Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
391/18.7GBTMR.E1
Relator: ARTUR VARGUES
Descritores: CRIME DE VIOLAÇÃO DE REGRAS DE SEGURANÇA
ELEMENTOS OBJETIVO E SUBJETIVO DO TIPO DE ILÍCITO
CERTIFICADO DE REGISTO CRIMINAL
ELEMENTOS RELATIVOS AO CRIME
NULIDADE DA SENTENÇA
Data do Acordão: 11/07/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário: I - Provado está que, à data dos factos, BB era trabalhador do arguido, com a categoria de servente da construção civil, exercendo funções sob as ordens, direcção e fiscalização deste.
No exercício da sua actividade profissional e por ordem directa e orientações do arguido, BB subiu à cobertura da moradia constituída por dois pisos acima da cota de soleira para proceder à limpeza do telhado, sem que o arguido lhe tenha disponibilizado, para utilização, qualquer equipamento de protecção individual, mormente arnês de segurança amarrado a um ponto fixo e sem que a cobertura dispusesse de protecção colectiva.

No desempenho dessa tarefa, BB escorregou e caiu de cerca de 10 metros de altura da cota de soleira, embatendo, desemparado, no solo, de onde resultaram, directa e necessariamente, as lesões retro descritas.

Resulta claro dos factos provados que ao arguido, que estabelecia o planeamento da execução do trabalho a realizar pelos seus trabalhadores, competia os deveres de vigilância e controlo dos riscos, estando obrigado a garantir a segurança dos mesmos na realização dos trabalhos atribuídos – de acordo com o estabelecido no artigo 44º, do Decreto-Lei nº 41821, de 11/08 e artigo 39º, do Decreto-Lei nº 50/2005, de 25/02 - o que não fez, sendo certo que se tivesse sido fornecido o arnês de segurança ou dispositivo similar, o que estava ao seu alcance, teria sido evitada a queda de BB no solo e as consequentes lesões físicas graves que sofreu (a não disponibilização desse equipamento de protecção individual foi determinante para a ocorrência destas, o que configura o nexo de causalidade).

E, assente também se encontra que o arguido/recorrente estava ciente que em virtude de estar BB a realizar trabalhos em altura, a não menos de 10 metros do solo, nos termos descritos, havia um risco de queda.

Contudo, ainda que prevendo a possibilidade da queda no solo, agiu na convicção de que tal não sobreviria, omitindo os procedimentos a que estava obrigado e que se impunham a fim de evitar aquele resultado.

Quer dizer, previu o recorrente o risco de queda no solo a que BB estava exposto e quis não proceder com o cuidado devido, a que estava obrigado e para o que tinha capacidade, tendo em atenção os conhecimentos que dispunha das circunstâncias em que seria executada a tarefa profissional pelo trabalhador, risco esse que representou como possível, mas considerou não vir a acontecer. E, porém, se concretizou.

Ou seja, quanto ao tipo subjectivo de ilícito, a realização de forma dolosa da intervenção que coloca em perigo a integridade física do trabalhador – dolo de acção) e o conhecimento da violação das regras de segurança com representação da criação do perigo para o bem jurídico em causa– criação do perigo por negligência consciente.

Provado está, ainda, que conhecia o carácter proibido da sua conduta.

Face ao exposto, preenchidos se mostram os elementos objectivos e subjectivos do crime de violação das regras de segurança, p. e p. pelos artigos 10º, nºs 1 e 2, 15º, nº 1, alínea a), 26º e 152º-B, nºs 1, 2 e 3, alínea b), por referência ao artigo 144º, alíneas a) e c), do Código Penal, por que o recorrente foi condenado.

II - Importa em relação a cada condenação constante no Certificado de Registo Criminal a menção dos elementos relativos ao crime ou crimes, data de cometimento, pena aplicada, datas da respetiva condenação e do trânsito em julgado da sentença ou acórdão, por fundamental para a dosimetria da pena.

A não descrição destes elementos implica a nulidade da sentença, nos termos do artigo 379º, nº 1, alínea a), cumprindo ao julgador da 1ª instância a reparação desta enfermidade.

Decisão Texto Integral: Acordam, em conferência, na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora
I - RELATÓRIO

1. Nos presentes autos com o nº 391/18.7GBTMR, do Tribunal Judicial da Comarca de …– Juízo Local Criminal de …, em Processo Comum, com intervenção do Tribunal Singular, foi o arguido AA condenado, por sentença de 11/05/2022, pela prática, como autor material e na forma consumada, de um crime de violação das regras de segurança, p. e p. pelos artigos 10º, nºs 1 e 2, 15º, nº 1, alínea a), 26º e 152º-B, nºs 1, 2 e 3, alínea b), por referência ao artigo 144º, alíneas a) e c), do Código Penal, na pena de 2 anos de prisão, suspensa na sua execução por igual período, com regime de prova.

Foi ainda o arguido/demandado condenado a pagar ao demandante “Centro Hospitalar…, EP” a quantia de 748,15 euros, acrescida de juros de mora à taxa legal, contados desde a notificação para contestar, a título de indemnização.

2. O arguido não se conformou com a decisão e dela interpôs recurso, tendo extraído da motivação as seguintes conclusões (transcrição):

a) O presente recurso tem como objeto toda a matéria de facto e de direito da Douta Sentença proferido nos presentes autos que condenou o Recorrente pela prática, como autor material, na forma consumada, de um crime de violação das regras de segurança, p. e p. pelos arts. 10 n.º 1 e 2, 15, nº 1 alínea a), 26, e 152-B, nº 1, 2 e 3, b), por referência ao art. 144, a) e c) todos do Código Penal numa pena de 2 (dois) anos de prisão suspensa na sua execução por igual período com regime de prova.;

b) Para a formação da convicção do Tribunal, este tomou em consideração os elementos de prova constantes dos autos, na sua globalidade, bem como a prova produzida em sede de audiência de julgamento, prova essa apreciada segundo as regras de experiência comum e a sua livre convicção;

c) A Douta Sentença padece dos vícios descritos no nº 2 do artigo 410º do CPP, já que, por um lado, há um Erro notório na apreciação da prova, havendo, ainda, insuficiência para a decisão da matéria de facto dada como provada;

d) Se dos factos em discussão nos autos, tivesse o Tribunal tomado em consideração os elementos de prova apresentados, na sua globalidade, nomeadamente a Prova testemunhal, nomeadamente;

e) Contudo consideramos que foram completamente ignorados, em sede de produção de prova, os depoimentos de algumas testemunhas de apresentadas, que provam, precisamente, que o arguido AA nunca deu ordens para que o Sr. BB subisse a qualquer telhado, tão-pouco que procedesse à sua limpeza, pelo contrário.

f) Se o Sr. BB subiu ao telhado foi por sua livre iniciativa e teimosia, amplamente demonstrada.

g) Ora, não pode, nem deve, ser o Arguido condenado por um crime para o qual não contribuiu.

h) É, assim, por mais evidente de que há um erro notório na apreciação da prova, cfr. 410.º, n.º 2, c).

E, AINDA,

i) A Douta Sentença recorrida padece de Um manifesto erro notório na apreciacão da prova, cfr. Art. 410 nº 2, c) e de uma insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, artigo 410 nº 2 a) todos do CPP, tudo extraível quer da prova documental apresentada, quer das declarações prestadas por DEPOIMENTO DA TESTEMUNHA CC - FICHEIRO:

Sessão: 03/05/2022, foi abundantemente esclarecedor sobre as ordens dadas ao trabalhador BB;

j) Resulta, inequivocamente, do depoimento da testemunha CC que nenhuma das ordens dadas ao funcionário incidiu sobre subir ao telhado.

k) Sem prova líquida, acima de qualquer dúvida, tinha o Tribunal a quo o dever de não proceder à condenação do Arguido AA.

l) O ponto anterior é revelador de que as provas impõem decisão diversa da recorrida, cfr. Artigo 412.º, n.º 3, b).

NA VERDADE,

m) Toda a matéria de facto dada como provada é insuficiente para a decisão existindo uma lacuna no seu apuramento e na descoberta da verdade material, nos termos do artigo 410.º, nº. 2, alínea a) do CPP.

n) Facilmente nos deparamos com o facto de o Tribunal dar como provados factos que a realidade probatória não demonstra, e até, aponta em sentido contrário, como é o caso do preenchimento dos requisitos previstos e punidos para os crimes de que vem o arguido condenado.

o) Houve uma manifesta insuficiência de factos para a decisão de dar como provados os factos descritos na Sentença quanto ao Arguido AA, no que ao crime de que o arguido foi condenado, havendo a violação do prescrito na aliena a) do nº 2 do artigo 4100 do CPP.

p) Havendo igualmente insuficiência para a matéria de facto dado como provada, violando a alínea a) do nº 2 do artigo 410 do CPP.

q) Sabemos, e ficou provado nos vários depoimentos, que o Empregador AA deixou o trabalhador no local e posteriormente se deslocou à seguradora para efetuar o seguro, algo que não foi possível, visto que o trabalhador caiu passados 15 minutos após ter ficado sozinho no local de trabalho.

r) Não existe prova suficiente para levar à condenação do arguido AA pelo crime de violação das regras de segurança, apenas suposições,

pelo que também quanto a este crime houve uma manifesta insuficiência para a decisão da matéria de facto dada como provada, violando a alínea a) do nº 2 do artigo 4100 do CPP.

ASSIM,

s) Há um manifesto Erro na apreciação da matéria de facto, há uma manifesta insuficiência para a decisão da matéria de facto provada e uma contradição insanável entre a fundamentação e entre a fundamentação e a decisão, violando a Douta Sentença Recorrida as disposições legais do artigo 410º nº 2 do CPP que devam levar á conclusão que a Douta Sentença Recorrida é Nula.

t) Breve síntese das provas que impõe decisão diversa da recorrida (art. 412º., nº. 3, al. b) do CPP):

a. As declarações da testemunha AA, cuja gravação em audiência e encontra gravada no FICHEIRO:

Sessão: 02/05/2022;

b. As declarações da testemunha DD, cuja gravação em audiência e encontra gravada no FICHEIRO:

Sessão: 02/05/2022;

c. As declarações da testemunha BB, cuja gravação em audiência e encontra gravada no FICHEIRO:

Sessão: 03/05/2022;

d. As declarações da testemunha CC, cuja gravação em audiência e encontra gravada no FICHEIRO:

Sessão: 03/05/2022;

FACE AO EXPOSTO, cumpriria decidir em sentido totalmente contrário, absolvendo o arguido.

PORQUE,

u) Resulta, inequivocamente, do depoimento da testemunha CC que, em momento algum, foram entregues tarefas ao Sr. BB que incluíssem qualquer trabalho em altura.

v) Quando se formula um juízo de convicção tem-se presente a existência de uma presunção de inocência e, por isso, não vale um mero juízo de maior probabilidade de que os factos terão ocorrido de determinada forma, exigindo-se um forte juízo de certeza de que os factos terão ocorrido de determinada forma, não de outra. Não se pode condenar em meras suposições.

DESTA FORMA,

w) Pode-se afirmar que não existe nos autos prova, clara, cristalina, inequívoca, irrefutável e acima de qualquer dúvida razoável, que levasse à condenação do arguido AA, pelo que deveria ter sido absolvido com base no princípio in dubio pro reo.

x) Respeitando o princípio in dubio pro reo, finda a valoração da prova e existindo uma dúvida razoável sobre os factos, dadas as contradições dos depoimentos, esta deverá favorecer o arguido.

y) Na falta de prova credível, irrefutável, como a dos Autos, e com a dúvida criada, deveria o Tribunal ter aplicado o princípio de in dubio pro reo, pelo que o arguido devia ter sido absolvido.

ALÉM DISSO,

z) O Tribunal a quo deu como provados os factos, contudo não atendeu aos princípios e critérios orientadores na escolha e dosimetria da pena, não valorando na justa medida todos os aspetos indispensáveis a uma justa e adequada punição.

aa) Nenhuma pena poderá exceder a medida de culpa do agente, cfr. art.º 40.º n. º 2 e 71.º do Código Penal.

bb) A pena de pena de 2 anos de prisão suspensa na sua execução por igual período com regime de prova aplicada pelo Douto Tribunal ao arguido AA é excessiva.

EM SUMA,

cc) Não obstante a sua reconhecida competência técnica do Douto Tribunal a quo, na errada ponderação global e crítica que fez dos factos provados e não provados, foi conduzido a uma errada interpretação e visualização da dinâmica dos acontecimentos objecto dos Autos e, consequentemente, a uma incorrecta aplicação do direito, violando assim as regras do ónus da prova aplicáveis ao caso, e do próprio princípio da livre apreciação da prova, no que se refere à condenação do arguido AA.

dd) O Douto Acórdão recorrido padece de Um manifesto erro notório na apreciação da prova, cfr. Art. 410 nº 2, c) e de uma insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, artigo 410 nº 2 a) todos do CPP, padecendo de manifesta NULIDADE.

ee) Não existiu prova inequívoca, irrefutável, acima de qualquer dúvida razoável que levasse à condenação do arguido AA pelo crime pelo qual veio a ser condenado, pelo que, em nosso entendimento, o arguido devia ter sido absolvido, quanto mais não fosse com base no Princípio in dubio pro reo.

ff) Ao condená-lo como o fez, o Douto Acórdão recorrido violou os artigos 410.º n.º 1 e n. º 2 a), b) e c), 412.º n. º 3 e 127.º, todos do Código do Processo Penal e os artigos 26.º, 10º n.º 1 e 2, 15.º, nº 1 alínea a), 26.º, e 152.º-B, nº 1, 2 e 3, b), por referência ao art. 144.º, a) e c) todos do Código Penal.

TERMOS EM QUE, E NOS MELHORES DE DIREITO QUE vas. EXAS DOUTAMENTE SUPRIRÃO, DEVE SER DADO PROVIMENTO AO PRESENTE RECURSO, E, POR VIA DELE, SER REVOGADA A SENTENÇA RECORRIDA E, EM CONSEQUÊNCIA, SER O RECORRENTE ABSOLVIDO PELA PRÁTICA, COMO AUTOR MATERIAL, NA FORMA CONSUMADA, DE UM CRIME DE VIOLAÇÃO DAS REGRAS DE SEGURANÇA, P. E P. PELOS ARTS. 10 N. º 1 E 2, 15, Nº 1 ALÍNEA A), 26, E 152-B, Nº 1, 2 E 3, B), POR REFERÊNCIA AO ART. 144, A) E C) TODOS DO CÓDIGO PENAL, E AINDA, DO PEDIDO DE INDEMNIZAÇÃO CIVIL, COM BASE NA FALTA DE PROVA ACIMA DE QUALQUER DÚVIDA RAZOÁVEL, DEVENDO SER ABSOLVIDO COM BASE NO PRINCÍPIO IN DUBIO PRO REO•,

FAZENDO-SE ASSIM, A HABITUAL E NECESSÁRIA JUSTIÇA!

3. O recurso foi admitido, a subir imediatamente, nos próprios autos e com efeito suspensivo.

4. A Magistrada do Ministério Público junto do tribunal a quo apresentou resposta à motivação de recurso, pugnando pela manutenção da decisão revidenda.

5. Neste Tribunal da Relação, o Exmº Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer no sentido de o recurso ser julgado improcedente.

6. Foi cumprido o estabelecido no artigo 417º, nº 2, do CPP, não tendo sido apresentada resposta.

7. Colhidos os vistos, foram os autos à conferência.

Cumpre apreciar e decidir.

II - FUNDAMENTAÇÃO

1. Âmbito do Recurso

O âmbito do recurso é delimitado pelas conclusões que o recorrente extrai da respectiva motivação, havendo ainda que ponderar as questões de conhecimento oficioso, mormente os vícios enunciados no artigo 410º, nº 2, do CPP – neste sentido, Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, III, 2ª edição, Editorial Verbo, pág. 335; Simas Santos e Leal Henriques, Recursos em Processo Penal, 6ª edição, Edições Rei dos Livros, pág. 103, Ac. do STJ de 28/04/99, CJ/STJ, 1999, Tomo 2, pág. 196 e Ac. do Pleno do STJ nº 7/95, de 19/10/1995, DR I Série A, de 28/12/1995.

No caso em apreço, atendendo às conclusões da motivação de recurso, as questões que se suscitam são as seguintes:

Verificação dos vícios de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada/contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão/erro notório na apreciação da prova.

Impugnação da matéria de facto/erro de julgamento/violação do princípio in dubio pro reo.

Dosimetria da pena aplicada.

Verificação dos pressupostos da obrigação de indemnizar.

2. A Decisão Recorrida

O Tribunal a quo deu como provados os seguintes factos (transcrição):

1- O arguido AA é empresário em nome individual, com o número de contribuinte …, registado nas finanças com o CAE …, com sede da “empresa” na EN …, nº …, …, …, sendo a sua actividade principal a construção de edifícios (residências e não residenciais).

2- O arguido exerce as principais funções de gestão que a administração quotidiana daquela “empresa” requer, sendo o único responsável pela gestão e administração nos mais diversos campos do giro comercial.

3- Desde o dia 4-9-2018 que BB (BB), nascido a …-…-1986, servente de construção civil, era empregado do arguido e acatava as ordens que este emanava, estando sob a sua direção e fiscalização, utilizava ferramentas, equipamentos e materiais daquele, e por esse trabalho, recebia um vencimento mensal de 580.00€, acrescido de subsídio de alimentação.

4- Neste circunstancialismo, em data não concretamente apurada, mas que se situa entre o mês de Agosto e o início do mês de Setembro de 2018, DD e o seu marido solicitaram ao arguido a limpeza do telhado da sua habitação, sita na Rua …, nº …, …, …, ….

5- No dia 06-09-2018, pelas 8:00 horas, na Rua …, nº …, …, …, …, o arguido deu ordens directas a BB para aceder à cobertura da moradia unifamiliar constituída por 2 pisos acima da cota da soleira e proceder à limpeza do telhado,

6- sem que lhe tenha disponibilizado qualquer proteção individual, nomeadamente, arnês de segurança amarrado a um ponto fixo.

7- No cumprimento das ordens e orientações emanadas pelo arguido, BB e o seu colega de trabalho EE, subiram para a cobertura da mencionada moradia, através de andaimes, levando consigo uma máquina de lavar de pressão e ácido muriático.

8- Na execução do mencionado trabalho, por prévia determinação do arguido, EE colocava o acido muriático na cobertura da moradia e BB lavava esta com a máquina de pressão,

9- que faziam sem a utilização de arnês de segurança amarrado a um ponto fixo e sem que a cobertura da moradia dispusesse de qualquer protecção colectiva

10- A dado momento, no desempenho de tais tarefas, BB escorregou e caiu a cerca de 10 metros de altura da cota da soleira, embatendo, desamparado, no solo,

11- Com o que sofreu, direta e necessariamente, dor e mal-estar físico, bem como várias fracturas na face, no pé direito e, ainda, as seguintes lesões:

Face: deformação da hemiface esquerda com afundamento acentuado. Perda das várias peças dentárias.

Ráquis: efetua movimentos da coluna vertebral sem limitações com queixas álgicas.

Membro superior direito: palpação dolorosa da face anterior do punho, sem limitações dos movimentos.

Membro superior esquerdo: palpação dolorosa da face anterior do punho, sem limitações de movimentos

Que determinaram “319 dias para a consolidação médico-legal: com afetação da capacidade de trabalho em geral (319 dias) e com afetação da capacidade de trabalho profissional (319 dias)

12- Que provocaram, ainda, em BB, “consequências permanentes mormente deformação da face, perda de várias peças dentárias, fenómenos dolorosos da coluna vertebral e dos punhos, com enquadramento no artº 144 do C.P.”

13- Naquele local inexistiam procedimentos específicos de trabalho para a realização de trabalhos em altura com identificação e avaliação dos riscos decorrentes daquela actividade, bem como medidas de segurança a adoptar pela entidade executante daquele trabalho.

14- O arguido não informou, nem deu formação, ao sinistrado BB dos procedimentos de trabalho a realizar, das medidas e dos procedimentos de protecção a adotar antes, durante e após a realização dos trabalhos, bem não lhe disponibilizou equipamentos de proteção individual a utilizar por BB, na execução daquele trabalho em altura, mormente arnês de segurança amarrado a um ponto fixo,

15- Ao ordenar e possibilitar que BB realizasse aquele trabalho em altura, naquelas condições, nomeadamente sem qualquer arnês ou qualquer outro dispositivo de segurança amarrado a um ponto fixo, o arguido sabia que violava as regras técnicas que conhecia e devia obediência decorrentes do disposto no art. 44 do DL 41821, de 11-08, no art. 11 da Portaria 101/96 de 03-04 e no art. 39 do DL 50/2005, de 25-02,

16- O arguido estava, ainda, ciente que bastava uma escorregadela ou qualquer outra situação causadora de desequilíbrio para fazer cair o referido BB de uma altura não inferior a 10 metros, como veio a suceder,

17- Deste modo, o arguido estava consciente do perigo que aquela situação representava para a vida e saúde do trabalho- prevendo como possível a sua queda no solo, e consequente, provocação de lesões físicas graves- porém, agiu convicto que, ainda assim, tal situação não viria a acontecer,

18- Sabia que para evitar aquela queda bastava ter fornecido o referido arnês de segurança ou qualquer dispositivo similar, o que estava perfeitamente ao seu alcance

19- O arguido revelou, assim, total falta de cuidado, prudência e desrespeito manifesto pelas regras de segurança quanto à execução da limpeza da cobertura da moradia unifamiliar de DD,

20- O arguido sabia que as suas condutas e omissões, acima discriminadas, eram proibidas e punidas por lei penal.

21- Na decorrência dos factos acima mencionados, o arguido foi inicialmente transportado pelo INEM para o Hospital … em …, e posteriormente foi transferido para o Hospital de ….

22 - O arguido já foi condenado pela prática dos crimes de trafico de estupefacientes, abuso de confiança, falsificação de documento e ofensa à integridade física.

Quanto aos factos não provados, inexistem.

Fundamentou a formação da sua convicção nos seguintes termos (transcrição):

Para a formação da convicção do Tribunal foi essencial a conjugação e análise crítica de toda a prova produzida, mormente, a) Testemunhal: 1- BB; 2- DD; 3- FF; 4- CC; b) Pericial: - Relatório da perícia de avaliação do dano corporal sofrido por BB a fls. 95 a 97; c) Documental: - Auto de notícia fls. 4 e 5; - Elementos clínicos fls. 51 a 70; - Inquérito de acidente de trabalho - fls. 113 a 123; - Apólice de seguro de acidentes de trabalho fls. 215; - CRC de AA, fls. 85 a 92.

O arguido apresentou uma versão que não se afigurou credível à luz das regras de experiência comum. Tendo corroborado parte dos factos, negou que no referido dia tivesse dado ordens ao trabalhador para subir ao telhado, afiançando que este subiu contra as suas ordens expressas, pois seria o próprio arguido quem iria fazer tal trabalho. Admitiu que não tinha instalado nesse momento os equipamentos de segurança descritos na acusação mas, contraditoriamente, referiu mais adiante que deu indicação ao BB para não ia para o telhado pois este não tinha seguro, todavia, acabou por mencionar que no dia do acidente fez o seguro a tal trabalhador por este estar a insistir que ia para o telhado. Questionado sobre a tarefa adstrita ao trabalhador atinente à limpeza do telhado, mencionou que o trabalhador iria apenas abrir e fechar a torneira, sendo que pelo trabalho realizado lhe iria pagar 580€, o que não oferece qualquer plausibilidade, sendo deveras inacreditável, a contratação com tal custo, de um trabalhador para tal efeito (abrir e fechar uma torneira).

Ademais se revela inverosímil que o trabalhador decidisse assumir tal risco (de ir para o telhado) contra as indicações de quem o contratou, se poderia ganhar o mesmo apenas a abrir e fechar uma torneira, sendo a pessoa que o contratou (aqui arguido) a subir ao telhado para fazer tal trabalho mais árduo o que contraria de forma vítrea as mais elementares regras da experiencia comum.

Note-se ainda que todo o material necessário para a limpeza do telhado (excepcionado o atinente à segurança) já estava no local o que também descredibiliza a versão do arguido, pois se assim era - e se era o próprio que ia efectuar a limpeza, como afirmou - não se compreende porque se ausentou do local para fazer o seguro ao trabalhador, se afinal não era este último quem iria afinal fazer tal trabalho!?

Elucidativo da postura do arguido foi a sua afirmação tendente a denegrir a imagem do ofendido atinente a um alegado passado do trabalhador acidentado relacionado com o consumo de drogas, quando afinal foi o arguido quem cumpriu pena por crime de trafico como decorre do seu CRC junto aos autos.

O depoimento da testemunha DD foi de escassa importância pois apenas descreveu que contratou os serviços do arguido e no dia do acidente e encontrou o trabalhador já no chão, ligando para o 112, nada mais acrescentando.

FF Inspectora do Trabalho relatou as condições que encontrou no local de trabalho, mormente os equipamentos de segurança em falta e descreveu os factos tal como apurou na altura, confirmando o descrito na acusação.

A testemunha CC confirmou a versão do arguido mas o seu depoimento não se afigurou credível. Com efeito, não se compreende porque nas ditas circunstâncias de tempo e lugar se encontrava tal testemunha no local, não se afigurando credível a explicação adiantada por ambos arguido e testemunha um alegado empréstimo de 300€, montante levantado nesse dia no multibanco. Isto porque, na verdade, segundo a testemunha, o arguido até já havia trabalhado para si, não se afigurando verosímil o arguido emprestar dinheiro a alguém para quem já havia trabalhado. Ademais, detecta-se aqui a mesma contradição apontada para a versão do arguido, acima explicitada. Afinal o arguido saiu do local para fazer um seguro para o trabalhador quando era ele que ia fazer tal trabalho?! Esta perplexidade compromete derradeiramente a credibilidade desta versão. E, ouvido o trabalhador BB, este de forma séria isenta e credível relatou os factos descritos na acusação, duma forma emotiva e totalmente consentânea com as regras de experiência comum e do normal acontecer, confirmando de forma perentória ter subido para o telhado por determinação do arguido, por quem foi contratado para realizar esse mesmo trabalho, não lhe sendo facultadas as condições de segurança devidas e ocorrendo o acidente na sequencia do qual sofreu as lesões descritas nos relatórios juntos aos autos. A restantes prova não se afigurou digna de relevo pelo que, da conjugação de todos os apontados elementos probatórios dúvidas não soçobram quanto à prática por parte do arguido dos factos descritos na acusação.

Apreciemos.

Verificação dos vícios de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada/contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão/erro notório na apreciação da prova

Conforme estabelecido no artigo 428º, nº 1, do CPP, os Tribunais da Relação conhecem de facto e de direito, de onde resulta que, em regra e quanto a estes Tribunais, a lei não restringe os respectivos poderes de cognição.

A matéria de facto pode ser sindicada por duas vias: no âmbito dos vícios previstos no artigo 410º, nº 2, do CPP, no que se denomina de “revista alargada”, cuja indagação tem que resultar da decisão recorrida, por si mesma ou conjugada com as regras da experiência comum, não sendo por isso admissível o recurso a elementos àquela estranhos para a fundamentar, como, por exemplo, quaisquer dados existentes nos autos, mesmo que provenientes do próprio julgamento – neste sentido, por todos, Ac. do STJ de 05/06/2008, Proc. nº 06P3649 e Ac. do STJ de 14/05/2009, Proc. nº 1182/06.3PAALM.S1, in www.dgsi.pt. - ou através da impugnação ampla da matéria de facto, a que se reporta o artigo 412º, nºs 3, 4 e 6, do mesmo diploma legal.

Sustenta o recorrente que a sentença recorrida padece dos vícios de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão e erro notório na apreciação da prova.

Como vimos, os apontados vícios, a que se reporta o artigo 410º, nº 2, alíneas a) b) e c), do CPP, respectivamente, só relevam se resultarem do texto (e do contexto) da decisão recorrida apreciado na sua globalidade, por si só ou conjugado com as regras da experiência comum. São vícios da decisão, não do julgamento, como frisa Maria João Antunes, Revista Portuguesa de Ciência Criminal, Janeiro/Março de 1994, pág. 121.

Verifica-se a “insuficiência para a decisão da matéria de facto provada” quando a matéria de facto provada seja insuficiente para fundamentar a decisão de direito e quando o tribunal não investigou toda a matéria de facto com interesse para a decisão.

Refere-se, por isso, à insuficiência da matéria de facto provada para a decisão de direito (e não à insuficiência da prova para a matéria de facto provada, questão do âmbito do princípio da livre apreciação da prova) e ocorre quando, nas palavras de Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, vol. III, Editorial Verbo, 2000, pág. 340, “a matéria de facto se apresenta como insuficiente para a decisão que deveria ter sido proferida por se verificar lacuna no apuramento da matéria de facto necessária para uma decisão de direito” porque o Tribunal “deixou de apurar ou de se pronunciar relativamente a factos relevantes para a decisão da causa, alegados pela acusação ou pela defesa, ou que resultaram da audiência ou nela deviam ter sido apurados por força da referida relevância para a decisão” - Ac. do STJ de 03/07/2002, Proc. nº 1748/02-5ª; a insuficiência “decorre da circunstância de o tribunal não ter dado como provados ou não provados todos aqueles factos que, sendo relevantes para a decisão da causa, tenham sido alegados ou resultado da discussão”, ou seja, quando da decisão revidenda resulta que faltam elementos que, podendo e devendo ser indagados ou descritos, são necessários para se poder formular um juízo seguro de condenação ou absolvição – Ac. do STJ de 18/03/2004, Proc. nº 03P3566, em www.dgsi.pt e Ac. do STJ de 21/06/2007, Proc. nº 07P2268.

Ou seja, a insuficiência para a decisão da matéria de facto, enquanto vício desta, com as consequências a que conduz – o reenvio do processo para novo julgamento quando não for possível decidir da causa, conforme consagra o nº 1, do artigo 426º, do CPP - não se identifica nem com a eventual insuficiência da prova produzida para se poder ter por assente a factualidade apurada pelo tribunal recorrido, nem com a dos factos provados para a decisão que está em causa, antes concerne à impossibilidade de permitir uma qualquer decisão segundo as várias soluções plausíveis para a questão. Se os factos provados permitem uma decisão, ainda que com orientação diferente da prosseguida, não estamos perante a insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, mas, eventualmente, face a erro de julgamento e de subsunção dos factos provados ao direito.

Quanto ao vício de contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão, está presente, como se salienta no Ac. do STJ de 29/10/2015, Proc. nº 230/10.7JAAVR.P1.S1, disponível em www.dgsi.pt, quando se dá como provado e não provado determinado facto, quando ao mesmo tempo se afirma ou nega a mesma coisa, quando simultaneamente se dão como assentes factos contraditórios e ainda quando se estabelece confronto insuperável e contraditório entre a fundamentação probatória da matéria de facto ou contradição entre a fundamentação e a decisão, quando a fundamentação justifica decisão oposta ou não justifica a decisão.

Já o erro notório na apreciação da prova verifica-se quando um homem médio, perante o teor da decisão recorrida, por si só ou conjugado com o senso comum, facilmente se dá conta de que o tribunal violou as regras da experiência ou de que efectuou uma apreciação manifestamente incorrecta, desadequada, baseada em juízos ilógicos, arbitrários ou mesmo contraditórios.

Também ocorrendo quando se violam as regras sobre prova vinculada ou das leges artis.

Como bem se esclarece no Acórdão do STJ de 29/10/2015 referenciado, o erro notório na apreciação da prova consiste em o tribunal ter dado como provado ou não provado determinado facto, quando a conclusão lógica seria a contrária já por ofender princípios ou leis formulados cientificamente, nomeadamente das ciências da natureza e das ciências físicas ou contrariar princípios gerais da experiência comum das pessoas, já por se ter violado ou postergado um princípio ou regra fundamental em matéria de prova.

O requisito da notoriedade afere-se pela circunstância de não passar o erro despercebido ao cidadão comum, ao homem médio. Ou, se partirmos de um critério menos restritivo, de acordo com o entendimento do Conselheiro José de Sousa Brito, na declaração de voto no Acórdão n.º 322/93, in www.tribunalconstitucional.pt, ao juiz “normal”, dotado da cultura e experiência que são supostas existir em quem exerce a função de julgar, desde que seja segura a verificação da sua existência, devido à sua forma grosseira, ostensiva ou evidente, consistindo, basicamente, em decidir-se contra o que se provou ou não provou ou dar-se como provado o que não pode ter acontecido - cfr. também Acs. do STJ de 18/11/2021, Proc. nº 2029/17.0GBABF.E2.S1 e 23/06/2022, Proc. nº 11/20.0GACLD.C1.S1, consultáveis em www.dgsi.pt.

Destarte, a discordância, face aos elementos de prova apreciados, entre aquilo que foi dado como provado e aquilo que o recorrente entende não ter resultado da prova produzida – ou que devia ter ficado provado – não se configura como erro notório na sua apreciação.

Ora, não suscita o recorrente questão alguma que resulte da insuficiência da matéria de facto provada, contradição da fundamentação ou entre esta e a decisão ou erro notório na apreciação da prova, enquanto vícios da matéria de facto nos termos legalmente configurados e que densificados pela jurisprudência nacional se mostram, mas tão só, relativamente à sua actuação, exprime a divergência quanto à forma como foi apreciada pelo julgador da 1ª instância a prova produzida em audiência, a convicção firmada e a subsunção efectuada dos factos ao direito, o que naqueles se não enquadra.

E, cumpre se diga, para apontar os referidos vícios faz o arguido apelo a segmentos das suas (alegadas) declarações e depoimentos de testemunhas, produzidos em audiência de julgamento, que não estão transpostos para a sentença, o que lhe está defeso, pois, como retro se referiu, a sua existência tem de ser imperativamente detectada pela leitura da decisão criticada, por si mesma ou conjugada com as regras da experiência comum.

Assim, a factualidade que provada se mostra permite uma decisão segundo as várias soluções plausíveis para as questões em causa, mesmo eventualmente diversa da que foi encontrada pelo tribunal a quo e vero é que o que aponta, na verdade, é o seu entendimento sobre a insuficiência de prova para dar como assentes os factos nos termos descritos pelo tribunal a quo.

Quanto à alegada contradição, não concretiza o recorrente onde se encontra esse vício, sendo certo que não o vislumbramos.

E, partindo do texto da decisão sob recurso também não se vê que o tribunal recorrido tenha retirado de um facto dado como provado uma conclusão logicamente inaceitável, dado como provado algo que normalmente está errado, que não podia ter acontecido, ou, de todo o modo, que do mesmo texto, usando um processo racional e lógico, suposto no cidadão comum minimamente prevenido, se retire de um facto considerado como provado uma conclusão ilógica, arbitrária e contraditória ou notoriamente violadora das regras da experiência comum.

Face ao que, improcede o recurso neste segmento.

Impugnação da matéria de facto/erro de julgamento/violação do princípio in dubio pro reo

O recorrente discorda da matéria de facto dada como provada nos pontos 5, 6 e 7, dos fundamentos de facto da decisão revidenda, fazendo apelo a segmentos das declarações próprias e dos depoimentos das testemunhas CC, BB e DD, prestados em audiência de julgamento.

Ora, quando se visa impugnar a decisão proferida sobre a matéria de facto na modalidade ampla, as conclusões do recurso, por força do estabelecido no artigo 412º, nº 3, do CPP, têm de discriminar:

a) Os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados;

b) As concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida;

c) As provas que devem ser renovadas.

Segundo o nº 4 da mesma disposição legal, quando as provas tenham sido gravadas, as especificações previstas nas alíneas b) e c) do número anterior fazem-se por referência ao consignado na acta, nos termos do disposto no nº 3 do artigo 364º (cumprindo, actualmente, face à revogação deste nº 3 pela Lei nº 94/2021, de 21/12, que entrou em vigor em 22/03/2022, considerar a remissão como feita para o seu nº 1), devendo o recorrente indicar concretamente as passagens em que se funda a impugnação, sendo que, neste caso, o tribunal procederá à audição ou visualização das passagens indicadas e de outras que considere relevantes para a descoberta da verdade e a boa decisão da causa - nº 6.

Para dar cumprimento a estas exigências legais tem o recorrente nas suas conclusões de especificar quais os pontos de facto que considera terem sido incorrectamente julgados, quais as provas (específicas) que impõem decisão diversa da recorrida, bem como referir as concretas passagens/excertos das declarações/depoimentos que, no seu entender, obrigam à alteração da matéria de facto, transcrevendo-as (se na acta da audiência de julgamento não se faz referência ao início e termo de cada declaração ou depoimento gravados) ou mediante a indicação do segmento ou segmentos da gravação áudio que suportam o seu entendimento divergente, com indicação do início e termo desses segmentos (quando na acta da audiência de julgamento se faz essa referência – o que se verifica no caso em apreço - o que não obsta a

que, nesta eventualidade, o recorrente, querendo, também proceda à transcrição dessas passagens).

Analisando as conclusões e a motivação (corpo) de recurso, constata-se que se assinalam os concretos pontos de facto considerados como incorrectamente julgados.

Contudo, não se especificam quais as concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida, com individualização das específicas passagens que alicerçam a impugnação, pois o recorrente limita-se a transcrever partes dos (alegados) declarações e depoimentos, mas sem assinalar o início e termo desses segmentos, o que se mostra essencial, pois, julgando o tribunal de acordo com as regras da experiência e a livre convicção e só sendo admissível a alteração da matéria de facto quando as provas especificadas conduzam necessariamente a decisão diversa da recorrida – face à exigência da alínea b), do nº 3, do artigo 412º, do CPP, a saber: indicação das concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida - a demonstração desta imposição compete também ao recorrente.

Com efeito, nem na motivação de recurso (corpo da mesma), nem nas respectivas conclusões, o recorrente estabelece a relação entre um específico segmento, individualizado pela menção ao seu início e termo, dos depoimentos/declarações trazidos à colação e o ponto ou pontos de facto que, por este meio, almeja alterar.

Não sendo o recurso um novo julgamento, mas um mero instrumento processual de correcção de concretos vícios praticados e que resultem de forma clara e evidente da prova indicada pelo recorrente, é patente a necessidade de impugnação especificada com a devida fundamentação da discordância no apuramento factual, em termos de a prova produzida, as regras da lógica e da experiência comum, imporem diversa decisão.

Não tendo cumprido o recorrente (nas conclusões ou sequer no corpo da motivação, realça-se pela repetição) o ónus de impugnação especificada a que estava vinculada, não pode este Tribunal da Relação conhecer do respectivo recurso nesta parte afectada e defeso estava fazer-lhe convite para aperfeiçoamento, pois trata-se de uma deficiência da estrutura da motivação, equivalente a uma falta de motivação na plenitude dos seus fundamentos, que coloca até em crise a delimitação do âmbito do recurso e esse procedimento equivaleria, na verdade, à concessão de novo prazo para recorrer, o que não pode considerar-se compreendido no próprio direito ao recurso – neste sentido, Ac. do STJ de 07/10/2004, Proc. nº 3286/04, 5ª Secção, disponível em www.dgsi.pt e Acs. do Tribunal Constitucional nºs 259/2002, de 18/06/2002 e 140/2004, de 10/03/2004, ambos consultáveis no sítio respectivo.

Não obstante, o que realmente resulta, desde logo, das conclusões do recurso, é a divergência entre a convicção pessoal do arguido sobre a prova produzida em audiência e aquela que o tribunal firmou sobre os factos, o que se prende com a apreciação da prova em conexão com o princípio da livre apreciação da mesma consagrado no artigo 127º, do CPP, cumprindo não olvidar, como é jurisprudência corrente dos nossos Tribunais Superiores, que o tribunal de recurso só poderá censurar a decisão do julgador, fundamentada na sua livre convicção e assente na imediação e na oralidade, se se evidenciar que a solução por que optou, de entre as várias possíveis, é ilógica e inadmissível face às regras da experiência comum. Se a decisão sobre a matéria de facto do julgador, devidamente fundamentada, for uma das soluções plausíveis segundo as regras da experiência, ela será inatacável, já que foi proferida em obediência à lei que impõe que ele julgue de acordo com a sua livre convicção.

Analisemos então.

O tribunal recorrido dá-nos a conhecer, como transcrito se mostra, o percurso de formação da sua convicção quanto à factualidade dada como provada colocada em causa e, também, as razões da valoração que fez relativamente à credibilidade dos depoimentos da testemunha BB e não credibilidade das versões apresentada pelo arguido e pela testemunha CC em audiência, bem como a “escassa importância” do depoimento da testemunha DD, que “apenas descreveu que contratou os serviços do arguido e no dia do acidente e encontrou o trabalhador já no chão, ligando para o 112, nada mais acrescentando”.

Como se extrai do Acórdão da Relação do Porto, de 21/04/2004, Processo nº 0314013 e Acs. da Relação de Coimbra de 18/02/2009, Proc. nº 1019/05.0OGCVIS.C1, de 10/11/2010, Proc. nº 2354/08.1PBCBR.C2 e de 09/01/2012, Proc. nº 102/10.5 TAANS.C1, todos consultáveis em www.dgsi.pt, a atribuição de credibilidade, ou não, a uma fonte de prova testemunhal ou por declarações, tem por base uma valoração do julgador fundada na imediação e na oralidade que o tribunal de recurso, em rigor, só poderá criticar demonstrando que é inadmissível face às regras da experiência comum.

No caso sub judice, o tribunal recorrido alumia, de forma desenvolvida até, as razões da valoração que fez e do texto da decisão não se retira essa inadmissibilidade.

É vero que os factos em causa (especificamente que o arguido deu ordens directas a BB para aceder à cobertura da moradia e proceder à limpeza do telhado e que no cumprimento das ordens e orientações daquele, BB subiu para a cobertura, através de andaimes, sem que lhe tenha sido disponibilizada qualquer protecção individual, mormente arnês de segurança amarrado a um ponto fixo) assentou no depoimento do ofendido BB.

Mas, como se disse, este mereceu credibilidade ao tribunal recorrido, não se vendo razão para se discordar deste entendimento e nem o recorrente assinala prova alguma com o mérito de conduzir inequivocamente a decisão diversa, importando se diga que não é por um depoimento provir do ofendido que a sua credibilidade está diminuída, elucidando até Figueiredo Dias, Direito Processual Penal, I vol., 1984, Coimbra Editora, pág. 207, que o juiz é livre de formar a sua convicção no depoimento de um só declarante em desfavor de testemunhos contrários – neste sentido também, por todos, o Ac. da Relação de Coimbra de 27/04/2016, Proc. nº 314/14.2TAGRD.C1 e Ac. da Relação de Lisboa de 03/03/2021, Proc. nº 167/12.5PDCSC.L1, disponíveis no referenciado sítio.

Não vemos, por isso, fundamento algum para divergir do juízo efectuado, tanto mais que o tribunal de 1ª instância tem o benefício da imediação e da oralidade, enquanto este Tribunal da Relação está limitado à prova documental e ao registo das declarações e depoimentos (quando o recorrente dá cumprimento às exigências legais, bem entendido, o que não é sequer o caso).

Como se elucida no Ac. da Relação de Coimbra de 02/06/2009, Proc. nº 9/05.8TAAND.C1, que pode ser lido no referenciado sítio, “a imediação, que se traduz no contacto pessoal entre o juiz e os diversos meios de prova, podendo também ser definida como “a relação de proximidade comunicante entre o tribunal e os participantes no processo, de modo tal que aquele possa obter uma percepção própria do material que haverá que ter como base da sua decisão” (Figueiredo Dias, Direito Processual Penal, Coimbra, 1984, Volume I, p. 232), confere ao julgador em 1ª instância meios de apreciação da prova pessoal de que o tribunal de recurso não dispõe.”

Daí que, continua o mesmo aresto, seja “essencialmente a esse julgador que compete apreciar a credibilidade das declarações e depoimentos, com fundamento no seu conhecimento das reacções humanas, atendendo a uma vasta multiplicidade de factores: as razões de ciência, a espontaneidade, a linguagem (verbal e não verbal), as hesitações, o tom de voz, as contradições, etc. As razões pelas quais se confere credibilidade a determinadas provas e não a outras dependem desse juízo de valoração realizado pelo juiz de 1.ª instância, com base na imediação, ainda que condicionado pela aplicação das regras da experiência comum.”

Assim, a factualidade dada como provada não merece censura, encontrando-se sustentada por prova suficiente, adequada e legalmente permitida, não se registando obliteração das regras da experiência comum.

Mas, o recorrente entende, ainda, ter sido violado o princípio in dubio pro reo.

Ora, a violação deste princípio, corolário do da presunção de inocência constitucionalmente tutelado, pressupõe “um estado de dúvida insanável no espírito do julgador”, só podendo concluir-se pela sua verificação quando do texto da decisão recorrida decorrer, por forma evidente, que o tribunal encontrando-se nesse estado, optou por decidir contra o arguido (fixando como provados factos dubitativos ao mesmo desfavoráveis ou assentando como não provados outros que lhe são favoráveis) ou, quando embora se não vislumbre que o tribunal tenha manifestado ou sentido dúvidas, da análise e apreciação objectiva da prova produzida, à luz das regras da experiência e das regras e princípios válidos em matéria de direito probatório, resulta que as deveria ter – cfr. Ac. do STJ de 27/05/2009, Proc. nº 05P0145 e Ac. da Relação de Évora de 30/01/2007, Proc. nº 2457/06-1, ambos consultáveis em www.dgsi.pt.

Percorrendo a decisão revidenda, não resulta da mesma que o tribunal a quo tenha ficado num estado de dúvida – dúvida razoável, objectiva e motivável – e que, a partir desse estado, tenha procedido à fixação dos factos provados desfavoráveis ao arguido e nem a essa conclusão (dubitativa) se chega da análise desse mesmo texto à luz das regras da experiência comum.

Não se encontrando o tribunal a quo nesse estado de dúvida e nada nos permitindo concluir que o devesse estar, não se manifesta violado o princípio in dubio pro reo.

Conforme decorre do que já ficou explicitado – concretamente da alínea b), do nº 3, do artigo 412º, do CPP, no segmento “as concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida” - para que ocorra uma alteração da matéria de facto pelo tribunal ad quem não basta que o recorrente articule argumentos que permitam concluir pela possibilidade de uma outra convicção, exige-se que demonstre que a convicção obtida pelo tribunal a quo é uma impossibilidade lógica, uma impossibilidade probatória, se mostra violadora de regras da experiência comum ou se fez uma manifestamente errada utilização de presunções naturais. Ou seja, imperativamente tem de demonstrar que as provas que traz à colação apontam inequivocamente no sentido propugnado.

Tal demonstração de que os elementos probatórios que aponta conduzem inequivocamente a uma convicção diversa daquela a que chegou o tribunal recorrido, não a fez o recorrente, pelo que não merece acolhimento a sua pretensão de alteração da matéria de facto.

Termos em que, cumpre concluir que da análise efectuada resulta que a factualidade considerada provada objecto de impugnação se apresenta sustentada por prova suficiente, adequada e legalmente permitida, não se registando obliteração das regras da experiência comum, sem margem para dúvidas razoáveis, não havendo, por isso, fundamento para a pretendida alteração da matéria de facto, não podendo proceder a pretensão do recorrente de impor a sua convicção pessoal face à prova produzida em audiência em detrimento da do julgador, pois a decisão sobre esta está devidamente fundamentada, tendo sido proferida em obediência à lei que impõe que ele julgue de acordo com a sua livre convicção – artigo 127º, do CPP.

Assim, carecendo de razão o recorrente no que tange à alteração da matéria de facto nos pontos que impugnou, tem de se considerar esta definitivamente fixada nos termos mencionados.

Dosimetria da pena aplicada

O recorrente foi condenado pela prática de um crime de violação das regras de segurança, p. e p. pelos artigos 10º, nºs 1 e 2, 15º, nº 1, alínea a), 26º e 152º-B, nºs 1, 2 e 3, alínea b), por referência ao artigo 144º, alíneas a) e c), do Código Penal.

Estabelece-se no artigo 152º-B, referenciado:

“1- Quem, não observando disposições legais ou regulamentares, sujeitar trabalhador a perigo para a vida ou a perigo de grave ofensa para o corpo ou a saúde, é punido com pena de prisão de um a cinco anos, se pena mais grave lhe não couber por força de outra disposição legal.

2 - Se o perigo previsto no número anterior for criado por negligência o agente é punido com pena de prisão até três anos.

3 - Se dos factos previstos nos números anteriores resultar ofensa à integridade física grave o agente é punido:

a) Com pena de prisão de dois a oito anos no caso do n.º 1;

b) Com pena de prisão de um a cinco anos no caso do n.º 2.

4 - Se dos factos previstos nos n.ºs 1 e 2 resultar a morte o agente é punido:

a) Com pena de prisão de três a dez anos no caso do n.º 1;

b) Com pena de prisão de dois a oito anos no caso do n.º 2.”

Provado está que, à data dos factos, BB era trabalhador do arguido, com a categoria de servente da construção civil, exercendo funções sob as ordens, direcção e fiscalização deste.

No exercício da sua actividade profissional e por ordem directa e orientações do arguido, BB subiu à cobertura da moradia constituída por dois pisos acima da cota de soleira para proceder à limpeza do telhado, sem que o arguido lhe tenha disponibilizado, para utilização, qualquer equipamento de protecção individual, mormente arnês de segurança amarrado a um ponto fixo e sem que a cobertura dispusesse de protecção colectiva.

No desempenho dessa tarefa, BB escorregou e caiu de cerca de 10 metros de altura da cota de soleira, embatendo, desemparado, no solo, de onde resultaram, directa e necessariamente, as lesões retro descritas.

Resulta claro dos factos provados que ao arguido, que estabelecia o planeamento da execução do trabalho a realizar pelos seus trabalhadores, competia os deveres de vigilância e controlo dos riscos, estando obrigado a garantir a segurança dos mesmos na realização dos trabalhos atribuídos – de acordo com o estabelecido no artigo 44º, do Decreto-Lei nº 41821, de 11/08 e artigo 39º, do Decreto-Lei nº 50/2005, de 25/02 - o que não fez, sendo certo que se tivesse sido fornecido o arnês de segurança ou dispositivo similar, o que estava ao seu alcance, teria sido evitada a queda de BB no solo e as consequentes lesões físicas graves que sofreu (a não disponibilização desse equipamento de protecção individual foi determinante para a ocorrência destas, o que configura o nexo de causalidade).

E, assente também se encontra que o arguido/recorrente estava ciente que em virtude de estar BB a realizar trabalhos em altura, a não menos de 10 metros do solo, nos termos descritos, havia um risco de queda.

Contudo, ainda que prevendo a possibilidade da queda no solo, agiu na convicção de que tal não sobreviria, omitindo os procedimentos a que estava obrigado e que se impunham a fim de evitar aquele resultado.

Quer dizer, previu o recorrente o risco de queda no solo a que BB estava exposto e quis não proceder com o cuidado devido, a que estava obrigado e para o que tinha capacidade, tendo em atenção os conhecimentos que dispunha das circunstâncias em que seria executada a tarefa profissional pelo trabalhador, risco esse que representou como possível, mas considerou não vir a acontecer. E, porém, se concretizou.

Ou seja, quanto ao tipo subjectivo de ilícito, a realização de forma dolosa da intervenção que coloca em perigo a integridade física do trabalhador – dolo de acção) e o conhecimento da violação das regras de segurança com representação da criação do perigo para o bem jurídico em causa– criação do perigo por negligência consciente.

Provado está, ainda, que conhecia o carácter proibido da sua conduta.

Face ao exposto, preenchidos se mostram os elementos objectivos e subjectivos do crime por que o recorrente foi condenado.

Inconformado se encontra também o arguido com a pena de 2 anos de prisão (suspensa na execução por igual período) que lhe foi aplicada.

Analisada a decisão recorrida, resulta que no ponto 22 dos factos provados singelamente se narra: o arguido já foi condenado pela prática dos crimes de tráfico de estupefacientes, abuso de confiança, falsificação de documento e ofensa à integridade física.

E, é indubitável que foram estas condenações (também) ponderadas para apurar a medida da pena concreta, pois da sentença consta que as necessidades de prevenção especial (…) são elevadas dados os antecedentes do arguido.

A narração factual acolhida na decisão recorrida é manifestamente insuficiente, desde logo por não revelar se as condenações em causa (que provadas foram dadas com alicerce no certificado do registo criminal do arguido) deveriam ou não deste certificado constar, mormente por legalmente se impor o seu cancelamento (nos termos do artigo 11º, da Lei nº 37/2015, de 05/05) e, neste caso, estar vedado terem influência na determinação da medida da pena, não se podendo delas retirar qualquer efeito – cfr., por todos, o Ac. da Relação de Évora de 27/09/2022, Proc. nº 570/20.7GBLLE.E1, que pode ser lido em www.dgsi.pt.

Importa em relação a cada condenação a menção dos elementos relativos ao crime ou crimes, data de cometimento, pena aplicada, datas da respetiva condenação e do trânsito em julgado da sentença ou acórdão, por fundamental para a dosimetria da pena.

A não descrição destes elementos implica a nulidade da sentença, nos termos do artigo 379º, nº 1, alínea a), cumprindo ao julgador da 1ª instância a reparação desta enfermidade.

Por outro lado, verifica-se o vício de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada – elencado na alínea a), do nº 2, do artigo 410º, do CPP - quando a matéria de facto apurada não permite uma opção fundamentada entre penas não privativas e privativas da liberdade, entre pena de prisão efectiva e penas de substituição desta ou um juízo inteiramente fundamentado sobre o doseamento da pena.

Este vício é do conhecimento oficioso.

Percorrida a sentença, resulta que o tribunal recorrido não cuidou de apurar as condições pessoais, personalidade e situação económica do arguido, nada constando da factualidade que provada se encontra, para além da menção às condenações criminais sofridas.

E, na verdade, tais factos são essenciais para a determinação da medida concreta da pena e eventual aplicação de uma pena de substituição.

Não tendo o Tribunal de 1ª instância procedido à indagação necessária à determinação da personalidade e situação pessoal, económica e social do arguido, a sentença enferma, nesta parte, do vício de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada – neste sentido, entre outros, Ac. do STJ de 06/11/2003, Proc. nº 03P3370; Ac. da Relação de Lisboa de 10/02/2010, Proc. nº 372/07.6GTALQ.L1-3; Acs. da Relação de Guimarães de 05/06/2006, Proc. nº 765/05-1 e de 11/06/2012, Proc. nº 317/11.9GTVCT.G1; Acs. da Relação de Coimbra de 05/11/2008, Proc. nº 268/08.4GELSB.C1 e de 23/02/2011, Proc. nº 83/09.8PTCTB.C1; Acs. da Relação do Porto de 18/11/2009, Proc. nº 12/08.6GDMTS.P1 e de 02/12/2010, Proc. nº 397/10.4PBVRL.P1; Ac. da Relação de Évora de 20/11/2012, Proc. nº 186/09.9GELL.E1, todos disponíveis em www.dgsi.pt.

Vício que este Tribunal da Relação pode conhecer oficiosamente, como se disse, mas não pode suprir por falta de elementos que constem dos autos.

Constatada a existência deste vício, é entendimento maioritário na jurisprudência dos nossos Tribunais Superiores que importa determinar o reenvio do processo para novo julgamento, cingido à investigação dos factos relativos à situação pessoal e económica do arguido, nos termos dos artigos 426º, nº 1 e 426º-A, do CPP.

Salvaguardando o devido respeito por tal entendimento, que obviamente é muito, perfilhamos, porém, a posição sustentada pelo Conselheiro Simas Santos expressa na declaração de voto lavrada no Ac. do STJ de 29/04/2003, Proc. nº 03P756, disponível em www.dgsi.pt, em que se afirma “a meu ver impunha-se a anulação do acórdão e a reabertura da audiência para a determinação da sanção (art. 371º do CPP), a realizar pelo mesmo Tribunal. O reenvio tem por objectivo evitar a repetição do julgamento perante o mesmo Tribunal que já tomou posição anterior sobre a valia da prova produzida. Ora, no caso, trata-se de prova suplementar, ainda não produzida e em relação à qual o tribunal recorrido ainda não assumiu posição” – perfilando-se também com esta os Acórdãos da Relação de Guimarães supra mencionados e bem assim o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 10/09/2013, Proc. nº 58/12.0PJSNT.L1-5 consultável no mesmo sítio.

Assim sendo, o recurso merece parcial provimento, ainda que por fundamento diferente dos constantes das respectivas conclusões, ficando prejudicado o conhecimento das demais questões suscitadas nas mesmas.

III - DISPOSITIVO

Nestes termos, acordam os Juízes da Secção Criminal deste Tribunal da Relação de Évora em julgar parcialmente procedente o recurso pelo arguido AA interposto, ainda que por fundamento diverso dos alegados e, em consequência:

A) Negam provimento ao recurso interposto pelo arguido quanto às questões dos vícios da sentença, impugnação da matéria de facto/erro de julgamento e violação do princípio in dubio pro reo;

B) Declaram nula a sentença recorrida, por inobservância do disposto no artigo 374º, nº 2, atento o estabelecido no artigo 379º, nº 1, alínea a), ambos do CPP, a qual deve ser reformulada pelo mesmo tribunal, sendo proferida nova decisão onde se supra o apontado vício de falta de fundamentação no que tange à mencionada factualidade descrita no ponto 22 dos factos provados;

C) Declaram verificado o vício de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada e anulam a sentença recorrida, determinando a remessa do processo ao Tribunal a quo, a fim de aí, com intervenção do mesmo Tribunal, se reabrir a audiência para apurar apenas dos factos em falta relativos às condições pessoais, personalidade e situação económica do arguido e, posteriormente, em face deles, novamente determinar a medida da pena aplicável e a adequação das penas de substituição legalmente admissíveis;

D) Não conhecem das demais questões suscitadas pelo recorrente, por se mostrarem prejudicadas, sendo que, proferida que seja nova sentença, pretendendo o recorrente que tais questões (e/ou outras relativas a esta nova peça) sejam apreciadas, terá de ser interposto o pertinente recurso.

Sem tributação.

Évora, 7 de Novembro de 2023

(Consigna-se que o presente acórdão foi elaborado e integralmente revisto pelo primeiro signatário)

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(Artur Vargues)

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(Nuno Garcia)

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(Margarida Bacelar