor o prazo para contestar e passando a beneficiar do estatuto de assistente, aplicando-se, com as necessárias adaptações, o disposto nos artigos 328.º e seguintes.
2 - Não se procede à citação edital, devendo o juiz considerar findo o incidente quando se convença da inviabilidade da citação pessoal do chamado.
3 - Sem prejuízo do disposto no artigo seguinte, os chamados podem suscitar sucessivamente o chamamento de terceiros que considerem seus devedores em via de regresso, aplicando-se, com as necessárias adaptações, o disposto nos artigos anteriores.
4 - A sentença proferida constitui caso julgado quanto ao chamado, nos termos previstos no artigo 332.º, relativamente às questões de que dependa o direito de regresso do autor do chamamento, por este invocável em ulterior ação de indemnização.
[19] Artigo 312.º (Posição do interveniente):
O interveniente principal faz valer um direito próprio, paralelo ao do autor ou do réu, apresentando o seu próprio articulado ou aderindo aos apresentados pela parte com quem se associa.
[20] Artigo 314.º (Intervenção mediante articulado próprio):
A intervenção mediante articulado só é admissível até ao termo da fase dos articulados, formulando o interveniente a sua própria petição, se a intervenção for ativa, ou contestando a pretensão do autor, se a intervenção for passiva.
[21] Artigo 320.º (Valor da sentença quanto ao chamado):
A sentença que vier a ser proferida sobre o mérito da causa aprecia a relação jurídica de que seja titular o chamado a intervir, constituindo, quanto a ele, caso julgado.
[22] Salvador da Costa, Os Incidentes da Instância, 2ª ed., pág. 104.
[23] Lopes Cardoso, Partilhas Judiciais, 4ª edição, volume I, 1990.
[24] José de Oliveira Ascensão, Direito Civil - Sucessões, 4ª edição, Coimbra, Coimbra Editora, 1989.
[25] Rabindranath Capelo de Sousa, Lições de Direito das Sucessões, vol. II, 2ª edição.
[26] Domingos Silva Carvalho de Sá, Do Inventário – Descrever, Avaliar e Partir, Coimbra, 1996.
[27] Luís Filipe Pires de Sousa, Processos Especiais de Divisão de Coisa Comum e de Prestação de Contas, 2ª edição.
[28] Artigo 2079.º (Cabeça-de-casal):
A administração da herança, até à sua liquidação e partilha, pertence ao cabeça-de-casal.
[29] Paula Costa e Silva, Saneamento e condensação no novo Processo Civil, in Aspectos do Novo Processo Civil, 1997, pág. 216.
[30] Artigo 14.º (a que correspondia o artigo 8.º do CPC 1961, citado no texto) (Sanação da falta de personalidade judiciária):
A falta de personalidade judiciária das sucursais, agências, filiais, delegações ou representações pode ser sanada mediante a intervenção da administração principal e a ratificação ou repetição do processado.
[31] Abrantes Geraldes, Temas da Reforma do Processo Civil, Vol. II, 3ª edição, Almedina, Coimbra, 2000, pág. 64.
[32] A este respeito, é dito que: «até ao momento não foi junto qualquer documento que atestasse a identidade cabal dos herdeiros de (…) e aceitação da herança por parte destes».
[33] Artigo 6.º (Dever de gestão processual):
1 - Cumpre ao juiz, sem prejuízo do ónus de impulso especialmente imposto pela lei às partes, dirigir activamente o processo e providenciar pelo seu andamento célere, promovendo oficiosamente as diligências necessárias ao normal prosseguimento da acção, recusando o que for impertinente ou meramente dilatório e, ouvidas as partes, adoptando mecanismos de simplificação e agilização processual que garantam a justa composição do litígio em prazo razoável.
2 - O juiz providencia oficiosamente pelo suprimento da falta de pressupostos processuais susceptíveis de sanação, determinando a realização dos actos necessários à regularização da instância ou, quando a sanação dependa de ato que deva ser praticado pelas partes, convidando estas a praticá-lo.
[34] Artigo 195.º (Regras gerais sobre a nulidade dos actos):
1 - Fora dos casos previstos nos artigos anteriores, a prática de um ato que a lei não admita, bem como a omissão de um ato ou de uma formalidade que a lei prescreva, só produzem nulidade quando a lei o declare ou quando a irregularidade cometida possa influir no exame ou na decisão da causa.
2 - Quando um ato tenha de ser anulado, anulam-se também os termos subsequentes que dele dependam absolutamente; a nulidade de uma parte do ato não prejudica as outras partes que dela sejam independentes.
3 - Se o vício de que o acto sofre impedir a produção de determinado efeito, não se têm como necessariamente prejudicados os efeitos para cuja produção o ato se mostre idóneo.
[35] Paulo Pimenta, Processo Civil Declarativo, 3ª edição, Almedina, Coimbra, 2023, pág. 244.
[36] Artigo 590.º (Gestão inicial do processo):
1 - Nos casos em que, por determinação legal ou do juiz, seja apresentada a despacho liminar, a petição é indeferida quando o pedido seja manifestamente improcedente ou ocorram, de forma evidente, exceções dilatórias insupríveis e de que o juiz deva conhecer oficiosamente, aplicando-se o disposto no artigo 560.º.
2 - Findos os articulados, o juiz profere, sendo caso disso, despacho pré-saneador destinado a:
a) Providenciar pelo suprimento de exceções dilatórias, nos termos do n.º 2 do artigo 6.º;
b) Providenciar pelo aperfeiçoamento dos articulados, nos termos dos números seguintes;
c) Determinar a junção de documentos com vista a permitir a apreciação de exceções dilatórias ou o conhecimento, no todo ou em parte, do mérito da causa no despacho saneador.
3 - O juiz convida as partes a suprir as irregularidades dos articulados, fixando prazo para o suprimento ou correção do vício, designadamente quando careçam de requisitos legais ou a parte não haja apresentado documento essencial ou de que a lei faça depender o prosseguimento da causa.
4 - Incumbe ainda ao juiz convidar as partes ao suprimento das insuficiências ou imprecisões na exposição ou concretização da matéria de facto alegada, fixando prazo para a apresentação de articulado em que se complete ou corrija o inicialmente produzido.
5 - Os factos objeto de esclarecimento, aditamento ou correção ficam sujeitos às regras gerais sobre contraditoriedade e prova.
6 - As alterações à matéria de facto alegada, previstas nos nºs 4 e 5, devem conformar-se com os limites estabelecidos no artigo 265.º, se forem introduzidas pelo autor, e nos artigos 573.º e 574.º, quando o sejam pelo réu.
7 - Não cabe recurso do despacho de convite ao suprimento de irregularidades, insuficiências ou imprecisões dos articulados.