Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
1552/22.0T8EVR.E1
Relator: EMÍLIA RAMOS COSTA
Descritores: ANULAÇÃO DE SENTENÇA
FALTA DE FUNDAMENTAÇÃO
FUNDAMENTAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
Data do Acordão: 10/26/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário:
I – O art. 73.º, n.º 3, do Código de Processo do Trabalho, não autoriza a inexistência de fundamentação de facto, autorizando apenas a possibilidade de uma fundamentação de facto sucinta e somente nos casos em que a simplicidade das questões de direito o justificar
II – Se no saneador-sentença não existe qualquer indicação dos factos provados e não provados, bem como não existe qualquer análise crítica da prova que possa ter sustentado as decisões sobre esses inexistentes factos provados e não provados, não é possível considerar-se que estamos perante uma fundamentação de facto sucinta, antes sim perante uma inexistência de fundamentação de facto.
III – A total ausência de fundamentação de facto determina a anulação da sentença com remessa do processo à 1.ª instância para fixação indispensável da matéria factual, nos termos do art. 662.º, n.º 2, al. c), do Código de Processo Civil, cuja apreciação é de natureza oficiosa.
(Sumário elaborado pela Relatora)
Decisão Texto Integral:
Proc. n.º 1552/22.0T8EVR.E1
Secção Social do Tribunal da Relação de Évora[1]
Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Évora:
I – Relatório
AA[2] (trabalhador) intentou, em 12-08-2022, ação especial de impugnação judicial da regularidade e licitude do despedimento, manifestando, por via da apresentação do requerimento a que alude o artigo 98.º - C do Código de Processo do Trabalho, a sua oposição ao despedimento promovido por “I. M. V. Lameira, Lda.” (entidade empregadora), tendo feito constar em tal requerimento que o despedimento ocorreu em 26-07-2022.
Realizada a audiência de partes, não foi possível resolver o litígio por acordo, tendo a entidade patronal sido notificada para, no prazo de 15 dias, apresentar articulado de motivação do despedimento e juntar aos autos o procedimento disciplinar.
Em 25-09-2022, por a Ré não ter apresentado articulado de motivação do despedimento, nem juntado cópia do procedimento disciplinar, foi proferida sentença com o seguinte teor decisório:
Pelo exposto, ao abrigo das disposições legais supracitadas, declara-se ilícito o despedimento do autor AA pela ré “I.M.V. Lameira, Lda.”, e, em consequência, condena-se a ré “I.M.V. Lameira, Lda.”:
1. A reintegrar AA no mesmo estabelecimento da empresa, sem prejuízo da sua categoria e antiguidade e
2. No pagamento a AA das retribuições que o mesmo deixou de auferir desde a data do despedimento até ao trânsito em julgado da presente decisão, a liquidar.
*
Custas a cargo da ré.
*
Valor da causa: 2.000€ (cf. artigo 98.º-P, n.º 1 do Código de Processo do Trabalho e artigo 12.º, n.º 1, alínea e) do Regulamento das Custas Processuais).
*
Registe e notifique, sendo ainda o autor nos termos e para os efeitos previsto no art. 98.º-J, n.º 3, al. c), do CPT.
Da referida sentença não foi interposto recurso.
Em 10-10-2022, o Autor AA veio, ao abrigo dos arts. 289.º, n.º 1, al. a), 390.º e 391.º, todos do Código do Trabalho, optar pela indemnização em substituição da reintegração, a qual considera não poder ser fixada em montante inferior a três meses de retribuição base e diuturnidades, o que perfaz o valor de €2.115,00, bem como veio requerer o pagamento de diversos créditos emergentes da cessação ilícita do contrato de trabalho relativos a retribuições que deixou de auferir, a férias não gozadas, a proporcionais de férias não gozadas, a subsídios de férias e de natal e à compensação pela ilicitude da cessação do contrato de trabalho.
Terminou tal requerimento peticionando que a Ré pagasse ao Autor:
I – 2.115,00€ (dois mil cento e quinze euros) a título de indemnização pela substituição da reintegração, atento o facto de o A. pretender a substituição da reintegração por esta indemnização.
II – Valor a apurar relativo às retribuições que deixou de auferir desde 30 de abril de 2022 até ao trânsito em julgado da sentença, valor que na presente data perfaz a importância global de 4.230,00€ (quatro mil duzentos e trinta euros), acrescido de juros de mora à taxa legal e sem prejuízo das retribuições vincendas.
III - 1.410,00€ (mil quatrocentos e dez euros) a título de férias não gozadas e do correspondente subsídio de férias.
IV - 1.639,86 (mil seiscentos e trinta e nove euros e oitenta e seis cêntimos), devidos a título dos proporcionais das férias não gozadas (546,62€), respetivo subsídio de férias (546,62€) e de Natal (546,62€) referentes a 2022.
V - 1.300,33€ (mil e trezentos euros e trinta e três cêntimos) a título da compensação pela ilicitude da cessação do contrato de trabalho.
E ainda deve a R. ser condenada também em,
VI - Custas.
A Ré “I. M. V. Lameira, Lda.” veio responder a tal requerimento, afirmando que o pedido de opção pela indemnização em substituição da reintegração, por ser intempestivo, não dá direito a qualquer indemnização, sendo que relativamente às retribuições intercalares deverão a estas ser deduzidas as retribuições relativas ao período correspondente entre o despedimento e até 30 dias antes da propositura da ação, bem como os valores que o Autor tenha auferido a título de subsídio de desemprego.
Mais referiu que, tendo o Autor sido reintegrado, não lhe são devidos quaisquer valores a título de férias, subsídio de férias, subsídio de natal e proporcionais de férias.
Por fim, invocou que a compensação requerida pelo Autor a título de compensação pela ilicitude da cessação do contrato de trabalho não tem qualquer suporte legal nem resulta da sentença.
Realizada a audiência de partes não foi possível obter a resolução do litígio por acordo.
Realizada a audiência prévia, foi solicitado ao Autor o aperfeiçoamento do seu requerimento.
Em 08-02-2023, o Autor veio aperfeiçoar o seu requerimento, onde alegou ter iniciado a sua atividade profissional para a Ré em 01-03-2018 e ter iniciado atividade profissional para outra entidade em 17-07-2022, recebendo, nesse mês, a quantia de €388,89 e nos meses subsequentes a quantia de €902,78 a título de remuneração base, acrescida de subsídio mensal regular no valor de €216,67 e de um bónus mensal no valor de €180,56.
Veio ainda desistir da quantia peticionada no requerimento inicial no valor de €1.300,33€.
Em resposta, a Ré admitiu dever ao Autor, a título de férias e subsídio de férias não gozadas a quantia de €1.410,00, reiterando, porém, não ser devido qualquer valor a título de indemnização, uma vez que o Autor não peticionou, atempadamente, tal indemnização em substituição da reintegração
Com data de 21-03-2023, o tribunal a quo proferiu saneador-sentença, com o seguinte teor decisório:[3]
Nesta conformidade:
- Não se admite a opção pelo pagamento de indemnização em substituição da reintegração;
- Liquida-se em 1.410.,00€ a quantia devida pela entidade patronal ao trabalhador, a título de créditos salariais vencidos devidos ao trabalhador em consequência do despedimento julgado ilícito.
Notifique-se.
Inconformado com tal saneador-sentença, o Autor veio interpor recurso de Apelação, terminando as suas alegações com as conclusões que se seguem:
1. O presente recurso vem interposto da douta decisão, datada de 22/03/2023, proferida pelo Tribunal de Trabalho da Comarca de Évora que colocou termo ao processo.
2. A qual não reconheceu ao trabalhador o direito à opção pelo pagamento de indemnização em substituição da reintegração, considerando o Apelante que a decisão, neste particular, não tem qualquer fundamento ou suporte legal, uma vez que tal opção foi tempestivamente manifestada tempestivamente por este nos autos.
3. Nomeadamente, dando cumprimento à alínea c) da Douta Sentença proferida em 25/09/2022 que determinou: “c) Ordena a notificação do trabalhador para, querendo, no prazo de 15 dias, apresentar articulado no qual peticione quaisquer outros créditos emergentes do contrato de trabalho, da sua violação ou da sua cessação, incluindo a indemnização prevista na alínea a) do n.º 1 do artigo 389.ºdo Código do Trabalho.”
4. Tal resposta, foi apresentada em 10/10/2022, onde, novamente, e de forma expressa se declarou a opção pela indemnização em substituição da reintegração.
5. Apelo que constitui decisão surpresa o despacho que colocou termo ao processo, porquanto penas condenou a Ré no pagamento de € 1.410,00€ a título de créditos laborais vencidos devidos ao trabalhador em consequência do despedimento julgado ilícito, não tendo referido que este valor é devido a título de férias não gozadas e respetivo subsídio referentes a 2021, além dos demais não foram considerados pelo Tribunal a quo, os valores seguintes,
6. As suas retribuições desde 30/04/2022 e que tem direito às mesmas até à data do seu efetivo despedimento (26/07/2022), no valor de € 2.115,00, bem assim como,
7. Tendo atempadamente optado pela indemnização em substituição pela integração o trabalhador tem direito ao valor de € 2.115,00, nos termos e conforme o disposto no n.º 1, do artigo 391.º do CT, porquanto esta indemnização não pode ser fixada em valor inferior a três meses de retribuição base e diuturnidades (Cfr. n.º 3, do artigo 391.º do CT), acrescem ainda,
8. Os valores devidos ao A. e aqui Apelante, a título dos proporcionais das férias não gozadas (546,62€), respetivo subsídio de férias (546,62€) e de Natal (546,62€) referentes a 2022, que totalizam o valor de 1.639,86 € (mil seiscentos e trinta e nove euros e oitenta e seis cêntimos).
9. Destes valores, apenas existiu decisão sobre os proporcionais e subsídios de férias referentes a 2021.
10. Ora, com isso não se pode conformar o Apelante.
11. Consequentemente, o Tribunal Recorrido não concedeu ao trabalhador todos os restantes créditos laborais a que este tem direito.
12. Assim, entendemos que errou o Tribunal recorrido ao ter decidido como decidiu fez errada apreciação do caso em apreço, resultando desta decisão sério prejuízo para o trabalhador.
13. Ora, não pode o Tribunal a quo dar como assente a data do despedimento do trabalhador e a falta do pagamento dos salários e não expressar isso, como não expressou, na decisão proferida, pelo que a sentença devia ter determinado o pagamento ao trabalhador do valor global de 7.279,86€ (sete mil duzentos e setenta e nove euros e oitenta e seis cêntimos).
14. Pelo exposto conclui-se que a sentença recorrida não interpretou nem aplicou, corretamente as normas que regem a ilicitude do despedimento e os direitos intrínsecos do trabalhador, consagrados, nomeadamente, no disposto no artigo 381º e ss do CT.
Nestes termos e nos mais de direito que V.ªS Ex.ªs doutamente suprirão, deve ser dado provimento ao presente recurso e em consequência:
a) Ser a decisão que colocou termo ao processo declarada nula, revogando-se a mesma e sendo determinado o seu reenvio ao Tribunal de 1.ª Instância.
b) Ser revogada a decisão que colocou termo ao processo e substituída por outra que, considere existir o direito do trabalhador a ser indemnizado pelo despedimento ilícito e, consequentemente no direito deste receber a indemnização que optou em substituição da reintegração bem assim como os créditos laborais peticionados e a que tem direito, por provados, tudo no valor global de 7.279,86€ (sete mil duzentos e setenta e nove euros e oitenta e seis cêntimos).
Assim se fará, JUSTIÇA!
A Ré apresentou contra-alegações, pugnando pela improcedência do recurso, devendo o saneador-sentença ser mantido, terminando com as seguintes conclusões:
1. O A. através da interposição do presente recurso mais não pretende do que tornar inaplicável ou contornar a decisão constante da sentença de 25.09.2022, que determinou a sua reintegração no estabelecimento, sem prejuízo da sua categoria e antiguidade e,
2. desta forma, procurar que lhe seja reconhecido o pagamento de créditos no valor global de 7.279,86€ (sete mil duzentos e setenta e nove euros e oitenta e seis cêntimos)”.
3. Acontece que, a sentença que determinou a reintegração do trabalhador foi proferida em 25.09.2022 e, não tendo sido objecto de recurso, já transitou em julgado.
4. Sendo que, o despacho recorrido apenas veio fixar o valor dos créditos emergentes do contrato de trabalho decorrentes da declaração do despedimento ilícito e da decisão de reintegração do trabalhador.
Assim, vejamos:
5. a sentença de 25.09.2022 a fls. que declarou o despedimento ilícito e condenou a R. a reintegrar o A. e pagar-lhe os respectivos créditos, configura uma decisão proferida ao abrigo da alínea a) do nº 3 do artº 98º-J – cfr. artº 79º, nº 2 alínea e) do Cód. Proc. do Trabalho.
6. Como tal, o prazo para a interposição de recurso da decisão era de 15 dias, contados da respectiva notificação - cfr. nº 2 do artº 80º do Cód. Proc. do Trabalho.
7. O A. e a R. foram notificados da sentença que determinou a reintegração do trabalhador, com data de 27.09.2022, considerando-se notificado a 01.10.2022.
8. Nem o A. nem a R. interpuseram recurso da identificada sentença.
9. Como tal, a sentença de 25.09.2022 transitou em julgado.
10. Transitado em julgado a sentença que declarou o despedimento ilícito e condenou o R. a reintegrar o trabalhador, não pode o trabalhador, o A., Apelante vir, através do presente recurso, vir exigir a condenação da R. no pagamento de uma indemnização em substituição da reintegração, bem como os apontados créditos salariais.
11. A alteração da decisão que o A. visa através da interposição do presente recurso é processualmente inadmissível, face ao trânsito em julgado da sentença que decretou a reintegração.
12. Improcedendo, em consequência, de facto e de direito, o recurso interposto pelo A..
Sem prescindir,
13. O A., contrariamente ao que alega nas suas alegações de recurso, não comunicou aos autos, antes da prolação da sentença, a sua opção de indemnização em substituição da reintegração.
14. Também não o fez na audiência de partes realizada em 29.08.2022, pois se o tivesse feito, tal teria ficado a constar da respectiva Ata.
15. Aliás se efectivamente o A. tivesse manifestado essa opção- o que não aconteceu - e tal não constasse da Ata, deveria o A., dentro do prazo legal, ter invocado essa nulidade.
16. O que também não fez.
17. O A., Apelante, apenas comunicou aos autos a sua opção pela indemnização em substituição da reintegração após ter sido notificado da sentença de fls., na qual expressamente a Mma Juiza “a quo” fez referência a essa ausência de opção na fundamentação.
18. Aliás, o próprio A., no ponto 6º dos fundamentos do recurso constantes do requerimento de interposição de recurso e respectivas alegações a que ora se responde, confessa, expressamente, que “foi no requerimento junto aos autos em 10/10/2022 que o trabalhador expressou por escrito essa sua decisão de não reintegração optando pela indemnização e reclamou os créditos laborais que lhe são devidos”.
19. Resulta assim manifesta que a comunicação de opção da indemnização em substituição da reintegração foi extemporânea.
Outrossim, sem conceder,
20. para além do valor da indemnização em substituição da reintegração pretende ainda o A., a através do presente recurso, a condenação da R. no pagamento da quantia global de Eur. 2.115,00, a título de “retribuições que não lhe foram pagas, referentes aos meses de maio, junho e julho de 2022”, bem como da quantia de Eur. 1.639,86, a titulo de proporcionais das férias não gozadas, respectivo subsidio de férias e subsidio de Natal.
21. Valores que atenta a decisão de reintegração não são devidos.
22. Resulta dos autos e reconhecido pelo A., nas suas alegações de recurso, que o despedimento ocorreu em 26.07.2022.
23. Como tal, está o A. impedido de, nos presentes autos, vir reclamar, eventuais, pagamentos de salários referentes aos meses de maio, junho e julho de 2022.
24. Os presentes autos configuram uma acção de impugnação judicial da regularidade e licitude do despedimento, como tal o A. apenas pode reclamar e peticionar valores decorrentes da violação e cessação do contrato de trabalho.
25. Assim, atento o facto de a sentença que decretou o despedimento ilícito ter sido proferida em 25.09.2022, que o contrato de trabalho cessou a 26.07.2022, bem como que, segundo o extracto de remunerações junto a fls., no mês de julho de 2022, o A. já era empregado da Capgemini Portugal, S.A..
26. e considerando o disposto, designadamente, no artº 391º do Cód. do Trabalho, resulta que nada é devido a título de salários vencidos desde a data de despedimento.
27. Pois, conforme consta da decisão recorrida, “quantos aos salários vencidos desde a data do despedimento – 26.07.2022, indicada no formulário inicial – até ao trânsito em julgado da decisão supra identificada, considerando que o trabalhador em data anterior ao despedimento – 17.07.2022, conforme pelo mesmo afirmado a fls. 46 verso dos autos – já exercia atividade por conta de outrem, auferindo quantia superior aos 705€ auferidos na anterior entidade patronal (confrontar art. 3.º de fls. 46 verso dos autos e demais factos alegados no articulados em questão) e que no montante a receber deverão ser descontadas as quantias que o autor não receberia se não fosse o despedimento (art. 390.º, n.º 2, al. a), do CT), nada tem a entidade patronal a pagar ao autor a esse título posto que a quantia a receber pelo trabalhador seria necessariamente inferior à quantia a descontar uma vez que o seu vencimento atual é superior ao anterior.” – cfr. despacho recorrido de 21.03.2023.
28. Assim como nada há a receber a título de proporcionais de férias, subsídio de férias e subsídio de Natal, “porquanto tendo o Tribunal determinado a reintegração do trabalhador tudo se passa como se este não tivesse sido despedido, sendo as férias, o subsídio de férias e subsídio de Natal pagos e gozados oportunamente” – cfr. despacho recorrido de 21.03.2023.
29. Face ao que, improcede inteiramente o pedido de condenação de valores formulado pelo A. nas suas alegações de recurso.
30. Sem prescindir do exposto, e ainda que se pudesse entender que são devidas retribuições ao trabalhador – cuja apreciação, como já referido, não pode ser objecto destes autos – entende a R. que essas retribuições apenas se poderiam cingir aos meses de maio e junho de 2022.
31. Facto que a Mma Juiza “a quo” realçou nos presentes autos, porém considerou não ser passível de apreciação nestes autos, atenta a decisão de reintegração.
Veja-se, a propósito o despacho recorrido onde consta:
“É certo que dos elementos constantes dos autos se verifica que o trabalhador já exerce funções por conta de outrem”, porém “tal questão extravasa o âmbito daquilo que foi determinado e cumpre liquidar que que se reporta exclusivamente às retribuições que o trabalhador deixou de auferir desde a data do despedimento até ao trânsito em julgado da decisão de reintegração (de igual modo, são os autos alheios à eventual cessação do contrato de trabalho por abandono, conforme alegado pela ré).”
32. Do exposto resulta, pois, que decisão objecto do recurso não merece qualquer censura, uma vez que fez uma correcta interpretação dos factos e das normas jurídicas aplicáveis.
33. Deve, por conseguinte, negar-se provimento ao recurso e manter-se e confirmar-se a decisão recorrida.
O que, com o benévolo suprimento de Vossas Excelências, se requer seja feito, por ser de inteira JUSTIÇA!
O tribunal a quo admitiu o recurso como sendo de apelação, com subida imediata, nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo, tendo subido os presentes autos a este tribunal, onde foi dado cumprimento ao preceituado no n.º 3 do art. 87.º do Código de Processo do Trabalho, pugnando a Exma. Sra. Procuradora-Geral Adjunta no seu parecer pela procedência parcial do recurso, relativamente aos proporcionais de férias, subsídio de férias e de natal peticionados pelo Autor, devendo ser declarada a nulidade da sentença por omissão de pronúncia quanto às retribuições devidas entre 30-04-2022 e 26-07-2022.
A Ré veio responder a tal parecer requerendo, uma vez mais, que o recurso seja julgado improcedente, mantendo-se o saneador-sentença recorrido.
Por despacho proferido em 01-08-2023 foi devolvido o processo à 1.ª instância, de modo a que fosse fixado o valor da ação relativamente ao processado iniciado com o articulado previsto na al. c) do n.º 3 do art. 98.º-J do Código de Processo do Trabalho, vindo o tribunal a quo a fixar à presente ação o valor de €1.410,00.
De novo neste Tribunal, foi mantido o recurso nos seus precisos termos, tendo sido colhidos os vistos, pelo que cumpre agora apreciar e decidir.
II – Objeto do Recurso
Nos termos dos arts. 635.º, n.º 4, e 639.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, aplicáveis por remissão do artigo 87.º, n.º 1, do Código de Processo de Trabalho, o objeto do recurso é delimitado pelas conclusões da Apelante, ressalvada a matéria de conhecimento oficioso (art. 662.º, n.º 2, do Código de Processo Civil).
No caso em apreço, as questões que importa decidir são:
1) Nulidade do saneador-sentença;
2) Tempestividade da opção pelo pagamento da indemnização em substituição da reintegração;
3) Direito a receber as retribuições devidas entre 30-04 e 26-07-2022; e
4) Direito a receber os proporcionais das férias não gozadas, do subsídio de férias e de natal relativos a 2022.
III – Matéria de Facto
O tribunal da 1.ª instância não fez consignar qualquer facto (provado ou não provado) no saneador-sentença que proferiu.
IV – Enquadramento jurídico
Conforme supra mencionámos, o que importa analisar no presente recurso são as questões supra elencadas.

1) Nulidade do saneador-sentença
No entender da Autora, é nulo o saneador-sentença por não ter proferido decisão relativamente à indemnização em substituição pela integração do Autor no valor de €2.115,00; relativamente aos valores a título de proporcionais de férias não gozadas, subsídio de férias e de natal referentes a 2022 no montante d €1.639,86; e relativamente às retribuições desde 30-04-2022 até 26-07-2022.
Dispõe o art. 615.º do Código de Processo Civil que:
1 - É nula a sentença quando:
[…]
d) O juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento;

Dispõe, por sua vez, o art. 608.º, n.º 2, do Código de Processo Civil, que:
2 - O juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras; não pode ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras.

Esta nulidade, quando se reporta a uma situação de omissão de pronúncia, ocorre quando o juiz não se pronuncia sobre todas as questões que lhe tenham sido submetidas pelas partes, excluindo aquelas cuja decisão se mostre prejudicada pela solução já dada a outras.
Porém, não se deve confundir questões com considerações, argumentos ou razões.
Conforme bem referiu Alberto dos Reis:[4]
São, na verdade, coisas diferentes: deixar de conhecer a questão de que devia conhecer-se e deixar de apreciar qualquer consideração, argumento ou razão produzido pela parte. Quando as partes põem ao tribunal determinada questão, socorrem-se, a cada passo, de várias razões ou fundamentos para fazer valer o seu ponto de vista; o que importa é que o tribunal decida a questão posta; não lhe incumbe apreciar todos os fundamentos ou razões em que elas se apoiam para sustentar a sua pretensão.

E, a ser assim, a sentença não padece de nulidade quando não aborda todos os fundamentos invocados pela parte para justificar determinada opção jurídica, desde que aprecie a questão jurídica invocada, apresentando a sua própria fundamentação.
Por outro lado, não se pode confundir omissão de pronúncia, que se terá de entender como ausência de apreciação, com deficiente ou obscura fundamentação.
Cita-se a este propósito, o acórdão do STJ, proferido em 22-01-2015:[5]
(…) a nulidade por omissão de pronúncia apenas se verifica quando o tribunal deixa de apreciar questões que tinha de conhecer, mas já não quando, no entender do recorrente, as razões da decisão resultam pouco explicitadas ou não se conhecem de argumentos invocados.

Transcreve-se ainda o que consta da obra O Código de Processo Civil Anotado, Vol. I, de António Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa:[6]
4. Acresce ainda uma frequente confusão entre nulidade da decisão e discordância quanto ao resultado, entre a falta de fundamentação e uma fundamentação insuficiente ou divergente da pretendida ou mesmo entre a omissão de pronúncia (relativamente a alguma questão ou pretensão) e a falta de resposta a algum argumento dos muitos que florescem nas alegações de recurso.

No caso em apreço, é indiscutível que o Autor colocou como questão a ser resolvida pelo tribunal (i) o pagamento de uma indemnização em substituição da integração no valor de €2.115,00; (ii) o pagamento a título de proporcionais de férias não gozadas, subsídio de férias e de natal referentes a 2022 no montante de €1.639,86; e (iii) o pagamento das retribuições desde 30-04-2022 até 26-07-2022.
Ora, dessas questões, na parte decisória do saneador-sentença proferido pelo tribunal a quo apenas se encontra decidida a primeira dessas questões, visto que o tribunal, ao decidir que não se admite a opção pelo pagamento de indemnização em substituição da reintegração, deu por prejudicado o pagamento pela Ré ao Autor do montante de €2.115,00 a título dessa indemnização.
Porém, na parte decisória nada consta sobre a procedência ou improcedência do pagamento a título de proporcionais de férias não gozadas, subsídio de férias e de natal referentes a 2022 no montante de €1.639,86, bem como nada consta sobre a procedência ou improcedência do pagamento das retribuições desde 30-04-2022 até 26-07-2022. E se é verdade que quanto à primeira questão, o tribunal a quo, em sede de fundamentação de direito pronunciou-se,[7] já quanto à segunda questão nem em sede de fundamentação de direito se pronunciou.
Pelo exposto, entende-se que, quanto a estas duas questões, existe efetivamente omissão de pronúncia, sendo a primeiro na parte decisória e a segunda totalmente omitida quer na parte da fundamentação quer na parte da decisão, procedendo, assim, a invocada nulidade por omissão de pronúncia.
Ora, nos termos do art. 665.º do Código de Processo Civil, o tribunal de recurso, ainda que declare nula a decisão que põe termo ao processo, deve conhecer do objeto da apelação desde que nada obste à sua apreciação.
Acontece, porém, que é impossível a este tribunal de recurso decidir sobre as questões em que houve omissão de pronúncia por parte do tribunal a quo, uma vez que não consta do saneador-sentença sob recurso qualquer fixação da matéria de facto, inexistindo nessa decisão qualquer facto dado como provado ou não provado.
Atente-se que o disposto no art. 73.º, n.º 3, do Código de Processo do Trabalho,[8] não autoriza a inexistência de fundamentação de facto, autorizando apenas a possibilidade de uma fundamentação de facto sucinta.
Nos termos do art. 607.º, n.º 4, do Código de Processo Civil, a fundamentação de facto traduz-se na declaração, em sede de sentença, dos factos julgados provados e não provados e da análise crítica das provas.
Ora, no saneador-sentença recorrido não existe qualquer indicação dos factos provados e não provados, bem como não existe qualquer análise crítica da prova que possa ter sustentado as decisões sobre esses factos provados e não provados, pelo que não é possível considerar-se que estamos perante uma fundamentação de facto sucinta, antes sim perante uma inexistência de fundamentação de facto.
Acresce que o disposto no n.º 3 do art. 73.º do Código de Processo do Trabalho apenas ocorre se a simplicidade das questões de direito o justificar.
No caso em apreço, nada é referido quanto a uma eventual simplicidade das questões de direito a decidir, tanto mais que até se procedeu à audiência prévia,[9] tendo nela sido proferido despacho, onde se refere apenas que “entendendo-se que eventualmente a questão a apreciar nos autos será só de Direito não se designa dia para realização da audiência de julgamento”.
De qualquer modo, como não estamos perante uma fundamentação de facto sucinta, não é sequer de apreciar se as questões de direito em análise revestem ou não de simplicidade.
Ora, a total ausência de fundamentação de facto determina igualmente a anulação da sentença com remessa do processo à 1.ª instância para fixação indispensável da matéria factual, nos termos do art. 662.º, n.º 2, al. c), do Código de Processo Civil, cuja apreciação é de natureza oficiosa.
Cita-se a este propósito o acórdão do TRP, proferido em 14-07-2020:[10]
Decorre do art.º 662.º, n.º 2, al. c) do Cód. Proc. Civil, que a Relação deve, mesmo oficiosamente, “Anular a decisão proferida na 1.ª instância, quando, não constando do processo todos os elementos que, nos termos do número anterior, permitam a alteração da decisão proferida sobre a matéria de facto, repute deficiente, obscura ou contraditória a decisão sobre pontos determinados da matéria de facto (..)”.
No acórdão de 28-05-2012,desta Relação e Secção [Proc.º 53/11.1TTBRG.P1, Desembargador Ferreira da Costa, disponível em www.dgsi.pt], em caso similar e a propósito do anterior art.º 714.º n.º4, do CPC, correspondente à norma acima invocada, consignou-se no respectivo sumário o seguinte:
I – Decidida a causa através de sentença, proferida ao abrigo do disposto no Art.º 57.º do CPT, sem se ter assentado os factos provados, tal decisão é de anular, atento o disposto no Art.º 712.º, n.º 4 do Cód. Proc. Civil, devendo ser proferida nova decisão em que se assentem os factos considerados provados, conhecendo-se de seguida das restantes matérias pertinentes.
II – Não se tratando de decisão deficiente, contraditória ou obscura, mas omissa, quanto à matéria de facto, a necessidade de anulação é, se não maior, pelo menos idêntica, tendo em vista a possibilidade de sindicância por parte da Relação.
Recorrendo à fundamentação desse acórdão para melhor se perceber as razões que sustentam aquela posição, lê-se o seguinte - [..]
Desta disposição decorre que se a decisão da matéria de facto contiver os vícios apontados - deficiente, obscura ou contraditória - a decisão pode ser anulada pela Relação, mesmo oficiosamente.Tem-se entendido que tal estatuição deverá ser aplicada àquelas situações em que se assentou os factos na sentença, mas se omitiu o despacho de resposta aos quesitos e respetiva fundamentação ou o despacho a assentar a matéria de facto provada e não provada e respetiva fundamentação. Igualmente se tem entendido que se a decisão da matéria de facto omitir a relação dos factos não provados, é de aplicar a mesma disciplina. Por último, também se tem entendido que a norma é de aplicar nos casos em que a decisão da matéria de facto foi completamente omitida, quer quanto aos factos provados, quer quanto aos não provados, quer quanto à respetiva fundamentação, como sucede in casu.
Ora, relativamente a esta última situação, que é a nossa, a aplicação da norma impõe-se, se não por maioria, pelo menos por identidade de razão. Na verdade, se uma decisão da matéria de facto, deficiente, obscura ou contraditória, impede a Relação de sindicar, quer a decisão de facto, quer a decisão de direito, a omissão da decisão de facto impede, em absoluto e em toda a extensão, a referida sindicância. Daí que, a nosso ver, a disciplina constante da norma em apreço é igualmente aplicável aos casos em que a decisão da matéria de facto foi completamente omitida.[4]
Do exposto decorre que, in casu, deve ser anulado a sentença, atento o disposto no Art.º 712.º, n.º 4 do Cód. Proc. Civil, devendo ser proferida nova decisão em que se assentem os factos considerados provados, conhecendo-se de seguida das restantes matérias pertinentes.».
Concordamos integralmente com esta posição e com os fundamentos em que sustenta, em tudo transponíveis para o caso vertente.
Assim sendo, impõe-se também aqui anular a sentença, nos termos previstos no art.º 662.º n.º 2 al. c), do CPC, para se determinar que a 1.ª instância profira nova sentença, fixando concreta e precisamente os factos que considera provados, para depois determinar e interpretar o direito aplicável, julgando a causa conforme for de direito.
Por essa razão, não se toma conhecimento do objeto do recurso.

Assim, para além de existir parcial nulidade do saneador-sentença por omissão de pronúncia, verifica-se uma situação de anulação integral do saneador-sentença proferido, nos termos da al. c) do n.º 2 do art. 662.º do Código de Processo Civil, por total ausência de matéria de facto, a qual se sobrepõe à nulidade parcial, devendo, por isso, o processo ser devolvido à 1.ª instância, a fim de que seja proferida novo saneador-sentença onde se proceda à indispensável fixação da matéria de facto, de forma a que posteriormente sobre tais factos seja aplicado o direito.
Em face da anulação da sentença, fica prejudicada a apreciação das demais questões.
V – Decisão
Pelo exposto, acordam os juízes da Secção Social do Tribunal da Relação de Évora em anular o saneador-sentença, nos termos da al. c) do n.º 2 do art. 662.º do Código de Processo Civil, por total ausência de matéria de facto, devolvendo-se o processo à 1.ª instância, a fim de que seja proferida novo saneador-sentença onde se proceda à indispensável fixação da matéria de facto, de forma a que posteriormente sobre tais factos seja aplicado o direito.
Custas a final pela parte vencida.
Notifique.
Évora, 26 de outubro de 2023
Emília Ramos Costa (relatora)
Mário Branco Coelho
Paula do Paço

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[1] Relatora: Emília Ramos Costa; 1.º Adjunto: Mário Branco Coelho; 2.ª Adjunta: Paula do Paço.
[2] Doravante AA.
[3] Nos termos dos arts. 98.º-J, n.º 5 e 61.º, n.º 2, do Código de Processo do Trabalho.
[4] In Código de Processo Civil Anotado, Vol. V, p. 143.
[5] No âmbito do Proc. 24/09.2TBMDA.C2.S2, consultável em www.dgsi.pt.
[6] Almedina, 2018, p.737.
[7] Refere-se aí concretamente que. “Tal como nada há a receber a título de proporcionais de férias, subsídio de férias e subsídio de Natal, porquanto tendo o Tribunal determinado a reintegração do trabalhador tudo se passa como se este não tivesse sido despedido, sendo as férias, o subsídio de férias e subsídio de Natal pagos e gozados oportunamente”.
[8] Único suscetível de ser aplicado na situação concreta, uma vez que houve contestação da Ré.
[9] Atente-se que, nos termos do n.º 1 do art. 62.º do Código de Processo do Trabalho, apenas se convoca a audiência prévia quando a complexidade da causa o justifique.
[10] No âmbito do processo n.º 4280/17.4T8MTS.P2, consultável em www.dgsi.pt.