Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
1537/23.9T8STB.E1
Relator: ANA MARGARIDA LEITE
Descritores: DESTITUIÇÃO DE GERENTE DE SOCIEDADE COMERCIAL
PRAZO DE PRESCRIÇÃO
Data do Acordão: 11/07/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário: O prazo de 90 dias previsto no artigo 254.º, n.º 6, do CSC, não é aplicável ao exercício pelos sócios do direito de requerer a destituição do gerente com fundamento em justa causa, o qual está sujeito ao prazo especial de prescrição societária de 5 anos regulado no artigo 174.º, n.ºs 1, alínea b), e 2, do CSC.
(Sumário da Relatora)
Decisão Texto Integral: Processo n.º 1537/23.9T8STB.E1
Juízo de Comércio de Setúbal
Tribunal Judicial da Comarca de Setúbal

Acordam na 2.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora:

1. Relatório

(…), invocando a qualidade de sócia de Pastelaria (…), Lda., intentou, em 28-02-2023, a presente ação de destituição de titulares de órgãos sociais, com processo especial, contra o gerente da sociedade, (…), e contra a sociedade, formulando o pedido seguinte:
«a) Ser o 1.º Réu destituído do cargo de Gerente por justa causa por violação dos deveres de cuidado e lealdade a que está legalmente obrigado e subsequentemente ser a Autora nomeada Gerente da 2.ª Ré, nos termos conjugados dos artigos 64.º, 255.º e 257.º do Código das Sociedades Comerciais e dos artigos 1054.º e 1055.º do Código de Processo Civil, e
b) Ser o 1.º Réu condenado a devolver à 2.ª Ré a quantia monetária propriedade desta e de que ilicitamente se apropriou para satisfação de necessidades pessoais, no valor total de € 189.130,50 (cento e oitenta e nove mil cento e trinta euros e cinquenta cêntimos) acrescido de juros de mora vincendos até efetivo e integral pagamento».
Alega, para o efeito, em síntese, que autora e 1.º réu são os únicos sócios da sociedade 2.ª ré, sendo cada um titular de uma quota correspondente a 50% do capital social, tendo a autora sido gerente até 01-03-2018, data a partir da qual, no contexto que descreve, passou o 1.º réu a exercer a gerência, situação que se mantém; acrescenta que, na sequência de consulta e análise de dados contabilísticos a que foi tendo acesso de forma intermitente a partir de 2020, teve conhecimento dos factos que descreve, que sustenta consubstanciarem má gestão por parte do 1.º réu, de cuja atuação decorreu o endividamento da 2.ª ré; afirma a autora que o 1.º réu, desde que assumiu o cargo de gerente, desviou valores monetários pertencentes à sociedade para seu uso e benefício pessoal, endividou a 2.ª ré devido à má gestão e ao desvio de valores monetários para uso e benefício pessoal e incumpriu obrigações tributárias relativas à 2.ª ré, encontrando-se a sociedade numa situação de carência de capital para proceder ao pagamento de dívidas contraídas no exercício da atividade comercial; conclui que o 1.º réu, na qualidade de gerente da 2.ª ré, atuou com prejuízo desta, ilicitamente, violando os deveres de lealdade e de cuidado e adotando uma conduta desleal e danosa dos interesses da sociedade, como tudo melhor consta da petição inicial.
Citados, os réus contestaram, defendendo-se por exceção – alegando a ilegitimidade da 2.ª ré e a prescrição do direito invocado pela autora, com fundamento no decurso do prazo previsto no artigo 254.º, n.º 6, do Código das Sociedades Comerciais – e por impugnação.
A autora apresentou articulado, no qual se pronunciou sobre a matéria de exceção.
Foi realizada audiência prévia, na qual se admitiu o articulado de resposta apresentado pela autora, se fixou o valor à causa e se proferiu despacho saneador, tendo-se julgado não verificada a exceção de ilegitimidade passiva arguida e verificada a exceção de prescrição invocada, em consequência do que se absolveu os réus da instância, condenando-se a autora nas custas.

Inconformada, a autora interpôs recurso do despacho saneador, na parte relativa à decisão da exceção de prescrição, pugnando pela respetiva revogação, terminando as alegações com a formulação das conclusões seguintes:
A. Nos presentes autos, foi requerido a destituição de gerente (…), com os fundamentos que sumariamente se indicam desvio de valores monetários pertencentes à Pastelaria (…), Lda. pelo gerente (…) para uso e benefício pessoal, sendo ambos Requeridos nos autos, endividamento da Pastelaria (…), Lda. devido à má gestão e ao desvio de valores monetários pelo gerente (…) para uso e benefício pessoal, incumprimento das obrigações tributárias por parte da Pastelaria (…), Lda. e (…), enquanto gerente, e dos comportamentos ilícitos por parte do gerente (…), com violação dos deveres de cuidado e lealdade, tendo sido requerida a destituição do gerente, nomeação de nova gerência e restituição dos valores à Pastelaria (…), Lda. por parte do gerente.
B. O Requerido, invocou a prescrição do direito a pedir a destituição da qualidade de gerente, sustentando que tal prescrição ocorre no prazo de 90 dias após o conhecimento dos factos, a ilegitimidade da Pastelaria (…), Lda. e impugnou os factos constantes da petição inicial, com base na aplicação analógica do artigo 254.º, n.º 6, do CSC.
C. A Requerente, nos termos do requerimento de 21 de Abril de 2023, sustentou a inexistência da ilegitimidade e de qualquer prescrição, uma vez que não existe prescrição de 90 dias, pois o 254.º do CSC é apenas aplicável à situação referida, ou seja, à proibição de concorrência, não tendo aplicação aos casos previstos no artigo 257.º, n.º 4 e 5, do CSC aplicando o prazo de 5 anos previsto no artigo 174.º do CSC.
D. Em sede de audiência prévia, realizada em 22-06-2023, por saneador-sentença, o 3.º Juiz do Tribunal da Judicial da Comarca de Setúbal, Juízo de Comércio, julgou procedente, por provada, a exceção de prescrição, e, em consequência, absolveu os Requeridos da instância, acolhendo o entendimento na jurisprudência é que o artigo 254.º do CSC não é apenas aplicável à proibição de não concorrência, ou seja, é aplicável aos demais fundamentos da destituição com justa causa de gerente colhendo o entendimento do Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, proferido nos autos de processo n.º 2231/17.5T8STS.P1, datado de 04-06-2019, e do Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, proferido no processo n.º 11435/16.T8SNT.L1-6, datado de 29-11-2018, disponível em www.dgsi.pt.
E. Não obstante de existir jurisprudência mais recente que entende de modo diverso Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 06/06/2020 citado pela Requerente Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 08/11/2022.
F. Mais, o Tribunal a quo julga procedente a prescrição do direito de destituição de gerente, e em consequência julga a ação improcedente, absolvendo os Requeridos da Instância. Bem como, profere despacho no seguinte sentido: “Considerando o despacho já proferido nos autos e bem assim o facto de o trânsito em julgado pressupor a extinção da presente instância, aguardem os autos o prazo do trânsito em julgado de decisão hoje proferida e, decorrido, conclua a fim de ser apreciado o Articulado Superveniente.”
G. A audiência prévia, realizou-se a 22 de Junho de 2023, estando os mandatários presentes na mesma, ficando a ata disponível a 28 de Junho de 2026, data em que se considera notificada iniciando-se o respetivo prazo de recurso, sendo o presente recurso tempestivo.
H. Da violação dos deveres de cuidado e lealdade por parte do Gerente (…) que dão causa à instauração dos autos, e que sumariamente são apropriação ilicitamente de valores monetários propriedade da Pastelaria (…), Lda. em proveito próprio direto e comprovado pelos registos contabilísticos junto aos autos, no valor de € 189.130,50 (cento e oitenta e nove mil, cento e trinta euros e cinquenta cêntimos), acrescido de valor alegadamente referente a despesa de representação no montante de € 23.293,49 (vinte e três mil, duzentos e noventa e três euros e quarenta e nove cêntimos), perfazendo o valor total de € 212.423,99 (duzentos e doze mil, quatrocentos e vinte e três euros e noventa e nove cêntimos), endividou a Pastelaria (…), Lda. no valor total de € 98.000,00 (noventa e oito mil euros), tendo ainda a Pastelaria (…), Lda. de suportar o pagamento do valor de € 10.000,00 (dez mil euros) de juros de financiamento; utilizou o valor de € 98.000,00 (noventa e oito mil euros) em proveito próprio; incumpriu com as obrigações fiscais da Pastelaria (…), deu instruções ao contabilista para inscrever dívidas em nome da Requerente perante a Pastelaria (…), Lda., que sabe não existirem, colocando a indiciariamente a sociedade e em situação de insolvência, dependendo a sociedade da atividade de comissão ganhas com os jogos da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa extremamente alta, pois sem esta rubrica nos proveitos, os resultados dos exercícios seriam constantemente negativos e que as margens Brutas de 2020 e 2021, denotam uma possível fuga ao fisco, por vendas não declaradas.
I. Nos termos do artigo 259.º do CSC, os gerentes devem praticar os atos que forem necessários ou convenientes para a realização do objeto social, com respeito pelas deliberações dos sócios e, de acordo com o disposto no artigo 72.º do CSC, respondem para com a sociedade pelos danos a esta causados por atos ou omissões praticadas com preterição dos deveres legais ou contratuais.
J. Tendo como deveres fundamentais, conforme estabelece o artigo 64.º, n.º 1, alíneas a) e b), do CSC, “deveres de cuidado, revelando a disponibilidade, a competência técnica e o conhecimento da atividade da sociedade adequados às suas funções e empregando nesse âmbito a diligência de um gestor criterioso e ordenado” e “deveres de lealdade, no interesse da sociedade, atendendo aos interesses de longo prazo dos sócios e ponderando os interesses dos outros sujeitos relevantes para a sustentabilidade da sociedade, tais como os seus trabalhadores, clientes e credores”.
K. No que concerne ao dever de cuidado, resumidamente e para o que ora releva, tem sido dividido em três parcelas distintas: 1) reunião da competência e disponibilidade para o exercício das funções; 2) obrigação de acompanhar e vigiar a atividade social; 3) obrigação de obter informação indispensável à tomada de decisões, prevendo o artigo 72.º, n.º 2, do CSC que a eventual responsabilidade seja excluída no campo das suas decisões de gestão discricionária e autónoma – ou atos propriamente de gestão – se o gerente o administrador atuou em termos informados e segundo critérios de racionalidade empresarial (Cfr. Ricardo Costa, “Deveres Gerais dos Administradores e Gestor Criterioso e Ordenado”, I Congresso Direito das Sociedades em Revista, Almedina, 2011, pág. 174).
L. Por seu turno, no que respeita ao dever de lealdade, tenha-se em consideração o vertido em douto Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça datado de 26-09-2017, processo n.º 178/11.8T2AVR.P1.S2, disponível em www.dgsi.pt: “… será “desleal” qualquer comportamento do gerente, em face da qual e segundo a boa-fé, pelo facto de se tratar de gestão de bens alheios, seja posta em crise a confiança da relação contratual. É certo que os atos que redundem na prática de concorrência, de aproveitamento em benefício próprio de oportunidades de negócio, ou de atuação em conflito de interesses com a sociedade têm sido apontados como sendo, em abstrato, potencialmente comprometedores do dever de lealdade ([2]). Porém, só perante as concretas circunstâncias de cada caso é permitida uma tal avaliação: em suma, verificar-se-á a violação pelo gerente do dever de lealdade quando dos factos provados se retire a prática por este de atos que, segundo a boa-fé, quebrem gravemente a relação de confiança que o exercício do inerente cargo supõe, que, por isso, mereçam a abominação generalizada dos demais associados e que, devido à reprobabilidade individual, façam desaparecer a habitual segurança e boa-fé que até aí existia, deste modo tornando impraticável a normal prossecução desta habitual ligação funcional.”
M. Acresce ainda que estabelece o artigo 257.º, n.º 4 e 6, do CSC que, existindo justa causa, pode qualquer sócio requerer a suspensão e a destituição do gerente, em ação intentada contra a sociedade, constituindo justa causa de destituição, designadamente, a violação grave dos deveres do gerente e a sua incapacidade para o exercício normal das respetivas funções.
N. Com a sua conduta, o gerente violou, de forma grave, os deveres de cuidado a que está legalmente obrigado e o dever de lealdade a que está legalmente obrigado pois praticou atos que quebram indubitavelmente a relação de confiança que o exercício do cargo supõe – apropriação reiterada de valores monetários propriedade da sociedade para satisfação de interesses e necessidades pessoais e endividamento desta perante entidades terceiras, podendo ainda estar em causa celebração de contratos ilícitos que têm como consequência impedimento do exercício da atividade profissional da sociedade ocultação de informação, gastos infundados e não justificados, entre outros.
O. Nos termos do artigo 257.º, n.º 1 e n.º 2, do CSC, os sócios podem deliberar a todo o tempo a destituição de gerentes, sendo que, se a destituição se fundar em justa causa, poderá sempre ser deliberada por maioria simples, acontece que a sociedade Pastelaria (…), Lda. tem apenas dois sócios pelo que a destituição da gerência com justa causa só poderá ser decidida pelo tribunal em ação intentada pelo outro artigo 257.º, n.º 5, configurando justa causa de destituição a violação grave dos deveres de gerente, conforme disposto no artigo 257.º, n.º 6, do CSC.
P. Com os fundamentos supra referenciados que, nesta sede não serão objeto de apreciação, mas que para o presente recurso são fundamentais para efeitos de decisão, sobre o direito a aplicar, a Requerente deu entrada no Tribunal Judicial da Comarca de Setúbal, ação de destituição do gerente (…).
Q. Da Exceção de Prescrição – da prescrição prevista no artigo 254.º do CSC e do artigo 257.º CSC: o artigo 254.º, sob a epígrafe “Proibição de Concorrência” determina que os gerentes não podem sem consentimento dos sócios, exercer, por conta própria ou alheia atividade concorrente com a da sociedade, constando do n.º 6 que os direitos da sociedade prescrevem no prazo de 90 dias a contar do momento em que o sócio tem conhecimento da atividade. Estabelece o artigo 257.º, sob a epígrafe “Destituição de gerentes” no número 4 - Existindo justa causa, pode qualquer sócio requerer a suspensão e a destituição do gerente, em acção intentada contra a sociedade e no número 5 - Se a sociedade tiver apenas dois sócios, a destituição da gerência com fundamento em justa causa só pelo tribunal pode ser decidida em acção intentada pelo outro.
R. Da Prescrição – Da não aplicação do artigo 254.º, n.º 6, do CSC à destituição de gerente prevista no artigo 257.º, n.º 4 e 5, do CSC, nos autos a destituição do gerente tem como fundamento a violação do dever de lealdade, previsto no artigo 64.º, n.º 1, alínea b), do CSC por parte do Requerido (…), nem ao artigo 257.º, n.º 4 e 5, do CSC.
S. O artigo 254.º do CSC é uma norma especial que esgota a sua amplitude na violação do dever de não concorrência, não se podendo recorrer à sua aplicação analógica, na estreita medida que para tal era necessário que houvesse uma lacuna jurídica, tendo o Requerido e o próprio Tribunal a quo aplicado analogicamente tal artigo.
T. Consabidamente não se poderá efetuar qualquer aplicação analógica uma vez que não existe lacuna quanto ao prazo, considerando que o legislador estipulou o prazo geral no artigo 174.º do CSC, de que os sócios dispõem para exerce o seu direito contra o gerente, cujo prazo de prescrição é de 5 anos para que seja possível delimitar a atuação do gerente, contando-se a partir do termo da conduta dolosa, no caso tratando-se de uma conduta continuada, o inicio da contagem do prazo de prescrição teria que ter ocorrido a cessação do facto proibido.
U. Assim o prazo de prescrição especial que consta do artigo 254.º do CSC, de 90 dias, não se aplica às situações de destituição judicial a que se refere o artigo 257.º, n.º 4 e n.º 5, aplicando a este último artigo o prazo de prescrição previsto no artigo 174.º do CSC de 5 anos.
V. Da Jurisprudência – invocada pelo Requerido, (…) e pelo douto Tribunal a quo, que perfilha o entendimento que se aplica o prazo previsto no artigo 254.º, n.º 6, do CSC, Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, proferido no processo n.º 11435/16.T8SNT.L1-6, datado de 29-11-2018, disponível em www.dgsi.pt, que aplica analogicamente o prazo de 90 dias à justa causa de destituição de gerentes. Sendo certo que existem acórdãos mais recentes cujo entendimento é contrário. E o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, proferido nos autos de processo n.º 2231/17.5T8STS.P1, datado de 04-06-2019, onde se decidiu que “I - O prazo de prescrição do direito à destituição de gerente é de 90 dias, mesmo em situações que não se reconduzam à violação do dever de não concorrência. II - Esse prazo inicia-se no momento do conhecimento por todos os sócios da actividade do gerente que fundamenta a destituição, independentemente da natureza continuada dessa actividade. III - A interrupção da prescrição é uma contra-excepção, pelo que tem de ser invocada pela parte a quem aproveita para o tribunal poder conhecer da mesma.”.
W. Acontece que, o acórdão do Porto, invocado pelo douto Tribunal a quo e pelo Requerido, foi objeto de recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, que a 16 de Junho de 2020, revogou a decisão constante do Acórdão proferido pela Relação do Porto de 4 de Junho de 2019.
X. Consta então do sumário do douto Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, datado de 16-06-2020, no âmbito do processo n.º 2231/17.5T8STS.P1.S2, em www.dgsi, que revogou a decisão do Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, proferido nos autos de processo n.º 2231/17.5T8STS.P1,“I- O direito de requerer a destituição judicial de administradores ou gerentes de sociedades comerciais, sempre fundada em “justa causa”, promovida pela sociedade ou por sócios, está sujeito ao prazo especial de prescrição societária regulado no artigo 174.º, n.º 1, alínea b), do CSC (“Os direitos da sociedade contra os fundadores, os sócios, os gerentes, os administradores, os membros do conselho fiscal e do conselho geral e de supervisão, os revisores oficiais de contas e os liquidatários, bem como os direitos destes contra a sociedade, prescrevem no prazo de 5 anos, contados a partir da verificação dos seguintes factos: O termo da conduta dolosa ou culposa do fundador, do gerente, administrador, membro do conselho fiscal ou do conselho geral e de supervisão, revisor ou liquidatário ou a sua revelação, se aquela houver sido ocultada, e a produção do dano, sem necessidade de que este se tenha integralmente verificado, relativamente à obrigação de indemnizar a sociedade”, com recurso à extensão teleológica da norma”. “II- O artigo 254.º, n.º 6, do CSC (Os direitos da sociedade por quotas mencionados no número anterior prescrevem no prazo de 90 dias a contar do momento em que todos os sócios tenham conhecimento da atividade exercida pelo gerente ou, em qualquer caso, no prazo de cinco anos contados do inicio dessa atividade), integrado no regime da violação da obrigação de não exercício por gerente de atividade concorrente com a da sociedade (artigo 254.º, n.º 1, CSC) aplica-se aos “direitos da sociedade” referidos no n.º 5 do artigo 254.º, ou seja, ao direito da sociedade pedir uma indemnização pelos prejuízos sofridos com o exercício da actividade concorrente, a exercer de acordo com os artigos 72.º e seguintes do CSC, e ao direito de a sociedade destituir (neste caso com “justa causa”) o gerente violador de tal obrigação de não concorrência, recorrendo para tal ao expediente regra da deliberação dos sócios, de acordo com o artigo 257.º, n.º 1 e 6, CSC: Nestas situações, o preceito do n.º 6 do artigo 254.º oferece um prazo de prescrição que se afasta do regime geral societário do artigo 174.º do CSC portanto, um prazo especial dentro da regra societária, seja para responsabilidade para com a sociedade do gerente lesante (tal como prevista no seu n.º 1, alínea b), seja para a destituição (mas apenas a que for) deliberada pela sociedade (pelos seus sócios), seja para a destituição requerida judicialmente pela sociedade (depois de deliberada pelos sócios) na hipótese do artigo 257.º n.º 3, do CSC (destituição de gerente com direito especial à gerência) e do artigo 1055.º, n.º 5, do CPC (destituição de gerente nomeado judicialmente). Esse prazo de prescrição não se aplica às situações de destituição judicial (facultativa ou imperativa, nos termos do artigo 257.º, n.º 4 e 5, do CSC), em que se atribui aos sócios quotistas a legitimidade para requerer judicialmente a destituição com justa causa dos gerentes. ”III- A norma do artigo 254.º, n.º 6, do CSC, atenta a sua excepcionalidade – tanto por incidir tão-só sobre um dever legal específico, ainda que irradiação do dever geral de lealdade, assim como por se referir à destituição operada por iniciativa da própria sociedade –, não é suscetível de aplicação analógica a todas as outras situações de destituição, deliberada nos termos societários comuns ou judicialmente do gerente quotista com “justa causa”.
Y. Enquanto Fonte de Direito, a jurisprudência é classificada como fonte reveladora, ou seja, exprime uma orientação partilhada pelos tribunais sobre determinada matéria e interpretação da lei (norma jurídica).
Z. No Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, proferido nos autos de processo n.º 2231/17.5T8STS.P1, datado de 04-06-2019, a decisão foi revogada, uma vez que, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, datado de 16-06-2020, no âmbito do processo 2231/17.5T8STS.P1.S2, decidiu em sentido diverso entendo e bem que o prazo de prescrição de 90 dias previsto no artigo 254.º, n.º 6, do CSC não se aplica às situações de destituição judicial prevista no artigo 257.º, n.º 4 e 5, do CSC, não tendo assim àquele caso concreto aplicação o entendimento proferido pelo Tribunal da Relação do Porto. Porquanto o douto Tribunal a quo, fundamenta a sua decisão num acórdão cujo entendimento foi revogado por acórdão de um tribunal superior.
AA. No mesmo sentido que o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, vai o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, Processo n.º 6428/22.8T8LSB.L1-1 de 8-11-2022, disponível em www.dgsi.pt3 - O direito dos sócios de requerer a destituição judicial de administradores ou gerentes de sociedades comerciais, fundada na justa causa, está sujeito ao prazo especial de prescrição societária regulado no artigo 174.º, n.º 1, alínea b), do CSC de cinco anos, não sendo aplicável o prazo de 90 dias previsto no artigo 254.º, n.º 6, do mesmo diploma.
BB. Entendeu ainda o Tribunal a quo que o prazo de prescrição de 5 anos, equivale a permitir que a atuação de um gerente conduza a sociedade à eventual insolvência, com a passividade dos demais sócios que dispõem de 5 anos para tranquilamente exercerem os seus direitos. Não se compreende, a conclusão a que o douto Tribunal chega, uma vez que não é o caso nos presentes autos, veja-se que o Tribunal a quo indica que de forma inequívoca, pelo menos desde 7-07-2022, tendo a ação dado entrada em 28-02-2023, sendo certo que a análise contabilística de uma sociedade, e reportando-se ao caso em concreto em que foram efetuadas diversas operações contabilísticas e apropriação de valores, não é uma tarefa fácil, requerendo conhecimentos específicos, que apenas são do conhecimento dos especialistas das áreas de contabilidade. Revelando-se uma tarefa, complexa e demorada em analisar todos os elementos que compõem a contabilidade, nomeadamente sem exclusão de outros, extratos bancários, caixa, recibos, faturas, entre outros.
CC. Quanto às decisões do despacho saneador e da apreciação do articulado superveniente, a decisão constante do despacho saneador, ao julgar procedente a exceção de prescrição, determinando a absolvição dos Requeridos da instância, coloca termo ao processo.
DD. Ora, nos termos do artigo 278.º, n.º 1, alínea e), do CPC, existe absolvição da instância sempre que o tribunal julgue procedente uma exceção dilatória, que conforme dispõe o artigo 576.º, n.º 2, do CPC obsta a que o tribunal conheça o mérito da causa, quanto aos seus efeitos, mais concretamente os previstos no artigo 279.º do CPC, dispõe no número 3 que se o réu tiver sido absolvido por um dos fundamentos compreendidos na alínea e) do n.º 1 do artigo 278.º, na nova ação que corre entre as mesmas partes podem ser aproveitadas as provas produzidas no primeiro processo e têm o valor as decisões aí proferidas.
EE. Nos autos e após proferido despacho saneador no sentido em que após transito em julgado do despacho saneador que pressupõe a extinção da instância, aguardem os autos o trânsito em julgado de decisão e decorrido tal prazo conclua a fim de ser apreciado o Articulado Superveniente, sem qualquer fundamentação de direito.
FF. O que no caso em concreto se torna ininteligível o mesmo, pois colocando termos ao processo o despacho saneador, não pode o juiz apreciar o articulado superveniente.
GG. Apenas por cautela admitindo que existe prescrição, a mesma seria sempre uma exceção perentória nos termos do artigo 576.º, n.º 3, do CPC porquanto importaria a absolvição do pedido e não da instância. Não se aplicando os efeitos da absolvição da instância do artigo 279.º do CPC, nesse sentido veja-se o Acórdão do Supremos Tribunal de Justiça, Processo 125/06.9TBMMV-C.C1.S1, de 22-09-2016, disponível em www.dgsi.pt “à prescrição estão sujeitos todos e quaisquer direito que não sejam indisponíveis ou que a lei não declare isentos dela (artigo 298.º, n.º 1, do Código Civil) e, uma vez completado o prazo prescricional, tem o beneficiário a faculdade de recusar o cumprimento da prestação ou de se opor, por qualquer forma, ao exercício do direito prescrito (artigo 304.º, n.º 1, do Código Civil), desse modo, bloqueando e paralisando a pretensão do credor, na configuração de excepção peremptória (artigo 576.º, n.º 3, do Código de Processo Civil)”, pelo que não são aplicável as regras do artigo 279.º do CPC.
HH. Além do mais a Requerente apresentou um articulado superveniente de factos constitutivos destina-se a completar a causa de pedir inicial, e não uma nova ação, pelo que pela mesma ordem de razão não se lhe pode aplicar as regras do artigo 279.º do CPC.
II. Pelo que o despacho deverá ser revogado e alterada o despacho saneador que determina a absolvição da instância.»
Os réus apresentaram contra-alegações, pugnando pela manutenção do decidido.
Face às conclusões das alegações da recorrente e sem prejuízo do que seja de conhecimento oficioso, cumpre apreciar se se encontra prescrito o direito invocado pela autora, na qualidade de sócia, de pedir a destituição do gerente da sociedade com fundamento em justa causa.
Corridos os vistos, cumpre decidir.


2. Fundamentos

2.1. Fundamentos de facto
Na 1.ª instância, foi considerado provado o facto seguinte:
1. Por email de 07/07/2022 a A. endereçou a (…), contabilista certificado da sociedade, uma comunicação, onde consta designadamente, que:
(…) Devido a esse facto, e as consequências nefastas que tal movimento contabilístico me provocaram, (…) sem prejuízo da ação contra o sócio e gerente que tem utilizado a empresa para prossecução dos seus interesses pessoais e não da própria sociedade (…)”.

2.2. Apreciação do objeto do recurso
A autora, invocando a qualidade de sócia da sociedade 2.ª ré e o disposto, além do mais, no artigo 257.º, n.ºs 4, 5 e 6, do Código das Sociedades Comerciais, intentou a presente ação de destituição de titulares de órgãos sociais, com processo especial, contra o gerente da sociedade (1.º réu) e contra a sociedade (2.ª ré), peticionando a destituição do 1.º réu da gerência com fundamento em justa causa, invocando a violação de deveres de cuidado e de lealdade.
A 1.ª instância, em despacho saneador proferido na audiência prévia, julgou verificada a exceção de prescrição invocada pelos réus na contestação, absolvendo-os da instância e condenando a autora nas custas, assim pondo termo à causa.
Consta da motivação de tal decisão, além do mais, o seguinte:
Importa, assim, aferir, da eventual prescrição do direito da autora à destituição do gerente Luís Rodrigues.
Com efeito, argumenta o R. a aplicabilidade do prazo previsto no artigo 254.º, n.º 6, do C.S.C., onde se prevê, sob epígrafe, “Proibição de concorrência”, que:
“Os direitos da sociedade mencionados no número anterior prescrevem no prazo de 90 dias a contar do momento em que todos os sócios tenham conhecimento da actividade exercida pelo gerente ou, em qualquer caso, no prazo de cinco anos contados do início dessa actividade.”
Por sua vez, defende a A. que tal preceito é apenas aplicável à situação referida na epígrafe do artigo, ou seja, a proibição de concorrência.
No entanto, não é esse o entendimento que tem vindo a ser acolhido na nossa jurisprudência, embora se verifiquem mais recentemente algumas mudanças neste entendimento.
Com efeito, tem sido entendido que o aludido prazo de 90 dias é aplicável aos demais fundamentos de destituição com justa causa de gerente, dado que, é imperiosa a estabilização e definição dos legais representantes da sociedade e, a existência de prazo mais longo, não se coaduna com as exigências do mundo empresarial.
Neste sentido, vide o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, proferido nos autos de processo n.º 2231/17.5T8STS.P1, datado de 04-06-2019, disponível em www.dgsi.pt, onde se decidiu que:
(…)
Em idêntico sentido, o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, proferido no processo n.º 11435/16.T8SNT.L1-6, datado de 29-11-2018, disponível em www.dgsi.pt, onde se decidiu:
(…)
É este o entendimento por nós acolhido, pelo que, é nosso entendimento que o direito de requerer a destituição do gerente prescreve no prazo de 90 dias sobre o conhecimento dos factos que fundam o pedido.
Efetivamente, não obstante o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 06/06/2020 citado pela A. e ainda, mais recentemente, o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 08/11/2022, consideramos ser imperioso para a vida societária a estabilidade na sua gestão e a atuação célere em situações de conhecimento da violação dos deveres de lealdade dos gerentes para com a sociedade.
Considerar aplicável à destituição de gerente o prazo de 5 anos, quando o fundamento seja diverso da concorrência, equivale a permitir que a atuação de um gerente conduza a sociedade à eventual insolvência, com a passividade dos demais sócios que dispõem de cinco anos para tranquilamente exercerem os seus direitos.
No caso, os fundamentos apresentados pela Autora para pedir a destituição do gerente, respeitam a diversas operações contabilísticas e eventual apropriação de valores, de que a A. vem tendo conhecimento ao longo do tempo e, de forma inequívoca, desde, pelo menos, o envio do email suprarreferido, ou seja, 07/07/2022.
Pelo que, o prazo de 90 dias se mostra decorrido desde 05/10/2022, cumprindo declarar a prescrição do direito da A. porquanto a presente ação apenas deu entrada em 01/03/2023.
Na apelação, a recorrente põe em causa a decisão que considerou verificada a exceção de prescrição, com fundamento na aplicação do prazo de noventa dias previsto no artigo 254.º, n.º 6, do CSC, e no respetivo decurso à data da propositura da ação.
Discorda a recorrente do prazo de prescrição tido em conta pelo tribunal de 1.ª instância, sustentando que é aplicável o prazo de cinco anos previsto no artigo 174.º do CSC, e que o mesmo ainda não decorreu.
Vejamos se lhe assiste razão.
Sob a epígrafe Prescrição, o invocado artigo 174.º, inserido no Título I (Parte geral) do CSC, tem a redação seguinte:
1 - Os direitos da sociedade contra os fundadores, os sócios, os gerentes, os administradores, os membros do conselho fiscal e do conselho geral e de supervisão, os revisores oficiais de contas e os liquidatários, bem como os direitos destes contra a sociedade, prescrevem no prazo de cinco anos, contados a partir da verificação dos seguintes factos:
a) O início da mora, quanto à obrigação de entrada de capital ou de prestações suplementares;
b) O termo da conduta dolosa ou culposa do fundador, do gerente, administrador, membro do conselho fiscal ou do conselho geral e de supervisão, revisor ou liquidatário ou a sua revelação, se aquela houver sido ocultada, e a produção do dano, sem necessidade de que este se tenha integralmente verificado, relativamente à obrigação de indemnizar a sociedade;
c) A data em que a transmissão de quotas ou acções se torne eficaz para com a sociedade quanto à responsabilidade dos transmitentes;
d) O vencimento de qualquer outra obrigação;
e) A prática do acto em relação aos actos praticados em nome de sociedade irregular por falta de forma ou de registo.
2 - Prescrevem no prazo de cinco anos, a partir do momento referido na alínea b) do número anterior, os direitos dos sócios e de terceiros, por responsabilidade para com eles de fundadores, gerentes, administradores, membros do conselho fiscal ou do conselho geral e de supervisão, liquidatários, revisores oficiais de contas, bem como de sócios, nos casos previstos nos artigos 82.º e 83.º.
3 - Prescrevem no prazo de cinco anos, a contar do registo da extinção da sociedade, os direitos de crédito de terceiros contra a sociedade, exercíveis contra os antigos sócios e os exigíveis por estes contra terceiros, nos termos dos artigos 163.º e 164.º, se, por força de outros preceitos, não prescreverem antes do fim daquele prazo.
4 - Prescrevem no prazo de cinco anos, a contar da data do registo definitivo da fusão, os direitos de indemnização referidos no artigo 114.º.
5 - Se o facto ilícito de que resulta a obrigação constituir crime para o qual a lei estabeleça prescrição sujeita a prazo mais longo, será este o prazo aplicável.
O artigo 254.º, por seu turno, inserido no Capítulo VI (Gerência e fiscalização) do Título III (Sociedades por quotas) do CSC, com a epígrafe Proibição de concorrência, tem a redação seguinte:
1 - Os gerentes não podem, sem consentimento dos sócios, exercer, por conta própria ou alheia, actividade concorrente com a da sociedade.
2 - Entende-se como concorrente com a da sociedade qualquer actividade abrangida no objecto desta, desde que esteja a ser exercida por ela ou o seu exercício tenha sido deliberado pelos sócios.
3 - No exercício por conta própria inclui-se a participação, por si ou por interposta pessoa, em sociedade que implique assunção de responsabilidade ilimitada pelo gerente, bem como a participação de, pelo menos, 20% no capital ou nos lucros de sociedade em que ele assuma responsabilidade limitada.
4 - O consentimento presume-se no caso de o exercício da actividade ser anterior à nomeação do gerente e conhecido de sócios que disponham da maioria do capital, e bem assim quando, existindo tal conhecimento da actividade do gerente, este continuar a exercer as suas funções decorridos mais de 90 dias depois de ter sido deliberada nova actividade da sociedade com a qual concorre a que vinha sendo exercida por ele.
5 - A infracção do disposto no n.º 1, além de constituir justa causa de destituição, obriga o gerente a indemnizar a sociedade pelos prejuízos que esta sofra.
6 - Os direitos da sociedade mencionados no número anterior prescrevem no prazo de 90 dias a contar do momento em que todos os sócios tenham conhecimento da actividade exercida pelo gerente ou, em qualquer caso, no prazo de cinco anos contados do início dessa actividade.
Cumpre apreciar se o caso presente preenche os pressupostos de aplicação do prazo de prescrição de noventa dias previsto no artigo 254.º, n.º 6, conforme entendeu a 1.ª instância, ou se é aplicável o prazo de cinco anos previsto no artigo 174.º, como defende a recorrente.
Esta questão configura matéria controvertida na jurisprudência, motivando decisões divergentes relativamente ao prazo de prescrição aplicável ao direito que assiste ao sócio de requerer a destituição judicial de gerente com fundamento em justa causa.
A decisão recorrida baseou-se em tese adotada nos dois acórdãos seguintes:
- acórdão da Relação de Lisboa de 29-11-2018, proferido no processo n.º 11435/16.7T8SNT.L1-6 (publicado em www.dgsi.pt), de cujo sumário consta o seguinte: I.– Não tem qualquer sentido, sequer lógico e menos de política legislativa (por serem as mesmas as razões regulatórias) que o legislador tenha pretendido criar um prazo de exercício do direito de pedir a destituição de gerentes apenas aplicável às situações de concorrência ilícita do gerente; II.– Atentos os interesses económicos e sociais de tutela imediata e constante através da acção dos gerentes das sociedades, temos que concluir serem de muito curto prazo as exigências de reacção, definição e clarificação dos quadros subjectivos relevantes, particularmente para a gestão corrente da sociedade; III.– Daqui resulta fazer sentido a fixação de um prazo curto como o legalmente definido, aplicável a todas as situações de destituição de gerentes; IV.– À míngua de norma expressa relativa aos demais contextos caracterizados pela existência de justa causa de destituição de gerentes, temos que concluir que, dada a «identidade das razões justificativas da regulamentação do caso previsto na lei» é devida a aplicação analógica do prazo de 90 dias à situação de alegada justa causa invocada nos presentes autos.
- acórdão da Relação do Porto de 04-06-2019, proferido no processo n.º 2231/17.5T8STS.P1 (publicado em www.dgsi.pt), de cujo sumário consta o seguinte: I - O prazo de prescrição do direito à destituição de gerente é de 90 dias, mesmo em situações que não se reconduzam à violação do dever de não concorrência; II - Esse prazo inicia-se no momento do conhecimento por todos os sócios da actividade do gerente que fundamenta a destituição, independentemente da natureza continuada dessa actividade; III - A interrupção da prescrição é uma contra-excepção, pelo que tem de ser invocada pela parte a quem aproveita para o tribunal poder conhecer da mesma.
No entanto, este último aresto veio a ser revogado, em sede de recurso de revista, por acórdão proferido pelo Supremo Tribunal de Justiça em 16-06-2020 (publicado em www.dgsi.pt), de cujo sumário consta o seguinte: I - O direito de requerer a destituição judicial de administradores ou gerentes de sociedades comerciais, sempre fundada em “justa causa”, promovida pela sociedade ou por sócios, está sujeito ao prazo especial de prescrição societária regulado no artigo 174.º, n.º 1, alínea b), do CSC («Os direitos da sociedade contra os fundadores, os sócios, os gerentes, os administradores, os membros do conselho fiscal e do conselho geral e de supervisão, os revisores oficiais de contas e os liquidatários, bem como os direitos destes contra a sociedade, prescrevem no prazo de cinco anos, contados a partir da verificação dos seguintes factos: O termo da conduta dolosa ou culposa do fundador, do gerente, administrador, membro do conselho fiscal ou do conselho geral e de supervisão, revisor ou liquidatário ou a sua revelação, se aquela houver sido ocultada, e a produção do dano, sem necessidade de que este se tenha integralmente verificado, relativamente à obrigação de indemnizar a sociedade.»), com recurso à extensão teleológica da norma. II - O artigo 254.º, n.º 6, do CSC («Os direitos da sociedade [por quotas] mencionados no número anterior prescrevem no prazo de 90 dias a contar do momento em que todos os sócios tenham conhecimento da atividade exercida pelo gerente ou, em qualquer caso, no prazo de cinco anos contados do início dessa atividade»), integrado no regime da violação da obrigação de não exercício por gerente de actividade concorrente com a da sociedade (artigo 254.º, n.º 1, CSC), aplica-se aos «direitos da sociedade» referidos no n.º 5 do artigo 254.º, ou seja, ao direito de a sociedade pedir uma indemnização pelos prejuízos sofridos com o exercício da actividade concorrente, a exercer de acordo com os artigos 72.º e ss. do CSC, e ao direito de a sociedade destituir (neste caso com “justa causa”) o gerente violador de tal obrigação de não concorrência, recorrendo para tal ao expediente-regra da deliberação dos sócios, de acordo com o artigo 257.º, n.os 1 e 6, do CSC. Nestas situações, o preceito do n.º 6 do artigo 254.º oferece um prazo de prescrição que se afasta do regime geral societário do artigo 174.º do CSC – portanto, um prazo especial dentro da regra societária, seja para a responsabilidade para com a sociedade do gerente lesante (tal como prevista no seu n.º 1, alínea b)), seja para a destituição (mas apenas a que for) deliberada pela sociedade (pelos seus sócios), seja para a destituição requerida judicialmente pela sociedade (depois de deliberada pelos sócios) na hipótese do artigo 257.º, n.º 3, do CSC (destituição de gerente com direito especial à gerência) e do artigo 1055.º, n.º 5, do CPC (destituição de gerente nomeado judicialmente). Esse prazo de prescrição não se aplica às situações de destituição judicial (facultativa ou imperativa, nos termos do artigo 257.º, n.os 4 e 5, do CSC) em que se atribui aos sócios quotistas a legitimidade para requerer judicialmente a destituição com justa causa dos gerentes. III - A norma do artigo 254.º, n.º 6, do CSC, atenta a sua excepcionalidade – tanto por incidir tão-só sobre um dever legal específico, ainda que irradiação do dever geral de lealdade, assim como por se referir à destituição operada por iniciativa da própria sociedade –, não é susceptível de aplicação analógica a todas as outras situações de destituição, deliberada nos termos societários comuns ou judicialmente, do gerente quotista com “justa causa”.
No mesmo sentido, cfr. acórdão da Relação de Lisboa de 08-11-2022, proferido no processo n.º 6428/22.8T8LSB.L1-1 (publicado em www.dgsi.pt).
É sabido que os sócios podem deliberar a todo o tempo a destituição de gerentes, conforme dispõe o n.º 1 do artigo 257.º do CSC, que não faz depender de motivação a deliberação de destituição. Porém, se a sociedade tiver apenas dois sócios, sendo um deles sócio gerente, conforme ocorre no caso presente, não é aplicável este regime de livre destituição dos gerentes, impondo-se a destituição por via judicial, com fundamento em justa causa, nos termos estabelecidos no n.º 5 – se a sociedade tiver apenas dois sócios, a destituição da gerência com fundamento em justa causa só pelo tribunal pode ser decidida em ação intentada pelo outro – do citado preceito. Esclarece o n.º 6 do mesmo artigo que constituem justa causa de destituição, designadamente, a violação grave dos deveres do gerente e a sua incapacidade para o exercício normal das respetivas funções.
O mencionado artigo 257.º não prevê qualquer prazo para o exercício pelo sócio do direito de requerer a destituição judicial de gerente da sociedade, com fundamento em justa causa.
Porém, inserido na Parte geral do CSC, o artigo 174.º do CSC estabelece, no n.º 1, o prazo de cinco anos para o exercício dos direitos da sociedade contra os fundadores, os sócios, os gerentes, os administradores, os membros do conselho fiscal e do conselho geral e de supervisão, os revisores oficiais de contas e os liquidatários, bem como para o exercício dos direitos destes contra a sociedade, estatuindo que a contagem de tal prazo se inicia a partir da verificação dos factos elencados nas diversas alíneas do preceito, designadamente, nos termos previstos na alínea b), do termo da conduta dolosa ou culposa do fundador, do gerente, administrador, membro do conselho fiscal ou do conselho geral e de supervisão, revisor ou liquidatário ou a sua revelação, se aquela houver sido ocultada, e a produção do dano, sem necessidade de que este se tenha integralmente verificado, relativamente à obrigação de indemnizar a sociedade. O n.º 2 do preceito, por seu turno, estabelece o prazo de cinco anos, a partir do momento referido na alínea b) do número anterior, para o exercício dos direitos dos sócios e de terceiros, por responsabilidade para com eles de fundadores, gerentes, administradores, membros do conselho fiscal ou do conselho geral e de supervisão, liquidatários, revisores oficiais de contas, bem como de sócios, nos casos previstos nos artigos 82.º e 83.º.
Extrai-se destas normas, além do mais, a fixação do prazo de cinco anos para o exercício de direitos da sociedade, bem como dos sócios e de terceiros, por responsabilidade decorrente da violação de deveres impostos aos gerentes e administradores.
O n.º 6 do artigo 254.º, por seu turno, fixa o prazo de prescrição – noventa dias – aplicável aos direitos da sociedade mencionados no número anterior, isto é, ao direito da sociedade à destituição do gerente com fundamento em infração à proibição de concorrência estabelecida no n.º 1 do preceito, bem como ao direito da sociedade a indemnização pelos prejuízos que sofra em resultado de tal infração.
Em anotação à citada norma, afirma Alexandre de Soveral Martins (Código das Sociedades Comerciais em Comentário, Coord. Jorge M. Coutinho de Abreu, Volume IV, 2.ª edição, Almedina, 2017, págs. 112-113) que a mesma «prevê um prazo de prescrição que se afasta do regime geral do artigo 174.º», esclarecendo que «tanto o direito da sociedade a uma indemnização pelos prejuízos que sofra com o exercício da atividade concorrente como o direito da sociedade de destituir o gerente “prescrevem no prazo de 90 dias a contar do momento em que todos os sócios tenham conhecimento da atividade exercida pelo gerente ou, em qualquer caso, no prazo de cinco anos contados do início dessa atividade”».
No caso presente, em que o pedido de destituição não foi deduzido pela sociedade, mas formulado por um sócio nos termos estatuídos no n.º 5 do artigo 257.º, não está em causa o exercício de qualquer direito da sociedade; acresce que o pedido de destituição formulado pela autora não se baseia na violação pelo gerente do específico dever de proibição do exercício de atividade concorrente, mas na violação de outros deveres do gerente.
Nesta conformidade, não estando em causa o exercício pela sociedade do direito de destituição do gerente com fundamento em infração ao disposto no n.º 1 do artigo 254.º, a situação presente não se encontra abrangida pelo âmbito de aplicação do n.º 6 do citado preceito.
Relativamente ao prazo previsto no n.º 6 do artigo 254.º, consignou-se no citado acórdão do STJ de 16-06-2020 (proferido no processo n.º 2231/17.5T8STS.P1.S2) que atenta a sua excepcionalidade – tanto por incidir tão-só sobre um dever legal específico (não exercício de actividade concorrente), ainda que irradiação do dever geral de lealdade, assim como por se referir à destituição operada por iniciativa da própria sociedade –, não apresenta o normativo do artigo 254.º, 6, do CSC a virtualidade de ser base para uma aplicação analógica a todas as outras situações de destituição, deliberada nos termos societários comuns ou judicialmente, do gerente quotista com “justa causa”; concluiu-se, no citado aresto, que esse prazo de prescrição não se aplica, assim, às situações de destituição judicial (facultativa ou imperativa, nos termos vistos do artigo 257.º, 4 e 5) em que se atribui aos sócios quotistas a legitimidade para requerer judicialmente a destituição com justa causa dos gerentes.
Acolhendo esta argumentação, impõe-se concluir que o prazo de noventa dias previsto no n.º 6 do artigo 254.º não é aplicável ao exercício do direito invocado pela autora nos presentes autos, ao qual é aplicável o prazo geral societário de prescrição de cinco anos previsto no artigo 174.º, n.ºs 1, alínea b), e 2.
Neste sentido, consta do sumário do citado acórdão da Relação de Lisboa de 08-11-2022, proferido no proc. n.º 6428/22.8T8LSB.L1-1, o seguinte: O direito dos sócios de requerer a destituição judicial de administradores ou gerentes de sociedades comerciais, fundada em justa causa, está sujeito ao prazo especial de prescrição societária regulado no artigo 174.º, n.º 1, alínea b), do CSC de cinco anos, não sendo aplicável o prazo de 90 dias previsto no artigo 254.º, n.º 6, do mesmo diploma.
Face ao facto tido por assente em 2.1. – com a redação seguinte: Por email de 07/07/2022 a A. endereçou a (…), contabilista certificado da sociedade, uma comunicação, onde consta designadamente, que: (…) Devido a esse facto, e as consequências nefastas que tal movimento contabilístico me provocaram, (…) sem prejuízo da ação contra o sócio e gerente que tem utilizado a empresa para prossecução dos seus interesses pessoais e não da própria sociedade (…) –, a 1.ª instância considerou que os fundamentos apresentados pela autora para pedir a destituição do gerente eram do seu conhecimento desde, pelo menos, a data da aludida comunicação eletrónica, pelo que fixou o dia 07-07-2022 como início da contagem do prazo de prescrição, o que não vem posto em causa na apelação e se mostra acertado.
Nesta conformidade, tendo-se iniciado em 07-07-2022 a contagem do prazo de prescrição quinquenal, constata-se que o mesmo ainda não decorreu, o que impõe se considere não verificada a exceção de prescrição invocada pelos réus, com a consequente revogação da decisão recorrida.
Procede, assim, a apelação.

Em conclusão: (…)

3. Decisão

Nestes termos, na procedência da apelação, acorda-se em julgar não verificada a exceção de prescrição invocada, em consequência do que se revoga a decisão recorrida e se determina o prosseguimento dos autos.
Custas pelos apelados.
Notifique.
Évora, 07-11-2023
(Acórdão assinado digitalmente)
Ana Margarida Carvalho Pinheiro Leite (Relatora)
Maria Domingas Simões (1.ª Adjunta)
José Manuel Tomé de Carvalho (2.º Adjunto)