Acórdão do Tribunal da Relação de Évora | |||
Processo: |
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Relator: | FÁTIMA BERNARDES | ||
Descritores: | METADADOS PROVA DIGITAL DADOS DE TRÁFEGO DADOS DE BASE | ||
Data do Acordão: | 05/09/2023 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Sumário: | I - Conforme vem sendo frisado pela jurisprudência, em matéria de telecomunicações, há que distinguir os dados de base (elementos de suporte técnico e de conexão estranhos à própria comunicação em si mesma, designadamente os relacionados com a identificação dos titulares de um determinado cartão de telemóvel ou de um IP), os dados de tráfego (elementos que se referem já à comunicação, mas não envolvem o seu conteúdo, por exemplo, referentes à localização do utilizador do equipamento móvel, bem assim como do destinatário, data e hora da comunicação, duração da mesma, frequência, etc.) e os dados de conteúdo (elementos que se referem ao próprio conteúdo da comunicação). II - Apenas os dados de tráfego e localização conservados/armazenados pelos fornecedores de serviços de comunicações eletrónicas ou das redes públicas de comunicações estão abrangidos pela declaração de inconstitucionalidade das normas dos artigos 4º, 6º e 9º da Lei n.º 32/2008, de 17 de julho, decidida no Acórdão do TC n.º 268/2022, de 19 de abril. III - Já no referente aos dados de base, relacionados com a identificação do titular de um número de telefone ou de um IMEI, no caso de ser um assinante registado, tratando-se de elementos recolhidos aquando da contratação do serviço de telecomunicações e que se mantêm independentemente de qualquer comunicação efetuada, não respeitando à privacidade da vida da pessoa ou à sua esfera íntima, em termos de encontrarem proteção, no contexto dos bens jurídicos protegidos pela Constituição e, nessa medida, não são abrangidos pela declaração de inconstitucionalidade emanada do aludido Acórdão do TC n.º 268/2022. IV - No que concerne ao endereço IP, associado ao perfil do Facebook Messenger, através da qual foram realizados os uploads com conteúdo de pornografia de menores, a solicitação, por parte da autoridade judiciária, à operadora, da identificação do utilizador daquele endereço IP, feita ao abrigo do disposto nos artigos 11º, n.º 1, alíneas b) e c) e 14º, n.ºs 1 a 3, da Lei n.º 109/2009, de 15 de setembro – estando em causa um crime de pornografia de menores, cometido por meio de um sistema informático, tal como o define o artigo 2º, al. a), da enunciada Lei n.º 109/2009 –, é legal, estando fora do âmbito da declaração de inconstitucionalidade emanada do Acórdão do TC n.º 268/2022. V - Não estamos, pois, no caso dos autos, perante uma situação em que tenham sido utilizadas/valoradas pelo Tribunal a quo provas obtidas ao abrigo das normas declaradas inconstitucionais pelo acórdão do TC n.º 268/2022. | ||
Decisão Texto Integral: | Acordam, em conferência, na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora: 1. RELATÓRIO 1.1. Neste processo comum, com intervenção do Tribunal Coletivo, n.º 150/19...., do Tribunal Judicial da Comarca ... – Juízo Central Criminal ... – Juiz ..., foi submetido a julgamento o arguido AA, nascido a .../.../1958, melhor identificado nos autos, acusado da prática, como autor material, na forma consumada e em concurso efetivo, de quarenta e cinco crimes de pornografia de menores, p. e p. pelo artigo 176º, n.º 5, do Código Penal e de quarenta e cinco crimes de pornografia de menores, agravados, p. e p. pelos artigos 176º, n.ºs 1, alíneas c) e d) e 8 e 177º, n.ºs 1, al. c), 7 e 8, ambos do Código Penal. 1.2. No decurso do julgamento, finda a produção da prova, o Tribunal Coletivo procedeu à comunicação ao arguido, ao abrigo do disposto no artigo 358º, n.ºs 1 e 3, do CPP, da alteração não substancial dos factos descritos na acusação, bem como da respetiva qualificação jurídica, sendo esta última, em termos de os factos pelos quais foi acusado serem puníveis com as penas acessórias previstas nos artigos 69º-B e 69º-C do Código Penal. Perante tal comunicação, o arguido nada requereu. 1.3. Foi proferido acórdão em 06/12/2022, depositado nessa mesma data, com o seguinte dispositivo: «(...) acordam os Juízes que compõem o Tribunal Coletivo em: a) Absolver o arguido, AA, da prática, como autor material, de 40 crimes de pornografia de menores, p. e p. pelo art. 176º, nº 5 do Código Penal, de que se encontra acusado; b) Absolver o arguido, AA, da prática, como autor material, de 37 crimes de pornografia de menores, p. e p. pelo art. 176º, nº 1, als. c) e d) e nº 8 e art. 177º, nº 1, al. c) e nºs 7 e 8 do Código Penal, de que se encontra acusado; c) Condenar o arguido, AA, pela prática, como autor material de 1 (um) crime de pornografia de menores, p. e p. pelo art. 176º, nº 1, al. c), e agravado pelo art. 177º, nº 7 do Código Penal, na redação vigente na data da prática dos factos, 5ª versão, ou seja, a decorrente das alterações pela Lei 103/2015, de 24/08, na pena de 2 (dois) anos de prisão (factos de 03/08/2018); d) Condenar o arguido, AA, pela prática, como autor material de 1 (um) crime de pornografia de menores, p. e p. pelo art. p. e p. pelo art. 176º, nº 1, al. c), e agravado pelo art. 177º, nº 7 do Código Penal, na redação vigente na data da prática dos factos, 5ª versão, ou seja, a decorrente das alterações pela Lei 103/2015, de 24/08, na pena de 2 (dois) anos e 3 (três) meses de prisão (factos de 19/11/2018). e) Condenar o arguido, AA, pela prática, como autor material de 1 (um) crime de pornografia de menores, p. e p. pelo art. 1 p. e p. pelo art. 176º, nº 1, al. c), e agravado pelo art. 177º, nº 7 do Código Penal, na redação vigente na data da prática dos factos, 5ª versão, ou seja, a decorrente das alterações pela Lei 103/2015, de 24/08, na pena de 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de prisão (factos de 30/11/2018). f) Efetuado o cúmulo jurídico das penas referidas em c) a e), condenar o arguido na pena única de 3 (três) anos e 3 (três) meses de prisão. g) Suspender a pena de prisão referida em f) pelo período de 3 anos e 3 meses, sob a condição de o arguido pagar à ... a quantia de € 2.000 (dois mil euros), no prazo de 3 anos, devendo efetuar o pagamento de pelo menos € 500 no primeiro ano e de pelo menos € 500 no segundo ano, devendo fazer prova nos autos dos pagamentos, no prazo de 10 dias após o terminus de cada período de pagamento estipulado. h) Condenar o arguido, AA, nas penas acessórias de proibição de exercer profissão, emprego, funções ou atividades, públicas ou privadas, cujo exercício envolva contacto regular com menores, p. e p. pelo art. 69º-B, nº 2 do Código Penal, pelo período de 5 anos em relação a cada um dos crimes cometidos e referidos em c), d) e e); i) Efetuado o cúmulo jurídico das três penas acessórias referidas em h), condenar o arguido na pena acessória única pelo período de 6 anos; j) Condenar o arguido, AA, nas penas acessórias de proibição de assumir a confiança de menor, em especial a adoção, tutela, curatela, acolhimento familiar, apadrinhamento civil, entrega, guarda ou confiança de menores, p. e p. pelo art. 69º-C, nº 2 do Código Penal, pelo período de 5 anos em relação a cada um dos crimes cometidos e referidos em c), d) e e); k) Efetuado o cúmulo jurídico das três penas acessórias referidas em j), condenar o arguido na pena acessória única pelo período de 6 anos; l) Condenar o arguido nas custas do processo, fixando-se a taxa de justiça em 3 Ucs; m) Determinar a recolha de amostra-referência. (...).». 1.4. Inconformado com o assim decidido, recorreu o arguido para este Tribunal da Relação, extraindo da motivação de recurso apresentada as conclusões que seguidamente se transcrevem: « I - O presente recurso tem como objeto toda a matéria de facto e de direito da sentença proferida nos presentes autos que condenou o recorrente pela prática do crime de pornografia de menores, p. e p. pelo art.º 176.º do CP. II - O tribunal a quo considerou provado que o recorrente tinha consciência dos atos praticados serem ilegais. II - Tal convicção assentou apenas em provas obtidas ilegalmente, conhecidas no nosso ordenamento jurídico como Metadados. IV - Contradiz-se o Tribunal a quo no art.º 33.º e ss. da douta Sentença, ao confessar que o arguido não tinha consciência e consequentemente não estaria arrependido, pois até ao momento compreende porque é que tais atos são ilícitos. V - Não fez o Tribunal a quo prova de que o Recorrente não padece de patologia que o leve a não ter consciência das ilegalidades cometidas. VI - Foi o ora Recorrente confrontado com prova da sua esfera pessoal e intimidade, sendo obrigado a confessar factos da esfera pessoal, estando esta prova envenenada e ferindo o Princípio do Contraditório e o Princípio da Não auto incriminação. VII - Assim, os factos ocorridos nos referidos dias 03.08.2018, pelas 14:06:07; a 19.11.2018, pelas 16:49:14; 19.11.2018, pelas 16:49:17; e 30/11/2018, pelas 14:38:37; foram incorretamente julgados como provados. VIII - Ora, um dos princípios em que assenta o processo penal é o princípio do acusatório ou da acusação consagrado no art. 32º, nº 5, da CRP, nos termos do qual o processo criminal tem estrutura acusatória, estando a audiência de julgamento e os atos instrutórios que a lei determinar subordinados ao princípio do contraditório. IX - Pelo exposto, a sentença recorrida é nula. X - A audiência de julgamento, violou, ainda, o disposto no art.º 355º, nº 1, do CPP. XII - Pelo exposto, o tribunal não interpretou, nem aplicou, corretamente o art.º 176.º CP. XIII - Em suma, não restam dúvidas de que o recorrente não praticou o crime em que foi condenado. XIV – Nos termos do supra alegado e não tendo o recorrente praticado o crime em que foi condenado, deve o mesmo ser absolvido dos crimes de pornografia de menores. XV - Assim, por tudo o supra exposto, e sem necessidade de mais amplas considerações, devem V/Exas., Venerandos Juízes Desembargadores, atenta a inconstitucionalidade, com força obrigatória geral e com efeitos retroativos – desde 2008 – dos artigos 4.º, 6.º e 9.º, da Lei n.º 32/2008, de 17 de julho, XVI - Revogar a decisão condenatória, por assentar em prova nula – obtida unicamente através de Metadados - Com o que farão, como sempre, inteira Justiça material e evitando, assim, mais uma vez um ato de denegação de justiça ao aqui Recorrente. PEDIDO Pela fundamentação de factos e de direito acima explanada, deve ser dado provimento ao presente recurso nos termos apresentados atenta a inconstitucionalidade, com força obrigatória geral e com efeitos retroativos – desde 2008 – dos artigos 4.º, 6.º e 9.º, da Lei n.º 32/2008, de 17 de Julho, e revogar a decisão condenatória, por assentar em prova nula – obtida unicamente através de Metadados. Termos em que e nos demais de direito deve ser dado provimento ao presente recurso e, por via dele, ser revogada a sentença recorrida e, em consequência, ser o recorrente absolvido dos crimes de pornografia de menores, p. e. p. art.º 176.º do CP, em que foi condenado, triplamente, o que também não é permitido por lei, sendo que ainda caso a prova fosse considerada legal, teria de ser condenado num único crime com a atenuação do facto de ficar provada a negligência inconsciente (art.º 15.º b) CP), não podendo ser ultrapassada a pena suspensa de 3 anos, fazendo-se assim a habitual e necessária Justiça.» 1.5. O recurso foi regularmente admitido. 1.6. O Ministério Público, junto da 1.ª instância, apresentou resposta, pugnando para que seja negado provimento ao recurso e mantido o acórdão recorrido, nos seus precisos termos. 1.7. Subidos os autos a este Tribunal da Relação, a Exm.ª Procuradora-Geral Adjunta emitiu parecer no sentido de o recurso dever ser julgado improcedente. 1.8. Cumprido o disposto no n.º 2 do artigo 417º do Código de Processo Penal, não foi exercido o direito de resposta. 1.9. Feito o exame preliminar e colhidos os vistos legais, realizou-se a conferência, cumprindo agora apreciar e decidir: 2. FUNDAMENTAÇÃO 2.2. Acórdão recorrido * Não se considerou nos factos provados e não provados a matéria descrita em 1 e 2 da acusação, por se tratar de uma formulação genérica da descrição factual concreta que o Mº Pº descreve nos demais artigos da acusação, sendo esta que interessa. Igualmente não se considerou nos factos provados e não provados que tenham sido utilizadas ligações de internet às quais foram atribuídos o IP 87.103.65.215 (no dia 27-10-2018, às 09:35:22 UTC), o IP 87.103.71.65 (no dia 20-11-2018, às 09:47:54 UTC), o IP 87.103.20.16 (no dia 30-11-2018, às 19:32:26 UTC), o IP 87.103.21.78 (no dia 03-08-2018, às 01:19:53 UTC), e o IP 148.69.51.199 (no dia 03-08-2018, às 20:15:01), por tal se mostrar irrelevante ao preenchimento dos elementos do tipo de crime imputado ou circunstância do mesmo. * Motivação da decisão de facto:O tribunal formou a sua convicção sobre a factualidade provada e não provada com base na análise crítica e ponderada de todos os meios de prova produzidos na audiência de discussão e julgamento, valorados na sua globalidade. Assim, o decidido em 1 a 9 dos factos provados e 1 a 19 dos factos não provados funda-se no teor das declarações prestadas pelo arguido, com o depoimento das testemunhas BB, inspetor da Polícia Judiciária, CC, conhecido do arguido e do consultor técnico DD, inspetor da Polícia Judiciária, tudo em conjugação com os relatórios do ... – ... que constituem fls. 14 a 18 dos autos principais e de fls. 11 a 17 e 30 a 33 dos autos apensos, o teor das imagens de fls. 18 e 34 dos autos apensos, cuja tradução consta de fls. 255 a 269, bem como o teor dos Cds que constam de fls. 40 dos autos principais e de fls. 81 dos autos apensos. Assim, o arguido, AA, reconheceu que o perfil de facebook mencionado na acusação lhe pertence, assim, como o endereço de correio eletrónico e número de telemóvel aí indicados. Negou, no entanto, que tivesse partilhado, pelo menos estando ciente de tal, os vídeos contendo imagens com menores que constam dos Cds. A esse respeito refere que aderiu a um grupo no Whatsapp de pornografia com adultos, recebendo vídeos dessa natureza, que por vezes partilhava, mormente com o CC, seu colega de trabalho e o EE, seu conhecido, sendo que a maioria das vezes os partilhava sem previamente visionar o seu conteúdo, sempre através do Messenger do facebook, o que ocorreu ao longo de um período aproximado de 3 meses no ano de 2018. Que, no entanto, pela ocasião desses envios a sua conta de facebook e Messenger associado foi bloqueada pelo próprio facebook, com a indicação de “publicação imprópria”. Nega conhecer qualquer FF e, consequentemente, ter enviado para o mesmo qualquer vídeo. Que todas as partilhas de vídeos tiveram lugar a partir do seu telemóvel, que andava sempre consigo, permanecendo na sua mesa de cabeceira, enquanto pernoitava, sendo que se deitava sempre cedo. A testemunha BB depôs quanto ao conteúdo dos relatórios de fls. 14 a 18 dos autos principais e de fls. 11 a 17 dos autos apensos. Mormente esclareceu que respeitam aos dias 03/08/2018 e 19/11/2018, respetivamente e à partilha de sete e onze ficheiros, também respetivamente, sendo que poderão existir vídeos repetidos, no envio, se a pessoa clicar mais que uma vez no envio, não recordando se tal sucedeu in casu e que respeitam a uploads. Quanto a outras datas indicadas nos relatórios, respeitam muitas vezes à data de criação do perfil. Quanto à forma de partilha dos vídeos em causa, refere que a mesma ocorreu exclusivamente através do Messenger e que o endereço de email indicado nos sobreditos relatórios é o endereço associado à criação da conta de facebook, sem qualquer ligação com o envio dos vídeos. Que no que respeita ao relatório de fls. 11 a 17 dos autos apensos, se refere ao envio para três destinatários, sendo esses envios acompanhados (antes ou apos) de mensagens trocadas com os destinatários. Que os relatórios contêm informação precisa acerca do seu conteúdo, apenas não sendo totalmente fiável a indicação da localização do IP, obtida através de geolocalização, esta a carecer de confirmação junto das operadoras telefónicas. A testemunhas CC, colega de trabalho do arguido na profissão de taxistas, refere conhecer o arguido há pelo menos 9 anos, reconhecendo que por vezes, embora poucas, troca mensagens com o arguido através do facebook, sendo que geralmente as apaga logo, não reconhecendo envios de cariz sexual. DD, por seu lado, após prévia análise dos relatórios que constituem fls. 14 a 18 dos autos principais e de fls. 11 a 17 e 30 a 33 dos autos apensos, o teor das imagens de fls. 18 e 34 dos autos apensos, além de reiterar aquilo que já fora explanado pela testemunha BB, esclareceu que UTC e PDT, associados aos períodos temporais constantes dos relatórios correspondem, respetivamente, ao nosso fuso horário e dos Estados Unidos. Mais esclareceu que a fls. 15 o segundo IP indicado corresponde ao IP referente ao Upload, que o IP capture date corresponde à data em que o IP foi “captado”, que pode não corresponder à data do envio, já que hoje os IPs podem perdurar para além de uma utilização. Esclareceu ainda que cada relatório contém a indicação do número e natureza (vídeo ou fotografia) do ficheiro e que esse número se encontra indicado em cada um dos vídeos, havendo que efetuar a respetiva correspondência. Esclareceu também que a fls. 16 verso, o último upload indicado corresponde àquele que foi identificado como imagem de exploração infantil, o que não significa que qualquer das outras, que foram captadas e se mostram indicado como tendo antecedido esta não correspondam também a imagens de prática sexuais envolvendo menores. Que tal imagem, no relatório dos autos apensos referente ao dia 19/11, se mostra indicada a fls. 13 do mesmo. No que respeita ao relatório de fls. 30 a 33 desse apenso, referente ao dia 30/11, refere que foi identificado o vídeo e, bem assim, que o mesmo foi partilhado, não se tendo, no entanto, revelado possível a identificação do destinatário do mesmo. * Ora, da conjugação de todos estes meios de prova, desde logo não restam dúvidas de que o arguido, através do Messenger associado ao perfil de facebook indicado na acusação, efetuou partilhas de ficheiros de vídeo e fotografia com terceiros; que tais partilhas tiveram lugar nos dias 03/08/2018, 19/11/2018 e 30/11/2018; que na primeira das referidas datas corresponderam a sete ficheiros, na segunda a onze ficheiros e na terceira a um ficheiro. Quanto aos demais dias referidos na acusação como tendo sido objeto de partilhas, as mesmas não se verificaram, correspondendo as datas indicadas às datas de criação ou captação dos IPs associados às contas descritas na acusação. Mais não restam dúvidas que esses ficheiros foram partilhados com os utilizadores indicados na acusação, na primeira e segunda datas supra referidas e que na terceira se desconhece o utilizador com o qual foi efetuada a partilha. Por fim, igualmente resulta da conjugação dos referidos meios de prova que de entre os ficheiros supra referidos, constam os ficheiros que se fizeram constar dos factos provados. Vejamos mais concretamente acerca das conclusões supra explanadas. Os relatórios supra referidos são claros e precisos quanto à identificação do utilizador da rede social facebook, que através do Messenger efetuou o upload dos vídeos e os utilizadores com os quais foram partilhados. Também não restam dúvidas de que esse utilizador foi o arguido, já que não só o nome do perfil de utilizador de facebook e do endereço de correio eletrónico associados a tal perfil contêm na sua formação o nome completo do arguido, como o próprio reconheceu que esse perfil, endereço de correio eletrónico e número de telefone associado e indicado nos relatórios lhe pertencem. Assim como referiu ter a sua conta, incluindo acesso ao Messenger, sido bloqueada pelo próprio facebook, com alusão a divulgação de conteúdo impróprio, pela ocasião das partilhas de vídeo que efetuava. Não restam, assim, dúvidas, de que os envios foram efetuados através do Messenger do arguido. Sustentou o arguido não poder ser valorada a informação que foi remetida aos autos pelas operadoras telefónicas e que consta de fls. 30 a 33 e 161 a 164 dos autos principais, bem como a fls. 74 a 75 dos autos apensos, em face da declaração de inconstitucionalidade por parte do Acórdão do Tribunal Constitucional nº 268/2022, que declarou a inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, da norma constante do artigo 4.º da Lei n.º 32/2008, de 17 de julho, conjugada com o artigo 6.º da mesma lei, por violação do disposto nos números 1 e 4 do artigo 35.º e do n.º 1 do artigo 26.º, em conjugação com o n.º 2 do artigo n.º 18.º, todos da Constituição. Sucede que as referidas informações das operadoras telefónicas respeitam tão só à identificação e domicílio do utilizador dos IPs indicados nos sobreditos relatórios (o mesmo se dizendo quanto à informação do facebook de fls. 73 a 128, esta também quanto aos IPs utilizados e respetivo horário). Ora, tal como supra referido, o nome do utilizador do perfil de facebook e do endereço de correio eletrónico, ambos com o nome do arguido, são de molde a que se conclua que pertencem ao arguido, que de resto reconheceu efetivamente não só pertencerem-lhe como terem sido bloqueados pelo próprio facebook após a partilha das imagens. Daí que se mostre totalmente desnecessária a valoração dos elementos de fls. 30 a 33 e 161 a 164 dos autos principais, bem como a fls. 74 a 75 dos autos apensos e a impossibilidade de valoração dos mesmos (por a sua obtenção ter ocorrido ao abrigo das aludidas normas cuja inconstitucionalidade foi declarada, com força obrigatória geral) se mostre totalmente irrelevante à demonstração dos factos dados como provados. O mesmo se dizendo quanto à informação de fls. 73 a 128 dos autos principais. Quanto aos destinatários dos ficheiros, embora o arguido apenas reconheça ter enviado a CC e EE, o relatório de fls. 11 a 17 do apenso é claro quanto ao envio também para o utilizador FF, tendo tanto BB como DD esclarecido que nessa parte os relatórios são precisos e sem dúvidas quanto ao envio para um tal utilizador. E se é certo que o arguido tentou passar a ideia de que poderia ter sido um terceiro a efetuar o envio, acaba por reconhecer que os envios foram sempre a partir do seu aparelho telefónico e que este andava sempre consigo e que enquanto dormia o mantinha junto da sua mesa de cabeceira. De resto, como esclareceu BB, uma utilização da conta por terceiro implicaria uma alteração do IP, que não se verificou, tal como resulta do teor do relatório de fls. 11 a 17 do apenso. Por fim, quanto ao conteúdo dos vídeos, compulsados os Cds juntos aos autos principais e apensos conclui-se que o Cd dos autos principais contém um total de sete ficheiros, todos eles identificados no respetivo relatório (o número aposto em cada imagem gravada no CD mostra-se descrito no relatório), sendo que desses sete ficheiros dois deles foram remetidos duas vezes e um outro corresponde a uma imagem de uma mão com quatro dedos fechados e o polegar apontado ao ar, este também remetido duas vezes. No que respeita aos autos apensos, o CD contém a gravação referente aos dias 19 e 30 de novembro. Quanto ao primeiro dos referidos dias, verifica-se que para os três destinatários foi remetido o mesmo vídeo com a imagem de uma criança em práticas sexuais com uma adulta. Quanto às demais partilhas constantes do CD e relatório, mencionadas como tendo antecedido aquela imagem, verifica-se que se trata de vídeos de cariz sexual, mas envolvendo adultos ou animais, estando também um vídeo que em grande plano aparenta uma vagina a ser friccionada, mas ao afastar a imagem corresponde a uma das extremidades do olho a ser friccionada. Assim, não se pode concluir, contrariamente ao que faz a acusação, que os onze ficheiros remetidos correspondem a imagens envolvendo prática sexuais com menores, apenas se podendo concluir que três das partilhas o foram, todas elas atinentes ao mesmo vídeo, que se mostra em triplicado no CD. Assim, quanto aos demais ficheiros não descritos nos factos provados (a acusação refere um total de 18 ficheiros, embora apenas aí conste a descrição de 4 ficheiros diferentes), embora efetivamente se mostrem gravados nos Cds um total de 18 ficheiros e que correspondam a partilhas por parte do arguido, estando todos eles descritos nos relatórios supra referidos, os ficheiros não mencionados nos factos provados correspondem a imagens de prática sexuais, mas com adultos ou animais, pelo que não se efetuou a sua descrição, havendo que considerar não provado que todos os 18 ficheiros correspondem a imagens de cariz sexual envolvendo crianças. Por fim, quanto ao vídeo correspondente ao dia 30/11, verifica-se que se trata de um único vídeo, sendo isso que também resulta do relatório de fls. 30 a 33 do apenso. Note-se que o vídeo que foi remetido a 19/11 corresponde a um excerto deste vídeo, amplamente mais extenso. Da compulsão dos Cds resultaram ainda as descrições do teor de cada vídeo, nos termos que se fizeram constar em 1 a 9 dos factos provados. Também se mostra seguro que o arguido sabia o conteúdo dos vídeos que enviou e toda a factualidade descrita em 10 a 17 dos factos provados. A esse respeito, pese embora o arguido refira que habitualmente efetuava partilhas sem sequer visionar o seu conteúdo e que essas partilhas eram esporádicas, a partilha com os mesmos interlocutores de vídeos de cariz sexual com adultos antes das partilhas das imagens atinentes a práticas sexuais com menores, associada aos comentários que acompanham tais partilhas, tais como “Kit mãos livres”, referente a um vídeo de com prática de poerismo, com a expelição de 3 bolas de uma vagina sem qualquer auxílio das mãos, ou “é fodida por dois pretos e ainda fica mais gostosa”, sendo que em um dos vídeos se verifica a penetração simultânea, no ânus e vagina, de uma mulher por dois pénis de indivíduos negros ou “para quem diz que apenas coloco vídeos de foda, aqui fica um de música”, sendo visível um cão com head-phones colocados a ouvir música, enquanto assiste na televisão a um ato sexual entre dois cães. É certo que o arguido referiu desconhecer essas mensagens e nunca as ter enviado. Porém, quanto a tal, os relatórios são claros e o seu conteúdo mostra-se, nessa parte, absolutamente fidedigno, tal como foi esclarecido por BB e DD (repita-se que apenas quanto à indicação da localização do endereço de IP, à sua geolocalização foi referido que o conteúdo dos relatórios não é fiável, sendo-o quanto aos demais dados neles constantes). A partilha dos vídeos em questão, associada aos referidos comentários é de molde a que se mostre posta em causa a versão do arguido, sendo patente que o arguido sabia bem o conteúdo do que partilhava e que via os vídeos partilhados antes do seu envio. Igualmente não colhe que desconhecesse que a partilha constituía crime, numa época em que a criminalização de tais condutas se mostra amplamente divulgada na comunicação social e até redes sociais, que de resto o arguido utilizava. Por fim, refira-se, quanto à idade dos menores, que resulta claramente do teor dos vídeos que os menores neles envolvidos têm pelo menos idade inferior à que, em cada caso, se fez constar nos factos provados, face ao seu desenvolvimento físico e aspeto. Já não se considerou seguro que face a um tal desenvolvimento tivessem a idade constante da acusação, que, assim, se deu como não provada. O supra exposto funda, assim, o decidido em 1 a 17 dos factos provados e em 1 a 19 dos factos não provados. Por fim, o decidido quanto à factualidade descrita em 18 a 34 dos factos provados funda-se no teor do relatório social de fls. 225 a 229. Mormente quanto à falta de arrependimento demonstrada pelo arguido, além do referido no relatório social, a conjugação desse elemento com a conduta do arguido adotada em julgamento, que denota essa falta de arrependimento. O arguido não se limitou a exercer o direito ao silêncio, como negou veementemente factos, bem sabendo da sua prática e demonstrando indiferença pelo bem jurídico protegido. E quanto à descrita em 35 dos factos provados no teor do CRC de fls. 233 verso. * III - Aspetos Normativos:1- Enquadramento jurídico-penal O arguido encontra-se acusado da prática, como autor material, de quarenta crime de pornografia de menores, p. e p. pelo art. 176º, nº 5 do Código Penal e de quarenta crime de pornografia de menores, agravados, p. e p. pelo art. 176º, nº 1, als. c) e d) e nº 8 e art. 177º, nº 1, al. c), nº 7 e nº 8, todos do Cód. Penal. Dispõe o artigo 176º do Código Penal, sob a epígrafe «Pornografia de Menores», na redação vigente na data da prática dos factos, ou seja, a quinta versão, decorrente das alterações pela Lei nº 103/2015, de 24/08. 1 - Quem: a) Utilizar menor em espetáculo pornográfico ou o aliciar para esse fim; b) Utilizar menor em fotografia, filme ou gravação pornográficos, independentemente do seu suporte, ou o aliciar para esse fim; c) Produzir, distribuir, importar, exportar, divulgar, exibir ou ceder, a qualquer título ou por qualquer meio, os materiais previstos na alínea anterior; d) Adquirir ou detiver materiais previstos na alínea b), com o propósito de os distribuir, importar, exportar, divulgar, exibir ou ceder, é punido com pena de prisão de um a cinco anos. 5 - Quem, intencionalmente, adquirir, detiver, aceder, obtiver ou facilitar o acesso, através de sistema informático ou qualquer outro meio aos materiais referidos na alínea b) do n.º 1 é punido com pena de prisão até 2 anos. 7- Quem praticar os atos descritos nos n.ºs 5 e 6 com intenção lucrativa é punido com pena de prisão até 5 anos. 8 - A tentativa é punível. Por seu lado, dispõe o artigo 177.º, sob a epígrafe “Agravação”, na redação vigente na data da prática dos factos, ou seja, a quinta versão, decorrente das alterações pela Lei nº 103/2015, de 24/08 e na parte que ora interessa: “1 - As penas previstas nos artigos 163.º a 165.º e 167.º a 176.º são agravadas de um terço, nos seus limites mínimo e máximo, se a vítima: a) For ascendente, descendente, adoptante, adoptado, parente ou afim até ao segundo grau do agente; ou b) Se encontrar numa relação familiar, de coabitação, de tutela ou curatela, ou de dependência hierárquica, económica ou de trabalho do agente e o crime for praticado com aproveitamento desta relação. (...) 6 - As penas previstas nos artigos 163.º a 165.º, 168.º, 174.º, 175.º e no n.º 1 do artigo 176.º são agravadas de um terço, nos seus limites mínimo e máximo, se a vítima for menor de 16 anos. 7 - As penas previstas nos artigos 163.º a 165.º, 168.º, 174.º, 175.º e no n.º 1 do artigo 176.º são agravadas de metade, nos seus limites mínimo e máximo, se a vítima for menor de 14 anos. 8 - Se no mesmo comportamento concorrerem mais do que uma das circunstâncias referidas nos números anteriores só é considerada para efeito de determinação da pena aplicável a que tiver efeito agravante mais forte, sendo a outra ou outras valoradas na medida da pena. * Os arts. em análise foram objeto de alteração pela Lei nº 40/2020, de 18/08, passando a ser do seguinte teor, na parte que ora interessa: Art. 176º: Quem c) Produzir, distribuir, importar, exportar, divulgar, exibir, ceder ou disponibilizar a qualquer título ou por qualquer meio, os materiais previstos na alínea anterior; d) Adquirir, detiver ou alojar materiais previstos na alínea b) com o propósito de os distribuir, importar, exportar, divulgar, exibir ou ceder; (...) 8 - Para efeitos do presente artigo, considera-se pornográfico todo o material que, com fins sexuais, represente menores envolvidos em comportamentos sexualmente explícitos, reais ou simulados, ou contenha qualquer representação dos seus órgãos sexuais ou de outra parte do seu corpo. 9 - (Anterior n.º 8.) O art. 177º, por seu lado, foi objeto de alteração pela Lei nº 101/2019, de 05/09, passando a ser do seguinte teor: Art. 177º: 1- ... c) For pessoa particularmente vulnerável, em razão de idade, deficiência, doença ou gravidez. (...) 6 - As penas previstas nos artigos 163.º a 165.º, 168.º, 174.º, 175.º e no n.º 1 do artigo 176.º são agravadas de um terço, nos seus limites mínimo e máximo, quando os crimes forem praticados na presença ou contra vítima menor de 16 anos; 7 - As penas previstas nos artigos 163.º a 165.º, 168.º, 174.º, 175.º e no n.º 1 do artigo 176.º são agravadas de metade, nos seus limites mínimo e máximo, quando os crimes forem praticados na presença ou contra vítima menor de 14 anos. 8 - ...» Por sua vez, a já referida Lei nº nº 40/2020, de 18/08, igualmente alterou este Artigo 177.º, passando a ser do seguinte teor: (...) 7 - As penas previstas nos artigos 163.º a 165.º, 168.º e 175.º e no n.º 1 do artigo 176.º são agravadas de metade, nos seus limites mínimo e máximo, se a vítima for menor de 14 anos. 8 - ...» * Verificando-se uma sucessão de leis penais, como sucede, in casu, já que o crime base imputado ao arguido se encontra abrangido por 2 regimes diferentes e agravação por três regimes diferentes, terá o julgador que determinar qual das leis em confronto é mais favorável ao infrator (art. 2º, nº 4 do Código Penal). Tal apreciação não poderá fazer-se em abstrato, tendo antes que reconduzir-se à apreciação das circunstâncias concretas do caso, o que implica que o tribunal realize todo o processo de determinação da medida concreta da pena face a cada uma das leis em confronto (art. 2º, nº 4 do Cód. Penal). O juízo de favor deve resultar da consideração da totalidade do regime a que o caso se submete e não da consideração isolada de um elemento do tipo legal ou da sanção. A este propósito refere M. Gonçalves (CP Português, Anotado e Comentado, 12ª ed. - 1998, p. 55), na mesma linha de orientação do Assento do STJ, publicado em 17 de Março de 1989 que, com a substituição de normas (Projecto de 63) por regime (CP), pretendeu-se "acentuar bem haver que optar em bloco pelo regime anterior ou pelo novo (...), não sendo por isso, à falta de lei expressa, lícito aplicar normas de um e de outro regime". Antes de se proceder a uma análise mais detalhada do ilícito, cumpre referir que as alterações ocorridas ao art. 176º não são, in casu, relevantes, porquanto apenas foram aditadas às alíneas c) e d) do nº 1 as expressões/condutas supra sublinhadas, sendo que as condutas descritas na acusação e imputadas ao arguido se integram nas demais condutas descritas no preceito e que não foram objeto de alteração. Apenas o nº 8 do preceito constitui uma inovação em relação à redação vigente na data da prática dos factos. Porém, um tal preceito constitui apenas elemento definidor do que seja material pornográfico, o que até então era integrado pelo julgador, com recurso a critérios doutrinários e jurisprudenciais, no essencial os que vieram a ser plasmados no preceito. No que respeita à agravação do art. 177º, verifica-se, no que ao caso dos autos interessa, que a única alteração relevante consiste na redação dada à al. c) do nº 1 do preceito, que se mostra imputada ao arguido na acusação e constitui uma neocriminalização, já que inexistente redação semelhante na data da prática dos factos. Igualmente a punição das condutas levadas a efeito na presença de menor de 16 anos constituem uma neocriminalização não prevista na data da prática dos factos. Assim sendo, inexistindo alteração relevante no que concerne ao crime base, o mesmo não se diga perante a alteração ao art. 177º, referente à agravação da conduta, que veio punir condutas imputadas ao arguido na acusação e não previstas na data da prática dos factos, pelo que terá de se concluir que o regime vigente na data da prática dos factos se mostra mais favorável ao arguido, sendo esse o regime aplicável. * Analisemos agora os elementos objetivos e subjetivos do tipo. A) TIPO OBJETIVO DE ILÍCITO: Conforme refere FIGUEIREDO DIAS [p. 342, § 20, da obra citada supra], é possível identificar, no tipo objetivo de ilícito, os seguintes conjuntos de elementos: - Os que dizem respeito ao autor, pois, vem sendo entendimento pacífico que o autor da ação, apesar da sua natureza “subjetiva” ou “intersubjetiva”, é elemento constitutivo do tipo objetivo de ilícito [vide FIGUEIREDO DIAS, in ob. e loc. cit.; TERESA BELEZA, in Direito Penal II, pp. 116 e ss.; HENRIQUE SALINAS MONTEIRO, in Comparticipação em Crimes Próprios, Lisboa, Universidade Católica Editora, 1999, p. 11 e JOSÉ LOBO MOUTINHO, in Da Unidade à Pluralidade dos Crimes no Direito Penal Português, p. 255]; - Os relativos à conduta, que assumem a função de delimitação ou função negativa de excluir da tipicidade de comportamentos jurídico-penalmente irrelevantes [Cf. FIGUEIREDO DIAS, in ob. e loc. cit., pp. 355/356, §37.]. Nos elementos relativos à conduta encontramos a descrição da(s) ação(ões) típica(s) e, nalguns casos, o objeto da ação. - Os relativos ao bem jurídico [configurado como expressão de um interesse, da pessoa ou da comunidade, na manutenção ou integridade de um certo estado, constituindo um bem em si mesmo, como tal, juridicamente protegido], que não se confundem com os elementos relativos ao objeto da ação, os quais se apresentam como uma manifestação real da noção do mesmo [Cf. de FIGUEIREDO DIAS, in ob., cit., p. 359, § 44 e MARIA FELINO RODRIGUES, in “As incriminações de Perigo e o Juízo de Perigo no Crime de Perigo Concreto”, p. 22, nota 15, em que a autora refere que na doutrina alemã se distingue entre o Tatobjekt (que corresponde ao objeto material do crime/ação), por contraposição ao Rechtsgutsart (que corresponde o bem jurídico-valor, bem jurídico-categoria)]. Analisemos cada um desses conjuntos relativamente ao crime que nos ocupa, começando pelo bem jurídico protegido, dado que uma correta interpretação dos elementos que dizem respeito ao autor e à conduta pressupõe, antes de mais, a determinação do respetivo objeto de tutela [dito de outra forma, o modus aedificandi criminis, reflete a opções do legislador relativamente ao bem jurídico a proteger]. 1. O BEM JURÍDICO PROTEGIDO: O bem jurídico protegido pela norma em causa está longe de ser consensual, quer ao nível da doutrina, quer ao nível da jurisprudência. Dado que a tomada de posição sobre tal discussão assume enorme relevância prática, quer ao nível da interpretação dos elementos objetivos do tipo, quer ao nível do número de crimes efetivamente cometidos [a chamada problemática, objeto de acesa e muito complexa discussão, do concurso de crimes], quer ainda ao nível da relevância do consentimento dos maiores de 16 anos, entende-se, ainda que em moldes de síntese apertada, expor as principais posições relativamente ao bem jurídico protegido pelo tipo de crime descrito nas alíneas c) e d), do n.º 1 do artigo 176º, do Código Penal e nºs 4 e 5 (dado que os factos descritos na acusação, parcialmente considerados provados, não são subsumíveis às modalidades previstas nas alíneas a) e b), do n.º 1, do artigo 176º, do Código Penal). A primeira grande divergência verifica-se entre aqueles que sustentam que bem jurídico protegido, nas alíneas c) e d), do n.º 1 e números 4 e 5, do artigo 176º, do Código Penal, à semelhança do que sucede nas alíneas a) e b), do n.º 1, do mesmo artigo [em que todos estão de acordo quanto ao bem jurídico protegido], é iminentemente pessoal e aqueles que sustentam que o bem jurídico protegido pelas normas em causa é supra individual. A primeira das posições sustenta que se está perante um bem iminentemente pessoal, porque o bem jurídico protegido à autodeterminação sexual. Para o efeito, argumenta que é a própria lei que equipara e agrupa numa mesma unidade punitiva a utilização de menor (als. a) e b) do nº 1 do artº 176º) com a produção, aquisição, distribuição etc. do material proveniente da atuação prevista nas primeiras duas alíneas (als. c) e d) do nº 1 do artº 176º). Ou seja, é tão grave quem utiliza o menor na produção pornográfica como aquele que adquire esse material. Por outro lado, o artigo 176º encontra-se inserido na secção II do Código Penal dedicado aos crimes contra a autodeterminação sexual. Por último, argumenta que quem produz, divulga, importa ou exporta pornografia infantil contribui para a proliferação de material cuja génese é a violação de um dos direitos mais fundamentais das crianças. Na realidade a pornografia infantil não implica somente a coação sobre um menor, limitando a sua liberdade e autodeterminação sexual através da imposição de práticas de atos sexuais (muitas vezes de toda a espécie e aberração) para os quais o mesmo não esteja preparado e que para as quais não tenha sequer o discernimento e consciência de compreender, ela implica, na esmagadora maioria dos casos, especialmente quando está em causa a pornografia industrial que prolifera na darkweb, o tráfico de crianças, o seu maus-tratos físico para além de psicológico, a sua violação repetida, muitas vezes filmada como objeto do próprio espetáculo pornográfico, o seu desenraizamento familiar, a sua venda e escravização. Por isso é que o legislador português, seguindo diretrizes internacionais no campo de defesa dos menores, classificou e agrupou vários atos como integrando o conceito de pornografia de menores e previu a mesma moldura penal. No sentido desta posição o acórdão da Relação de Lisboa de 17-3-2021. A segunda das posições, isto é, a que defende que o bem jurídico protegido é supra individual, é sustentada pela grande maioria da doutrina, que, no essencial, argumenta, em defesa de tal posição, que como as condutas descritas alíneas c) e d), do n.º 1 e nos n.os 4, 5 e 6, do artigo 176º, do Código Penal, não há, ao contrário do que sucede nas alíneas a) e d b), do n.º 1, do citado preceito, uma relação direta com o menor ou com o menor representado de forma realista, as mesmas não violam a liberdade do menor uma vez que esta já foi violada ab initio com o uso do mesmo nos materiais pornográficos. A violação do bem jurídico individual liberdade/autodeterminação sexual em momento anterior à produção, distribuição, importação, exportação, divulgação, cedência e disponibilização impossibilita que se possa estabelecer um nexo causal entre a conduta do agente que divulga os materiais pornográficos com a conduta que lesa a liberdade/autodeterminação sexual, relativamente à qual tais condutas constituem uma referência longínqua, permanecendo válidas, a este propósito, a palavras de FIGUEIREDO DIAS, a propósito da então alínea d), do artigo 172º, na redação em vigor entre 1998 e 2011, em que aquele autor, sustentou que a criminalização de fotografias, filmes e gravações pornográficas com crianças “ não pode deixar se ser iluminada por um bem jurídico (supraindividual) diverso do da liberdade e autodeterminação sexual de uma pessoa (de uma criança)” [in Comentário Conimbricense do Código Penal, Tomo I, Coimbra Editora, 1999, pp. 542 e 548.] No sentido de que está perante um bem jurídico supraindividual se pronunciaram também MARIA JOÃO ANTUNES e CLÁUDIA SANTOS [in Comentário Conimbricense do Código Penal, Tomo I, 2ª edição, Coimbra Editora, 2012, pp. 867 e 881] PEDRO SOARES DE ALBERGARIA/PEDRO MENDES LIMA [in “O crime de detenção de pseudopornografia infantil – evolução ou involução?”], MARIA JOÃO ANTUNES [in “Crimes contra a Liberdade e a Autodeterminação Sexual dos Menores”, ambos publicados na Revista Julgar, Especial, n.º 12, Set./Dez.2010], INÊS FERREIRA LEITE [in “Pedofilia- Repercussões nas novas formas de criminalidade na teoria geral da infração”, 2004, pág. 28 ss.], ANA RITA ALFAIATE [“A relevância penal da sexualidade dos menores”, 2009, pág. 90 e ss. ], ANDREIA ALMEIDA [in “A relevância processual dos crimes contra a liberdade e autodeterminação sexual dos menores”, FDUNL, 2013, pág. 19] e MOURAZ LOPES/TIAGO MILHEIRO [in “Crimes Sexuais, análise substantiva e processual”, dezembro de 2019, p. 221]. Relativamente à identificação de qual o bem jurídico supraindividual, os autores acima citados divergem entre si, assumindo os juízes que compõem o tribunal coletivo preferência pela posição que argumenta que o bem jurídico protegido é diretamente a proteção da personalidade em desenvolvimento dos menores, entendida tanto numa dimensão interior (psico-física ou moral) como noutra exterior (social ou relacional), embora não deixando de atentar, ainda que remotamente, na sua autodeterminação sexual, a qual é posta em causa com a exibição e cedência de fotografia, filmes ou gravações pornográficos, desde que aí seja utilizados menores [ou seja, a sustentada por de PEDRO SOARES DE ALBERGARIA/PEDRO MENDES LIMA, in ob., acima citada]. Com efeito, tanto a produção como a proliferação dos materiais pornográficos que utiliza os menores e contribuem para as perturbações psicológicas das crianças e os jovens, que, dessa forma, são “coisificadas”. 2. O AUTOR DA AÇÃO: O crime de pornografia de menores não atribui à pessoa pressuposta no vocábulo “quem” uma determinada qualidade ou sobre mesma faz recair um dever especial, pelo que pode ser cometido por qualquer pessoa individual ou coletiva [cf. n.º 2, do artigo 11º, do Código Penal] e, como tal, consubstancia um crime comum [sobre o conceito de crime comum, por contraposição aos crimes específicos, vide, para maiores desenvolvimentos, FIGUEIREDO DIAS, com colaboração de MARIA JOÃO ANTUNES; SUSANA AIRES DE SOUSA; NUNO BRANDÃO e SÓNIA FIDALGO, in ob., cit., pp. 353/354, § 34º]. Quanto ao conceito de autor, rege o acima transcrito artigo 26º [1ª preposição, a única que nos interessa para o caso que nos ocupa], segundo o qual é autor quem executar o facto, por si mesmo. Nos delitos dolosos de ação, o direito português consagra, um conceito restritivo de autor, ancorado na chamada teoria do «domínio (funcional) do facto». A ideia central da referida teoria pode traduzir-se, de forma sintética e conclusiva, nos seguintes termos: autor é quem domina o facto, quem dele é “senhor”, quem toma a execução “nas suas próprias mãos”, de tal modo que dele depende decisivamente o se e o como da realização típica [Cf. FIGUEIREDO DIAS, in ob., cit., p. 894, §16]. Quando é o próprio agente que procede à realização típica, quem leva a cabo o comportamento com o seu próprio corpo estamos no chamado domínio da autoria imediata [ROXIN, in “Autoria e Domínio do Facto» com 1ª edição em de 1963, e 7ª edição de 2000, apud FIGUEIREDO DIAS, in ob., cit., § 19, p. 896 e apud CONCEIÇÃO VALDÁGUA, in Início da Tentativa do Coautor, Contributo para a Teoria da Imputação do Facto na Coautoria, 2ª Edição, Lex, Lisboa, 1993. P. 31, 133 e ss. e 145 e ss]. 3. A CONDUTA: No caso que nos ocupa as únicas condutas com relevo para a decisão são as previstas na alínea c) e d), do n.º 1 do artigo 176º, do Código Penal, já que as demais alíneas são manifestamente inaplicáveis aos factos considerados provados. No que se refere à conduta prevista na alínea c) [produzir, distribuir, importar, exportar, divulgar, exibir ou ceder, a qualquer título, fotografias, filmes ou gravações pornográficas que utilizem menores], a ação típica pretende, como assinalam JOSÉ MOURAZ LOPES/TIAGO CAIADO MILHEIRO [in Crimes Sexuais, análise substantiva e processual, Almedina, dezembro de 2019, anotação 5 ao artigo 176º, do Código Penal, p. 221], cobrir todo o tipo de disseminação, sem contrapartidas, dos referidos materiais, aí se englobando a venda o empréstimo, o aluguer ou qualquer outra forma de transmissão dos mesmos, através de quaisquer meios de comunicação conhecidos, mormente publicações escritas, meios audiovisuais [televisão] e meios de divulgação por via telemática, mormente redes digitais como a internet, acessíveis a partir computadores, telemóveis ou tablet que, assim, se tornam meios aptos divulgar os materiais em causa, por transferência de ficheiros para outro computador, telemóvel ou tablet, através de específicos programas de partilha, de redes sociais ou de e-mail. No que se refere ao conceito de importação, não acompanhamos a jurisprudência [vide acórdão da Relação do Porto de 3-12-2014] que sustenta que o download de ficheiros contendo pornografia de menores preencher o conceito de importação, mas sim a jurisprudência, que cremos ser maioritária, que tem sustentado que o download não constitui importação de pornografia de menores [nesse sentido, o já acima referido acórdão da Relação de Évora, de 17-3-2015, acórdão da Relação de lisboa de 15-12-2015]. Porém, as imagens captadas de naturismo, ainda que de crianças, de acordo com o contexto em que se inserem, são apropriadas [caso do trabalho da fotógrafa Sally Mann] e, por isso, não se adequa à categoria de pornografia. O facto destas imagens poderem causar desejos sexuais não lhes atribui um carácter pornográfico [assim MAXTAYLOR e ETHEL QUAYLE, 2003, Child pornography: an Internet crime, New York, Brunner- Routledge página 3 e 4]. Dito de outra forma, tais imagens e filmes não visam fins sexuais [finalidade exigida pelo n.º 8, do artigo 176º, do Código Penal], mas sim fins que se prendem com a filosofia de vida adotada. Tanto assim é, que tais imagens e filmes não contêm atos sexuais explícitos e os menores que se encontram desnudados, estão enquadrados em cenários que se prendem com as atividades praticadas em espaços destinados à prática do nudismo/naturismo, os quais têm tutela legal [veja-se, no caso português, a Lei n.º 53/2010, de 20 de dezembro]. No que se refere à alínea d), do n.º 1, do artigo 176º, do Código Penal, ela situa-se num patamar ex ante em relação à al. c), mas que o legislador equipara à conduta da al. c). Assim, ali pune-se a conduta de divulgação de material pornográfico com menores, ao passo que aqui se pune a adquisição, detenção, alojamento desse tipo de material, previsto na alínea b), com o propósito de os divulgar através de distribuir, importação, exportação, divulgação, exibição ou cedência. Também o nº 5 do preceito se situa num patamar ex ante de proteção, desta vez não equiparado em termos de proteção. Com efeito, aqui se punem as condutas consistentes em aquirir, deter, aceder, obter ou facilitar o acesso ao material referido em b) do nº 1), através de sistema informático ou qualquer outro meio. Mas neste caso sem que exista intenção de divulgação ou a própria divulgação. Ou seja, as condutas descritas no nº 1, als. c) e d) constituem um maius em relação ao minus que constitui a conduta prevista no nº 5. Daí que, sempre que o agente pratica as condutas descritas naquelas condutas o mesmo pratica também as condutas descritas no nº 5, mas com algo mais. Não obstante a redação vigente na data da prática dos factos não contivesse a definição do que deva entender-se por material pornográfico, o conceito que viria a ser consagrado correspondia ao que vinha sendo entendido como tal na doutrina e jurisprudência, pelo que, face às imagens descritas nos factos provados, não restam dúvidas de que os vídeos aí indicados constituem material pornográfico. As condutas do arguido descritas nos factos provados preenchem, sem qualquer dúvida, todos os elementos do tipo previstos nas als. c) e d) do nº 1 do art. 176º, bem como do nº 5 do mesmo preceito. Como referido, no caso dos autos, a conduta que agrava o crime base pelo nº 7 do preceito não oferece dúvidas, dado que o conceito de menoridade de 14 anos é objetivo (sendo que a imputação do nº 1, al. c) era inexistente na data da prática dos factos, havendo, como supra referido, considerar a redação então vigente, por mais favorável ao arguido). * B) TIPO SUBJETIVO DE ILÍCITO: B1) O DOLO DO TIPO: Da conjugação dos já mencionados e transcritos artigos 13º, 14º e n.º 1 176º, do Código Penal, o tipo subjetivo do crime de pornografia [matricial ou agravado] exige o dolo. Quanto ao conceito de dolo e as modalidades que reveste remete-se para o que ficou dito em sede de fundamentação de facto. Assim sendo, e no que para o caso que nos ocupa interessa, o agente tem de representar que detém e partilha material pornográfico envolvendo menores e, no caso da conduta agravada, envolvendo menores de 14 anos. B2) ESPECIAL ELEMENTO SUBJETIVO DO TIPO: No que se refere à alínea d), do n.º 1, do artigo 176º, do Código Penal, ao dolo tipo, seja na forma direta, necessária ou eventual, encontra-se acoplado ao elemento “com o propósito de”, o qual se configura um especial elemento subjetivo do tipo, que faz do crime prevista na referida norma, um crime intencional. Nesta linha, FIGUEIREDO DIAS, na 3ª edição sua obra Direito Penal, Parte Geral, Tomo I, Questões Fundamentais, A Doutrina Geral do Crime [escrita com colaboração de MARIA JOÃO ANTUNES; SUSANA AIRES DE SOUSA; NUNO BRANDÃO e SÓNIA FIDALGO, p. 442], sustenta que estamos especiais elementos subjetivos, que não se confundem com os elementos pertencentes ao dolo do tipo, pois ainda que se liguem à vontade do agente de realização do tipo, o seu objeto situa-se fora do tipo objetivo de ilícito, não havendo, por isso, na parte que lhe toca, uma correspondência ou congruência entre o tipo objetivo e subjetivo. Todavia, cumprem a função de individualizar uma espécie de delito, de tal forma que, quando eles faltam, o tipo de ilícito daquela espécie de delito não se encontra verificado. Apreciando o caso dos autos à luz das considerações de índole jurídica ora tecidas, é de afirmar que a conduta do arguido, refletida nos factos provados, é suscetível de preencher os elementos subjetivos do tipo de crime de que se encontra acusado. DO NÚMERO DE CRIMES COMETIDOS: Assente que o arguido, em três ocasiões espaço-temporais diversas, se encontrava na posse de ficheiros suscetíveis de preencher o crime de pornografia de menores na sua forma agravada, os quais partilhou com terceiros, levanta-se a questão de saber se o arguido incorreu em tantos crimes quanto o número de ficheiros detidos e partilhados. Por outro lado, dado que conduta do arguido é suscetível de preencher as condutas previstas nas alíneas c) e d), do n.º 1, e do n.º 5, do artigo 176º, do Código de Processo Penal, também na forma matricial e na forma agravada, levanta-se a questão se saber se o mesmo deve ser punido autonomamente por cada uma das condutas que se enquadram nessas normas. Como já acima ficou dito, a problemática relativa ao concurso de crimes (unidade e pluralidade de infrações), das mais complexas na teoria geral do direito penal, sendo inabarcável considerar todas as teses de mestrado, doutoramento, que se pronunciaram sobre tal questão. Atalhando caminho, somos da opinião que, em face do disposto no n.º 1, do artigo 30º, do Código Penal, a unidade ou pluralidade de infrações afere-se à luz do concreto número de tipos legais de crime, enquanto portadores de valores jurídico criminais distintos negados, que um determinado comportamento humano viola. Como se refere no acórdão do STJ de 27-5-2010 [in, dgsi.pt] por ser particularmente claro sobre assunto merece aqui o seguinte destaque: o critério determinante do concurso é, assim, no plano da indicação legislativa, o que resulta da consideração dos tipos legais violados. E efetivamente violados, o que aponta decisivamente para a consagração de um critério teleológico referido ao bem jurídico. Porém, àquela conclusão sempre há que acrescentar dois limites, enxergados em momentos analíticos posteriores: a culpa do agente e a conexão temporal. No que se refere à questão da conexão temporal cumpre ter presente que se provou que o arguido praticou as condutas em três momentos espaço-temporais diversos (03/08/2018, 19/11/2018 e 30/11/2018) e violou o mesmo bem jurídico, sendo que em 03/08/2018 a sua conduta respeita ao envio de três vídeos diferentes, ou seja, atinentes a diferentes vítimas e no dia 19/11/2018 estão em causa três partilhas do mesmo vídeo, ou seja, a partilha do mesmo vídeo com três diferentes utilizadores através do messenger. Considerando que, pelas razões acima expostas, se está perante um bem jurídico supraindividual e não perante um bem jurídico iminentemente pessoal, nada obsta, antes se impõe, que relativamente às partilhas de mais que um vídeo no dia 03/08/2018 se afirme a existência de um único crime, o mesmo se dizendo quanto à partilha do mesmo vídeo com três utilizadores no dia 19/11/2018, com escassos segundos de intervalo entre as três partilhas, já que se terá de concluir nestes dois casos pela inexistência de várias resoluções criminosas. O mesmo já não se diga quanto às partilhas em 3 dias diversos, já que o espaço temporal que medeia entre esses três envios inculca a formulação de uma nova resolução criminosa em cada uma delas. Por outro lado, as condutas menos graves, isto é, a mera posse de ficheiros envolvendo menores de 14 anos e a posse com intenção de partilha, fica consumida pela conduta mais grave, isto é, posse e partilha de ficheiros envolvendo menores de 14 anos, ou seja, a conduta prevista no n.º 5 e a conduta prevista na alínea d), do n.º 1, do artigo 176º, do Código Penal ficam consumidas pela conduta descrita na al. d) do nº 1 do art. 176º do Código Penal. Com efeito, tal como supra referido, as condutas descritas no nº 1, als. c) e d) constituem um maius em relação ao minus que constitui a conduta prevista no nº 5. Daí que, sempre que o agente pratica as condutas descritas naquelas condutas o mesmo pratica também as condutas descritas no nº 5, mas com algo mais. Assim, sempre que a conduta do agente preencha os elementos do tipo das als. c) ou d), verifica-se um concurso meramente aparente ou ideal de infrações com as condutas do nº 5 do preceito. Estas apenas merecerão punição autónoma sempre que a conduta do agente consista na prática dos atos aí descritos, mas já não nos descritos nas als. c) ou d), ou seja, sempre que inexista intenção de divulgação, cedência, etc. ou a existência desta. Reportados ao caso dos autos, verifica-se que não obstante a acusação impute ao arguido a prática de 40 crimes do nº 5 do art. 176º e de 40 crimes do nº 1, als. c) e d) do art. 176º, o que resulta da matéria de facto provada é que, em três circunstâncias espaço-temporais diversas o arguido partilhou com terceiros determinados ficheiros de vídeo contendo imagens pornográficas de menores. Nenhuma situação resultou provada em que a conduta se resuma à mera detenção de material dessa natureza, antes todas à partilha desse material, pelo que a conduta objetiva do arguido se reconduz à al. c) do nº 1 do art. 176º do Código Penal, com a agravação decorrente do nº 7 do art. 177º do Código Penal, na redação vigente na data da prática dos factos, havendo o arguido que ser absolvido da prática dos 40 crimes de pornografia de menores, p. e p. pelo art. 176º, nº 5 do Código Penal, de que se encontra acusado. De resto, este entendimento mostra-se defendido no acórdão da Relação de Évora de 23-6-2020 [disponível em texto integral no endereço eletrónico www.dgsi.pt], cujo sumário se transcreve, dada a sua pertinência: “1 – Estando provado que o arguido detinha ficheiros informáticos com conteúdo de pornografia infantil que enviou a terceiros e, ao mesmo tempo, detinha outros ficheiros com igual conteúdo que não enviou a terceiros, deve considerar-se que não praticou em concurso efetivo um crime p. e p. no artº 176º, nº 1, al. c), do C.P. e um crime p. e p. no artº 176º, nº 5, do mesmo Código, mas tão só um crime da al. c) do nº 1 do artº 176º do C.P. 2 – Com efeito, sendo o crime de pornografia de menores um crime de perigo (perigo abstracto), norteado por uma lógica de perigo, o ato de divulgar ou partilhar os ficheiros em causa (modalidade do artº 176º, nº 1, al. c), do C.P.) representa um estádio mais avançado dessa lógica de perigo. 3 – Daí que a pena prevista para esse comportamento seja superior à prevista para a mera detenção, que representa tão só um estádio menos avançado da agressão ao bem jurídico (modalidade do artº 176º, nº 5, do C.P.). 4 – Tendo-se já configurado juridicamente (e bem) a atuação do arguido como sendo de unidade de crime, tendo o agente percorrido diferentes estádios de agressão ao bem jurídico, dentro da mesma “lógica de perigo” que a norma incriminadora consagra, então ele deve ser punido (e só punido) à luz da alínea que prevê o estádio mais avançado dessa agressão, ou seja, da al. c) do nº 1 do artº 176º do C.P. Sendo que in casu não resultou sequer provado que o arguido detivesse ficheiros pornográficos com menores de 14 anos para além daqueles que partilhou. Termos em que, deverá o arguido ser punido apenas pela prática de três crimes de pornografia de menores, cada um p. e p. pelos arts. 176º, nº 1, al. c) e 177º, nº 7 do Código Penal, na redação vigente na data da prática dos factos. * Das penas acessórias Dispõe o art. 69º-B do Código Penal: “1- (…) 2- É condenado na proibição de exercer profissão, emprego, funções ou atividades, públicas ou privadas, cujo exercício envolva contacto regular com menores, por um período fixado entre cinco e 20 anos, quem for punido por crime previsto nos artigos 163.º a 176.º-A, quando a vítima seja menor. Por seu lado, dispõe o art. 69º-C do mesmo diploma legal: «1- (…) 2- É condenado na proibição de assumir a confiança de menor, em especial a adoção, tutela, curatela, acolhimento familiar, apadrinhamento civil, entrega, guarda ou confiança de menores, por um período fixado entre cinco e 20 anos, quem for punido por crime previsto nos artigos 163.º a 176.º-A, quando a vítima seja menor”. Tem vindo a ser discutida nos nossos tribunais superiores a constitucionalidade da aplicação, a certas situações, das penas acessórias previstas nestes preceitos, por violação do princípio da proporcionalidade. In casu, perante a situação dos autos, nenhuma questão de constitucionalidade se nos suscita, pelo que o arguido incorreu também e vai condenado, por cada um dos crimes cometidos, nas sanções acessórias previstas nos arts. 69º-B, nº 2 e 69º-C, nº 2 do código Penal. * 2- Da Escolha e Medida da Pena Principal A moldura penal abstrata do crime é, face à agravação do nº 7 do art. 177º, de prisão de 1 ano e 6 meses até 7 anos e 6 meses. Posto isto, há de seguida que determinar, de harmonia com os princípios e critérios constantes do art. 71º do C. P. a medida concreta da pena de prisão a aplicar ao arguido. De harmonia com esse artigo, a determinação da medida da pena far-se-á em função da culpa do agente, tendo ainda em conta as exigências de prevenção de futuros crimes, devendo atender-se a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, deponham a favor do agente ou contra ele, considerando, nomeadamente, as circunstâncias apontadas no nº 2 daquele normativo. A aplicação das penas visa a protecção de bens jurídicos e a reintegração social do agente, sendo que em caso algum a pena pode ultrapassar a medida da culpa. Assim o dispõe a norma do art. 40º do Código Penal (nºs 1 e 2), quando estabelece as finalidades das penas. A defesa da ordem jurídico-penal, tal como é interiorizada pela consciência colectiva (prevenção geral positiva), é a finalidade primeira, que se prossegue no quadro da moldura penal abstracta, entre o mínimo, em concreto, imprescindível à estabilização das expectativas comunitárias na validade da norma violada e o máximo que a culpa do agente consente; entre esses limites, satisfazem-se, quanto possível, as necessidades da prevenção especial positiva ou de socialização (cfr. Fig. Dias, "Direito Penal Português...", £ 301 e ss. e Ac do STJ, de 15 de Outubro, de 1997, proferido no proc. nº 589/97 - 3ª secção - 1ª subsecção). A medida da pena não pode em caso algum ultrapassar a medida culpa. "A culpa constitui um limite inultrapassável a todas e quaisquer considerações preventivas. É o limite máximo da pena adequada à culpa que não pode ser ultrapassado. Uma tal ultrapassagem, mesmo em nomes das mais instantes exigências preventivas, poria em causa a dignitas humana do delinquente e seria assim, logo por razões jurídico-constitucinais, inadmissível." (1) - F. Dias, "As Consequências Jurídicas do Crime", p. 284 Até ao limite máximo consentido pela culpa, é a medida exigida pela tutela dos bens jurídicos que vai determinar em definitivo a medida da pena. De resto, dificilmente surgirão conflitos entre a culpa e a prevenção geral positiva, pois as razões justificativas da culpa são em princípio também comunitariamente compreensíveis e aceitáveis. De acordo com o art. 71º -2, não devem ser tomadas em consideração na medida da pena as circunstâncias que façam já parte do tipo de crime: nisto se traduz o essencial do princípio da proibição da dupla valoração, ou seja, não devem ser utilizadas pelo julgador para agravar ou atenuar a responsabilidade do agente, circunstâncias que já tenham sido tomadas em consideração pelo legislador ao estabelecer a moldura penal do facto. Isto não obsta a que a medida da pena seja elevada ou baixada em função da intensidade ou dos efeitos do preenchimento de um elemento típico e, portanto, da concretização deste segundo as especiais circunstâncias do caso. No caso, não poderão, assim, considerar-se as circunstâncias que determinaram a atenuação especial da pena supra referidas. Assim, considerando: - são elevadas as exigências de prevenção geral, atendendo a que o tipo de crime praticado repugna muito à consciência coletiva, sendo muito praticado, embora com enormes cifras negras. - no grau de ilicitude, há a ponderar contra o arguido o facto de a sua conduta preencher duas das alíneas do nº 1 do art. 176º, bem como o nº 5 do mesmo; - quanto ao primeiro dos crimes cometidos a partilha ter sido efetuada com um indivíduo, respeitando a três imagens de pornografia de menores; quanto ao segundo dos crimes, a partilha ter sido efetuada com três utilizadores, mas respeitar com cada um deles a um único vídeo de pornografia envolvendo menores; quanto ao terceiro dos crimes ser uma partilha apenas com um utilizador de um único vídeo, mas ter este uma duração e conteúdo muito mais amplo que os anteriores, com um superior grau de violação do bem jurídico; - sem prejuízo, sempre se refira que, tendo em conta o tipo de crime análise e as práticas habitualmente violadoras do mesmo, o número de imagens partilhadas é reduzido e é curto o período temporal que medeia as partilhas. - a intensidade do dolo (dolo direto). - a falta de arrependimento demonstrada. - são reduzidas as exigências de prevenção especial, atendendo a que o arguido é primário e se mostre integrado, tendo já 64 anos, embora não mínimas, já que o arguido não demonstra arrependimento e se mostra indiferente à gravidade do crime cometido, gravidade que resulta desde logo de ser o mercado deste tipo de imagens que fomenta o abuso sexual de crianças expostas nos vídeos. * Tudo ponderado, atendendo aos limites abstratos da pena de prisão (1 ano e 6 meses a 7 anos e 6 meses), afiguram-se adequadas as seguintes penas:- 2 anos de prisão para os factos praticados em 03/08/2018; - 2 anos e 3 meses de prisão para os factos praticados em 19/11/2018; - 2 anos e 6 meses de prisão para os factos praticados em 30/11. * Tendo o arguido praticado mais do que um crime antes de ter transitado em julgado a condenação por qualquer deles (concurso de crimes), vejamos quais as regras aplicáveis para a sua punição. A punição do concurso de crimes faz-se de acordo com o estipulado no art. 77º do C. P. Dispõe o referido preceito: 1. "Quando alguém tiver praticado vários crimes antes de transitar em julgado a condenação por qualquer deles é condenado numa única pena. Na medida da pena são considerados, em conjunto, os factos e a personalidade do agente. 2. A pena aplicável tem como limite máximo a soma das penas concretamente aplicadas aos vários crimes, não podendo ultrapassar 25 anos tratando-se de pena de prisão e 900 dias tratando-se de pena de multa; e como limite mínimo a mais elevada das penas concretamente aplicadas aos vários crimes. 3. Se as penas aplicadas aos crimes em concurso forem umas de prisão e outras de multa, a diferente natureza destas mantém-se na pena única resultante da aplicação dos critérios estabelecidos nos números anteriores." Considerando o disposto no sobredito nº 2, a pena de prisão única aplicável ao arguido tem como limite máximo 6 anos e 9 meses de prisão e mínimo 2 anos e 6 meses de prisão. Considerando em conjunto os factos praticados pelo arguido, nomeadamente que os crimes foram cometidos num curto espaço temporal (cerca de 3 meses), tendo um percurso de vida normativo, contando já com 64 anos de idade, entende-se como adequado aplicar ao arguido a pena única de 3 (três) anos e 3 (três) meses de prisão. * Vejamos agora se a pena do arguido deverá ser suspensa na sua execução. Em primeiro lugar, cumpre afirmar que na escolha da pena devem apenas ser consideradas exigências de prevenção, geral e especial, não cabendo aqui á culpa qualquer papel autónomo e independente. "Ao estabelecer que a execução da prisão, com os limites de duração fixados na lei, pode ser substituída por outra penas, o legislador não está apenas a fazer jus a uma certa orientação político criminal, está também a admitir que tal só é possível porque a fidelidade do público ao direito e a manutenção da ordem jurídica não são postas em causa. O que vale por dizer que a prevenção geral, num certo grau, fica assegurada. Nestes casos, de substituição da pena, não se manifesta, pois, o grau de componente preventiva geral presente no momento de aplicação daquela pena, mantendo-se antes a substituição no âmbito do indispensável para assegurar a manutenção da confiança do público no direito." Assim, "enquanto nos casos normais, o legislador se preocupa em fazer com que seja aplicada uma pena que, no caso concreto, representa o óptimo de um ponto de vista de prevenção geral - sendo esta a pena da culpa - confiando que as finalidades preventivas especiais se alcancem, nos casos referidos de substituição da pena de prisão, o legislador permite que se aplique uma pena diversa daquela que corresponde, no caso concreto, à culpa do agente - por ser claro que a aplicação dessa pena teria, no caso, um efeito dessocializador - confiando então, ao contrário da hipótese anterior, que o efeito de prevenção geral possa ser alcançado com alguma medida". (2) Anabela Rodrigues, ob. cit., ps. 21 e 22 "A sociedade tolera uma certa perda de efeito preventivo geral -isto é, conforma-se com a aplicação de uma pe de substituição; mas quando a sua aplicação possa ser entendida pela sociedade, como uma injustificada indulgência e prova de fraqueza face ao crime, quaisquer razões de prevenção especial que aconselhassem a substituição cedem, devendo aplicar-se a prisão". (3) A. Rodrigues, ob. cit., p. 23 * Segundo o art. 50º, nº 1 do C. P., "O tribunal suspende a execução da pena de prisão aplicada em medida não superior a cinco anos se, atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, concluir que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição."Por seu lado, o nº 5 do mesmo preceito legal, estipula que o período da suspensão tem duração mínima de um ano e máxima de 5 anos. "Ao estabelecer que a execução da prisão, com os limites de duração fixados na lei, pode ser substituída por outra penas, o legislador não está apenas a fazer jus a uma certa orientação político criminal, está também a admitir que tal só é possível porque a fidelidade do público ao direito e a manutenção da ordem jurídica não são postas em causa. Nestes casos de substituição da pena não se manifesta, pois, o grau de componente preventiva geral presente no momento de aplicação daquela pena, mantendo-se antes a substituição no âmbito do indispensável para assegurar a manutenção da confiança do público no direito." (4) Anabela Rodrigues, "Critério de Escolha das penas de substituição", ps. 21 e 22 De acordo com o art. 50º exige-se apenas para a suspensão da execução da pena de prisão aplicada em não superior a cinco anos que a simples censura do facto e a ameaça da prisão "realizem de forma adequada e suficiente as finalidades da punição, devendo para tanto atender à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao facto e às circunstâncias deste”. Pese embora as exigências de prevenção geral sejam elevadas, pelo alarme social que a prática de crimes de idêntica natureza causam na população, afigura-se que no caso concreto, atendendo a que o arguido é primário e não há notícia que tenha voltado a delinquir, tendo já 64 anos de idade, a simples censura do facto resultante da aplicação de uma pena em processo judicial e a ameaça da prisão, são suficientes para afastar o arguido da prática de futuros crimes, sendo que a confiança da comunidade na validade e vigência da norma violada, também se basta com tal ameaça sobre o arguido (artigo 50º, nº 1 do Código Penal), desde que a suspensão fique sujeita, face à gravidade da conduta, a pagar à ... (instituição de acolhimento de crianças do sexo masculino, principais vítimas dos vídeos partilhados pelo arguido) a quantia de € 2000, sendo € 500 até ao final do primeiro ano, outros quinhentos até ao final do segundo ano e o restante até ao final do terceiro ano, devendo o arguido fazer prova do pagamento no prazo de 10 dias após o terminus de cada período fixado (arts. 50º, nºs e e 2, 51º, nº 1, al. c) e 52º, nº 1 do Cód. Penal). Quanto ao período da suspensão, considera-se adequado fixá-lo em período idêntico ao da pena, ou seja, em 3 anos e 3 meses (art. 50º, nº 5 do Cód. Penal). * Da determinação da medida concreta das penas acessórias:Considerando que é elevada a moldura abstrata das penas acessórias e considerando que o arguido é primário, que praticou três crimes da mesma natureza, em um espaço curto e que em relação a cada um dos crimes cometidos, é reduzido o número de imagens partilhadas, mas que o considera-se adequado fixar em 5 anos cada uma das penas acessórias. * No que respeita ao cúmulo jurídico das penas acessórias, ele tem um limite mínimo de 5 anos e um máximo de 15 anosConsiderando os critérios supra referidos, considera-se adequado fixar em 6 anos cada uma das penas acessórias únicas. (...).». 2.3. Apreciação do mérito do recurso 2.3.2. Violação do disposto no artigo 355º do CPP 2.3.3. Da falta de consciência da ilicitude 2.3.4. Permanece, pois, inalterada a matéria de facto dada como provada no acórdão recorrido. 2.3.5. Do erro de subsunção 2.3.6. Da medida da pena 3. DECISÃO Fátima Bernardes Fernando Pina Beatriz Marques Borges _____________________________________ [1] Cf., entre outros, Ac. da RL de 03/03/2022, proc. n.º 106459/20.6YIPRT.L1-6 e Ac. do STJ de 06/09/2022, proc. 243/17.0T9PRT-K.S1, in www.dgsi.pt [2] Cf. citado Acórdão da RL de 03/03/2022. [3] Proferido no proc. 4778/11.8JFLSB-B.S1, in www.dgsi.pt. [4] O “facebook” é uma rede social que funciona através da internet e que, por isso, opera no âmbito de um sistema informático, tal como o define o artigo 2º, al. a), da enunciada Lei nº 109/2009. [5] Proferido no proc. 243/17.0T9PRT-K.S1, in www.dgsi.pt. [6] Proferido no proc. 7035/20.5T9LSB.L1.S1, in www.dgsi.pt. [7] Neste sentido, cf., entre outros, Ac. da RE de 12/02/2016, proc. 3/14.8GAMRA.E1 e Ac. da RL de 21/04/2022, proc.1062/15.1GEALM.L1-9, acessíveis in www.dgsi.pt. [8] Proferido no proc. 3/14.8GAMRA.E1, in www.dgsi.pt. [9] Neste sentido, vide Ac. desta RE de 17/03/2015, proc. 524/13.0JDLSB.E1, in www.dgsi.pt. [10] Proferido no proc. 8001/15.8TDLSB.E1, in www.dgsi.pt. [11] Cf., entre outros, Ac. do STJ de 19/06/2019, proc. 98/17.2GAPTL.S1RL e Ac. da RL de 05/12/2008, proc. 10442/2008-3, in www.dgsi. [12] Nas palavras de Américo Taipa de Carvalho, in Direito Penal, Parte Geral, Questões Fundamentais, Teoria Geral do Crime, 3ª edição, 2016, Universidade Católica Editora, Porto, págs. 488 e 489. [13] Idem. [14] Lei n.º 103/2015, de 24 de agosto. [15] Como refere André Lamas Leite, “As Alterações de 2015 ao Código Penal em matéria de crimes contra a liberdade e autodeterminação sexuais – Nótulas Esparsas, estabelecida na Lei do Cibercrime”, in Rev. Julgar, n.º 28, 2016, págs. 69-70, a noção de de sistema informático a considerar, neste âmbito, é a constante do artigo 2º da Lei n.º 109/2009, de 15 de setembro (Lei do Cibercrime). [16] O legislador pretendeu ajustar a lei à realidade contemporânea, considerando a existência de espetáculos pornográficos em tempo real, acessíveis através da internet, em páginas/plataformas de live strems. – cf. sobre o tema João Miguel Almeida da Silva, “Cibercrime: O Crime de Pornografia Infantil na Internet”, Dissertação em Ciências Jurídico-Forenses, janeiro de 2016, Universidade de Coimbra, in https://estudogeral.uc.pt/bitstream/10316/34801/1/Cibercrime_o%20Crime%20de%20Pornografia%20Infantil%20na%20Internet.pdf. [17] Sobre esta problemática, cf., João Pedro Pereira Cardoso, “Pornografia real infantil: Unidade ou pluralidade de crimes?”, in DataVenia, n.º 13 – Ano 2022, acessível em https://datavenia.pt/ficheiros/edicao13/datavenia13_p243_286.pdf. [18] Cf., neste sentido, entre outros, na doutrina, Pedro Soares de Albergaria/Pedro Mendes Lima, in “O crime de detenção de pseudopornografia infantil – evolução ou involução?”, in Revista Julgar, n.º 12 (especial) – 2010, acessível in julgar.pt/wp-content/uploads/2015/10/195-220-Detenção-de-pseudopornografia.pdf e, na jurisprudência, Ac. da RE de 23706/2020, proc. 8225/18.6T9LSB.E1 e Ac. do STJ de 17/05/2017, in www.dgsi.pt. [19] In Comentário Conimbricense do Código Penal. Parte Especial, 2ª ed., Coimbra Editora, Tomo I, 2012, pág. 548. [20] Reportando-se à exibição ou cedência a qualquer título ou por qualquer meio de fotografia, filme ou gravação pornográficos, em que fosse utilizado menor de 14 anos em fotografia. [21] Foi essa a situação subjacente à decisão proferida no já citado Acórdão do STJ de 17/05/2017. [22] Nas palavras do Prof. Figueiredo Dias, a que supra se aludiu. |