Acórdão do Tribunal da Relação de Évora | |||
Processo: |
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Relator: | ANA BACELAR | ||
Descritores: | CONTRAORDENAÇÕES INFRAÇÃO PERMANENTE PRESCRIÇÃO PRAZO | ||
Data do Acordão: | 09/12/2023 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Sumário: | I. A ausência de comunicação prévia que perdurou desde o início da exploração, em 20 de dezembro de 2017, até à ocasião em foi apresentada, em 18 de dezembro de 2020, evidencia uma infração permanente. II. Não pode, pois, ser o «início da exploração» a marcar termo inicial de prescrição. Este termo inicia-se quando termina o facto, ou seja, na ocasião em que foi apresentada a comunicação prévia. | ||
Decisão Texto Integral: | Acordam, em conferência, na 2.ª Subsecção Criminal do Tribunal da Relação do Évora I. RELATÓRIO S... - Supermercados, Ld.ª, com o NIF: ... e sede na Rua ..., Loja I..., em ..., impugnou judicialmente a decisão proferida pela Autoridade de Segurança Alimentar e Económica, que a condenou no pagamento de uma coima no valor de € 1 500,00 pela prática, como autora material, a título de dolo eventual e na forma consumada, de uma contraordenação prevista no n.º 7 conjugado com a alínea a) do n.º 1, do artigo 4º, todos do Regime Jurídico de Acesso e Exercício da Atividades de Comércio, Serviços e Restauração, aprovado em anexo ao Decreto-Lei n.º 10/2015, de 16/01, e punível pelo artigo 18º, alínea a) do Regime Jurídico das Contraordenações Económicas, aprovado em anexo ao Decreto-Lei n.º 9/2021, de 29/01. Enviados os autos aos Serviços do Ministério Público ... e remetidos a Juízo [Juízo Local ... da Comarca de ...], foi-lhes atribuído o n.º 140/23..... Realizada a audiência de julgamento, por sentença proferida e depositada a 8 de maio de 2023, foi decidido: «Declaro extinto o procedimento contraordenacional em 20.06.2022 relativamente à contraordenação imputada à arguida uma contraordenação, a título de dolo eventual e na forma consumada pela prática de uma contraordenação prevista no n.º 7 conjugado com a alínea a) do n.º 1, do artigo 4.º, todos do RJACSR, aprovado em anexo ao Decreto-Lei n.º 10/2015, de 16/01, e punível pelo artigo 18.º, alínea a) do Regime Jurídico das Contraordenações Económicas, aprovado em anexo ao Decreto-Lei n. 0 9/2021, de 29/01., por factos praticados em 20.12.2017. Sem custas (art.º 92.º, n.º 1 e 93.º, n.º 3, ambos do DL 433/82 a contrario).» Inconformado com tal decisão, o Ministério Público dela interpôs recurso, extraindo da respetiva motivação as seguintes conclusões [transcrição]: «A. Vem o presente recurso interposto do despacho judicial proferido em 08/05/2023, pelo Tribunal a quo, que declarou prescrito o presente procedimento contraordenacional, no âmbito do qual, por decisão proferida, em 20 de Dezembro de 2022, pela Autoridade de Segurança Alimentar e Económica (doravante ASAE), a arguida S... – Supermercados, Ld.ª, com o NIF ... e sede na Rua ..., Loja I..., legalmente representada por AA, nascido em .../.../1960, filho de BB e de CC, natural de freguesia e concelho ..., residente na Rua ..., ... em ..., foi condenada, pela prática, no dia 14 de Fevereiro de 2020, a título de dolo eventual e na forma consumada, de 1 (uma) contraordenação (falta de comunicação prévia), prevista e sancionada pelas disposições conjugadas dos artigos 1.º, n.º1, alínea a) e artigo 4.º, n.ºs 1, alínea a) e 7, do Regime Jurídico de Acesso e Exercício de Atividades de Comércio, Serviços e Restauração, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 10/2015, de 16/01 (doravante RJACSR), e 18.º, alínea a) do Regime Jurídico das Contraordenações Económicas, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 9/2021, de 29/01 (doravante RJCE), na coima de 1500,00 euros (mil e quinhentos euros). B. No entender do Tribunal a quo «(…) Nos presentes autos, não estamos perante contraordenação permanente, mas antes perante hipótese de contraordenação de estado em que, à imagem dos crimes de estado, “o agente cria uma situação, um estado antijurídico, do qual seguidamente se desprende, sem que esteja permanentemente e a todo o momento a persistir na sua resolução (como sucede nos casos de crime permanente)” - cf. Maia Gonçalves, Código Penal Português, 8.ª ed.- 1995, p. 497 e, também, Paulo Pinto de Albuquerque, Comentário do Regime Geral das Contra- Ordenações, UCP, 2011, pág. 44 . Pelo que o prazo de prescrição conta-se na data em que foi emitida a licença de utilização e que permitia a abertura da loja de conveniência, que é o momento da consumação da contraordenação. Assim, referindo-se que a licença foi emitida em 20.12.2017, é esta a data a considerar para o início do prazo prescricional». C. Com base nesse entendimento, considerou que o prazo de prescrição de três anos ocorreu em 20.06.2022, ou seja antes da data em que os presentes autos foram remetidos ao Ministério Públicos, nos termos e para os efeitos do disposto do artigo 52.ºdo RGCOC. D. Salvo melhor opinião, o Tribunal a quo ao decidir, como decidiu, não interpretou, nem aplicou corretamente o direito atinente. E. A questão essencial que move o presente recurso consiste em saber se a contra- ordenação imputada à arguida é um ilícito instantâneo com efeitos duradouros, como entende o Tribunal a quo, ou se, pelo contrário, é um ilícito permanente, como defende a signatária, fundamental para determinar a data em que se inicia o prazo de prescrição. F. Segundo Figueiredo Dias, in Direito Penal, Parte Geral, Tomo I, §51, pág. 296: “Quando a consumação de um crime se traduza na realização de um ato ou na produção de um evento cuja duração seja instantânea, isto é, não se prolongue no tempo, esgotando-se num único momento, diz-se que crime é instantâneo. Por exemplo, o homicídio consuma-se no momento em que se dá a morte da vítima, o furto no momento em que se dá a subtração da coisa. O crime não será instantâneo, mas antes duradouro (também chamado, embora com menor correção, permanente) quando a consumação se prolongue no tempo, por vontade do autor. Assim, se um estado antijurídico típico tiver uma certa duração e se protrair no tempo enquanto tal for vontade do agente, que tem a faculdade de pôr termo a esse estado de coisas, o crime será duradouro. Nestes crimes a consumação, anote-se, ocorre logo que se cria o estado antijurídico; só que ela persiste (ou dura) até que um tal estado tenha cessado. O sequestro (art.158.º) e a violação de domicílio (art.190.º - 1) são exemplos deste tipo de crimes.” – o sublinhado é da signatária. G. Na verdade, como ensina Eduardo Correia, in “Direito Criminal, I” págs. 309 e 310: “Na estrutura dos crimes permanentes distinguem-se duas fases: uma, que se analisa na produção de um estado antijurídico, que não tem aliás nada de característico em relação a qualquer outro crime; outra, e esta propriamente típica, que corresponde à permanência, ou, vistas as coisas de outro lado, à manutenção desse evento, e que, para alguns autores, consiste no não cumprimento do comando que impõe a remoção, pelo agente, dessa compreensão de bens ou interesses jurídicos em que a lesão produzida pela primeira conduta se traduz. H. A existência deste dever, naturalmente ligada à natureza dos bens jurídicos protegidos, distingue o crime permanente dos chamados crimes de efeitos permanentes - ,v. g. o furto. I. Nos crimes permanentes, realmente, o primeiro momento do processo executivo compreende todos os actos praticados pelo agente até ao aparecimento do evento (v. g. no crime de cativeiro do art.º 328º a privação da liberdade do violentado), isto é, até à consumação inicial da infracção; a segunda fase é constituída por aquilo a que certos autores fazem corresponder uma omissão, que ininterruptamente se escoa no tempo, de cumprir o dever, que o preceito impõe ao agente, de fazer cessar o estado antijurídico causado, donde resulta, ou a corresponde, o protrair - se da consumação do delito. Desta forma, no crime permanente haveria, pelo menos, uma acção e uma omissão, que o integrariam numa só figura criminosa.” - o sublinhado e o realçado a negrito é da signatária. J. Aplicando esta distinção às contraordenações, salvo melhor opinião, resulta que a infração imputada à Arguida é uma infração permanente, uma vez que é elemento do tipo a omissão do dever de comunicação prévia. K. Com efeito, estabelece artigo 4.º (Meras comunicações prévias) do RJACSR, no seu n.º 1, alínea a), que Está sujeito à apresentação de uma mera comunicação prévia o acesso a exploração, a título principal ou secundário, de estabelecimentos de comércio e de armazéns identificados na lista I do anexo I;, e o no seu n.º7 que A falta de apresentação de mera comunicação prévia nos termos dos números anteriores constitui contraordenação leve. L. Pelo que, salvo melhor opinião, não será, pois, o início da actividade a marcar o termo inicial de prescrição, como defende o Tribunal a quo, mas sim a data em que a Arguida fizer cessar a permanência ilícita da sua omissão em efectuar a comunicação prévia para o acesso à actividade desenvolvida no mencionado estabelecimento – cfr. neste sentido, vide, designadamente, Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte, de 23-04-2021, Processo n.º 01213/17.1BEAVR, Relato Luís Migueis Garcia e Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 11/01/2023, Processo n.º 566/19.1EACTB.C1, Relator Pedro Lima. M. Ora a Arguida efetuou a aludida comunicação prévia em 18/02/2020 (fls. 17 a 24). N. Donde se conclui que o decurso do prazo de prescrição de 3 (três) anos ainda não se mostra esgotado. O. Com efeito, tendo a Arguida efetuado a comunicação prévia em 18/02/2020, considerando fatores de interrupção e suspensão [ressalvados os previstos na cit. Lei 1-A/2020, de 19 de Março], mencionados nas alíneas a), c) a e) e i) do ponto 24 da Motivação, que aqui se dá por integralmente reproduzido por brevidade de exposição, o prazo de prescrição do procedimento contraordenacional só terminará no próximo dia 18/02/2025 (3 A + 1 A + 6 M + 6 M), nos termos das disposições combinadas dos artigos 28.º, n.ºs 1, alíneas a) a d), 2, e 3 do RGCO, e de suspensão previstos no artigo 27.º-A, n.ºs 1, alínea c) e 2, do RGCO, aqui aplicáveis ex vi das disposições combinadas dos artigos 145.º do RJACSR e 79.º do RJCE, e 119.º, n.º 2, alínea a), do Código Penal. P. Dado o exposto, o Tribunal a quo, decidindo como decidiu, violou o disposto dos artigos 1.º, n.º 1, alínea a), 4.º, n.ºs 1, alínea a) e 7, todos do RJACSR, 36.º, alínea b), do RJCE, e 27.º, alínea b), RGCOC, aplicável ex vi do artigo 145.º do RJACSR, e 119, n.º 2, alínea a), do Código Penal. Dado o exposto e o sempre esperado douto suprimento de V. Exas, deve ser concedido provimento a recurso e em consequência ser revogado o despacho recorrido, seguindo os autos os ulteriores termos processuais, com vista à prolação da sentença de mérito. ASSIM SE FARÁ JUSTIÇA!» O recurso foi admitido. Não houve resposta. û Enviados os autos a este Tribunal da Relação, o Senhor Procurador Geral Adjunto limitou-se a apor visto.Efetuado o exame preliminar, determinou-se que o recurso fosse julgado em conferência. Colhidos os vistos legais e tendo o processo ido à conferência, cumpre apreciar e decidir. II. FUNDAMENTAÇÃO De acordo com o disposto no artigo 412.º do Código de Processo Penal e com a jurisprudência fixada pelo Acórdão do Plenário da Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça n.º 7/95, de 19 de outubro de 1995[[1]], o objeto do recurso define-se pelas conclusões que o recorrente extraiu da respetiva motivação, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso. Posto isto, e vistas as conclusões do recurso, a esta Instância é colocada, tão só, a questão da natureza do ilícito apurado nos autos – se é instantâneo, com efeitos duradouros, ou permanente. û Na sentença recorrida foram considerados como provados os seguintes factos [transcrição]:«Da audiência de julgamento resultaram provados os seguintes factos com interesse para a decisão da causa: 1. No dia 14 de fevereiro de 2020, pelas 14h30m, na loja, denominado «Loja de conveniência do I...» sito na Rua ..., em ..., e explorada pela arguida foi verificado a falta de apresentação de mera comunicação prévia. Mais se provou que: 2. No dia 20.12.2017 foi concedido à arguida o Alvará de utilização nº ..., cuja utilização se destina a edifício ou fração autónoma que corresponde a Posto de Abastecimento de Combustíveis. 3. A licença de utilização foi emitida com a seguinte condicionante: a atividade e o funcionamento do posto de abastecimento de combustíveis deverá cumprir escrupulosamente com as condições da licença de exploração nº ... LVT , d.d. 07.11.2017, emitida pela Direção Geral da Energia e Geologia. 4. No dia 18.12.2020, a arguida deu entrada no Balcão Empreendedor o processo nº 87..., apresentando a comunicação prévia. 5. A arguida entre 2004 e 19.12.2017, explorava a venda de combustíveis da marca I.... 6. Na sequência da aquisição de um novo terreno, a arguida decidiu deslocalizar as bombas de combustível e abrir uma loja de conveniência. 7. Nessa medida, deu entrada do processo de licenciamento junto da Câmara ... e junto da Direção Geral da Economia. 8. Nenhuma das entidades mencionadas em 7. referiu da necessidade de efetuar a comunicação prévia. 9. O gerente da arguida tem o 9º ano de escolaridade. 10. O gerente da arguida tem uma formação profissional de gestão de empresas. 11. O gerente e da arguida tem experiência profissional na distribuição de produtos alimentares Das condições económicas da arguida 12. A arguida, no ano de 2021, teve um resultado líquido no valor de 300 686,16 euros.» Relativamente a factos não provados, consta da sentença [transcrição]: «Com interesse para a boa decisão da causa não se provaram quaisquer factos com relevância para a boa descoberta da verdade material dos factos. a) A arguida tinha o dever de adotar a conduta adequada à lei em causa, na medida em que o comerciante tem o dever de se informar sobre as obrigações legais que regem a sua atividade comercial. b) A arguida sabia, previu e aceitou a realização dos factos ilícitos, na medida em que sabia que estava obrigada a efetuar a mera comunicação prévia para o acesso à atividade de comércio a retalho de produtos alimentares, optando por não o fazer e conformando-se com o resultado daí adveniente, pelo que se considera que agiu com dolo eventual.» A convicção do Tribunal recorrido, quanto à matéria de facto, encontra-se fundamentada nos seguintes termos [transcrição]: «A convicção do Tribunal alicerçou-se na análise crítica e ponderada da prova produzida ou examinada em audiência de julgamento, designadamente: 1) Na prova documental, nomeadamente, cujo teor não foi impugnado: a) No autos de notícia de fls. 5 a 6, o qual permitiu dar como provado o dia, hora e local dos acontecimentos, bem como a localização da prática dos factos. b) Cópia do Alvará de utilização nº ... emitido pelo Município ... em 20.12.2017, o qual permitiu dar como provado que a arguida solicitou a esta edilidade autorização para abrir e explorar um posto de abastecimento de combustíveis e ainda que solicitou as devidas autorizações à direção Geral de Energia e Geologia (facto 2 a e 3), bem como permitiu concluir que a arguida atuou com cuidado na obtenção das licenças e autorizações necessárias, apenas não efetuando a comunicação prévia aqui em causa por desconhecimento. Circunstância que melhor se fundamentará na análise das declarações do gerente da arguida. Pelo exposto, deu-se como provado o facto 2 a 3 e como não provado os factos constantes nas alíneas a) e b). c) Correio eletrónico de fls. 21 a 22, o qual permitiu dar como provado o facto 1, isto é, que a arguida não efetuou a comunicação prévia e ainda que, após a fiscalização da ASAE, a arguida de imediato tratou de efetuar tal comunicação, o que revela que só não cumpriu tal exigência legal, por desconhecimento, cuja convicção se fundamentará em sede de apreciação das declarações do gerente da sociedade arguida e para a qual se remete. d) Declaração de instalação modificação e de encerramento dos estabelecimentos comerciais e de serviços de fls. 42 a 48, a mesma foi tida em consideração, apesar de dizer respeito ao supermercado I... igualmente explorado pela arguida, mas distinto da loja de conveniência afeta ao Posto de combustível. Na verdade, em face da data de carimbo (ano de 2008), permitiu concluir que neste momento, a comunicação prévia não era exigível para este tipo de estabelecimento (em face da data de publicação da lei em que se baseia a imputação da responsabilidade contraordenacional à arguida. (facto 4). e) Certidão de matrícula e das inscrições em vigor referente à sociedade arguida de fls. 49 a 52, a qual permitiu identificar o gerente da sociedade, o NIPC da sociedade respetiva sede. f) Cadastro de fls. 63 respeitante à sociedade arguida, o mesmo não foi tido em consideração porquanto não indica a data da prática dos factos das condenações ali constantes. g) Declaração de IES de fls. 97 a 168, a qual permitiu dar como provado o resultado líquido que a arguida obteve no ano de 2021, com a exploração da sua atividade comercial (facto 12) 2) As declarações do representante legal da arguida, mereceram credibilidade, pois de forma sincera, assumiu, com um discurso muito objetivo, toda a factualidade objetiva dada como provada, relatando as circunstâncias que rodearam a prática do facto contraordenacional. Não obstante, negou que soubesse que sabia da obrigação de efetuar a comunicação prévia. De forma muito sincera explicou que a sociedade arguida também explora um supermercado, mas que à data em que abriu a loja, tal comunicação não era exigível (declarações que se reputam como verdadeira, dado que a lei foi publicada em 2015). Antes de mais, impõe-se referir, em primeiro lugar, que a “justificação” fornecida pelo arguido não se mostra, em si mesma, totalmente desprovida de verosimilhança. Como supra referimos, a versão da arguida de que não sabia da necessidade de efetuar uma comunicação prévia à abertura da loja de conveniência, não pode ser totalmente colocada de parte. Na verdade, resulta das regras da experiência comum que, um homem médio, com a idade e as habilitações literárias do representante legal (9º ano, com uma formação profissional de gestão de empresas, apenas experiência profissional na área da distribuição de produtos alimentares e não na tramitação de processos de licenciamento de estabelecimentos comerciais), que permitisse concluir que este, na qualidade de gerente da arguida, tivesse conhecimento da legislação que determinava a obrigação de comunicação prévia. E se atentarmos na complexidade da realidade atual do comércio, a necessidade inúmera de licenças, taxas, autorizações, que são impostas para o funcionamento dum negócio como é o caso de uma loja de conveniência, mais fácil será também concluir que muitas vezes não bastará um cuidado e diligência médias para se ter assegurada uma atuação conforme o direito. Note-se que a arguida até requereu todas as licenças e autorizações necessárias em várias entidades (o que resulta igualmente da licença de utilização). Ora, se requereu todas estas licenças e autorizações junto das diversas entidades, atenta a simplicidade do processo de comunicação prévia e com taxas de baixo valor (o que ressalta do documento de fls. 23 e 24), caso tivesse conhecimento de tal exigência, não se vislumbra a razão de não efetuar tal comunicação. No caso presente, diga-se, aliás, que o Tribunal não ficou com qualquer dúvida de que a arguida não conhecia a obrigação de efetuar a comunicação prévia. E tal conclusão resultou, não apenas das suas próprias declarações, naturalmente interessadas em que essa fosse a convicção a criar no julgador, mas também da conjugação da demais prova produzida, nomeadamente do teor da licença de utilização e ainda do facto de prontamente, após a fiscalização da ASAE ter procedido a tal comunicação. Acresce que a arguida agiu com diligência e cuidado no licenciamento da abertura de loja de conveniência afeta à exploração do posto de combustível, dado que requereu até as competentes autorizações junto da direção geral de energia (o que levou a averbar uma condicionante na licença de utilização. Igualmente, também não se mostra consentâneo com as regras da experiência comum que a arguida não tivesse feito tal comunicação para poupar cerca de 15,20 euros, quando o valor da coima mínima era muito superior à data dos factos. Pergunta-se mesmo, que interesse teria a arguida em praticar este ilícito, em face do custo da taxa cobrada com tal comunicação, sabendo que muitas vezes é fiscalizada pela ASAE (circunstância declarada pelo gerente), pois o risco era enorme. Mais se diga ainda, que o engano da arguida sobre ilicitude de tal pode mesmo ter resultado de a câmara não lhe ter dado a conhecer tal obrigação em face do teor do art 7.º do DL 10/2015 (em vigor à data dos factos) segundo o qual: “1 - .As meras comunicações prévias referidas nas alíneas a) a c) e g) a m) do artigo 4.º, são apresentadas ao município territorialmente competente através do “Balcão do empreendedor”, nos termos do artigo 20.º, devendo, para efeitos de reporte estatístico, ser remetidas de imediato para a Direção-Geral das Atividades Económicas (DGAE). (…) 5 - Sem prejuízo do disposto no n.º 3, sempre que a instalação de um estabelecimento de comércio, de serviços, de restauração ou de bebidas ou de um armazém para o exercício de uma atividade de comércio ou de serviços abrangida pelo presente decreto-lei envolva a realização de operações urbanísticas sujeitas a controlo prévio municipal nos termos do RJUE, a mera comunicação prévia deve ser instruída com o competente título urbanístico ou com o respetivo código de acesso.” Tendo o arguido obtido uma licença de utilização, obviamente que esta precedeu da realização de operações urbanísticas. Ora, se assim é, a própria licença que foi emitida deveria conter esta informação. Ou seja, o Município também não advertiu a arguida de tal comunicação para fazer constar na licença que lhe emitiu em 20.12.2017. E, ao nível do “conhecimento razoável indispensável”, importa não deixar de questionar: quantas pessoas com o 9º ano de escolaridade, que têm experiência profissional da distribuição de produtos alimentares há várias décadas e tendo um supermercado desde 2008 (em cuja data não era necessária tal comunicação), representarão sequer a possibilidade de que uma “falta de comunicação prévia” possa constituir uma contraordenação (?!), quando tratou de todas as licenças e autorizações necessárias para abrir a loja de conveniência? Assim sendo deu-se como provado os factos 4 a 11 e como não provados os factos constantes nas alíneas a) e b).» Consta, ainda, da sentença recorrida «DA PRESCRIÇÃO Nos presentes autos vem imputada à arguida, a título de dolo eventual, a prática de uma contraordenação leve prevista no n.º 7 conjugado com a alínea a) do n.º 1, ambos do artigo 4.º, do RJACSR, aprovado em anexo ao Decreto-Lei n.º 10/2015, de 16/01, e punível pelo artigo 18º, alínea a) do Regime Jurídico das Contraordenações Económicas, aprovado em anexo ao Decreto-Lei n.º 9/2021, de 29/01. Da prova produzida resultou que o arguido iniciou a exploração da loja de conveniência no dia 20.12.2017 (cfr. facto provado nº 2). A fiscalização da ASAE ocorreu no dia 14.02.2020. A arguida entende que a contraordenação se deu no dia da abertura do estabelecimento. O MP pugna que se trata de uma contraordenação praticada de forma continuada, cujo termo ocorreu no dia 14.02.2020, dia da fiscalização. Coloca-se a questão do momento relevante para o início de contagem do prazo de prescrição. Nos termos do art.º 5.º, n.º 1 do RGCO: “O facto considera-se praticado no momento em que o agente atuou ou, no caso de omissão, deveria ter atuado, independentemente do momento em que o resultado típico se tenha produzido.” A contraordenação imputada à arguida consiste na falta de uma comunicação prévia a realizar em momento que precede à abertura da loja de conveniência. Dado que a realização de obras/intervenções/trabalhos é, normalmente, uma conduta prolongada no tempo, levanta-se a questão de saber qual o ato relevante para a determinação do momento da sua prática da falta de comunicação prévia, por hipótese, o seu início, a sua conclusão, ou, ainda, a legalização “posteriori” das mesmas. No caso dos presentes autos, nos termos do disposto no art.º 7.º, n.º 5 do DL 10/2015, a mera comunicação prévia deveria ter sido instruída com o competente título urbanístico ou com o respetivo código de acesso. Ou seja, deveria ter sido instruída com a licença de utilização n.º ..., em 20.12.2017. O regime legal próprio das contraordenações não contém norma que disponha sobre a questão agora enunciada, pelo que, para a dirimir, teremos de nos socorrer das disposições do Código Penal, aplicáveis a título subsidiário, nos termos do artigo 32.º, do RGCOC. A propósito do início do prazo prescricional relativo a certas categorias de crime, cuja execução se prolonga no tempo, dispõe o artigo 119.º, n.º 2, do Cód. Penal: O prazo de prescrição só corre: a) Nos crimes permanentes, desde o dia que cessa a consumação; b) Nos crimes continuados e nos crimes habituais, o dia da prática do último ato. A noção legal de crime continuado é definida pelo n.º 2, do art.º 30.º, do CP (a realização plúrima do mesmo tipo de crime ou de vários tipos de crime que fundamentalmente protejam o mesmo bem jurídico, executada por forma essencialmente homogénea e no quadro de uma mesma solicitação exterior que reduza consideravelmente a culpa do agente) e manifestamente não se aplica à situação em apreço. Na verdade, ao contrário da interpretação traçada pelo MP, em face dos critérios distintivos agora expostos, teremos de concluir que a contraordenação por que a arguida foi condenada em fase administrativa e posteriormente acusada, para efeito da determinação do momento em que se inicia o decurso do prazo de prescrição, não deve ser considerada uma contraordenação permanente, pois neste tipo de ilícitos não é o estado ou a situação antijurídica gerada que se prolonga no tempo, mas antes a própria execução, pois a eventual renovação ou atualização do propósito ilícito do agente acompanha a manutenção da situação iniciada que, assim, não pode considerar-se consumada antes de o agente pôr termo a essa mesma execução. Nos presentes autos, não estamos perante contraordenação permanente, mas antes perante hipótese de contraordenação de estado em que, à imagem dos crimes de estado, “o agente cria uma situação, um estado antijurídico, do qual seguidamente se desprende, sem que esteja permanentemente e a todo o momento a persistir na sua resolução (como sucede nos casos de crime permanente)” - cf. Maia Gonçalves, Código Penal Português, 8.ª ed.-1995, p. 497 e, também, Paulo Pinto de Albuquerque, Comentário do Regime Geral das Contraordenações, UCP, 2011, pág. 44 . Pelo que o prazo de prescrição conta-se na data em que foi emitida a licença de utilização e que permitia a abertura da loja de conveniência, que é o momento da consumação da contraordenação. Assim, referindo-se que a licença foi emitida em 20.12.2017, é esta a data a considerar para o início do prazo prescricional. Fixada a data da prática da não comunicação prévia, importa apurar se se verificou alguma causa de suspensão ou de interrupção da prescrição. O art.º 27.º, b), do Regime Geral das Contraordenações e Coimas, dispõe que: “O procedimento por contraordenação extingue-se por efeito da prescrição logo que sobre a prática da contra ordenação hajam decorrido os seguintes prazos: (…) b) Três anos, quando se trate de contraordenação a que seja aplicável uma coima de montante igual ou superior a (euro) 2 493,99 e inferior a (euro) 49 879,79; A contraordenação pela qual o arguido vem acusado é punível com uma coima mínima de 1 250,00 euros a 8 000,00 euros. Pelo que o prazo de prescrição é de 3 anos. Assim há que averiguar se se verificaram suspensões ou interrupções do prazo de prescrição. Dispõe o artigo 27.º-A (Suspensão da prescrição): 1. A prescrição do procedimento por contraordenação suspende-se para além dos casos especialmente previstos na lei, durante o tempo em que o procedimento: a) Não puder legalmente iniciar-se ou continuar por falta de autorização legal; b) Estiver pendente a partir do envio do processo ao Ministério Público até à sua devolução à autoridade administrativa, nos termos do art.º 40.º; c) Estiver pendente a partir da notificação do despacho que procede ao exame preliminar do recurso da decisão administrativa que aplica a coima, até à decisão final do recurso; 2. Nos casos previstos nas alíneas b) e c) do número anterior, a suspensão não pode ultrapassar seis meses. Por sua vez, estatui o art.º 28.º do citado preceito legal que: 1 - A prescrição do procedimento por contraordenação interrompe-se: a) Com a comunicação ao arguido dos despachos, decisões ou medidas contra ele tomados ou com qualquer notificação; b) Com a realização de quaisquer diligências de prova, designadamente exames e buscas, ou com o pedido de auxílio às autoridades policiais ou a qualquer autoridade administrativa; c) Com a notificação ao arguido para exercício do direito de audição ou com as declarações por ele prestadas no exercício desse direito; d) Com a decisão da autoridade administrativa que procede à aplicação da coima. 2 - Nos casos de concurso de infrações, a interrupção da prescrição do procedimento criminal determina a interrupção da prescrição do procedimento por contraordenação. 3 - A prescrição do procedimento tem sempre lugar quando, desde o seu início e ressalvado o tempo de suspensão, tiver decorrido o prazo da prescrição acrescido de metade. Ou seja, o prazo de prescrição acrescido de metade (3 anos + 1 ano e 6 meses), o qual não pode ultrapassar 20.06. 2022, mais o prazo de suspensão (6 meses), perfaz 5 anos, ou seja, 20.12.2022. Em face do que acima se dilucidou, verifica-se que os factos em que se radicou o presente procedimento contraordenacional ocorreram no dia 20.12.2017. As Leis n.º 1-A/2020, de 19 de Março, e n.º 4-B/2021, de 01.02, foram implementadas num período particularmente severo da pandemia, que obrigou as pessoas a permanecer em casa, em confinamento, sendo muito apertadas as exceções em que dela podiam sair. As pessoas estiveram impedidas de se deslocar aos tribunais e aos serviços administrativos, incluindo os funcionários públicos das entidades administrativas, exceto em situações de manifesta urgência. Apesar de ter sido entendimento da aqui signatária de aplicar causas de interrupção e suspensão, operaram as excecionais de suspensão decorrentes do regime trazido por via das Lei nº 1-A/2020, de 19 de março, considerando alguma jurisprudência em sentido contrário invocando a não aplicação de tal regime, reportando-se as normas de prescrição ao regime substantivo do facto criminoso e/ou contraordenacional, não podem, pensa-se, por força do princípio da legalidade, ser aplicadas de forma retroativa aos crimes e/ou contraordenações, a não ser que tal se mostre, em concreto, mais favorável ao agente. E, nessa medida, os diplomas em causa, não podem criar uma nova e completamente então desconhecida causa de suspensão dos prazos prescricionais nos processos relativos a factos praticados em momento anterior a cada um desses diplomas, assim surpreendendo por processo legiferante novo, um quadro já existente e a decorrer. Parece indubitável, crê-se, que na ótica do ordenamento jurídico penal português, em matéria de sucessão de leis penais no tempo, quer a lei nova se trate de lei temporária ou não, a sua aplicação não pode colidir com o princípio da não retroatividade da lei penal e contraordenacional, corolário do princípio da legalidade e, bem assim, não pode olvidar / ignorar a máxima da aplicação do regime penal mais favorável ao arguido (neste sentido, o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 07/09/2022, proferido no Processo nº 294/22.0T9VCD.P1, e ainda, o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 15 de dezembro de 2022, proferido no Processo nº 804/03.2PCALM-A.L1-9). A arguida foi notificada do auto de contraordenação e para exercer o seu direito de defesa em 04.09.2020 (fls. 26 a 32). Em 21.09.2020, a arguida exerce o seu direito de defesa – fls. 34 a 52. No dia 26.01.2021, foi produzida prova, nomeadamente a inquirição de uma testemunha. Por outro lado, a decisão da entidade administrativa foi elaborada em 20.12.2022 (fls. 64 a 66 verso) e notificada à arguida em 04.01.2023 – cfr fls. 69 – cfr artº 28º, nº 1, al. c) e nº 3 do RGCO. A arguida interpõe o recurso de impugnação judicial em 30.01.2023 (fls. 70 a 83). Em 01.02.2023, é que a ASAE remete os autos ao juízo local criminal ... – fls. 84. No dia 07.02.2023, os presentes autos deram entrada no núcleo central do juízo de ... (fls. 3). Não se verificam quaisquer outras causas de suspensão do prazo de prescrição. Pelo que o prazo de prescrição ocorre em 20.06.2022, no que diz respeito a esta contraordenação. Constata-se, todavia, que, quando, em 07.02.2023, deu entrada, na Secretaria do Ministério Público deste Tribunal, o presente recurso, já se encontrava decorrido o prazo máximo da prescrição (20.06.2022) . Assim, e porque não ocorreram quaisquer causas de suspensão da prescrição, impõe-se considerar, ao abrigo do disposto no art.º 28.º, n.º 3, do Regime Geral das Contraordenações e Coimas, que o presente procedimento contraordenacional prescreveu quanto à CONTRAORDENÇÃO imputada a título de dolo eventual em 20.06.2022. * Por todo o exposto, declaro o presente procedimento contraordenacional prescrito, julgando, em consequência, extinta a responsabilidade contraordenacional da arguida quanto à contraordenação, pela qual vinha acusada.»û Conhecendo.(i) Dos vícios prevenidos no n.º 2 do artigo 410.º do Código de Processo Penal Restringida a cognição deste Tribunal da Relação à matéria de direito, importa desde já referir que do exame da sentença recorrida – do respetivo texto, por si só ou conjugado com as regras da experiência comum e sem recurso a quaisquer elementos externos ou exteriores ao mesmo – não se deteta a existência de qualquer um dos vícios referidos no artigo 410.º, nº 2, do Código de Processo Penal. Efetivamente, não ocorre qualquer falha na avaliação da prova feita pelo Tribunal “a quo”, sendo o texto da decisão em crise revelador de coerência e de respeito pelas regras da experiência comum e da prova produzida. E do texto da decisão recorrida decorre, ainda, que os factos nele considerados como provados constituem suporte bastante para a decisão a que se chegou e que nele não se deteta incompatibilidade entre os factos provados e os não provados ou entre a fundamentação e a decisão. Também não se verifica a inobservância de requisito cominado sob pena de nulidade que não deva considerar-se sanada – artigo 410.º, nº 3, do Código de Processo Penal. Assim sendo, considera-se definitivamente fixada a decisão proferida pela 1ª Instância sobre a matéria de facto. (ii) Da prescrição Em causa está a natureza do ilícito que consiste na falta de comunicação prévia em momento precedente ao de abertura de loja de conveniência – É um ilícito permanente ou um ilícito instantâneo com efeitos duradouros? Quer a sentença, no segmento com o qual o Ministério Público se não conforma, quer o recurso dela interposto incluem os fundamentos teóricos que permitem responder à questão enunciada. Consta do artigo 5.º do Decreto-Lei n.º 433/82, de 27 de outubro – Regime Geral das Contraordenações e Coimas[[2]] «O facto considera-se praticado no momento em que o agente atuou ou, no caso de omissão, deveria ter atuado, independentemente do momento em que o resultado típico se tenha produzido.» «Como refere Jescheck, é de suma importância prática a distinção entre consumação formal e consumação material ou terminação. Há crimes cuja consumação formal não coincide com a consumação material ou terminação, como é o caso dos crimes de consumação antecipada (crimes de intenção, de perigo e de empreendimento), crimes em que a consumação se caracteriza pela sua estrutura interativa (crimes permanentes, crimes em dois atos e com pluralidade de atos individuais), crimes em que o resultado final ou global se obtém através de ações que não correspondem em sentido formal à descrição do respetivo tipo (destruição completa de edifício incendiado, colocação a salvo do objeto contrabandeado depois da passagem da fronteira), e crimes de unidade natural de ação e de ação continuada, sendo que o prazo para a perseguição penal (denúncia, queixa), tal como para efeitos de prescrição do crime, não se inicia enquanto não se verificar a sua terminação, ou seja, a consumação material.»[[3]] «Quando a consumação de um crime se traduza na realização de um ato ou na produção de um evento cuja duração seja instantânea, isto é, não se prolongue no tempo, esgotando-se num único momento, diz-se que crime é instantâneo. Por exemplo, o homicídio consuma-se no momento em que se dá a morte da vítima, o furto no momento em que se dá a subtração da coisa. O crime não será instantâneo, mas antes duradouro (também chamado, embora com menor correção, permanente) quando a consumação se prolongue no tempo, por vontade do autor. Assim, se um estado antijurídico típico tiver uma certa duração e se protrair no tempo enquanto tal for vontade do agente, que tem a faculdade de pôr termo a esse estado de coisas, o crime será duradouro. Nestes crimes a consumação, anote-se, ocorre logo que se cria o estado antijurídico; só que ela persiste (ou dura) até que um tal estado tenha cessado. O sequestro (art.158.º) e a violação de domicílio (art.190.º - 1) são exemplos deste tipo de crimes.” [[4]] «Na estrutura dos crimes permanentes distinguem-se duas fases: uma, que se analisa na produção de um estado antijurídico, que não tem aliás nada de característico em relação a qualquer outro crime; outra, e esta propriamente típica, que corresponde à permanência, ou, vistas as coisas de outro lado, à manutenção desse evento, e que, para alguns autores, consiste no não cumprimento do comando que impõe a remoção, pelo agente, dessa compreensão de bens ou interesses jurídicos em que a lesão produzida pela primeira conduta se traduz. Nos crimes permanentes, realmente, o primeiro momento do processo executivo compreende todos os atos praticados pelo agente até ao aparecimento do evento (v. g. no crime de cativeiro do art.º 328º a privação da liberdade do violentado), isto é, até à consumação inicial da infração; a segunda fase é constituída por aquilo a que certos autores fazem corresponder uma omissão, que ininterruptamente se escoa no tempo, de cumprir o dever, que o preceito impõe ao agente, de fazer cessar o estado antijurídico causado, donde resulta, ou a corresponde, o protrair - se da consumação do delito. Desta forma, no crime permanente haveria, pelo menos, uma ação e uma omissão, que o integrariam numa só figura criminosa.» E aqui chegados, impõe-se ter presente que, «Conquanto a lei refira que o prazo de prescrição se conta a partir da prática da contraordenação, a verdade é que, em regra, a contagem do prazo de prescrição não deve nem pode ser feita a partir do momento da prática da contraordenação, tal como vem definido no artigo 5.º deste Regime Geral, mas antes a partir do momento (dia) em que o facto se tiver consumado ou terminado (concluído), de acordo com o disposto no artigo 119.º, números 1 e 4, do Código Penal (…). Por outro lado, certo é que relativamente às contraordenações não consumadas ou tentadas, bem como às contraordenações permanentes e continuadas, há que ter em atenção, também, as regras de contagem estabelecidas no número 2, do artigo 119.º do Código Penal, aqui aplicáveis subsidiariamente (art.32.º). (…) «contraordenação permanente é aquela em que o momento de consumação perdura por um tempo mais ou menos longo e, enquanto dura essa permanência, o agente encontra-se a cometer a contraordenação. Assim, tempo da comissão da contraordenação permanente é todo o espaço que vai até à terminação do facto (consumação material).»[[5]] A factualidade provada evidencia uma infração permanente – a ausência de comunicação prévia perdurou desde o início da exploração, em 20 de dezembro de 2017, até 18 de dezembro de 2020, ocasião em foi apresentada. Não pode, pois, ser o “início da exploração” a marcar termo inicial de prescrição. Este termo inicia-se quando termina o facto, ou seja, na ocasião em que foi apresentada a comunicação prévia – concretamente, no dia 18 de dezembro de 2020. Não ocorre a prescrição do procedimento contraordenacional. O recurso procede. Revogando-se a decisão recorrida, no segmento em que declarou a prescrição, e ordenando-se o conhecimento da contraordenação imputada à Arguida S... - Supermercados, Ld.ª, com base nos factos já fixados, como provados e não provados. III. DECISÃO Em face do exposto e concluindo, decide-se conceder provimento ao recurso interposto pelo Ministério Público e, em consequência, revogar a decisão recorrida, no segmento em que declarou a prescrição, e ordenar o conhecimento da contraordenação imputada à Arguida S... - Supermercados, Ld.ª, com base nos factos já fixados, como provados e não provados. Sem tributação. û Évora, 2023 setembro 12Ana Luísa Teixeira Neves Bacelar Cruz Beatriz Marques Borges Maria Leonor de Campos Vasconcelos Esteves __________________________________________ [1] ] Publicado no Diário da República de 28 de dezembro de 1995, na 1ª Série A. [2] ] Aprovado pelo Decreto-Lei n.º 433/82, de 27 de outubro, e alterado pelos Decretos-Lei n.º 356/89, de 17 de outubro, n.º 244/95, de 14 de setembro, n.º 323/2001, de 17 de dezembro, e pela Lei n.º 109/2001, de 24 de dezembro. [3] ] Acórdão do Tribunal Central Administrativo do Norte, de 22 de abril de 2022, proferido no processo n.º 01213/17.1BEAVR e acessível em www.dgsi.pt [4] ] Figueiredo Dias, in Direito Penal, Parte Geral, Tomo I, § 51, página 296: [5] ] António de Oliveira Mendes e José dos Santos Cabral, Notas ao Regime Geral das Contraordenações e Coimas, Almedina, 2.ª Edição, página 78 e 79. |