Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
1195/22.8T8ENT.E1
Relator: ISABEL DE MATOS PEIXOTO IMAGINÁRIO
Descritores: PERSI
EXTINÇÃO
CARTA MISSIVA
Data do Acordão: 11/23/2023
Votação: MAIORIA COM * VOT VENC
Texto Integral: S
Sumário: - o PERSI extingue-se com a verificação de qualquer uma das circunstâncias previstas nas alíneas do n.º 1 do artigo 17.º;
- o PERSI é extinto por iniciativa da instituição de crédito sempre que se verifique qualquer uma das circunstâncias previstas nas alíneas do n.º 2 do artigo 17.º;
- o PERSI só pode ser extinto por iniciativa da instituição de crédito caso não se tenha já extinguido, nomeadamente pelo decurso do prazo de 90 dias;
- verificando-se qualquer uma das circunstâncias que, por força da lei, determinam a extinção do PERSI (n.º 1 do artigo 17.º), deve o cliente bancário ser informado do facto que determinou a extinção;
- não há lugar, nesse caso, à descrição das razões que justificam a decisão da instituição de pôr termo ao procedimento porquanto essa decisão não foi tomada pela instituição.
(Sumário da Relatora)
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Évora


I – As Partes e o Litígio

Recorrente / Exequente: (…) III SARL
Recorrido / Executado: (…)

Foi apresentado requerimento executivo com vista à cobrança de livrança subscrita pelo montante de € 5.822,66 (cinco mil, oitocentos e vinte e dois euros e sessenta e seis cêntimos) vencida e não paga, acrescida de juros vencidos e vincendos até efetivo e integral pagamento, invocando-se ter sido subscrita pelo Executado no âmbito do contrato de crédito ao consumo n.º (…).
Foram encetadas diligências para a penhora de bens do Executado, delas resultando a penhora de depósito bancário e veículo automóvel.
O Executado foi citado.
Foi proferido despacho convidando o Exequente a indicar a concreta natureza do crédito que esteve na base da emissão da livrança dada à execução tendo em vista aferir se, sendo caso disso, o exequente deu cumprimento ao Procedimento Extrajudicial de Regularização de Situações de Incumprimento (PERSI) estipulado no Decreto-Lei n.º 227/2012, de 25/10 e, em caso de incumprimento, para se pronunciar sobre a absolvição do executado da instância por procedência de exceção dilatória inominada insanável, de conhecimento oficioso.
O Exequente apresentou-se a juntar aos autos os seguintes documentos:
- Carta datada de 26/02/2018, dirigida ao Executado, com o seguinte teor:
«(…)
Assunto: Regularização Extrajudicial de Situações de Incumprimento
Comunicação de Início do Procedimento Extrajudicial de Regularização de Situações de Incumprimento (PERSI)
Refª: (…)
No cumprimento do disposto no artigo 14.º do D.L. 227/2012, de 25 de Outubro, comunicamos a V. Exa. que o contrato de crédito acima identificado se encontra em incumprimento desde 2018-01-01, estando em dívida o montante total de: EUR 147,66, assim discriminado:
(…)
Verificado este incumprimento, determina o diploma legal acima referido que informemos V. Exa., por esta via, que o(s) seu(s) crédito(s) passou(aram) a estar integrado(s) no regime nele previsto e denominado Procedimento Extrajudicial de Regularização de Situações de Incumprimento (PERSI), com efeitos a partir desta data.
Em consequência desta situação, o Banco tem que proceder a uma avaliação da sua atual capacidade financeira tendo em vista a procura de uma eventual solução para a resolução da situação de incumprimento. Para este efeito, deve dirigir-se ao Balcão acima identificado e facultar-nos, no prazo de 10 dias, informação detalhada sobre a sua atual situação financeira.
Para uma melhor e mais rigorosa avaliação da sua capacidade financeira, convidamo-lo a entregar desde já a seguinte documentação:
(…)
Nos termos da alínea d) do n.º 2 do artigo 17.º do D.L. 227/2012, de 25 de outubro, já atrás referido, alertamos V. Exa., que caso não sejam prestadas informações ou disponibilizados os documentos que forem solicitados, o presente Procedimento será considerado extinto.
Para que possa obter todas as informações que desejar, bem como negociar eventuais soluções para regularização da sua situação de incumprimento, deve contactar diretamente o balcão acima referido.
Ainda em cumprimento do mesmo diploma legal, enviamos a V. Exa., em anexo, um documento informativo cuja leitura aconselhamos. Para mais informações poderá consultar a nossa página na internet em http://www.....pt.
(…)»;
No Anexo enviado consta, designadamente, que «O PERSI extingue-se no 91.º dia após o seu início, se não for prorrogado por acordo entre as partes, ou com a declaração de insolvência do cliente bancário.»
- Carta datada de 10/04/2018, dirigida ao Executado, com o seguinte teor:
«(…)
Assunto: Regularização Extrajudicial de Situações de Incumprimento
Comunicação de Incumprimento posterior à integração no Procedimento Extrajudicial de Regularização de Situações de Incumprimento (PERSI)
Refª: (…)
No cumprimento do disposto nos n.ºs 3 e 4 do artigo 14.º do D.L. 227/2012 de 25 de outubro, comunicamos a V. Exa. que o contrato de crédito acima identificado se encontra em incumprimento desde 2018-04-09, estando em dívida o montante total de: EUR 55,46, assim discriminado:
(…)
Verificado este incumprimento, determina o diploma legal acima referido que informemos V. Exa., por esta via, que o(s) seu(s) crédito(s) passou(aram) a estar integrado(s) no regime nele previsto e denominado Procedimento Extrajudicial de Regularização de Situações de Incumprimento (PERSI), já anteriormente comunicado, pela nossa carta de 2018-02-26.
Mais se informa que a regularização da responsabilidade cujo incumprimento ora se comunica será integrada no Procedimento já em curso, de modo a ser encontrada uma solução global, com vista à regularização total das responsabilidades.
No caso de necessitar de algum esclarecimento ou informação complementar, poderá dirigir-se ao seu Balcão ou contactar-nos através do endereço eletrónico prevancaoegestaodeincump.@....pt.
Ainda em cumprimento do mesmo diploma legal, enviamos a V. Exa., em anexo, um documento informativo cuja leitura aconselhamos. Para mais informações poderá consultar a nossa página na internet em http://www.....pt.
(…)»;
No Anexo enviado consta, designadamente, que «O PERSI extingue-se no 91.º dia após o seu início, se não for prorrogado por acordo entre as partes, ou com a declaração de insolvência do cliente bancário.»
- Carta datada de 28/05/2018, dirigida ao Executado, com o seguinte teor:
«(…)
Assunto: Regularização Extrajudicial de Situações de Incumprimento
Comunicação de Extinção do Procedimento Extrajudicial de Regularização de Situações de Incumprimento (PERSI)
Refª: (…)
Serve a presente para comunicar a V. Exa(s). que, por virtude de ter decorrido o 91.º dia desde a data de integração no Procedimento Extrajudicial de Regularização de Situações de Incumprimento (PERSI) sem que tenha sido regularizado o incumprimento que determinou aquela integração do seu crédito, se extingue, com esta comunicação, o referido Procedimento, podendo o Banco a qualquer momento proceder à resolução do contrato de crédito e à consequente execução judicial.
Esta comunicação é feita por imposição do disposto na alínea c) do n.º 1 do artigo 17.º do D.L. 227/2012, de 25 de outubro.
No caso de necessitar de algum esclarecimento ou informação complementar ou, eventualmente, pretender negociar soluções para a regularização da situação de incumprimento, poderá dirigir-se ao seu Balcão ou contactar-nos através do endereço eletrónico prevancaoegestaode.@.pt.
(…)»;
- Carta datada de 29/05/2018, dirigida ao Executado, com o seguinte teor:
«(…)
Assunto: Regularização Extrajudicial de Situações de Incumprimento
Comunicação de Extinção do Procedimento Extrajudicial de Regularização de Situações de Incumprimento (PERSI)
Refª: (…)
Serve a presente para comunicar a V. Exa(s). que, por virtude de ter decorrido o 20.º dia desde a data de integração no Procedimento Extrajudicial de Regularização de Situações de Incumprimento (PERSI) sem que tenha sido regularizado o incumprimento que determinou aquela integração do seu crédito, se extingue, com esta comunicação, o referido Procedimento, podendo o Banco a qualquer momento proceder à resolução do contrato de crédito e à consequente execução judicial.
Esta comunicação é feita por imposição do disposto na alínea c) do n.º 1 do artigo 17.º do D.L. 227/2012, de 25 de outubro.
No caso de necessitar de algum esclarecimento ou informação complementar ou, eventualmente, pretender negociar soluções para a regularização da situação de incumprimento, poderá dirigir-se ao seu Balcão ou contactar-nos através do endereço eletrónico prevancaoegestaode.@....pt.
(…)»;
- Carta datada de 22/11/2018, dirigida ao Executado, com o seguinte teor:
«(…)
Assunto: Regularização Extrajudicial de Situações de Incumprimento
Comunicação de Início do Procedimento Extrajudicial de Regularização de Situações de Incumprimento (PERSI)
Refª: (…)
No cumprimento do disposto no artigo 14.º do D.L. 227/2012, de 25 de outubro, comunicamos a V. Exa. que o contrato de crédito acima identificado se encontra em incumprimento desde 2018-03-01, estando em dívida o montante total de: EUR 691,36, assim discriminado:
(…)
Verificado este incumprimento, determina o diploma legal acima referido que informemos V. Exa., por esta via, que o(s) seu(s) crédito(s) passou(aram) a estar integrado(s) no regime nele previsto e denominado Procedimento Extrajudicial de Regularização de Situações de Incumprimento (PERSI), com efeitos a partir desta data.
Acresce que, para além da dívida suprarreferida, permanecem por liquidar as seguintes responsabilidades, assim discriminadas:
Contrato (…)
(…)
Em consequência desta situação, o Banco tem que proceder a uma avaliação da sua atual capacidade financeira tendo em vista a procura de uma eventual solução para a resolução da situação de incumprimento. Para este efeito, deve dirigir-se ao Balcão acima identificado e facultar-nos, no prazo de 10 dias, informação detalhada sobre a sua atual situação financeira.
Para uma melhor e mais rigorosa avaliação da sua capacidade financeira, convidamo-lo a entregar desde já a seguinte documentação:
(…)
Nos termos da alínea d) do n.º 2 do artigo 17.º do D.L. 227/2012, de 25 de outubro, já atrás referido, alertamos V. Exa., que caso não sejam prestadas informações ou disponibilizados os documentos que forem solicitados, o presente Procedimento será considerado extinto.
Para que possa obter todas as informações que desejar, bem como negociar eventuais soluções para regularização da sua situação de incumprimento, deve contactar diretamente o balcão acima referido.
Ainda em cumprimento do mesmo diploma legal, enviamos a V. Exa., em anexo, um documento informativo cuja leitura aconselhamos. Para mais informações poderá consultar a nossa página na internet em http://www.....pt.
(…)»;
No Anexo enviado consta, designadamente, que «O PERSI extingue-se no 91.º dia após o seu início, se não for prorrogado por acordo entre as partes, ou com a declaração de insolvência do cliente bancário.»
- Carta datada de 21/02/2019, dirigida ao Executado, com o seguinte teor:
«(…)
Assunto: Regularização Extrajudicial de Situações de Incumprimento
Comunicação de Extinção do Procedimento Extrajudicial de Regularização de Situações de Incumprimento (PERSI)
Refª: (…)
Serve a presente para comunicar a V. Exa(s). que, por virtude de ter decorrido o 91.º dia desde a data de integração no Procedimento Extrajudicial de Regularização de Situações de Incumprimento (PERSI) sem que tenha sido regularizado o incumprimento que determinou aquela integração do seu crédito, se extingue, com esta comunicação, o referido Procedimento, podendo o Banco a qualquer momento proceder à resolução do contrato de crédito e à consequente execução judicial.
Esta comunicação é feita por imposição do disposto na alínea c) do n.º 1 do artigo 17.º do D.L. 227/2012, de 25 de outubro.
No caso de necessitar de algum esclarecimento ou informação complementar ou, eventualmente, pretender negociar soluções para a regularização da situação de incumprimento, poderá dirigir-se ao seu Balcão ou contactar-nos através do endereço electrónico prevancaoegestaode.@....pt.
(…)».
Foi proferido despacho convidando o Exequente a exercer o contraditório acerca da eventual adoção do entendimento de acordo com o qual a carta de comunicação de extinção do PERSI não é suscetível de traduzir o cabal cumprimento do disposto no artigo 17.º, n.ºs 3 e 4, do Decreto-Lei n.º 227/2012, de 25/10, por não indicar o concreto fundamento legal da extinção nem, de forma conveniente, as concretas razões de facto pelas quais foi considerada inviável a manutenção do procedimento.
O Exequente apresentou-se a sustentar que, decorridos 91 dias desde a integração do executado no procedimento de PERSI, este procedimento de PERSI extinguiu-se, o que foi comunicado ao devedor, observando-se o regime inserto no Decreto-Lei n.º 227/2012, de 25/10.

II – O Objeto do Recurso
Foi proferida decisão que, considerando não terem sido cumpridos os requisitos legais nas comunicações relativas à extinção do PERSI, julgou oficiosamente verificada a exceção dilatória inominada insanável decorrente da falta de demonstração do válido cumprimento da obrigação de comunicação de extinção do Procedimento Extrajudicial de Regularização de Situações de Incumprimento instituído pelo Decreto-Lei n.º 227/2012, de 25/10, absolvendo o Executado da instância executiva, determinando a extinção da execução – artigos 573.º/2, 576.º/1 e 2, 578.º, 726.º/2, alínea b) e 734.º/1, do CPC.

Inconformado, o Exequente apresentou-se a recorrer, pugnando pela revogação da decisão recorrida, a substituir por outra que determine o processamento da ação executiva até final. As conclusões da alegação do recurso são as seguintes:
«A. Vem o presente recurso interposto da Douta Sentença proferida pelo Tribunal a quo que decidiu “julgar oficiosamente verificada a exceção dilatória inominada insanável decorrente do desrespeito pela exequente “(…) III, S.A.R.L.”, da demonstração da válida comunicação de extinção do Procedimento Extrajudicial de Regularização de Situações de Incumprimento instituído pelo Decreto-Lei n.º 227/2012, de 25/10, e, em consequência, absolver o executado (…) da instância executiva, determinando a extinção da execução – artigos 573.º, n.º 2, 576.º, n.ºs 1 e 2, 578.º, 726.º, n.º 2, alínea b), e 734.º, n.º 1, todos do Código de Processo Civil.”
B. A recorrente não se pode conformar com tal Sentença;
C. Dispõe o artigo 17.º/1, c), do DL n.º 227/2012, de 25 de outubro que o PERSI extingue-se no 91.º dia subsequente à data de integração do cliente bancário neste procedimento, salvo se as partes acordarem, por escrito, na respetiva prorrogação.
D. O procedimento do PERSI comporta várias fases, sendo que o cliente bancário deverá demonstrar e ter uma conduta de colaboração e cooperação com a entidade bancária na procura de uma solução concertada para a sua situação de incumprimento.
E. No caso sub judice, o cliente bancário remeteu-se ao silêncio total e absoluto, não fornecendo quaisquer informações ou pedidos, tendo facilmente chegado o 91º dia após a sua integração no PERSI;
F. Aqui chegado, foi-lhe enviada uma comunicação em suporte duradouro comunicando-lhe a extinção do PERSI pelo facto de terem decorrido mais de 90 dias sem que tivesse havido regularização dos valores em dívida;
G. Tanto do que decorre do DL n.º 227/2012, de 25 de outubro como também das orientações do Banco de Portugal, o fundamento é o decurso do prazo, operando este de forma automática;
H. O Banco (…), SA cumpriu integralmente com os ditames do DL do PERSI bem como do Aviso do Banco de Portugal: comunicou que após terem decorridos 91 dias sem que tenha havido regularização o procedimento se considerava extinto;
I. Existem 4 formas automáticas de operar a extinção do PERSI, segundo o Banco de Portugal: o pagamento, o acordo para a regularização, o decurso do prazo de 91 dias e a insolvência;
J. Formas automáticas estas que não dependem de mais nenhuma circunstância;
K. Em todo o processado, o cliente bancário remeteu-se ao silêncio, não colaborando em nada com a instituição bancária, em claro desinteresse com o que tinha plena consciência do que lhe poderia vir a acontecer;
L. Considerar que estamos perante uma exceção dilatória inominada insanável é, com todo o respeito e excelsa consideração que nos merece o Douto Tribunal a quo, manifestamente desproporcional e excessiva;
M. Neste sentido, atenta a prova documental já produzida (cópias de todas as missivas enviadas ao cliente bancário já carreadas nos autos) forçoso é concluir que a instituição bancária, Banco (…), SA, cumpriu escrupulosamente o disposto no DL 227/2012, de 25 de Outubro.
N. Tudo visto e ponderado, deverá a Douta Sentença proferida ser revogada, substituindo-se por outra que considere validamente efetuada a extinção do procedimento do PERSI, prosseguindo, assim, a execução os seus trâmites legais.»

Cumpre apreciar se existe fundamento para absolvição do Executado da instância / rejeição da execução com fundamento na falta de demonstração do válido cumprimento da obrigação de comunicação de extinção do Procedimento Extrajudicial de Regularização de Situações de Incumprimento instituído pelo Decreto-Lei n.º 227/2012, de 25/10.

III – Fundamentos
A – Dados a considerar: os suprarreferidos.

B – A questão do Recurso
A decisão que foi oficiosamente proferida em 1.ª Instância, com fundamento na exceção dilatória insanável decorrente na falta de demonstração de extinção do PERSI (artigo 18.º/1, alínea b), do DL n.º 227/2012, de 25/10), determinou a absolvição do Executado da instância e a consequente extinção da execução.
Nos termos do disposto no artigo 278.º do CPC, sendo julgada procedente uma exceção dilatória insuprível deve o Tribunal abster-se de conhecer do pedido e absolver o réu ou do requerido da instância.
No entanto, no âmbito do processo executivo:
- se for detetada em sede de despacho liminar, implica no indeferimento liminar do requerimento executivo – cfr. artigo 726.º/2, do CPC;
- se for detetada posteriormente e até ao primeiro ato de transmissão dos bens penhorados, implica na rejeição da execução, extinguindo-se a instância executiva – cfr. artigo 734.º/ 1 e 2, do CPC.
Vejamos, então, se existe fundamento para rejeição da execução por falta de demonstração da extinção do PERSI.
O PERSI (Procedimento Extrajudicial de Regularização de Situações de Incumprimento) visa “aferir da natureza pontual ou duradoura do incumprimento registado, avaliar a capacidade financeira do consumidor e, sempre que tal seja viável, apresentar propostas de regularização adequadas à situação financeira, objetivos e necessidades do consumidor.”[1] Mantendo-se o incumprimento das obrigações decorrentes do contrato de crédito, o cliente bancário é obrigatoriamente integrado no PERSI, recaindo sobre a instituição de crédito o dever informar o cliente bancário da sua integração no PERSI, através de comunicação em suporte duradouro – artigo 14.º, n.ºs 1 e 4, do DL n.º 227/2012; extinto que seja o PERSI, cabe à instituição de crédito informar o cliente bancário, através de comunicação em suporte duradouro, da extinção do PERSI, descrevendo o fundamento legal para essa extinção e as razões pelas quais considera inviável a manutenção deste procedimento – artigo 17.º, n.º 3, do citado DL.
O artigo 17.º do mencionado procedimento, dispondo sobre a extinção do PERSI, determina o seguinte:
1 - O PERSI extingue-se:
a) Com o pagamento integral dos montantes em mora ou com a extinção, por qualquer outra causa legalmente prevista, da obrigação em causa;
b) Com a obtenção de um acordo entre as partes com vista à regularização integral da situação de incumprimento;
c) No 91.º dia subsequente à data de integração do cliente bancário neste procedimento, salvo se as partes acordarem, por escrito, na respetiva prorrogação; ou
d) Com a declaração de insolvência do cliente bancário.
2 - A instituição de crédito pode, por sua iniciativa, extinguir o PERSI sempre que:
a) Seja realizada penhora ou decretado arresto a favor de terceiros sobre bens do devedor;
b) Seja proferido despacho de nomeação de administrador judicial provisório, nos termos e para os efeitos do disposto na alínea a) do n.º 3 do artigo 17.º-C do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas;
c) A instituição de crédito conclua, em resultado da avaliação desenvolvida nos termos do artigo 15.º, que o cliente bancário não dispõe de capacidade financeira para regularizar a situação de incumprimento, designadamente pela existência de ações executivas ou processos de execução fiscal instaurados contra o cliente bancário que afetem comprovada e significativamente a sua capacidade financeira e tornem inexigível a manutenção do PERSI;
d) O cliente bancário não colabore com a instituição de crédito, nomeadamente no que respeita à prestação de informações ou à disponibilização de documentos solicitados pela instituição de crédito ao abrigo do disposto no artigo 15.º, nos prazos que aí se estabelecem, bem como na resposta atempada às propostas que lhe sejam apresentadas, nos termos definidos no artigo anterior;
e) O cliente bancário pratique atos suscetíveis de pôr em causa os direitos ou as garantias da instituição de crédito;
f) O cliente bancário recuse a proposta apresentada, sem prejuízo do disposto no n.º 1 do artigo anterior; ou
g) A instituição de crédito recuse as alterações sugeridas pelo cliente bancário a proposta anteriormente apresentada, sem prejuízo do disposto no n.º 2 do artigo anterior.
3 - A instituição de crédito informa o cliente bancário, através de comunicação em suporte duradouro, da extinção do PERSI, descrevendo o fundamento legal para essa extinção e as razões pelas quais considera inviável a manutenção deste procedimento.
4 - A extinção do PERSI só produz efeitos após a comunicação referida no número anterior, salvo quando o fundamento de extinção for o previsto na alínea b) do n.º 1.

5 - O Banco de Portugal define, mediante aviso, os elementos informativos que devem acompanhar a comunicação prevista no n.º 3.
Segue o artigo 18.º, dispondo sobre as garantias do cliente bancário, estatuindo que no período compreendido entre a data de integração do cliente bancário no PERSI e a extinção deste procedimento, a instituição de crédito está impedida de intentar ações judiciais tendo em vista a satisfação do seu crédito – cfr. n.º 1, alínea b).
O Aviso do Banco de Portugal n.º 17/2012, vigente à data da expedição das cartas de comunicação de extinção do PERSI, determinava no artigo 8.º o seguinte:
A comunicação pela qual a instituição informa o cliente bancário da extinção do PERSI deve conter, em termos claros, rigorosos e facilmente legíveis, os seguintes elementos:
a) Descrição dos factos que determinam a extinção do PERSI ou que justificam a decisão da instituição de pôr termo ao referido procedimento, com indicação do respetivo fundamento legal;
(…)
Decorre do citado regime que a integração de cliente bancário no PERSI é obrigatória quando verificados os seus pressupostos e a ação judicial destinada a satisfazer o crédito só poderá ser intentada pela instituição de crédito contra o cliente bancário, devedor mutuário, após a extinção do PERSI, conforme decorre do disposto no artigo 18.º, n.º 1, alínea b), do DL n.º 227/2012. A omissão da informação, a falta de integração do devedor no PERSI pela instituição de crédito ou a ausência de comunicação da extinção do procedimento constituem violação de normas de carácter imperativo. Deste modo, sendo o seu cumprimento verdadeira condição de procedibilidade, o respetivo incumprimento configura exceção dilatória atípica ou inominada e insuprível.[2]
Ora, o PERSI extingue-se com a verificação de qualquer uma das circunstâncias previstas nas alíneas do n.º 1 do artigo 17.º: o pagamento integral ou outra causa de extinção da obrigação, o acordo para pagamento integral, o decurso do prazo de 90 dias a contar da integração no procedimento e a declaração de insolvência do cliente bancário;
o PERSI é extinto por iniciativa da instituição de crédito sempre que se verifique qualquer uma das circunstâncias previstas nas alíneas do n.º 2 do artigo 17.º.
E o PERSI só pode ser extinto por iniciativa da instituição de crédito caso não se tenha já extinguido, nomeadamente pelo decurso do prazo de 90 dias.
Verificando-se qualquer uma das circunstâncias que, por força da lei, determinam a extinção do PERSI (n.º 1 do artigo 17.º), deve o cliente bancário ser informado do facto que determinou a extinção. Não há lugar a descrição dos factos que justificam a decisão da instituição de pôr termo ao procedimento porquanto essa decisão não foi tomada pela instituição. Se o procedimento se extinguiu pelo decurso do prazo de 90 dias, não foi extinto por iniciativa da instituição de crédito. Se esta não decidiu determinar a extinção do PERSI, claro está que não tem que indicar as razões pelas quais considera inviável a manutenção do procedimento (que se extinguiu por força da lei).
Tal como o caso em que o cliente bancário seja declarado insolvente (alínea d) do n.º 1 do artigo 17.º). Se o cliente bancário for declarado insolvente decorridos que estejam, por ex., 60 dias desde a integração no PERSI, o procedimento resulta extinto por força da lei. A instituição de crédito está adstrita ao dever de informar o cliente bancário da extinção do PERSI, descrevendo o fundamento legal para essa extinção – a declaração de insolvência.
Está, ainda, adstrita a informar o cliente bancário das razões pelas quais considera inviável a manutenção deste procedimento?
Está na disponibilidade da instituição de crédito considerar (in)viável a manutenção do procedimento?
Manifestamente, não está.
Acompanhamos, assim, a jurisprudência deste Tribunal plasmada no Ac. de 09/02/2023[3] na análise do citado artigo 17.º: “quando ocorre um dos fundamentos de extinção enunciados no n.º 1, a tarefa informativa do Banco está facilitada já que aí se elencam, afinal, os fundamentos (automáticos[4]) de extinção do PERSI.
Não se descortina que explicitação adicional é de exigir ao Banco quando esteja em causa uma das situações aí objetivamente definidas: pagamento ou extinção da dívida, obtenção de um acordo; decurso do prazo de 90 dias subsequente à data de integração do cliente bancário neste procedimento ou declaração de insolvência do cliente bancário.
Portanto, a explicitação das razões da inviabilidade da manutenção do procedimento só faz, a nosso ver, sentido quando a extinção do PERSI tenha por fundamento uma das situações em que o Banco decide pôr-lhe termo à luz do disposto no n.º 2 do artigo 17.º, mormente nas elencadas nas alíneas c) e e) em que tal exigência se coloca com maior acuidade (v.g. discriminação dos atos praticados pelo cliente bancário que no entender do Banco são suscetíveis de pôr em causa os direitos ou as garantias da mesma instituição de crédito).”
Decorridos que sejam os 90 dias previstos no artigo 17.º/1, c), do PERSI, o procedimento considera-se extinto ope legis. Tendo a instituição de crédito diligenciado pela concretização do PERSI antes de propor a ação executiva, inexiste fundamento para julgar verificada a exceção dilatória inominada invocada, devendo o requerimento executivo ser liminarmente admitido.[5]
Reiteramos, assim, o teor do Acórdão deste Tribunal proferido a 15/06/2023[6]: «se o procedimento bancário ficar votado ao insucesso por falta de colaboração do cliente bancário e se este estava já informado que o PERSI se extinguia no 91.º dia após o seu início, se não for prorrogado por acordo das partes, pode a carta de extinção do procedimento limitar-se a invocar o decurso de tal prazo.[7]
Na verdade, a explicitação das “razões da inviabilidade da manutenção do procedimento” só é exigível quando a extinção do PERSI tenha por fundamento uma situação que não seja de funcionamento automático (por natureza, o pagamento, o acordo ou a insolvência impedem a instauração da ação executiva e o decurso do prazo corresponde a um inadimplemento de uma obrigação positiva de informação que, ipso facto, inviabiliza a composição extrajudicial, por mútuo acordo, da situação de incumprimento) e que decorra da avaliação efetuada pela instituição bancária. (…) apenas nas situações contempladas no n.º 2 do mesmo artigo 17.º a instituição de crédito ou entidade equivalente fica vinculada com o ónus de justificar a razão do insucesso do processo negocial de regularização de dívidas, em termos claros, rigorosos e facilmente legíveis, de forma a que o correspondente motivo extintivo possa ser escrutinado pela parte e avaliado substancialmente pelo Tribunal.»
No caso em apreço, o cliente bancário foi informado na integração do PERSI fazendo-se menção de que o procedimento se extinguiria no 91.º dia após o seu início, se não fosse prorrogado por acordo entre as partes, ou com a declaração de insolvência do cliente bancário. Decorrido que estava o prazo de 90 dias, o cliente bancário foi informado da extinção do procedimento associado ao contrato de crédito por terem decorrido 91 dias após o seu início. Não obstante na carta data de 29/05/2018 constar a extinção do PERSI por ter decorrido o 20.º dia desde a integração no procedimento (o que se atribui a erro de escrita revelado no próprio texto da carta, atento o assunto mencionado e a alusão do regime legal aplicável – cfr. artigo 249.º do CC), certo é que, relativamente ao mesmo contrato, foi enviada a carta datada de 21/02/2019 comunicando a extinção do PERSI.
Nos termos das disposições conjugadas dos artigos 17.º, n.º 1, alínea c), n.ºs 3 a 5, 18.º do DL n.º 227/2012 e 8.º do Aviso do BP n.º 17/2012, afigura-se ter sido regulamente cumprido o regime legal atinente à extinção do PERSI, pelo que não está a Recorrente impedida de intentar e prosseguir a presente ação executiva tendo em vista a satisfação do seu crédito.
Se bem que o citado regime legal tenha em vista promover a concessão responsável de crédito pelas instituições financeiras, impondo-se uma atuação prudente, correta e transparente das referidas entidades em todas as fases das relações de crédito estabelecidas com os seus clientes enquanto consumidores[8], importa, por outro lado, acautelar o direito dos credores à cobrança dos respetivos créditos por via judicial. Aos Tribunais cabe servir os utentes da justiça, cujo preço estes, em regra, suportam, pelo que, para além dos casos expressamente previstos, não devem ser oficiosamente opostos entraves ao exercício judiciário dos direitos pelos respetivos titulares – note-se que são residualíssimas (inexistentes?) as arguições, pelos executados, de falta de conhecimento dos factos que determinaram a extinção do PERSI ou dos factos que justificaram a decisão da instituição de pôr termo ao PERSI antes de decorrido o respetivo prazo de vigência com fundamento na circunstância de ser equívoca, ou vaga, ou desprovida da indicação dos factos relevantes, a comunicação de extinção do PERSI.

Procedem as conclusões da alegação do presente recurso.

Sumário: (…)


IV – DECISÃO
Nestes termos, decide-se pela procedência do recurso, em consequência do que se revoga a decisão recorrida, a qual deverá ser substituída por outra que determine o prosseguimento da ação executiva.

Sem custas.

*

Évora, 23 de novembro de 2023
Isabel de Matos Peixoto Imaginário
Vítor Sequinho dos Santos, vencido, nos termos da declaração que segue.
Francisco Matos

Voto de vencido:
O acórdão adere à tese segundo a qual, na hipótese de o PERSI se extinguir nos termos da alínea c) do n.º 1 do artigo 17.º do Decreto-Lei n.º 227/2012, de 25 de Outubro, com as alterações introduzidas pelo Decreto-Lei n.º 70-B/2021, de 6 de Agosto, a instituição de crédito não tem de explicitar, na comunicação prevista no n.º 3 do mesmo artigo, as razões pelas quais considera inviável a manutenção daquele procedimento, bastando a informação de que aquela extinção ocorreu em virtude de ter decorrido o 91.º dia desde a data da integração do devedor no mesmo procedimento sem que tivesse havido regularização dos valores em dívida.
Discordo deste entendimento, pois assenta numa interpretação restritiva do n.º 3 do artigo 17.º do Decreto-Lei n.º 227/2012, para a qual não encontro fundamento válido. Considero que a exigência, constante desta norma, de que a instituição de crédito informe o cliente bancário, através de comunicação em suporte duradouro, da extinção do PERSI, descrevendo o fundamento legal para essa extinção e as razões pelas quais considera inviável a manutenção deste procedimento, é inteiramente aplicável à hipótese prevista na alínea c) do n.º 1 do mesmo artigo. Subscrevo, pois, o entendimento seguido nos acórdãos desta Relação de 14.07.2021 (Maria da Graça Araújo), 25.11.2021 (Maria Adelaide Domingos), 07.04.2022 (Maria da Graça Araújo), 24.11.2022 (Maria Adelaide Domingos), 12.07.2023 (Ana Pessoa) e 12.07.2023 (Elisabete Valente), publicados em http://www.dgsi.pt/, bem como na decisão singular, também desta Relação, proferida em 22.05.2023, no proc. n.º 1605/20.9T8ENT.E1 (José António Moita), não publicada.
Confirmaria, pois, a sentença recorrida.
Vítor Sequinho dos Santos


__________________________________________________
[1] Cfr. Preâmbulo do DL n.º 227/2012, de 25 de outubro.
[2] Ac. TRE de 15/09/2022 (Maria Domingas Simões).
[3] Relatado por Maria João Sousa e Faro.
[4] É o próprio Banco de Portugal que no seu portal ( https://clientebancario.bportugal.pt/pt-pt/gestao-do-incumprimento) assim os qualifica: “O PERSI extingue-se ainda automaticamente (…)”
[5] Ac. TRE de 11/05/2023 (José Manuel Barata).
[6] Relatado por José Manuel Tomé de Carvalho, subscrito pela ora relatora.
[7] Ac. TRE de 26/05/2022 relatado por Mário Branco Coelho, subscrito pela ora relatora; decisão singular de 09/06/2023 proferida por Rui Machado e Moura.
[8] Cfr. preâmbulo do DL n.º 227/2012.