Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
22/20.5GCABT.E1
Relator: CARLOS DE CAMPOS LOBO
Descritores: CONDUÇÃO EM ESTADO DE EMBRIAGUEZ
PENA PRINCIPAL
PENA DE SUBSTITUIÇÃO
PROPORCIONALIDADE
Data do Acordão: 07/12/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário:
I – Estando em causa crime de condução de veículo em estado de embriaguez, e para a determinação da medida concreta da pena, considerando os parâmetros fixados no artigo 71º do CPenal, não importa só atribuir relevância a que o arguido recorrente atuou com dolo direto – dolo do primeiro grau -, logo na sua modalidade mais intensa, e que é de monta a ilicitude, revelada em duas situações em apreciação, face à taxa de alcoolemia exibida pelo arguido - 2,79g/l, a que corresponde a TAS de 3,20g/l registada e 2,594 g/l, a que corresponde a TAS de 2,82g/l registada.
II- Importa igualmente considerar que o arguido recorrente não tem qualquer passado criminal, encontra-se social, familiar e profissionalmente inserido, sendo que nos dois episódios em ponderação não foi interveniente em qualquer acidente de viação, viajava sozinho, embora numa delas evidenciasse uma condução irregular.
III – Assim, ante este retrato, apelando-se a algum rigor em termos de juízo de censura a realizar, face ao significativo grau de alcoolemia no sangue existente, crê-se que exulta de manifesto exagero aplicar um tempo de 10 meses de prisão por cada crime, e não equacionar a sua substituição, por pena de multa, nos termos do que reza o artigo 45º do CPenal.
IV – De mais nítida desproporção, a escolha da pena de substituição da suspensão da execução da pena de prisão, mediante a imposição de algumas regras de conduta que se reputam de bondade e admissibilidade questionáveis e, bem assim, de duvidosa concretização e até compreensão, tais como frequentar tratamento e consultas (no mínimo mensais) de psiquiatria e psicologia (junto do serviço nacional de saúde) de modo a trabalhar as suas competências pessoais e combater personalidade de caraterísticas narcisistas e combater o sentimento de prejudicado, com desconfiança e ressentimento; receber visitas do técnico de reinserção social e comunicar-lhe ou colocar à sua disposição informações e documentos comprovativos dos seus meios de subsistência; não frequentar cafés, bares e outros estabelecimentos que procedam à venda de bebidas alcoólicas; não possuir quaisquer tipos de bebidas alcoólicas dentro da sua residência, cuja verificação será a efetuar pela DGRSP, permitindo o arguido a entrada desta entidade na sua habitação; efetuar testes de despiste de ingestão de bebidas alcoólicas pela DGRSP ou pela equipa médica de tratamento, de forma aleatória.
Decisão Texto Integral:

Acordam em Conferência na Secção Criminal (2ª subsecção)

I – Relatório

1.No processo nº 22/20.5GCABT da Comarca de Santarém – Juízo Local Criminal de Abrantes, foi proferida sentença em que se decidiu condenar o arguido AA, divorciado, natural da freguesia e concelho do Sardoal, (…), residente na (…) Sardoal, como:
- autor material e na forma consumada, de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, previsto e punido pelo artigo 292º, nº 1, do CPenal, cometido em 22/02/2020, na pena de DEZ (10) MESES DE PRISÃO;
- autor material e na forma consumada, de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, previsto e punido pelo artigo 292º, nº 1, do CPenal, cometido em 15/08/2021 na pena de DEZ (10) MESES DE PRISÃO;
- Em cúmulo jurídico, nos termos do disposto no artigo 77º, nº 1, do CPenal, na pena única de 15 (QUINZE) MESES de prisão., suspensa na sua execução por igual período, nos termos do disposto no artigo 50º, nºs 1, 2 e 5 do CPenal, com sujeição, de acordo com o plasmado no artigo 52º, nºs 1, alíneas b), c), 2, alíneas b) e f) e 3 do mesmo diploma legal, às seguintes REGRAS DE CONDUTA:
i. Não ingerir bebidas alcoólicas.
ii. Realização, durante o período da suspensão, de entrevistas MENSAIS com técnicos da DGRSP, devendo ser trabalhadas as suas competências pessoais de modo a eliminar o sentimento de desresponsabilização do seu comportamento (quanto ao consumo de bebidas alcoólicas) e ablação de crenças associadas ao consumo/dependência de álcool, que legitimam a desresponsabilização dos comportamentos bem como trabalhando as suas competências pessoais de modo a perceber que sofre de Síndrome de Dependência.
iii. Submeter-se e manter-se a tratamento em regime de internamento em comunidade terapêutica ou hospitalar para combater o Síndrome de Dependência alcoólica, sendo certo que o arguido já deu o seu assentimento à sujeição a eventual tratamento (artigo 52º, n.º 3 do CPenal);
iv. Frequentar tratamento e consultas (NO MÍNIMO MENSAIS) de psiquiatria e psicologia (junto do serviço nacional de saúde ou no âmbito do internamento em comunidade terapêutica, mesmo após alta médica do internamento) realizando terapia adequada à sua dependência e de comportamento decorrente do uso de álcool, modo a trabalhar as suas competências pessoais e combater personalidade de caraterísticas narcistas e combater o sentimento de prejudicado, com desconfiança e ressentimento, com base real ou imaginária, com dificuldade em aceitar a falta de reconhecimento de outros, e a desinibição de comportamento que o pode levar a conduzir sobre o efeito do álcool.
v. Responder a convocatórias do magistrado responsável pela execução e do técnico de reinserção social;
vi. Após alta médica relativamente ao internamento em comunidade terapêutica ou hospitalar, receber visitas do técnico de reinserção social e comunicar-lhe ou colocar à sua disposição informações e documentos comprovativos dos seus meios de subsistência e da frequência do tratamento em ambulatório e consultas de psiquiatria e psicologia;
vii. Informar o técnico de reinserção social sobre alterações de residência.
viii. Após alta médica do internamento em comunidade terapêutica, não frequentar cafés, bares e outros estabelecimentos que procedam à venda de bebidas alcoólicas (exceto supermercados ou hipermercados).
ix. Após alta médica do internamento em comunidade terapêutica ou hospitalar, não possuir quaisquer tipos de bebidas alcoólicas dentro da sua residência, cuja verificação será a efetuar pela DGRSP, permitindo o arguido a entrada desta entidade na sua habitação.
x. Após alta médica do internamento em comunidade terapêutica ou hospitalar, efetuar testes de despiste de ingestão de bebidas alcoólicas pela DGRSP ou pela equipa médica de tratamento, de forma aleatória.
xi. Após alta médica do internamento em comunidade terapêutica, frequentar cursos de sensibilização para a problemática do álcool na condução automóvel, à escolha da DGRSP, e ainda manter-se sem ingestão de bebidas alcoólicas.
*
Mais foi condenado, pelo crime praticado em 22.02.2020 e pelo crime praticado em 15.08.2021 nas penas acessórias de proibição de conduzir quaisquer veículos motorizados pelo período de 8 (OITO) MESES, relativamente a cada um deles, nos termos do artigo 69º, nº 1, alínea a), do CPenal e, em cúmulo jurídico, de acordo com o disposto no artigo 77º, nº 1, do mesmo diploma legal, na pena única acessória de proibição de conduzir quaisquer veículos motorizados pelo período de 12 (DOZE) MESES.

2.Inconformado com o decidido, recorreu o arguido questionando a pena que lhe foi cominada, concluindo: (transcrição)

I - A pena de multa realiza de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.
II - Ao ter entendido de outra forma, a decisão recorrida violou o artigo 70º do Código Penal.
Caso assim não se entenda,
III - É adequada e suficiente para satisfazer as necessidades da punição uma pena única não superior a 12 (doze) meses de prisão.
IV - Ao ter entendido de outra forma, a decisão recorrida violou o artº 77º do Código Penal.
V - A substituição de uma pena de prisão não superior a 12 (doze) meses por prestação de trabalho a favor da comunidade é bastante para permitir o tratamento da adição alcoólica, uma vez que o Tribunal pode aplicar ao arguido as regras de conduta previstas nos nºs 1 a 3 do artº 52º do Código Penal.
VI - Ao ter entendido de outra forma, a decisão recorrida violou o artº 58º do Código Penal.
Porém,
VII - A regra de conduta consistente em não frequentar cafés, bares e outros estabelecimentos que procedam à venda de bebidas alcoólicas (excepto supermercados ou hipermercados) revela-se manifestamente desproporcionada, considerando a determinação do arguido para o tratamento da dependência, as suas condições e horário laborais e a necessidade de refeição de almoço em restaurante, devendo tais estabelecimentos merecer a exclusão àqueles conferida.
VIII - Ao ter entendido de outra forma, a decisão recorrida violou o artº 51º, nº 2, do Código Penal, aplicável por força do disposto no artº 52º, nº 4, do Código Penal.
IX - Mostra-se adequada e proporcional, e suficiente para satisfazer as necessidades da punição, enquanto pena acessória, a aplicação de uma pena única de 9 (nove) meses de proibição de conduzir veículos a motor.
X – Ao ter entendido de outra forma, a decisão recorrida violou o artº 71º do Código Penal.
Termos em que, concedendo provimento ao presente recurso, deve revogar-se a douta sentença, substituindo-a por douto acórdão que condene o arguido em pena de multa; caso assim não se entenda, condenando o arguido em pena de prisão não superior a 12 (doze) meses, deve substituí-la por prestação de trabalho a favor a comunidade, sujeita a regras de conduta, mais condenando o arguido na pena acessória de proibição de conduzir veículos a motor por um período de 9 (nove) meses,
Assim se fazendo,
JUSTIÇA!
Espera, muito respeitosamente

3. O Ministério Público, em primeira instância, em resposta, reproduzindo grande parte da sentença, sem apresentar quaisquer conclusões, vem defender, em síntese:

- quanto ao primeiro crime deve ser imposta ao arguido recorrente uma pena de 120 (cento e vintes) dias de multa;
- quanto ao segundo crime deve ser aplicada uma pena de prisão situada entre o primeiro quarto e o meio da moldura penal aplicável, concretamente 6 (seis) meses, suspensa pelo período de 1 (um) ano;
- afigura-se que a aplicação das regras de conduta referidas em viii) e ix) carecem de razoabilidade podendo até invadirem de forma desproporcionada/desrazoável a liberdade de movimento e reserva da intimidade privada que o Arguido, enquanto titular de direitos, não deixou de ter.
- no que concerne à pena acessória de proibição de conduzir veículos com motor será equilibrado a pena de 5 meses para a primeira situação e a de 8 meses para a segunda, em cúmulo a pena única de 10 meses.

4. Subidos os autos a este Tribunal da Relação, a Ex.ma Senhora Procuradora-Geral Adjunta, na intervenção a que alude o artigo 416.º do CPPenal, emitiu parecer pronunciando-se no sentido de que possa o recurso interposto pelo arguido obter parcial provimento nos termos que são delimitados pelo Ministério Público na primeira instância, com os quais concordamos.

Não houve resposta ao parecer.

5. Efetuado exame preliminar e colhidos que foram os vistos legais, cumpre agora, em conferência, apreciar e decidir.

II – Fundamentação

1.Questões a decidir

Sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso, designadamente a verificação da existência, ou não, dos vícios indicados no artigo 410°, n° 2 do CPPenal, o âmbito do recurso é dado, nos termos do artigo 412º, nº 1 do citado complexo legal, pelas conclusões extraídas pelo recorrente da respetiva motivação, nas quais sintetiza as razões do pedido - jurisprudência fixada pelo Acórdão do Plenário das secções do STJ de 19/10/95 in D.R., I-A de 28/12/95.
Tendo em conta os fundamentos do recurso interposto pelo arguido e os poderes de cognição deste tribunal, surgem como questões colocadas para apreciação, abarcando todos os pontos referidos nas conclusões apresentadas:
- Penas principais, modalidade e dosimetria;
- Penas acessórias, dosimetria.

2. Apreciação

2.1. O Tribunal recorrido considerou provados os seguintes factos: (transcrição)

a) Factos provados
A matéria de facto provada em audiência de julgamento é a seguinte:
NUIPC 22/20.5GCABT
1. No dia 22.02.2020, pelas 17.00H, o arguido conduziu o veículo automóvel ligeiro de passageiros, com a matrícula xx-xx-xx, na Rua 5 de Outubro, Sardoal, Abrantes, apresentando uma taxa de álcool no sangue no valor de, pelo menos, 2,79g/l, a que corresponde a TAS de 3,20g/l registada.
2. Bem sabia o arguido que ingerira bebidas com teor alcoólico e em quantidade que determinava uma taxa de álcool no sangue superior a 1,2 g/l e que, por isso, não podia conduzir na via pública ou equiparada, como efetivamente fez.
3. Atuou o arguido de forma livre, voluntária e consciente, bem sabendo ser a sua conduta proibida e punida pela lei penal em vigor.
NUIPC 135/21.6GCABT
4. No dia 15 de agosto de 2021, pelas 19h00, AA conduziu o veículo automóvel ligeiro de passageiros, com a matrícula 11-08-XO, na Estrada Nacional 353-3, Sardoal, com uma taxa de álcool no sangue de 2,82 g/l, correspondente a 2,594 g/l, deduzido o erro máximo admissível.
5. AA sabia que tinha ingerido bebidas alcoólicas e em quantidades tais que determinar-lhe-iam necessariamente uma TAS superior a 1,2 g/l e que, por esse facto, as suas faculdades psicológicas necessárias à condução daquele veículo estavam consideravelmente reduzidas, designadamente no que respeita à coordenação das funções de sensação e de perceção, e à coordenação motora.
6. Conhecia ainda as características do mencionado veículo e o local onde o conduziu.
7. Mais sabia que conduzir o aludido veículo, naquela via pública, com a referida taxa de álcool de sangue, era proibida e punida por lei, como tinha a necessária capacidade para se autodeterminar de acordo com essa valoração e estava livre na sua vontade.
8. Apesar disso, quis atuar, como atuou.
9. Agiu assim de forma consciente, livre e deliberada.
Mais se provou que:
10. Na situação referida em 1 o arguido percorreu cerca de 100m de distancia.
11. Apresentava uma condução que se traduzia em grandes acelerações (com a embraiagem acionada), seguida de travagens e condução ligeiramente ziguezagueante.
12. Na situação referida em 4., o arguido pretendia conduzir cerca de 2 km.
13. Não foi interveniente em acidente de viação, em ambas as situações.
14. Não transportava qualquer passageiro, em ambas as situações.
15. Ingeriu cerveja, mas em quantidade não concretamente apurada.
16. O arguido é possuidor do diagnóstico de Síndrome de dependência de álcool (uso contínuo em quantidades moderadas e uso episódico em quantidades excessivas).
17. O arguido, na data dos factos sofria de dependência alcoólica com as seguintes características “ (…) assinala moderada frequência e quantidade de consumos de álcool bem como a pouca frequência de consumo elevado”
18. As alterações nos exames complementares diagnóstico (realizados em 2022) são compatíveis com esta descrição.
19. O examinando tem perfeito conhecimento dos efeitos do consumo do álcool no seu organismo, mantendo íntegras as suas capacidades volitivas e de autodeterminação.
20. Na altura da prática dos factos que lhe estão imputados, o arguido encontrava-se capaz de avaliar o alcance dos seus atos.
21. O arguido, atualmente, mantém padrão semelhante de consumos de álcool.
22. Porém, o arguido conhece os efeitos maléficos que o consumo de bebidas alcoólicas exerce sobre o seu comportamento.
23. O arguido tem capacidade de opção de se abster ou não do seu consumo e influenciando desse modo o seu comportamento.
24. Relativamente à Personalidade, o arguido mostrou acentuada defensividade e elevada desejabilidade.
25. Apresenta características de personalidade narcisista.
26. Apuram-se características que tende a construir argumentação que exagera as suas qualidades e sobrevaloriza-se.
27. Sente-se prejudicado, com desconfiança e ressentimento, com base real ou imaginária, com dificuldade em aceitar a falta de reconhecimento de outros.
28. São sujeitos que projetam a culpa e a hostilidade, expressando conteúdo agressivo de forma indireta, assumindo uma atitude de aparente intrapunitiva
29. Em relação ao consumo de bebidas, o arguido reconhece que não pode conduzir sob a ação de álcool.
30. O arguido tem capacidade que lhe permite de comportar-se de forma assertiva e não conduzir após a ingestão de bebidas alcoólicas.
31. O consumo de álcool poderá provocar no arguido alguma desinibição do comportamento.
32. O arguido é imputável.
33.O grau de intoxicação referido em 1 e 4 é considerado bastante elevado que poderá levar:
a) a um grande aumento do tempo de reação (por exemplo perante um obstáculo na via poderá não ter tempo para imobilizar o carro);
b) grande dificuldade na coordenação o que dificulta a execução de uma tarefa complexa como a condução;
c) dificuldade na perceção das distâncias e das velocidades;
d) aumento da sonolência e diminuição da avaliação dos riscos
34. Durante a realização da perícia, o arguido estava calmo, com postura defensiva e com discurso espontâneo, fluente e gramatical.
35. Orientado no tempo e no espaço.
36. O arguido apresentou dificuldades na capacidade de abstração, não interpreta provérbios, sabe a semelhança entre um pássaro e um avião.
37. Humor eutímico, sem grande expansividade ou variação.
38. Sobre as consequências do consumo, nega sentimentos de culpa após consumo, lapsos de memoria, lesões relacionadas com o consumo de álcool.
39. Afirma preocupações dos outros pelos consumos.
40. O arguido assume consumos de álcool que considera normativos, ao contrário da conclusão da perícia referida em 16.
41. O arguido deu consentimento para se submeter a tratamento ao Síndrome de Dependência do Álcool, em regime de internamento.
Das condições sociais, familiares e económicas do arguido
42. O arguido vive sozinho num apartamento arrendado, sito em zona central da vila do Sardoal.
43. O arguido é funcionário judicial, exercendo a sua atividade profissional em Abrantes, cidade que se situa a cerca de dez quilómetros de sua residência.
44. O movimento pendular que efetua diariamente entre a sua residência e o seu local de trabalho é habitualmente feito de automóvel.
45. O arguido encontra-se divorciado há cerca de quatro anos.
46. Tem dois filhos, um que se encontra a fazer um doutoramento e outro uma licenciatura em Lisboa, com quem convive quando aos fins de semana se deslocam ao Sardoal.
47. O pai de AA, de 88 anos, reformado, encontra-se a residir na vila do Sardoal, bem como uma irmã, elementos da família com quem privilegia o convívio familiar.
48. O arguido não desenvolve qualquer atividade de lazer estruturada, passando os seus tempos livres em casa ou a conviver com familiares.
49. Na comunidade é associado ao consumo de bebidas alcoólicas.
50. Tem o 11.º ano de escolaridade.
51. O arguido terá iniciado o consumo de bebidas alcoólicas durante a sua adolescência, considerando que nunca permitiu que o consumo interferisse com as suas responsabilidades pessoais, familiares, profissionais ou sociais.
52. O arguido reconheceu o consumo de bebidas alcoólicas de forma moderada, considerando que soube sempre gerir esse consumo, não reconhecendo problemáticas associadas, minimizando efeitos decorrentes do comportamento aditivo.
53. O arguido referiu que como vive sozinho, por vezes aos fins de semana toma refeições em restaurantes, aproveitando para conviver um pouco, o que por vezes, se traduz no consumo de bebidas alcoólicas.
54. Manifestou ansiedade face ao possível impacto da presente situação processual, em termos pessoais.
Dos antecedentes criminais
55. O arguido não tem antecedentes criminais averbados.
b) Factos NÃO provados
Com interesse para a decisão da causa, não resultaram provados outros factos:

2.2. Motivação da Decisão de Facto (transcrição):

A convicção do Tribunal alicerçou-se na inteligibilidade e análise crítica e ponderada da prova produzida em audiência de julgamento, designadamente:
Na prova pericial:
Na certidão do teor das Perícias de avaliação psiquiátrica e psicológicas realizadas de fls. 169 a 174 e 189 a 205 (…) e dos quais resultaram provados os factos constantes dos pontos 17 a 41.
Relatório Final emitido pelo serviço de química e toxicologia forenses com identificação 2020/000549/CR-T-AR, nº 20.000549.1 de fls. 78, o qual permitiu dar como provado o facto1.
Na seguinte prova documental:
No auto de notícia de fls. 73 a 74 verso (…) permitiu dar como provado o dia, hora e local dos acontecimentos (facto 1).
No auto de notícia de fls. 2 a 5 (…) permitiu dar como provado o dia, hora e local dos acontecimentos (facto 4).
No talão do aparelho Drager modelo 7110MKIII P, com número de série ARAA-0067, a fls. 18 (…) (facto 4)
C.R.C. do arguido de fls. 215, no que respeita à ausência de antecedentes criminais (facto 55).
Relatório social de fls. 209 a 214, o qual permitiu apurar as circunstâncias de vida do arguido e sua personalidade, porquanto elaborado de forma objetiva, fundamentada, conseguido através de entrevistas e contactos com o arguido, deslocação domiciliária, contacto com pessoas não, permitindo dar como provado os factos n° 42 a 54.
Nas declarações do arguido, o qual confessou, com reservas, os factos de que vinha acusado, e respeitante ao processo nº 135/21.6GBABT, nomeadamente as circunstâncias que rodearam a prática do crime, esclarecendo que tipo de bebida ingeriu, sendo certo que não se lembra da quantidade. Reportou que não foi interveniente em qualquer acidente nem transportava qualquer passageiro. Mais declarou que sabia que conduzir durante o período em que está proibido de o fazer por decisão judicial pratica crime e que mesmo assim optou por fazê-lo (factos 4 a 9 e 12 a 15).
No que diz respeito aos factos reportados no NUIPC 22/20.5GCABT, o arguido negou tenha conduzido, apenas tendo ido estacionar o carro, porque os militares da GNR lhe solicitaram tal manobra, cujo pedido entendeu como uma ordem, pelo que concluiu que conduziu porque foi obrigado.
Instado pelo Tribunal, referiu que não informou os militares que não estava em condições de conduzir, por ter estado previamente a ingerir bebidas alcoólicas. Também esclareceu que os militares não se aperceberam que tinha estado momentos antes a beber.
Contudo, as suas declarações foram colocadas em crise pelas testemunhas Joaquim
BB e CC, militares da GNR e que fiscalizaram o arguido, os quais afirmaram, de forma perentória, que este conduziu na Rua 5 de outubro, apresentando uma condução inadequada e por esse motivo o mandaram parar.
Deu-se mais credibilidade a estas testemunhas do que à versão apresentada pelo arguido, dado que o arguido nem se quer se recordava de ter sido levado para o posto da GNR para efetuar o teste quantitativo, o qual não foi possível realizar (cfr resulta de fls. 75 a 76) e por isso foi levado ao hospital.
As declarações do arguido apenas serviram para demonstrar a atitude interna deste e a sua falta de capacidade de autocrítica pelos factos praticados, extraindo o tribunal que apenas queria eximir-se da sua responsabilidade criminal, mas sem sucesso.
Nas declarações das testemunhas AA e BB, ambos militares da GNR, simples, serenos, escorreitos e isentos - e, por isso, merecedores de um juízo positivo acerca da respetiva credibilidade, os quais, confirmando integralmente os elementos constantes no auto de notícia de fls. 73 e ss, no qual radicaram os autos relativos ao processo nº 22/20.5GCABT. Ambos militares reportaram, de forma consentânea, ao Tribunal, de modo espontâneo, as circunstâncias em que, no âmbito de uma fiscalização de rotina, abordaram o arguido (pois este conduzia o veículo com grandes acelerações mas com a embraiagem acionada, travando de seguida e com uma condução ligeiramente ziguezagueante), mandaram parar e determinaram que fosse submetido a teste de ar expirado para efeito de despiste da existência de álcool no sangue, esclarecendo que o arguido saiu do carro a cambalear e por isso não foi capaz de efetuar o teste qualitativo. Dali foi levado para o Posto do Sardoal onde se efetuaram três tentativas para efetuar o teste quantitativo, o qual não teve sucesso e por isso foi encaminhado para o hospital, onde foi submetido a teste sanguíneo.
Explicações que mereceram credibilidade por verosímeis, uma vez que as testemunhas relataram factos que resultaram de conhecimento direto, não se extraindo das testemunhas ouvidas qualquer espírito de vingança ou outro contra o arguido, que inquinasse a genuinidade e espontaneidade do seu relato (daí se ter dado como provado os facto 1 e 10).
Nas regras da experiencia comum, projetadas no contexto fáctico-probatório apurado alicerçada na vivência do arguido, quais permitem inferir a prova do elemento subjetivo, sendo certo que o arguido confessou saber que praticava um crime, pelo que tinha consciência que a sua conduta era proibida e punida por lei (pelo que se deu como provado os factos 2 a 3 e 7 a 9.

2.3. Das questões a decidir

Foi o arguido recorrente condenado, como autor material, de dois crimes de condução de veículo em estado de embriaguez p. e p. pelos artigos 292.º, nº 1 e 69.º, nº 1, alínea a) do CPenal.
Entendeu o tribunal ad quo aplicar ao arguido recorrente, a pena de 10 (dez) meses de prisão por cada um dos crimes apontados, em cúmulo jurídico a pena única de 15 (quinze) meses de prisão suspensa na sua execução por igual período, com sujeição a diversas regras de conduta e, ainda, a pena acessória de proibição de conduzir veículos com motor, relativamente a cada uma das situações, por um período de 8 (oito) meses, em cúmulo jurídico, na pena única de 12 (doze) meses, nos termos do estatuído no artigo 69.º, nº1, alínea a) do CPenal.
Discute-se em sede recursiva, desde logo, a opção tomada quanto à pena principal (escolha da pena), relativamente aos dois crimes apontados ao arguido recorrente.
A sustentar a aplicação da pena principal, concluiu-se na sentença em sindicância:
No caso dos presentes autos, apesar das fortes exigências de prevenção geral, tem o Tribunal em conta que o arguido não tem antecedentes criminais averbados e teve consciência da sua conduta, confessando os factos no âmbito do processo nº 135/21. 6GBABT. Contudo, já não o fez no âmbito do processo nº 22/20.5GCABT, apresentando uma versão no claro desiderato de se eximir da sua responsabilidade criminal, obviamente sem sucesso, como supra se dilucidou.
As necessidades de prevenção especial, no presente caso, mostram-se muito elevadas, dado que o arguido é possuidor do diagnóstico de Síndrome de dependência de álcool (uso contínuo em quantidades moderadas e uso episódico em quantidades excessivas).
O arguido, atualmente, mantém padrão semelhante de consumos de álcool, porém conhece os efeitos maléficos que o consumo de bebidas alcoólicas exerce sobre o seu comportamento, tendo por isso a opção de se abster ou não do seu consumo e influenciando desse modo o seu comportamento.
O arguido tem capacidade que lhe permite de comportar-se de forma assertiva e não conduzir após a ingestão de bebidas alcoólicas, mas consumo de álcool poderá provocar no arguido alguma desinibição do comportamento. Pelo que se conclui que o arguido poderá não se abster de conduzir sempre que beber, o que será de forma reiterada atenta a sua dependência de álcool mencionada.
Na realidade, conclui-se, pois, que em face do Síndrome de dependência alcoólica, o facto do arguido conduzir cerca de 20 km por dia para se deslocar para o trabalho, colocando em risco os demais condutores e peões que com ele se cruzem, a aplicação de uma pena de multa não irá satisfazer as necessidades de prevenção geral quer especial.
Na comunidade é associado ao consumo de bebidas alcoólicas, pelo que a aplicação de uma pena de multa mereceria o repudio da comunidade onde está inserido.
O arguido reconheceu o consumo de bebidas alcoólicas de forma moderada, considerando que soube sempre gerir esse consumo, não reconhecendo problemáticas associadas, minimizando efeitos decorrentes do comportamento aditivo e desconsiderando o resultado da perícia que concluiu que o arguido padece de Síndrome de dependência de álcool.
Urge, pois, desincentivar este tipo de sentimento (isto é, que o arguido não considerar que tem um problema de saúde grave, cumprindo sancionar o arguido com pena que seja suscetível de educá-lo para o direito.
Deste modo, as finalidades da punição só se mostram, em meu entendimento, devidamente asseguradas com a aplicação, ao arguido, de uma pena de prisão.
Nesta medida, opta o Tribunal pela aplicação da pena de prisão.
Defende o arguido recorrente, neste conspecto que seria mais adequado, atentando aos fins das penas, que o tribunal tivesse recorrido à aplicação da pena de multa pois, in casu, a mesma realiza de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.
Considerando o estabelecido no preceito incriminador – artigo 292.º, nº 1 do CPenal, ao crime de condução de condução de veículo em estado de embriaguez cabe uma pena de prisão até um ano ou pena de multa até 120 dias, “se pena mais grave lhe não couber por força de outra disposição legal”, sendo ainda aplicável por força do estipulado na alínea a), do nº 1 do artigo 69º do CPenal a sanção de proibição de conduzir por tempo a fixar entre três meses e três anos.
O ilícito em presença assume a natureza de um crime de perigo abstrato que não pressupõe “(…) a demonstração da existência de um perigo concreto para os bens jurídicos protegidos (…) existindo apenas uma presunção por parte do legislador (…) de que a situação é perigosa em si mesma, ou seja, que na maioria dos casos em que essa conduta teve lugar demonstrou ser perigosa sob o ponto de vista de bens jurídicos penalmente tutelados”[1].
Por sua vez, estabelece o artigo 40º do CPenal, no seu nº 1, que a imposição de uma pena visa a proteção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade, refletindo-se neste preceito, o pensamento / ideia / filosofia que enuncia que apenas finalidades relativas de prevenção geral e especial e já não finalidades absolutas de retribuição e expiação, podem alicerçar a intervenção do direito penal e, concomitantemente justificar a aplicação das respetivas sanções[2].
Faça-se ainda apelo a JAKOBS que reconhece que a finalidade primária da pena reside na “(…) função preventiva (…) para exercitar a confiança na norma (…) aumentando a probabilidade que esse comportamento seja apreendido pela comunidade de forma a considera-lo que não se deve ter”[3] e, bem assim a linha jurisprudencial que firma, quanto aos fins das penas e em termos de prevenção especial estar esta “(…) orientada no sentido de desenvolver uma influência inibitória do delito no próprio autor, subdividindo-se em três fins: intimidação (preventivo-individual), ressocialização (correcção) e segurança[4].
Colhe também notar que por força do plasmado no artigo 70º do CPenal deve o aplicador do direito optar, preferencialmente, por pena não privativa da liberdade, em caso de condenação.
Importa igualmente apelar ao que consagra o artigo 71º do CPenal, fixando os parâmetros a que o tribunal deve atender na determinação da medida concreta da pena, consignando-se que este exercício é feito em função da culpa do agente e das necessidades de prevenção.
Em presença destes considerandos surge patente que a escolha da pena é determinada em função da culpa do agente e por razões de ordem preventiva, impondo-se ao tribunal a ponderação das necessidades de prevenção geral e especial, que exorbitem de cada caso concreto.
Com efeito, “(…) a articulação entres estas necessidades deve ser feita do seguinte modo: em princípio, o tribunal deve optar pela pena alternativa ou de substituição mais conforme com as necessidades de prevenção especial de socialização, salvo se as necessidades de prevenção geral (rectius, a defesa da ordem jurídica) impuserem a aplicação da pena de prisão”[5], parecendo claro que não emerge do quadro legal vigente qualquer obrigação e / ou imposição em aplicar uma pena não privativa da liberdade, sempre que em tese e em termos abstratos tal se mostre possível.
Apelando aos normativos disciplinadores da solução a encontrar como consequência jurídica da prática de um crime, convém sublinhar que não emerge do ordenamento penal vigente, a obrigação de aplicação de uma pena não privativa da liberdade, sem mais, devendo antes o julgador sopesar, em face de cada situação concreta, qual o caminho sancionatório que realize “de forma adequada e suficiente as finalidades da punição”[6], sendo, contudo, de dar primazia àquela na altura da avaliação, devendo olhar-se a pena de prisão como a última solução.
Diga-se, ainda, que não fornece o CPenal um critério claro de hierarquização / escolha entre as penas de substituição, cabendo por isso ao julgador a tarefa de seguir aquela que melhor satisfaça as finalidades da punição, em cada caso concreto que se apresenta.
Olhando o complexo normativo em presença, verifica-se, desde logo, quanto às penas de substituição, a existência de pena de substituição em sentido impróprio e de penas de substituição em sentido próprio[7].
A primeira implica maior restrição da liberdade (obrigação de permanência na habitação – artigo 43.º, pena de substituição em sentido impróprio), as segundas, não são detentivas (suspensão da execução da pena de prisão – artigo 50.º, multa de substituição – artigo 47.º, trabalho a favor da comunidade – artigo 58.º, penas de substituição em sentido próprio).
Entende-se, face a todo o acima referido, dever o tribunal eleger estas últimas, por não implicarem privação da liberdade, desde e na medida em que o desenho factual em presença e as finalidades a alcançar com a punição, o permitam.
Cotejando todo o quadro fáctico dado como assente e não questionado pelo arguido recorrente, importa, debruçando um olhar na fundamentação expressa na sentença recorrida, apurar da bondade do quantum das penas impostas e, bem assim, se serão alcançadas as finalidades das penas, por via das soluções que integram as penas de substituição não detentivas / penas de substituição em sentido próprio ensaiadas pelo arguido recorrente - multa ou prestação de trabalho a favor da comunidade.
Toda a narrativa factual que sustentou a opção decisória, não merece qualquer reparo.
Nesta senda cabe então sopesar todo o caminho seguido relativamente à pena principal, que em concreto foi imposta ao arguido relativamente a cada crime, não só quanto à sua dimensão, como também em termos de modalidade.
Salvo melhor e mais avisada opinião, neste traço, o tribunal recorrido, socorrendo-se de alguma argumentação que se entende algo frágil e fundamentada em alguns juízos de consistência e pertinência duvidosas, bem como em meras conclusões - conhece os efeitos maléficos que o consumo de bebidas alcoólicas (…) tem capacidade que lhe permite de comportar-se de forma assertiva e não conduzir após a ingestão de bebidas alcoólicas, mas consumo de álcool poderá provocar no arguido alguma desinibição do comportamento (…) conclui-se (…) que em face do Síndrome de dependência alcoólica, o facto do arguido conduzir cerca de 20 km por dia para se deslocar para o trabalho, colocando em risco os demais condutores e peões que com ele se cruzem (…) Na comunidade é associado ao consumo de bebidas alcoólicas, pelo que a aplicação de uma pena de multa mereceria o repudio da comunidade onde está inserido (…) desconsiderando o resultado da perícia que concluiu que o arguido padece de Síndrome de dependência de álcool (…) Urge (…) desincentivar este tipo de sentimento (isto é, que o arguido não considerar que tem um problema de saúde grave, cumprindo sancionar o arguido com pena que seja suscetível de educá-lo para o direito – acaba por retirar peso a factos objetivos que considerou provados, emergindo até alguma espécie de contradição entre estes e as conclusões em que embala - O arguido, na data dos factos sofria de dependência alcoólica com as seguintes características “ (…) assinala moderada frequência e quantidade de consumos de álcool bem como a pouca frequência de consumo elevado.
Na verdade, o que imediatamente desponta em termos de concreta materialidade e de relevância neste segmento, crê-se, é que o arguido recorrente atuou com dolo direto – dolo do primeiro grau -, em ambos casos, logo na sua modalidade mais intensa, sendo de monta a ilicitude, revelada nas duas situações, face à taxa de alcoolemia exibida pelo arguido - 2,79g/l, a que corresponde a TAS de 3,20g/l registada e 2,594 g/l, a que corresponde a TAS de 2,82g/l registada.
Exulta, com alguma limpidez que o arguido recorrente não tem qualquer passado criminal, encontra-se social, familiar e profissionalmente inserido, sendo que nos dois episódios em ponderação não foi interveniente em qualquer acidente de viação, viajava sozinho, embora numa delas evidenciasse uma condução irregular.
Importa fazer notar que a situação profissional do arguido recorrente – funcionário judicial – pode inculcar na comunidade onde se insere a ideia / necessidade de adoção de comportamento de lisura e respeitoso.
Ante este retrato, apelando-se a algum rigor em termos de juízo de censura a realizar, face ao significativo grau de alcoolemia no sangue existente, crê-se que exulta de manifesto exagero, neste momento, aplicar um tempo de 10 meses de prisão por cada crime, e não equacionar a sua substituição, por pena de multa, nos termos do que reza o artigo 45.º do CPenal.
Denotando uma carga, ainda, de mais nítida desproporção, ao que se pensa, a imposição de uma série de regras de conduta, algumas delas, que se reputam de bondade e admissibilidade questionáveis e, bem assim, de duvidosa concretização e até compreensão – Frequentar tratamento e consultas (NO MÍNIMO MENSAIS) de psiquiatria e psicologia (junto do serviço nacional de saúde (…) modo a trabalhar as suas competências pessoais e combater personalidade de caraterísticas narcistas e combater o sentimento de prejudicado, com desconfiança e ressentimento (…) receber visitas do técnico de reinserção social e comunicar-lhe ou colocar à sua disposição informações e documentos comprovativos dos seus meios de subsistência (…) não frequentar cafés, bares e outros estabelecimentos que procedam à venda de bebidas alcoólicas (…) não possuir quaisquer tipos de bebidas alcoólicas dentro da sua residência, cuja verificação será a efetuar pela DGRSP, permitindo o arguido a entrada desta entidade na sua habitação (…) efetuar testes de despiste de ingestão de bebidas alcoólicas pela DGRSP ou pela equipa médica de tratamento, de forma aleatória (…) Após alta médica do internamento em comunidade terapêutica, frequentar cursos de sensibilização para a problemática do álcool na condução automóvel, à escolha da DGRSP, e ainda manter-se sem ingestão de bebidas alcoólicas.
Não se olvidando que as exigências decorrentes do vetor prevenção geral, neste domínio, se fazem sentir com particular acuidade, desde logo, perante o potencial perigo que este tipo de comportamento naturalmente acarreta e, bem assim, face à elevada taxa de criminalidade estradal geradora de muitos acidentes de graves consequências no tecido comunitário, com muitas vidas perdidas e outras seriamente comprometidas, ainda assim, é possível de aceitar a imposição da pena de substituição que encerra a multa.
Ante todo o retrato a que se assiste, entende-se ser o bastante, este trajeto acabado de apontar, para alcançar de forma adequada e suficiente o que se pretende com os fins das penas.
Parecendo, salvo melhor e mais avisada opinião, que cada um dos acontecimentos em presença não assume contornos de grandes e evidentes diferenças, cogita-se que a pena a impor se deverá situar, para ambos, num mesmo patamar.
E, nessa senda, reafirmando mais uma vez as prementes necessidades de prevenção geral, as derivadas da intensidade do dolo e da magnitude da ilicitude decorrentes das ressalientes taxas de alcoolemia exibidas pelo arguido recorrente, entende-se que o sancionamento, para cada um dos ilícitos, deverá apontar para tom rondando a mediania dos limites mínimo e máximo em confronto, emergindo o tempo de 7 meses de prisão por cada crime, adequado e proporcional.
Recorrendo às regras expressas no artigo 77.º , nºs 1 e 2 do CPenal, e considerando os matizes descritos no artigo 71.º, n.º 2 do mesmo complexo legal, entende-se de fixar, em cúmulo jurídico, a pena única de 11 (onze) meses de prisão.
Olhando a todo o já expendido e por se reputar que no caso sub judice, se mostra suficiente, adequado e proporcional, a coberto do plasmado no artigo 45.º do CPenal, substitui-se a dita pena de prisão, por igual tempo de multa.
Nesse seguimento, atendendo aos critérios norteadores do artigo 47.º do CPenal – n.º 2 -, conjugando com o quadro social e económico em que se encontra o arguido recorrente, e ainda aos encargos normais decorrentes da vida quotidiana, fixa-se em 9 euros o montante diário da multa, o que perfaz a multa global de 2.970,00 (dois mil novecentos e setenta) euros.
Perante todo este decidido, a questão recursória suscitada pelo arguido recorrente relativamente a uma das regras de conduta que lhe haviam sido fixadas - A regra de conduta consistente em não frequentar cafés, bares e outros estabelecimentos que procedam à venda de bebidas alcoólicas (excepto supermercados ou hipermercados) revela-se manifestamente desproporcionada, considerando a determinação do arguido para o tratamento da dependência, as suas condições e horário laborais e a necessidade de refeição de almoço em restaurante, devendo tais estabelecimentos merecer a exclusão àqueles conferida – mostra-se ultrapassada, sendo despiciendo qualquer ponderação neste circunspecto.
O mesmo se diga quanto ao eventual uso da pena substitutiva de prestação de trabalho a favor da comunidade.
Concluindo-se pela adequação, proporcionalidade e justeza da pena de multa, em substituição, fica afastada a solução preconizada pelo arguido recorrente, em termos alternativos.

*
Importa então, num segundo patamar, um debruce a respeito da pena acessória e sua dimensão.
A este propósito, assenta a decisão em sindicância em seguinte elenco argumentativo - Perante os argumentos supra expostos (tinha intenção de percorrer 2 km num caso, e 100 metros com uma condução irregular noutro caso, transportando consigo um passageiro[8], após ter ingerido cerveja, antes de ser fiscalizado, sendo certo que não foi interveniente em acidente de viação, sofre de Síndrome de Dependência alcoólica, bem como as taxas de álcool apresentadas nas duas situações de 2,79g/l e 2,594 g/l, muito acima do limiar de 0,50g/l a partir do qual já há responsabilidade contraordenacional, desconsiderando e postergando os riscos decorrentes da sua atividade de a condução a qual já é de risco, sem olvidar as necessidades de prevenção geral supra aludidas e que aqui as consideramos reproduzidas, ponderando a situação dos presentes autos, entende-se ser de aplicar a pena acessória de proibição de conduzir veículos a motor, atendendo ao grau de culpa do arguido, como se aludiu supra, bem como à necessidade de obstar a que o arguido possa colocar, de futuro, em risco os bens jurídicos protegidos com a incriminação.
Ressalta do artigo 69.º, n.º 1, alínea a) in fine do CPenal que, em casos de punição pelo cometimento do crime p. e p. pelo artigo 292º do mesmo complexo normativo, o agente é igualmente punido com a pena acessória de proibição de conduzir, a fixar entre três meses e três anos.
Parece pacifico o entendimento de que às penas acessórias se aplicam os critérios legais que são seguidos na determinação da pena principal, reclamando-se uma certa proporcionalidade e equilíbrio entre estas duas sanções[9].
Diga-se, ainda, que a pena acessória se apresenta como modo / mote para prevenir a perigosidade revelada pelo agente no cometimento dos factos em crise[10], sendo que (…) à proibição de conduzir deve também assinalar-se (e pedir-se) um efeito de prevenção geral de intimidação, que não terá em si nada de ilegítimo porque só pode funcionar dentro do limite da culpa (…). Por fim, mas não por último, deve esperar-se desta pena acessória que contribua, em medida significativa, para a emenda cívica do condutor imprudente ou leviano[11].
Entende-se que o ratio desta sanção acessória, mote norteador da sua imposição, assenta no facto de o exercício da condução se ter revelado especialmente censurável, sendo que a graduação da pena em concreto deve sempre atender ao grau de censurabilidade da conduta do agente e, nomeadamente, ao valor da taxa de álcool no sangue e a condenações anteriormente sofridas[12].
Partindo de tais premissas e tendo em atenção todo o alicerce sustentador da decisão proferida em primeira instância, quanto a este segmento, crê-se que, mais uma vez, a mesma peca pelo manifesto exagero e desproporção.
Reputa-se inquestionável, sem qualquer tibieza, que o crime de condução de veículo em estado de embriaguez impõe fortes imperativos de prevenção geral e um alerta constante da comunidade em geral.
Igualmente exulta que o arguido envergava, nos dois casos envolvidos, uma taxa de alcoolemia bastante acima do valor aceitável – 0,5 gr/l.
Conquanto, como já se fez notar, o aqui agente não apresenta qualquer mácula criminal, sendo que, como se reconhece, padece de problemas relacionados com os consumos de álcool.
Balanceando todos estes cambiantes, e sopesando todo o supra decidido quanto à pena principal, e considerando o mínimo legal previsto, ao que se infere, pontuar relativamente a ambos os casos em tempo de 6 meses, apresenta-se como equilibrado, razoável e adequado.
Em seguimento, operando a operação de cúmulo jurídico, mais uma vez ancorado no plasmado no artigo 77.º, n.ºs 1 e 2 do CPenal, exubera ser de impor a pena acessória única de 10 (dez) meses de proibição de conduzir veículos a motor.

III – Dispositivo

Nestes termos, acordam os Juízes Secção Criminal – 2.ª Subsecção - desta Relação de Évora em conceder parcial provimento ao recurso interposto pelo arguido AA revogando a decisão recorrida e, em consequência decidem condenar o referido arguido:
a) como autor material e na forma consumada, de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, previsto e punido pelo artigo 292.º, n.º 1, do CPenal, cometido em 22/02/2020, na pena de 7 (sete) meses de prisão;
b) como autor material e na forma consumada, de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, previsto e punido pelo artigo 292º, nº 1, do CPenal, cometido em 15/08/2021 na pena de 7 (sete) meses de prisão;
c) em cúmulo jurídico, nos termos do disposto no artigo 77º, nº 1, do CPenal, na pena única de 11 (onze) meses de prisão., a qual se substitui por igual tempo de multa, à taxa diária de 9 (nove) euros, o que perfaz a multa global de 2.970,00 (dois mil novecentos e setenta ) euros, nos termos dos normativos combinados dos artigos 45.º, n.º 1 e 47.º, n.º 2 do CPenal;
d) na pena acessória de proibição de conduzir quaisquer veículos motorizados, pelo crime praticado em 22.02.2020 e pelo crime praticado em 15.08.2021, de 6 (seis) meses por cada um e, em cúmulo jurídico, na pena única acessória de proibição de conduzir quaisquer veículos motorizados pelo período de 10 (dez) meses – artigos 69.º, n.º 1, alínea a) e 77.º, n.º 1, do CPenal

Sem Custas

Évora, 12 de julho de 2023
(o presente acórdão foi elaborado e integralmente revisto pelo relator, seu primeiro signatário – artigo 94.º, n.º 2, do CPPenal)

(Carlos de Campos Lobo - Relator)
(Ana Bacelar- 1.ª Adjunta)
(Renato Barroso – 2.º Adjunto)

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[1] DIAS, Jorge de Figueiredo – Comentário Conimbricense do Código Penal, Parte Especial – Tomo II, Coimbra Editora, 1999, p. 1093.
[2] Os fins das penas “…só podem ter natureza preventiva – seja de prevenção geral, positiva ou negativa, seja de prevenção especial, positiva ou negativa -, não natureza retributiva. O direito penal e o seu exercício pelo Estado fundamentam-se na necessidade estatal de subtrair à disponibilidade (e à “autonomia”) de cada pessoa o mínimo dos seus direitos, liberdades e garantias indispensável ao funcionamento, tanto quanto possível sem entraves, da sociedade, à preservação dos seus bens jurídicos essenciais; e a permitir por aqui, em último termo, a realização mais livre possível da personalidade de cada um enquanto indivíduo e enquanto membro da comunidade (…)”, DIAS, Jorge Figueiredo - DIREITO PENAL Parte Geral, Tomo I Questões Fundamentais e Doutrina Geral do Crime - Coimbra Editora, p. 75.
[3] JAKOBS, Gunter – Derecho Penal, Marcial Pons, 2ª Edição, Parte General, p.11 e ss.
[4] Acórdão do STJ de 13/01/2010 .Coletânea de Jurisprudência (CJ), Acórdãos do STJ, Ano XVIII, Tomo I, p. 181.
[5] ALBUQUERQUE, Paulo Pinto – Comentário do Código Penal, à luz da Constituição da República e da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, 4.ª edição atualizada, 2021, Universidade Católica Editora, p. 227.
[6] Neste sentido o Acórdão desta Relação de Évora de 10/05/2016, proferido no processo 142/14.5GTABF.E1, disponível em www.dgsi.pt.
[7] Penas de substituição são aquelas que, encontrada a pena de prisão adequada, são aplicadas em vez desta, sendo próprias a não privativas da liberdade – multa em substituição da prisão e prestação de trabalho a favor da comunidade -, assumindo a qualificativa de impróprias aquelas que sendo privativas da liberdade, não implicam cumprimento contínuo em meio prisional e/ou cumprimento em meio prisional – (…) obrigação de permanência na habitação. Neste sentido ver o Acórdão da Relação do Porto de 10/02/2016, proferido no processo 328/15.5 GDOAZ, disponível em www.dgsi.pt
[8] Ao que se julga, esta referência decorre de lapso pois, categoricamente no ponto 14 da facticidade provada se afirma, Não transportava qualquer passageiro em ambas as situações.
[9] Neste sentido o Acórdão do Tribunal da Relação de Évora, de 10/05/2022, proferido no Processo 268/21.9GCBNV.E1, disponível em www.dgsi.pt.
[10] Acórdão do Tribunal da Relação de Évora, de 25/01/2022, proferido no Processo 832/21.6GBABF.E1, disponível em www.dgsi.pt.
[11] FIGUEIREDO DIAS, Jorge de, Direito Penal, Parte Geral, As consequências jurídicas do crime, 1993, Aequitas, Editorial Notícias, p. 206.
[12] Neste sentido, ALBUQUERQUE, Paulo Pinto, ibidem, p. 378.