Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
3366/21.5T8ENT.E1
Relator: MARIA JOÃO SOUSA E FARO
Descritores: PERSI
EXCEPÇÃO DILATÓRIA INOMINADA
CONDIÇÃO DE PROCEDIBILIDADE
Data do Acordão: 11/07/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário:
Só a prova da existência de resolução do contrato em momento anterior à entrada em vigor do regime do PERSI e por consequência da sua extinção antes de 1.1.2013, poderia eximir o exequente de cumprir os procedimentos legais previstos no art.13º e 15º do D.L. nº 272/2012, de 25 de Outubro.
(Sumário elaborado pela Relatora)
Decisão Texto Integral:
I. RELATÓRIO

1. EXPAND ALTERNATIVE INVESTMENTS, S.A, instaurou execução para pagamento de quantia certa contra AA e BB alegando que em 23.04.1998 foi celebrado entre a Peninsular Crédito– Sociedade Financeira para aquisições a Crédito, S.A que foi integrada por fusão no Banco BPI S.A., e os executados o contrato de mútuo com o nº 004023519107001; que por contrato de cessão de créditos, outorgado em 15 de Março 2017, celebrado com o BANCO BPI, S.A., a exequente EXPAND ALTERNATIVE INVESTMENTS, S.A. adquiriu inúmeros créditos, incluindo o citado contrato de mútuo , tendo tal cessão sido notificada aos executados.

Mais referiu que apresentou requerimento de injunção por os executados não terem liquidado os pagamentos a que estavam obrigados, ao qual veio a ser aposta a fórmula executória.

Em sede liminar, a exequente foi notificada para, em 10 dias, juntar aos autos PERSI, bem como os respetivos documentos comprovativos do envio das cartas em causa, designadamente registos postais e/ou respetivos avisos de receção.

A exequente refutou, justificadamente, a obrigatoriedade de cumprimento do PERSI, admitindo/confessando não ter iniciado nenhum procedimento de PERSI.

Sem embargo, entendeu o Tribunal “a quo” que não tendo a exequente cumprido previamente o PERSI, nos termos impostos pelo Decreto – Lei n.º 227/2012, de 25/10, “falta condição objectiva de procedibilidade, com a consequente inexigibilidade da dívida exequenda, bem como falta de admissibilidade liminar, o que constitui excepção dilatória inominada, de conhecimento oficioso”.

Por consequência, determinou a extinção da instância executiva e/ou respectivos embargos com tais fundamentos.

2. É desta decisão que recorre a exequente, formulando na sua apelação as seguintes conclusões:

I. Reportam-se as presentes alegações à Douta sentença proferida pelo Juízo de Execução do Entroncamento – juiz 2 do Tribunal Judicial da Comarca de Santarém que decidiu rejeitar o requerimento executivo para pagamento de quantia, julgando verificada a exceção dilatória inominada de falta de PERSI, extinguindo, assim, a execução movida pela Recorrente.

II. A Douta sentença recorrida aplicou mal o direito, tendo interpretado mal o DL n.º 227/2012, de 25/10, ao considerar que os contratos subjacentes in casu estavam sujeitos a PERSI.

III. E nessa sequência, entendeu o Tribunal recorrido que a Recorrente, não cumpriu previamente o PERSI, nos termos impostos pelo DL n-º 227/2012, de 25/10, em virtude da falta de condição objetiva de procedibilidade, com a consequente inexigibilidade da dívida exequenda, e ainda da falta de admissibilidade liminar, o que constitui excepção dilatória inominada, de conhecimento oficioso, que determina a extinção da instância executiva.

IV. Veja-se o art. 39º: “1. São automaticamente integrados no PERSI e sujeitos às disposições do presente diploma os clientes bancários que, à data de entrada em vigor do presente diploma, se encontrem em mora relativamente ao cumprimento de obrigações decorrentes de contratos de crédito que permaneçam em vigor, desde que o vencimento das obrigações em causa tenha ocorrido há mais de 30 dias. 2 - Nas situações referidas no número anterior, a instituição de crédito deve, nos 15 dias subsequentes à entrada em vigor do presente diploma, informar os clientes bancários da sua integração no PERSI, nos termos previstos no n.º 4 do artigo 14.º 3 - Os clientes bancários que, à data de entrada em vigor do presente diploma, se encontrem em mora quanto ao cumprimento de obrigações decorrentes de contratos de crédito há menos de 31 dias são integrados no PERSI nos termos previstos no n.º 1 do artigo 14.º”.

V. Ora, a aplicação do PERSI tem como pressuposto, além da manutenção da mora no incumprimento das obrigações contratuais, que o contrato permaneça em vigor, o que não ocorre se àquela data o contrato já tiver sido objeto de resolução com fundamento no incumprimento.

VI. Com especial relevo para a situação em apreço vejamos o defendido pelos Tribunais superiores, que sobre a matéria em causa, que a título exemplar citamos e nos ensinam que: “O Decreto-Lei n.º 227/2012, de 25 de Outubro, definiu os princípios e regras a observar pelas instituições de crédito na prevenção e na regularização das situações de incumprimento de contratos de crédito pelos clientes bancários, estabelecendo a rede extrajudicial de apoio a esses clientes no âmbito da regularização dessas situações, criando o Procedimento Extrajudicial de Regularização de Situações de Incumprimento-PERSI (artigos 12º a 22º). Por força deste regime legal as instituições de crédito têm o dever de promover as diligências necessárias à implementação do referido procedimento relativamente a clientes bancários que se encontrem em mora no cumprimento das obrigações decorrentes de contratos de crédito (cfr. art. 12.º), entendendo-se por «cliente bancário» o consumidor, na aceção dada pelo n.º 1 do art. 2.º da Lei de Defesa do Consumidor (Lei n.º 24/96, de 31.07), que intervenha como mutuário em contrato de crédito - cfr. art. 3.º, alínea a). Neste contexto, o PERSI estabelece uma particular proteção dos consumidores clientes bancários que, tendo celebrado os contratos referidos no art.º 2º do DL nº 227/2012, entrem em incumprimento das obrigações que contratualmente assumiram, com o objetivo central de conferir ao consumidor que se encontra em mora a oportunidade para renegociar o modo de cumprimento do contrato, privilegiando a sua modificação objetiva em vez da resolução e subsequente ação judicial, seja de condenação, seja executiva (quando o credor já se encontra munido de título executivo)3”(…) “A aplicação do regime de regularização de situações de incumprimento (PERSI) implementado pelo Decreto-Lei n.º 227/2012, de 25 de Outubro, aos casos de mora iniciados antes da entrada em vigor deste diploma, tem como pressuposto, além da manutenção da mora no incumprimento das obrigações contratuais, que o contrato permaneça em vigor, o que não ocorre se àquela data o contrato já tiver sido objecto de resolução com fundamento no incumprimento.

Assim, verificando-se que o contrato de crédito já havia sido resolvido antes da entrada em vigor do referido diploma, não tinha a instituição bancária que integrar o consumidor cliente bancário em PERSI, nem informar o fiador dessa possibilidade, antes de instaurar a execução.”

VII. Nestes termos, claro é que a Exequente não tinha obrigação de integrar os executados em PERSI, porquanto, o incumprimento do contrato era anterior à data da entrada em vigor do DL n.º 227/2012, que só entrou em vigor em 01/01/2013, e a esta data já havia sido declarado extinto o contrato, por resolução motivada por aquele incumprimento.

VIII. Além do mais, e como acima referido, a manutenção da mora no incumprimento das obrigações contratuais, exige que o contrato permaneça em vigor, o que não ocorre se àquela data o contrato já tiver sido objeto de resolução com fundamento no incumprimento.

IX. Assim, e tendo o incumprimento contratual ocorrido em 29/09/2003, o que veio a determinar a resolução do contrato de mútuo, ainda não vigorava o regime previsto no Decreto-Lei n.º 227/2012.

X. Por outro lado, quando este diploma legal iniciou a sua vigência (em 01.01.2013) já o contrato se encontrava extinto, por resolução motivada por aquele incumprimento.

XI. Destinando-se aquele apenas aos clientes bancários que, na referida data de 01/01/2013, se encontrem em mora, conclui-se que sobre a Exequente não impendia a obrigação de integrar os Executados no referido procedimento, porquanto o contrato já não se encontrava em vigor, tendo já ocorrido o incumprimento definitivo e subsequente resolução.

XII. Para tanto, o tribunal recorrido entendeu, em súmula que:

“o contrato é de 23/04/1998.

A mora é de, pelo menos, 29/09/2003.

A cessão de créditos é de 15/03/2017.

A injunção exequenda foi instaurada por via eletrónica em 17/05/2021.

O DL 227/12, de 25/10, entrou em vigo em 01/01/2013. (…)Os contratos subjacentes que constituem título executivo estão sujeitos a PERSI – arts. 2.º esp. N.º 1, als. a) a d), 39.º, n.º 1, 40.º, do Decreto-Lei n.º 227/2012. Com efeito, estão em causa contratos com consumidores abrangidos pelo art. 2.º do Decreto-Lei n.º 227/2012”.

XIII. As considerações efetuadas pelo Tribunal Recorrido – pois não assentam em qualquer elemento de facto inquestionável – extravasam, de forma clara, o princípio da livre apreciação da prova, pois se não efetuam com recurso à lógica probatória.

XIV. Note-se que não poderá o Tribunal concluir que os contratos se encontram no âmbito do PERSI, ignorando – por completo – a existência do incumprimento definitivo ocorrido em 29/09/2003.

XV. Assim, tendo aquele regime entrado em vigor apenas em 01 de Janeiro de 2013 (cf. artigo 40º), e a esta data, já o contrato de mútuo se encontrava extinto por resolução operada pela Exequente, com fundamento no incumprimento do contrato que ocorria desde 29/09/2023, não resulta demonstrado que teria aquela que integrar o Executados em PERSI.

XVI. Não obstante o entendimento da D. sentença, não nos podemos olvidar que foi intentado um requerimento de injunção (n.º 47319/21.3YIPRT), na qual foi os ora Executados demandados a procederem ao pagamento da quantia de € 9.975,75 (nove mil novecentos e setenta e cinco euros e setenta e cinco cêntimos) referente ao incumprimento do Contrato de Universo com o nº004023519107001 – sendo a dívida no valor de € 5.750,58 (cinco mil setecentos e cinquenta euros e cinquenta e oito cêntimos), no qual acresceram juros de mora à taxa legal de 4,00 %, no valor de € 4.123,17 (quatro mil cento e vinte e três euros e dezassete cêntimos), desde a data do incumprimento, a 29.09.2003, até à data de entrada do requerimento injuntivo.

XVII. E, por não ter sido paga a quantia determinada, nem ter sido deduzida oposição ao requerimento de injunção, foi-lhe aposta a respetiva fórmula executória ao abrigo do disposto no art.º 14 do DL n.º 269/98 de 1 de Setembro.

XVIII. Nessa instância, se não pode conceder que o incumprimento se deveu noutra data que não aquela – 29/09/2003.

XIX. Deste modo, não tinha a instituição bancária que integrar os devedores em PERSI, nem informar o fiador, como estipulado no n.º 3 do artigo 21º, antes de instaurar a execução.

XX. Veja-se o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 19/02/2019 (proc. n.º 144/13.9TCFUN-A.L1.S1), disponível em www.dgsi.pt, onde se concluiu que: «I- A exigência de integração dos clientes bancários, em situação de mora há mais de um ano, à data da entrada em vigor do DL n.º 227/2012, de 25-10, no regime de regularização (PERSI) ali estabelecido, depende, nos termos do respectivo art. 39.º, da vigência dos contratos de crédito – o que não ocorre se estes entretanto já tiverem sido objecto de resolução com fundamento no incumprimento.»

XXI. Mais se diga que o referido diploma não prevê qualquer retroactividade pelo que, forçoso será de concluir que não é aplicável ao contrato sub judice.

Caso assim não se entenda, ao que se não concede, ainda se dirá que.

XXII. Não obstante o tribunal recorrido ter entendido que aqui Recorrente não juntou aos autos os documentos comprovativos do envio das referidas cartas do PERSI – o que se não concedia, porquanto se não aplicaria -, designadamente os registos postais, e/ou avisos de receção, certo é que a lei somente determina que, a extinção, tal como os outros atos no âmbito do PERSI, seja comunicada em suporte duradouro.

XXIII. Deste modo, não prevendo o diploma que rege o PERSI e Instrução do Banco de Portugal que o regulamenta tal observância, não poderá, salvo melhor entendimento, o julgador exigir tal formalidade

XXIV. Ao decidir como decidiu o Tribunal violou e fez incorreta apreciação do DL n.º 227/2012.

Nestes termos e nos melhores de direito, face a todo o exposto, deve a sentença recorrida ser revogada e substituída por outra que aplique corretamente o direito e que, em consequência, admita o requerimento executivo e consequente prosseguimento dos autos, fazendo-se, assim, a acostumada JUSTIÇA!

3. Os executados contra-alegaram defendendo a manutenção do decidido.

4. O objecto do recurso- delimitado pelas conclusões do recorrente (cfr.art.ºs 608ºnº2,609º,635ºnº4,639ºe 663º nº2, todos do CPC) – circunscreve-se apenas à questão de saber se o regime do PERSI, constante do D.L. nº 227/2012, de 25-10 é de aplicar ao contrato de mútuo sub judice outorgado entre a Peninsular Crédito -SFAC, S.A. e os executados.

II. FUNDAMENTAÇÃO


5. Os factos a considerar no âmbito deste recurso são os que se deixaram exarados no antecedente relatório, sendo de relevar os seguintes:

5.1. O contrato de mútuo foi celebrado em 23/04/1998;

5.2. Os executados deixaram de efectuar os pagamentos a que estavam obrigados em 29/09/2003;

5.3. A cessão de créditos ocorreu em 15/03/2017;

5.4. injunção exequenda foi instaurada por via eletrónica em 17/05/2021.


6. Do mérito do recurso: Da (in)aplicabilidade do regime do PERSI, constante do D.L. nº 227/2012, de 25-10 ao contrato de mútuo sub judice.

Como é consabido, o D.L. nº 272/2012, de 25 de Outubro que veio instituir o Procedimento Extrajudicial de Regularização de Situações de Incumprimento, doravante designado por PERSI, entrou em vigor em 1.1.2013 e é aplicável a todos os clientes bancários que se encontrem em mora no cumprimento de obrigações decorrentes de contratos de crédito.

Com o Procedimento extrajudicial de regularização de situações de incumprimento (PERSI) “os clientes bancários beneficiam de um conjunto de direitos e de garantias para facilitar a obtenção de um acordo com as instituições de crédito na regularização de situações de incumprimento, evitando o recurso aos tribunais.”[1]

Concordamos com o apelante quando refere ser pressuposto da aplicabilidade do citado regime a subsistência do contrato à data da entrada em vigor do D.L. nº 272/2012, de 25 de Outubro.

Efectivamente, dispõe o artigo 39.º sob a epígrafe “Aplicação no tempo” o seguinte:
1 - São automaticamente integrados no PERSI e sujeitos às disposições do presente diploma os clientes bancários que, à data de entrada em vigor do presente diploma, se encontrem em mora relativamente ao cumprimento de obrigações decorrentes de contratos de crédito que permaneçam em vigor, desde que o vencimento das obrigações em causa tenha ocorrido há mais de 30 dias.
2 - Nas situações referidas no número anterior, a instituição de crédito deve, nos 15 dias subsequentes à entrada em vigor do presente diploma, informar os clientes bancários da sua integração no PERSI, nos termos previstos no n.º 4 do artigo 14.º
3 - Os clientes bancários que, à data de entrada em vigor do presente diploma, se encontrem em mora quanto ao cumprimento de obrigações decorrentes de contratos de crédito há menos de 31 dias são integrados no PERSI nos termos previstos no n.º 1 do artigo 14.º”.

Para justificar a inaplicabilidade do regime ao contrato em apreço, o apelante invocou (e invoca) que o contrato foi resolvido (sem concretizar a data) antes da entrada em vigor do diploma.

Porém, olvida-se que a resolução (um dos modos possíveis de extinção dos contratos) opera por meio de declaração unilateral, receptícia, do credor que, nos termos do artigo 224.º do Cód.Civil, só produz efeitos quando chega ao destinatário ou deste é conhecida.
“Ao declarar que resolve o contrato o declarante não está pois (apenas) a descrever uma acção, mas a fazê-la, isto é, a resolver o contrato.
Trata-se de um enunciado performativo, elemento constitutivo da resolução.”[2].

Ficou inequivocamente por demonstrar por parte do exequente sobre quem recaía tal ónus (apesar da admonição do Tribunal) que tal declaração tenha sido efectuada aos executados /mutuários pelo (então) credor/mutuante.

Só a prova da existência de resolução do contrato em momento anterior à entrada em vigor do regime do PERSI e por consequência da sua extinção antes de 1.1.2013, poderia eximir o exequente de cumprir os procedimentos legais previstos no art.13º e 15º do citado diploma, os quais, aliás confessadamente, não trilhou.

Tendo tal procedimento aplicação obrigatória quando o cliente bancário consumidor incorre numa situação de incumprimento de obrigações resultantes de contratos de crédito, constituindo um instrumento extrajudicial de proteção daquele, imposto às instituições bancárias, impeditivo de, antes do seu decurso, serem desencadeados procedimentos judiciais com vista à satisfação desses mesmos créditos, estava vedado ao ora exequente intentar qualquer acção judicial tendente a obter o pagamento.

Por conseguinte, se previamente não tiver havido integração dos mutuários em PERSI, como aqui não sucedeu, ocorre uma excepção dilatória insuprível, que determina a extinção da instância executiva, como na decisão recorrida bem se decidiu.

III. DECISÃO

Por todo o exposto se acorda em julgar improcedente a apelação e manter a decisão recorrida.

Custas pelo apelante.
Évora, 7 de Novembro 2023
Maria João Sousa e Faro ( relatora)
Ana Pessoa,
José António Moita

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[1] Idem, site do Banco de Portugal.
[2] Joana Farrajota em “ Os Efeitos da Resolução Infundada por Incumprimento do Contrato”, pag.31, consultável em:
https://run.unl.pt/bitstream/10362/18555/1/Farrajota_2013.pdf